Artigo Destaque dos editores

Os títulos executivos no Código de Processo Civil de 2015

Exibindo página 2 de 2
08/09/2016 às 16:23
Leia nesta página:

II – AS PRINCIPAIS TEORIAS SOBRE OS TITULOS EXECUTIVOS

Parto da doutrina, á partir de Costa e Silva(Da jurisdição executiva e dos pressupostos da execução civil), do Ministro Teori Zavascki(Processo de execução, Parte Geral) e ainda da obra celebrada de Carnelutti, sem esquecer as lições de Theodoro Jr. em seu Processo de Execução. Homenagem especial faço, pelo poder de síntese na matéria, a Danillo Chimera Piotto (A natureza jurídica do titulo executivo), onde são expostos apontamentos instalados nas doutrinas de Liebman e Carnelutti e nas teorias que se seguiram. Daí a longa citação que faço de sua obra exemplar.  

A TEORIA DE FRANCESCO CARNELUTTI – O  título executivo como documento

De fato, é mais a simplicidade aliada a logicidade do que a acuidade científica que seduz alguns intérpretes do Direito a se aliar a teoria da natureza jurídica documental do título executivo aperfeiçoada6 por CARNELUTTI. Ele  constrói sua teoria sob o singelo exemplo do passageiro na estação de trem, in verbis: O objeto que tem a função recém-delineada é um documento que o credor, com o fim de obter a execução forçada, deve apresentar ao ofício judicial, assim como o viajante deve apresentar o bilhete ao pessoal ferroviário; que o título executivo seja, portanto, um documento e não um ato, como por muito tempo se acreditou, está esclarecido por essa simples comparação (CARNELUTTI: 1999 p.317).

Salienta  que CARNELUTTI não cria, tão somente recepciona a concepção de título como documento já encontrada em processualistas como MORTARA, RICCI e MANFREDINI. Assim, tal qual a apresentação do bilhete propiciaria ao agente da plataforma certeza acerca do pagamento da passagem pelo viajante, dando-lhe direito à viagem, para CARNELUTTI, o título permitiria ao magistrado a construção de um juízo de certeza acerca da existência de uma obrigação, possibilitando-se ao jurisdicionado o acesso direto à retilínea via executiva, sem que se afigurasse necessário antes percorrer o sinuoso caminho do processo cognitivo. Teria, portanto, o título executivo, função de prova, mas não qualquer prova, seria espécie de prova legal – aquela à qual dá o legislador força suficiente para possibilitar ao julgador reputar existente determinado fato sem que, contudo, haja necessidade de perquirir acerca da real existência dele. Expõe ZAVASCKY (1999 p.57) que após as críticas de LIEBMAN à sua teoria, CARNELUTTI reviu alguns conceitos, mas não deixou de defender a natureza jurídica documental do título executivo, limitando-se a reconhecer que a expressão prova legal antes empregada era, de fato, insuficiente à definição do fenômeno que objetivava circunscrever. Expôs, então, CARNELUTTI em sua obra Derecho y Processo, que o título seria mais que uma prova legal; representaria aquele documento não só a existência de uma obrigação, como também implicaria no reconhecimento de que aquela obrigação era detentora de uma eficácia mais intensa, uma eficácia transcendente daquela que uma mera prova lograria ensejar (apud ZAVASCKI: 1995 p.58). Embora de repercussão retumbante no universo jurídico, essa teoria que via no título executivo a mera documentação de um ato foi severamente objurgada por LIEBMAN, no que foi seguido depois por diversos outros juristas.

. A TEORIA DE ENRICO TULLIO LIEBMAN – o título executivo como ato jurídico

Por ao menos duas oportunidades  LIEBMAN criticou CARNELUTTI no que tange à teoria da natureza jurídica do título executivo. São obras em que LIEBMAN se dedica ao tema: Manual de Direito Processual Civil e Embargos do Executado .

Para o Mestre que tanto influenciou a escola processualista pátria, o título executivo tem natureza de ato jurídico, não de documento, sendo que a própria parábola de CARNELUTTI para fundamentar sua teoria documental já conteria em si mesmo o germe da antítese. É que para LIEBMAN (1968 p.112) se o bilhete que possibilitaria ao viajante ingresso ao trem serve como prova do pagamento da passagem, provando o viajante ao bilheteiro, de qualquer outra forma, que a viagem fora paga, o embarque lhe seria deferido. De forma análoga, ainda que de posse do bilhete, fosse provada a ilegitimidade de sua aquisição pelo viajante, obstar-se-ia lhe o embarque.

 A doutrina da natureza documental do título, nesse viés, teria o incômodo problema de lidar com a figura de uma execução dependente de prova (o embarque no trem condicionado à mostra do pagamento), ou pior, explicar a existência de uma ação executiva previamente à conformação do título (retirada do viajante do trem pela descoberta da obtenção do bilhete por modo ilegítimo), circunstâncias contraditórias ao escopo do título executivo. O horizonte desenhado por CARNELUTTI, na visão  de LIEBMAN, seria justamente o oposto daquele vislumbrado pela sociedade quando elaborada a teoria do título executivo, urgindo se advertir acerca do risco de confusão entre fonte da prova com o fato a provar, tal qual o de se atribuir ao documento a eficácia correspondente ao ato. Ao receber o título e dar início aos provimentos executivo, ao Juiz não interessaria a efetiva existência do crédito (objeto de prova).

O título, só por si, enseja a via executiva (eficácia do ato): Título executório é, em conclusão, um ato jurídico dotado de eficácia constitutiva, porque é fonte imediata e autônoma da ação executória, a qual, por conseguinte, é, em sua existência e em seu exercício, independente do crédito [...] É assim que não somente se torna dispensável, mas supérflua e irrelevante qualquer prova do crédito: o título basta para a existência da ação executória (LIEBMAN: 1968 p.135). ZAVASCKI (1999 p.61) entende que o título executivo é mais de que um ato jurídico, sendo seu conteúdo verdadeira norma individualizada. Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça, entender o título como mero ato, onde se acerta a sanção comprometeria o monopólio estatal do domínio da perinorma, dentro de uma linha pautada em Carlos Cóssio, na teoria do direito egológico.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Esta posição é rejeitada por DINAMARCO (2002 p.496) que explica que a crítica é infundada já que, se por um lado LIEBMAN cometeu a imprecisão terminológica de referir-se invariavelmente ao título com ato jurídico, por outro, foi suficientemente explícito em esclarecer que é a lei e não a vontade particular, que liga a sanção a certos atos celebrados entre particulares.

Expõe também THEODORO JUNIOR (1999 p.53) que para LIEBMAN, portanto, o título executivo incorporaria a sanção; exprimiria a vontade do Estado de se proceder à determinada Execução, tendo verdadeira força constitutiva – o título faz nascer a ação executiva. A teoria do título executivo como ato documento encontra ainda críticas em solo pátrio nas obras de renomados juristas, dentre eles Cândido Rangel DINAMARCO, Humberto THEODORO JÚNIOR e José Alberto dos REIS. THEODORO JÚNIOR (1999 p.53), a seu turno, assevera que a superioridade da doutrina de LIEBMAN sobre a de CARNELUTTI se estabelece em virtude da teoria documental deslocar a fonte da ação executiva para o ‘ato de vontade do devedor’, situando-a no âmbito do direito material, o que vai flagrantemente contra a acepção autônoma do direito de ação. Estar-se-ia, em última análise, a seguir a lógica do título como documento, como mera retratação do ato, permitindo que o ato jurídico desse ensejo à ação executiva. Contudo, bastaria ter em mente que um mesmo negócio jurídico, mútuo, por exemplo, pode ou não dar ensejo a uma ação executiva, a depender da forma como este é firmado, e se logra demonstrar a falha do pressuposto teórico documental. Dessa celeuma – título executivo ora como documento ora como ato – abriu-se oportunidade do surgimento de outras teorias intermediárias, ditas ecléticas, que perscrutam encontrar, na conjunção dos postulados de LIEBMAN e CARNELUTTI, a verdadeira natureza jurídica do instituto processual.

TÍTULO EXECUTIVO COMO ACERTAMENTO DO DIREITO SUBJETIVO MATERIAL OU COMO ATO-DOCUMENTO

Teoria extremamente complexa que tenta explicar por uma terceira via a natureza jurídica do título executivo é atribuída ao italiano Crisanto MANDRIOLI8 .

Este autor identifica a natureza jurídica do título como sendo a de prova da eficácia executiva de um ato de acertamento do direito. Como explica DINAMARCO (2002 p.486) não seria o título executivo, por esta teoria, gerador da ação executiva, mas uma condição para o seu exercício; ‘o acertamento do direito é que faz aparecer a ação executiva pela transformação da ação pré-existente’.

Haveria pelo título executivo, segundo MANDRIOLI (apud GRECO: 2001 p.113) a prova do acertamento do direito substancial como existente e suscetível de execução forçada. Critica-se esta teoria pelo fato de que, seguindo-se seus pressupostos, dar-se-ia eficácia executiva a sentença meramente declaratória, capacidade que embora suscite na doutrina acalentados debates, ainda é tida majoritariamente como afronta ao direito positivo.

 A maioria dos estudiosos do processo civil9, por fim, acaba por adotar uma teoria mista acerca da natureza jurídica do título executivo, o definindo como ato documento, isto porque, como bem preleciona THEODORO JUNIOR (1999 p.54), acaba não sendo o ato jurídico material que enseja a oportunidade da execução, mas a sua incorporação formal em um documento com as feições específicas determinadas pelo direito processual. Seria o título, de fato, um documento, mas documento revestido de formalidades legais que lhe torna apto a possibilitar seu portador utilizar da via executiva para satisfação do crédito por ele representado.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Os títulos executivos no Código de Processo Civil de 2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4817, 8 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51032. Acesso em: 24 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos