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Da terceirização no Brasil e a responsabilidade da administração pública

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A Administração Pública só deve ser responsabilizada subsidiariamente quando a terceirização for contratada de forma culposa, sem a devida cautela do Poder Público com relação à idoneidade da empresa terceirizante.

RESUMO: O presente estudo analisará o contrato de terceirização no âmbito da Administração Pública, bem como a sua responsabilidade nos referidos contratos após o julgamento da ADC nº 16 pelo Supremo Tribunal Federal. O presente trabalho analisará o contrato de terceirização no Brasil, em especial no âmbito da Administração Pública e, após, abordará a responsabilização do estado nesse tipo de contrato, explanando a decisão do STF que entendeu pela constitucionalidade do art. 71, §1°, da Lei 8.666/93, a qual, inclusive, ensejou a alteração da Súmula nº 331 do TST.

Palavras-chave: Direito do Trabalho, Contrato de terceirização. Responsabilização da Administração Pública. Ação Direta de Constitucionalidade nº 16. Súmula nº 331, do TST.

SUMÁRIO: 1. Conceito de Terceirização – 2. Da terceirização na Administração Pública – 3.Da súmula 331, do TST. 3.1. Diferença entre atividade-fim e atividade-meio. 4. Da responsabilidade da Administração Pública nos contratos de terceirização – ADC nº. 16/STF. Conclusão. Referências


INTRODUÇÃO

A terceirização constituiu-se em um fenômeno recente, adotado tanto pelo setor privado quanto pelo setor público, mostrando-se hábil a assegurar um sistema de trabalho mais dinâmico e eficiente, através do repasse a terceiros de tarefas meramente instrumentais.

Ocorre a terceirização quando uma empresa, ao invés de executar serviços diretamente através de seus empregados, contrata outra empresa, para que esta realize o serviço com o seu pessoal e sob sua responsabilidade.

Há, assim, a presença de 3 pessoas envolvidas: o trabalhador, a empresa prestadora de serviços e a empresa tomadora dos serviços, formando-se uma relação tripartite.

A terceirização não é uma novidade para a Administração Pública. No Decreto-Lei nº 200, de 1967, foi prevista a possibilidade de a Administração desobrigar-se da realização material de atividades executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato.

Verifica-se que a legislação brasileira não disciplina especificamente a terceirização, cujos parâmetros coube à Súmula 331 do TST normatizar

A ausência dessa disciplina legal provoca celeumas e discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, especialmente com relação às atividades que podem ser terceirizadas.

Destarte, imperioso analisar as repercussões do entendimento do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADC nº 16, concernente à responsabilização do Estado, enquanto tomador de serviços, pelas verbas trabalhistas reconhecidas judicialmente e não pagas pelas empresas terceirizadas.


1. CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO

A terceirização é uma realidade nas relações de trabalho, originada das mudanças no sistema econômico e da flexibilização das normas.

Não existe legislação que defina a terceirização, papel este que coube à doutrina.

Segundo Lívio Giosa, terceirização é: “[...] um processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades para terceiros, com os quais se estabelece uma relação de parceria, ficando a empresa concentrada apenas em tarefas essencialmente ligadas ao negócio em que atua.”1

Para Ciro Pereira da Silva, o fenômeno da terceirização pode ser definido como: “[...] a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e ganhando competitividade.”2.

Já os juristas evidenciam o fenômeno a partir de outro ponto de vista. Segundo Paulo Moraes, enquanto os administradores estudam a terceirização com o fim da eficácia empresarial, a comunidade jurídica analisa o instituto a partir da dinâmica instalada nas relações entre as pessoas jurídicas terceirizantes e terceirizadas3.

Em resumo, o termo “terceirização” deve ser entendido como uma técnica administrativa de desconcentração, que provoca uma relação jurídica trilateral, por meio da qual o trabalhador presta serviços a um tomador de serviços, apesar de possuir contrato laborativo com uma empresa interveniente ou fornecedora, sem com esta forma vínculo de emprego.


2. DA TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A terceirização surgiu como uma forma mais flexível de trabalho, com o objetivo de permitir um maior foco das empresas em suas atividades centrais e menores custos de produção.

A finalidade da terceirização consiste em permitir que se possa captar o trabalho das atividades-meio através de um intermediário, para que a Administração Pública possa aperfeiçoar a sua gestão e a competitividade e concentrar-se exclusivamente na sua atividade-fim.

Maurício Godinho Delgado ensina que:

“Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados por uma entidade interveniente.4

No Brasil, a terceirização iniciou seus passos em 1929. Nessa época o país era assolado por uma crise econômica, ocasião esta em que cafeicultores investiram em indústrias que empregavam terceiros para execução de tarefas secundárias, no intuito de poupar a verba destinada a mão-de-obra.5

No âmbito da Administração Pública Brasileira, houve demonstração de interesse em diminuir a prestação direta de atividades pelos entes estatais, sobretudo, a partir do Decreto-Lei nnº. 200/1967 e pelo Decreto nº 2.271/19972.

O Decreto nº 200/67 representou o marco inicial para a contratação de serviços pela Administração Pública, ao prever, em seu art. 10, ampla descentralização das atividades da Administração Federal.

Poderiam ser objeto de contratação indireta – terceirização – as tarefas meramente executivas, que, por exclusão, seriam aquelas não relacionadas a planejamento, coordenação, supervisão e controle.

Ainda na década de 80, o Decreto-Lei nº 2.300, de 1986 permitiu a contratação de empresas para a execução de obras e serviços públicos, mediante competente processo licitatório.

A vigente Constituição Federal, expressamente, em seu art. 175, estabeleceu a faculdade da Administração Pública, prestar serviços através de terceiros, mediante concessão ou permissão, mas ainda não abordou o instituto de terceirização.

Perceba-se que a terceirização na Administração Pública, em que pese já fosse regulamentada desde 1967, mediante o Decreto-lei nº 200/67, desenvolveu-se rapidamente na década de 1990.

O Poder Executivo, na década de 1990, alargou o rol de atividades públicas passíveis de terceirização, revogando a Lei nº 5.645/70, ao editar o Decreto nº 2.271/97, sob a justificativa de regulamentar o §7° do art. 10 do DL nº 200/67.

O art. 1° do Decreto nº 2.271/97 assim prescreve:

Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.

§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

§3º O objeto da contratação será definido de forma expressa no edital de licitação e no contrato exclusivamente como prestação de serviços. (grifo nosso).

Por sua vez, o art. 6°, inciso II, da Lei 8.666/93, que fundamenta a possibilidade de terceirização no serviço público, mostra-nos que a contratação administrativa apenas recairá sobre determinada atividade de apoio à Administração Pública. Veja-se:

Art. 6º - Para os fins desta Lei, considera-se: [...] II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais.

Desse modo, denota-se que a terceirização no âmbito público apenas poderá recair em atividades consideradas de meio, instrumentais ao ente público, sempre mediante licitação, o que permite que o Ente Público foque em suas atividades centrais.


3. DA SÚMULA 331 DO TST

Não há no Brasil uma lei regulamentando de forma geral e específica o instituto da terceirização e as respectivas responsabilidades.

Nesse contexto, foi criada a Súmula 256, posteriormente substituída pela 331 do TST, estabelecendo alguns mecanismos de controle contra a exploração do trabalhador nas terceirizações.

No ano de 1993, o TST editou nova súmula, a 331, que até hoje é a única orientação sobre a Terceirização:

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário.  (Lei n. 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional. (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).” (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)

A terceirização lícita no Brasil é regulada basicamente pela Súmula 331, TST. Nesse sentido, a terceirização lícita é a que observa os preceitos legais relativos aos direitos dos trabalhadores, não objetivando fraudá-los, distanciando-se da existência da relação de emprego.

Por sua vez, na terceirização ilícita o empregado é contratado para trabalhar em atividades ligadas diretamente às atividades principais da empresa tomadora de serviços, podendo dar ensejo a fraudes e a prejuízos aos trabalhadores

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Segundo Paulo Moraes a exigência de serviços especializados é justamente para evitar o mero fornecimento de mão-de-obra:

“A exigência de serviços especializados impõe-se justamente para coibir a fraude. Dela decorre que a prestadora de serviços tem que ser uma empresa especializada naquele tipo de serviço; que tenha uma capacitação e uma organização para a realização do serviço que se propõe e, no caso de contratação indireta bipolar, que seja o prestador de serviços um especialista naquele mister. Disto decorre que o objeto do ajuste é a concretização de alguma atividade material especializada e não o mero fornecimento de mão-de-obra”6.

De acordo com Alice Monteiro de Barros, vários são os malefícios da terceirização ilegal, na atividade-fim da empresa, dentre eles: violação ao princípio da isonomia, impossibilidade de acesso pelo trabalhador ao quadro de carreira da empresa usuária do serviço terceirizado, além do esfacelamento da categoria profissional7.

Tem-se por ilegal a terceirização ligada diretamente ao produto ou serviço final, ou seja, a atividade-fim. Com exceção da atividade-fim, todas as demais podem ser legalmente terceirizadas.

Nas hipóteses de terceirização ilícita verifica-se a ocorrência entre as empresas envolvidas da responsabilidade solidária pelos encargos trabalhistas do empregado, conforme dispõe artigo 942 do Código Civil, in verbis:

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Portanto, a terceirização ilícita configura o vínculo trabalhista, sendo a empresa tomadora de serviços responsável de forma solidária.

3.1. Diferença entre atividade-fim e atividade-meio

A CLT, em seu artigo 581, § 2º preceitua que caracteriza atividade-fim a “unidade do produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam exclusivamente em regime de conexão funcional”.

Contudo, a distinção entre atividade-meio e atividade-fim ainda causa muita celeuma, pela ausência de definição exata do conceito de cada uma.

O procurador do trabalho, Maurício Correia de Melo explica que as atividades meio e fim podem ser comparadas com o corpo humano. Algumas partes do nosso corpo são mais essenciais do que outras. O cérebro, por exemplo, é imprescindível, não é possível “terceirizá-lo”, porém uma pessoa pode perfeitamente sobreviver sem um dedo ou uma parte da mão. Para o procurador, as empresas também possuem atividades que são essenciais, aquelas que definem a empresa e outras atividades que são de apoio, que então podem ser terceirizadas. (MELO, 2010, on line).

Dora Maria de Oliveira Ramos ensina que é essencial para a legalidade do processo que a contratada tenha uma atividade definida. Segundo a autora, “se uma infinidade de objetos aparece no contrato social, há indícios de mera intermediação ilegal ou tráfico de mão-de-obra, especialmente se houver finalidade lucrativa”. (RAMOS apud MORAES, 2003, p.100).

De acordo com o TST, se a atividade é parte principal do cotidiano do trabalhador, não pode ser considerada como mera atividade-meio. Vejamos:

“(...) Na realidade, não se pode dizer que a atividade de digitação é apenas meio no setor bancário, pois constitui ela, para os que laboram em caixas e compensação de cheques, a atividade primordial. Daí, por exemplo, a grande incidência da LER entre empregados de Bancos. Ora, se constitui essa atividade parte principal do cotidiano do bancário, não se pode considerá-la mera atividade-meio. Assim, por se tratar de atividade-fim, a terceirização permanente de mão-de-obra revela-se ilegal, quer segundo o ordenamento constitucional de 67, quer perante a Novel Carta Política.” (ROAR - 804604-93.2001.5.05.5555 , Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 20/08/2002, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 27/09/2002).

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Jéssica Samara Freitas. Da terceirização no Brasil e a responsabilidade da administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4778, 31 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50967. Acesso em: 22 dez. 2024.

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