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Uma ideia sobre o princípio da relatividade dos contratos

17/09/2016 às 16:15
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RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar as principais considerações acerca do princípio da relatividade dos contratos, sua aplicação na teoria geral dos contratos e seus efeitos práticos, bem como sua relação (e interdependência) com outros princípios que regem o código civil, assim como os mais específicos da própria teoria geral dos contratos.

Palavras-chave: Principio da Relatividade. Contratos. Boa-fé. Função Social.


INTRODUÇÃO

A palavra princípio nos remete a diferentes acepções que não deixam de ter um elemento em comum. Contudo, assume características específicas dependendo de onde é aplicada. No dicionário observamos desde a ideia comum de início, origem e causa, passando pelo conceito de lei, que rege padrões físicos naturais e constantes ou uma doutrina teórica, até o sentido de normas de conduta, associada à ideia propriamente dita de regra, preceito normativo.

Diante da vastidão semântica que esta palavra apresenta, trazemos o conceito ao nosso interesse deste estudo, ou seja, seu sentido no mundo jurídico. Ou seja, o que vem a ser um princípio jurídico?

Excelente é a consideração do professor Miguel Reale, ao enunciar que os princípios constituem “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas” (2001, p.286).

Em um conceito mais genérico, os princípios consolidam-se em fator comum extraídos do ordenamento, e condicionam a elaboração de normas jurídicas, além de integrar as mesmas.

Cada conjunto de normas que formam um determinado regime jurídico apresenta princípios em comum que lhe servem como fundamento e orientação para aplicação e elaboração dessas normas, além de fornecerem subsídios para o intérprete entendê-las de forma sistemática, bem como preencher as lacunas que a lei vem a apresentar, ao deixar de regular determinada situação específica.

Não seria diferente a incidência de princípios que regem as relações civis bem como os que regem especificamente a teoria geral dos contratos. Compreende, pois, os mais abrangentes como o da boa-fé, da eticidade, da função social bem como os mais específicos, como o princípio do equilíbrio das prestações, da autonomia da vontade e o da relatividade dos efeitos do contrato.

Este último é que será objeto específico deste trabalho acadêmico em seus pormenores.


2 Princípios da Teoria Geral dos Contratos

O professor Nelson Rosenvald (apud PELUSO, 2011, p.484) apresenta quatro grandes princípios contemplados pela doutrina contemporânea: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual e função social do contrato.

A autonomia privada (por alguns doutrinadores considerada sinônimo da autonomia da vontade) refere-se à liberdade que os contratantes têm (em geral) para estipular a forma, as condições e o objeto do contrato, desde que não proibidos pela lei. Dessa forma, falar em autonomia da vontade significa dizer que as partes têm o livre arbítrio de estipular as cláusulas contratuais ou de aderir a elas, sendo seu direito à vontade autônoma de celebrar um negócio jurídico tutelado pelo ordenamento. Diante disso, os vícios da vontade podem ensejar a nulidade dos negócios jurídicos.

Essa autonomia para feitura do contrato relaciona-se à força normativa que o mesmo apresenta quando pactuado, juntamente à sua validade diante do ordenamento e do mundo jurídico. Pacta sunt servanda, o contrato faz lei entre as partes, é a máxima que rege o princípio da obrigatoriedade dos contratos. Avençado o acordo de vontades, obrigam-se estas a cumprir as obrigações contratuais assumidas, sob pena de sanções previstas pela lei.

Contudo, a história nos provou que ampla autonomia privada sem qualquer preocupação com o papel social dos contratos levou a abusos que acarretaram desigualdade entre as partes, com detrimento excessivo de uma sob benefício exagerado de outra, sendo incompatíveis com os preceitos constitucionais (em especial o princípio da solidariedade – art 3º,I, da CF) e com as normas programáticas da Carta Magna de 1988.

O novo Código Civil frisou bem o princípio magnânimo limitador do abuso da liberdade contratual como fundamento de todo código: o princípio da função social do contrato (art. 421 do Código Civil de 2002). Segundo Rosenvald (2011,pgs.484 e 485): “os contratos são instrumentos por excelência de circulação de riquezas, sendo que as trocas demandam utilidade e justiça, censurando-se assim o abuso da liberdade contratual. A função social não coíbe a liberdade de contratar, como induz a dicção da norma, mas legitima a liberdade contratual”. Assim, a função social apresenta-se tanto como limite interno e positivo à estrutura contratual, evitando distorções na autonomia privada e prejuízo a uma das artes (faceta interna) quanto que, dessa forma, possa proporcionar as relações de cooperação que promovem a circulação de riquezas, possibilitando dessa maneira a vida em sociedade (faceta externa).

Em respeito à função social do contrato, decorrem vários outros princípios. Está correlacionado à boa-fé, na medida em que a saúde contratual é fundamentada na confiança de que serão os interesses contrapostos de ambas as partes, conhecidas todas as condições e efeitos do mesmo. Relacionado também está à justiça contratual, o próprio equilíbrio das prestações, de quê não deve haver ônus excessivo na prestação por uma parte em relação à outra.

Os princípios supracitados ensejam a interferência do Estado Jurisdição quando não observados, na pedida que a insegurança contratual é de interesse também de toda coletividade. O Estado não interfere na liberdade de contratar, mas, sim, protege as partes quando se veem lesadas.


3 Princípio da Relatividade do Contratos (ou princípio da relatividade dos efeitos do contrato).

Em poucas palavras, podemos resumir que o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos tem por base o fundamento de que terceiros não envolvidos na relação contratual não estão submetidos ao efeito deste (res inter alios acta neque prodest). Dessa maneira, a eficácia contratual só é aplicável às pessoas que dele participam. Santiago (2005, p. 39) elucida que “o estudo da relatividade dos efeitos dos contratos envolve a questão dos efeitos contratuais do ponto de vista subjetivo, ou seja, em relação às pessoas que esses efeitos atingem, no sentido ativo, passivo ou quanto à oponibilidade”.

Dessa forma só estão obrigadas as partes contratantes, assim vinculadas pelo pacto contratual. Caso a obrigação seja personalíssima, não se transmite aos sucessores, não os vinculando.

Contudo, esse princípio não é absoluto. Pois está submetido ao já citado princípio da função social do contrato, pois o contrato possui um papel social e não pode ser ignorado por terceiros. Dessa forma, pode até mesmo ser invocado contra terceiros que violem as cláusulas contratuais, ensejando responsabilidade civil extracontratual (aquiliana) para este terceiro. O contrário também é verdadeiro, já que um contrato que lese os interesses da coletividade responsabiliza os contratantes.


4 Exceções ao princípio da Relatividade dos Contratos

Existem exceções legais (e somente, segundo a doutrina) ao princípio da Relatividade. Por exemplo, a estipulação em favor de terceiro, as convenções coletivas e fideicomisso constituído por ato inter vivos (Posição de Silvo Salvo Venosa).

Na estipulação em favor de terceiro (art. 436 do CC), o estipulante que contrata a favor de terceiro vincula o promitente, assistindo-lhe a possibilidade de constrangê-lo a efetuar a prestação ao terceiro. Este, a seu turno, é credor da relação obrigacional e apenas possui vantagens, inexistindo qualquer contraprestação. De acordo com o parágrafo único do artigo também poderá exigir o cumprimento da prestação, caso o estipulante não exerça o seu direito potestativo de substituí-lo, a teor do artigo 438 do CC.

Consiste em derrogação do res inter alios acta neque prodest.Com efeito, o contrato em exame projeta efeitos na esfera jurídica de quem não participou de sua celebração. Todas as obrigações permanecem com o estipulante e todos os direitos são adquiridos pelo terceiro. Podemos citar como exemplo principal o contrato de seguro de vida.

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Na seara trabalhista, temos as convenções coletivas de trabalho, cujo conceito é definido no artigo 611 da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT): “Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho.”.

Dessa forma, os efeitos dos acordos estendem-se aos empregados da categoria, mesmo que não houvesse consentimento expresso de cada um deles, mas somente do sindicato que os representam.

Outros autores encontram, ainda, mais casos de exceção a este princípio. Por exemplo, BARROS (2005, p. 223) afirma que “as exceções do princípio da relatividade são: a estipulação em favor de terceiro; a responsabilidade dos herdeiros quanto ao cumprimento do contrato do de cujus, até as forças da herança; e o poder do consumidor acionar judicialmente o fabricante, produtor, construtor ou importador, mesmo não tendo contratado diretamente com eles, na hipótese de reparação de danos causados por defeitos ou informações insuficientes do produto”.

 Segundo GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2006, p. 40/41) “retiram-se ainda outras exceções ao princípio da relatividade, quais sejam: o contrato com pessoa a declarar, e ainda os casos onde é necessária a “relativização do princípio da relatividade subjetiva”, por exemplo, quando se constata a violação de regras de ordem pública e interesse social”.


5 Precedentes judiciais e efeitos práticos do Princípio da Relatividade dos Contratos

A seguir, algumas ementas jurisprudenciais nas quais existe invocação do Princípio da Relatividade dos Contratos.

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES Pretensão de cobrança julgada procedente em relação ao contratante e extinto o processo sem resolução de mérito em relação à beneficiária dos serviços, reconhecida sua ilegitimidade passiva Terceiro que não pode ser compelido a cumprir contrato pelo qual não se obrigou, pois os contratos só geram efeitos entre as partes contratantes (princípio da relatividade dos contratos) Sentença mantida Recurso não provido. (1049269620098260008 SP 0104926-96.2009.8.26.0008, Relator: Sá Duarte, Data de Julgamento: 27/02/2012, 33ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/02/2012).

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS Pagamento realizado à autora com cheques sem fundos de terceiro Recusa da endossante ao pagamento do débito Alegação de abertura fraudulenta de conta corrente em nome da emitente dos títulos Pretensão da endossatária de responsabilizar o banco sacado pelo prejuízo Inadmissibilidade Princípio da relatividade dos contratos Fraude não comprovada Ausência de nexo de causalidade Sentença mantida Recurso improvido. (2010433320108260100 SP 0201043-33.2010.8.26.0100, Relator: Ligia Araújo Bisogni, Data de Julgamento: 13/06/2012, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/06/2012)


Referências

-PELUSO,Cezar(Coord)(Org).Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência. 5.ed. rev e atual.Barueri,SP: Manole, 2011.

-Dicionário da Língua Portuguesa. Larousse Cultural. Nova Cultural.

-A.FRANK, Roberta.Contrato também tem função social. Disponível em http://www.conjur.com.br/2010-mar-11/contrato-respeito-partes-envolvidas-exerce-funcao-social.Acesso em 13/03/2012

-ALVES, Ester. O Pacta Sunt Servanda X A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3830. Acesso em 14/03/2012

-FORTES,José. Princípios fundamentais na formação dos contratos.Disponível em http://www.fastjob.com.br/consultoria/artigos_visualizar_ok_todos.asp?cd_artigo=466.Acesso em 12/03/2012.

Ementas jurisprudenciais: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=Principio+da+Relatividade+dos+Contratos&s=jurisprudencia.Acesso em 14/03/2012.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

S, Luis Gustavo. Uma ideia sobre o princípio da relatividade dos contratos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4826, 17 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51077. Acesso em: 24 nov. 2024.

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