RESUMO
O presente trabalho nos remete a um Brasil de diversas lutas de classes que não alcançou dimensões profundas capaz engendrar a constituição do Welfare State. Ao contrário, o Estado, sobretudo sua forma mais moderna, a capitalista, que emergiu a partir da década de 1930, sempre se antecipou aos movimentos sociais que representassem ameaças de rupturas. De forma repressiva, o Estado brasileiro desde o Império dissipou os conflitos com o objetivo de manter uma certa harmonia em favor do processo de expansão, reprodução capitalista e a integração dos espaços regionais. Aqui realizamos uma tentativa prematura de entender o processo de constituição dos sistemas de intervenção social, desde o surgimento dos primeiros direitos fundamentais, analisando as experiências anteriores e suas respectivas características, com isso, confrontando alguns estudos e realizando comparações com a dinâmica da luta de classes no Brasil, a função do Estado, e principalmente de todos os cidadãos envolvidos nesse processo.
Palavras-chave: Institutos do Estado; Conflito social; Direitos Sociais; Cidadania Ativa; Novas Políticas Públicas.
INTRODUÇÃO
A despeito do tema apresentado, vimos a necessidade de confeccionar um trabalho capaz de demonstrar as rupturas existentes no processo de construção histórica do Estado Brasileiro, das características e modos de gestão de seus controles sociais, identificando as mazelas trazidas pelos continuísmos tradicionalistas, apontando as inconformidades de um Estado Democrático de Direito com os modos de agir das instituições legalmente constituídas. Sobre uma ótica inconformada com nossa realidade atual, não seria exagero afirmar que vivemos uma “mentira deslavada” daquilo que traz o texto constitucional e seus mais puros e profundos anseios. Isso porque o que fez o legislador Brasileiro ordinário foi juntar o que existe nas legislações norte-americana, alemã, francesa, dentre diversas outras mundo afora, a fim de aplicar as mesmas normas em nossa realidade, o que tem se traduzido numa fórmula bastante ineficaz e em total descompasso com nossa vida cotidiana.
Ante o presente contexto, vamos abordar as origens dos conceitos que se transcrevem nos direitos humanos como direitos sociais, sua evolução histórica, o avanço do capitalismo e sua interferência no campo dos direitos e dos modos comportamentais. Falaremos dos fatos que deram origem aos direitos fundamentais e suas dimensões no campo da influência para a formação do que chamamos neste trabalho de novos conceitos de Direitos Sociais Fundamentais.
Neste desiderio, necessário implantar a efetiva participação das instituições legalmente constituídas do Estado Brasileiro, fato ainda não concretizado, e que muito contribui para o fracasso das formas de controle social existentes. Do modelo de gestão Presidencialista atual, o qual traz ainda fortes resquícios colonialistas, podemos afirmar que se transcreve num equívoco desta Democracia Republicana, fato que requer um reexame do modelo gestacional existente, tornando-o mais eficaz, capaz de consolidar o Estado Brasileiro com a efetiva participação da sociedade civil através de uma mudança cultural capaz de romper com o tradicionalismo cultural que está enraizado nos costumes, olhando para um futuro com intensa participação popular nas gestões regionais e efetividade no cumprimento do que traz o nosso direito instituído.
1. As concepções dos direitos e garantias fundamentais e as instituições do Estado
A ideia que trazemos de direitos fundamentais, em muito tem haver com a formação das instituições legalmente constituídas do Estado, justamente porque estas possuem seu nascedouro no contexto da formação histórica cultural da própria sociedade. Os Direitos humanos fundamentais, atualmente, são reconhecidos mundialmente, por meio de tratados, declarações, pactos e outros instrumentos de caráter internacional. Tais Direitos nascem com o indivíduo, e por essa razão, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU-1948) diz que os direitos são proclamados, ou seja, eles pré existem a todas as instituições políticas e sociais, não podendo ser retirados ou restringidos pelas instituições governamentais, que por outro lado, devem proteger tais direitos de qualquer ofensa.
Todo ser humano já nasce com direitos e garantias, não podendo ser considerados como uma concessão do Estado. Alguns destes direitos são criados pelo ordenamento jurídico, outros através de certa manifestação de vontade, e outros apenas são reconhecidos nas cartas legislativas. Os cidadãos devem exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades básicas. Os direitos humanos têm uma posição bidimensional, pois por um lado possui um ideal a atingir, que é a conciliação entre os direitos do indivíduo e os da sociedade, e por outro lado, assegurar um campo legítimo para a democracia.
Instituições ou institutos do Estado são organismos, organizações permanentes criadas com propósitos definidos e que integram a administração do Estado. Neste contexto, muitos dizem que somos subordinamos às correntes dominantes, isso porque, em sua maioria, as nossas principais instituições são importadas de outros países, como por exemplo, o modelo educacional Brasileiro, que advém do método de ensino Francês Canônico, o qual adotara a filosofia do enciclopedismo (decoreba), pautado na interpretação de capacidade de análise verbal, não entendendo o texto como uma livre associação de ideias. Em um país multiétnico como o Brasil, importar ideias de outros países, com outras tradições culturais e costumes distintos, seria negar nossa própria natureza.
Uma vez que os seres humanos não conseguem agir corretamente o tempo todo por conta própria, historicamente, acompanhando a evolução da sociedade, foram acumulando-se diversas regras e leis para que a sociedade pudesse se tornar viável, inicialmente em parâmetros biológicos (comida, incesto, mortes, etc) e posteriormente, cada vez mais refinada conforme surgiam novos aspectos sociais. Neste caso, podemos afirmar que as leis são relativas às épocas em que se aplicam, e não devem ser consideradas certas ou erradas, mas adequadas ao contexto social de cada época. Elas não são subordinadas a uma religião específica, nem à moral de ninguém, mas sim a uma discussão ética acumulada ao longo da história.
1.1. Conceitos
Temos como direitos fundamentais, o entendimento de tratar de direito inerente a todas as pessoas, cuja finalidade principal é a dignidade que deverá ser garantida pelo Estado aos cidadãos, visando promover o respeito à vida, à liberdade, à igualdade, dentre outras garantias, tudo para satisfação dos efeitos da personalidade. Ainda neste contexto, não podemos deixar de citar as principais características dos direitos fundamentais, que são:
a) Historicidadeà Quer dizer que os direitos são criados em um contexto histórico, e quando positivados na Constituição, se tornam Direitos Fundamentais;
b) Universalidadeà É porque os Direitos Fundamentais são feitos para todos os seres humanos, em geral, sem restrições, independente de sua raça, credo, nacionalidade ou convicção política;
c) Irrenunciabilidadeà Os Direitos Fundamentais não podem ser renunciados de maneira alguma;
d) Interdependênciaà Não pode se chocar com os Direitos Fundamentais, as previsões constitucionais e infraconstitucionais, devendo se relacionarem para atingir seus objetivos;
e) Imprescritibilidadeà Quer dizer que os Direitos Fundamentais não prescrevem, ou seja, não se perdem com o passar do tempo, se tornando permanentes;
f) Concorrênciaà Podem ser exercidos vários Direitos Fundamentais ao mesmo tempo;
g) Efetividadeà O Poder Público deve atuar para garantir a efetivação dos Direitos e Garantias Fundamentais, usando quando necessário meios coercitivos;
h) Inviolabilidadeà Os direitos de outrem não podem ser desrespeitados por nenhuma autoridade ou lei infraconstitucional, sob pena de responsabilização civil, penal ou administrativa;
i) Complementariedadeà Os Direitos Fundamentais devem ser interpretados de forma conjunta, com o objetivo de sua realização absoluta.
Importante saber que o Direito Fundamental é uma criação do contexto histórico-cultural da sociedade, de suas lutas e evoluções por melhorias garantistas. Contudo, não podemos confundir direitos fundamentais com garantias fundamentais, utilizando estes termos como sinônimos, como muitos fazem. Os direitos fundamentais do homem são aqueles direitos válidos para todos os povos em todos os tempos, os quais advêm da própria natureza humana, fato que justifica seu caráter inviolável, intertemporal e universal (Jusnaturalismo). Já o direito fundamental, como falamos, são os direitos do homem jurídico institucionalizadamente garantidos. Seriam os direitos objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta. Podemos dizer que são enunciados constitucionais positivados, de cunho declaratório e assecuratório, o qual reconhece no plano jurídico, a existência de uma prerrogativa ao cidadão, como por exemplo, o direito à liberdade de expressão (art. 5º, inciso IX da CF), direito à intimidade e a honra (art. 5º, inciso X CF). Ainda, os direitos fundamentais possuem o dever de fornecer mecanismos ou instrumentos para a proteção, reparação ou reingresso em eventual direito fundamental que por ventura seja violado. São os chamados remédios jurídicos, tais como o direito de resposta (art. 5º, inciso V), a indenização prevista, o Habeas Corpus e Habeas Data, todos classificados como garantias constitucionais previstas.
1.2. Evolução histórica
Vários doutrinadores, baseados no histórico, na ordem cronológica dos direitos fundamentais, estabeleceram assim as suas sucessivas gerações:
- Direitos Fundamentais de Primeira Geração à Também chamados de Primeira Dimensão foram inspirados nas doutrinas iluministas e jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII. São os Direitos a Liberdade, se tratando principalmente de liberdades religiosas, políticas, civis clássicas como o direito à vida, à segurança, à propriedade, à igualdade formal (perante a lei), as liberdades de expressão coletiva, etc. São considerados os primeiros direitos a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos. Os direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico, sendo, portanto, os direitos de resistência ou de oposição perante o Estado, ou seja, limitam a ação do Estado.
- Direitos Fundamentais de Segunda Geração ou Segunda Dimensãoà Seriam os Direitos a Igualdade, no qual estão inseridas à proteção do trabalho contra o desemprego, direito à educação contra o analfabetismo, direito à saúde, cultura, etc. Essa geração dominou o século XX, são os direitos sociais, culturais, econômicos e os direitos coletivos. São direitos objetivos, pois conduzem os indivíduos sem condições de ascender aos conteúdos dos direitos através de mecanismos e da intervenção do Estado. Pedem a igualdade material, através da intervenção positiva do Estado, para sua concretização. Vinculam-se às chamadas “liberdades positivas”, exigindo uma conduta positiva do Estado, pela busca do bem-estar social.
- Direitos Fundamentais de Terceira Geração ou Terceira Dimensãoà Foram desenvolvidos no século XX. Seriam os Direitos da Fraternidade, no qual está o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, progresso, etc. Essa geração é dotada de um alto teor de humanismo e universalidade, pois não se destinavam somente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento. Refletiam sobre os temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.
- Direitos Fundamentais de Quarta Geração ou Quarta Dimensãoà Que surgiu dentro da última década, por causa do avançado grau de desenvolvimento tecnológico. Seriam os Direitos da Responsabilidade, tais como a promoção e manutenção da paz, à democracia, à informação, à autodeterminação dos povos, promoção da ética da vida defendida pela bioética, direitos difusos, ao direito ao pluralismo etc. A globalização política na esfera da normatividade jurídica foi quem introduziu os direitos desta quarta geração, que correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. Está ligada a pesquisa genética, com a necessidade de impor um controle na manipulação do genótipo dos seres, especialmente o homem.
As gerações que exprimem os ideais de Liberdade (direitos individuais e políticos), Igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais) e Fraternidade (direitos da solidariedade internacional), princípios máximos da Revolução Francesa, compõem atualmente os Direitos Fundamentais. Por isso podemos dizer que temos importantes momentos da história que contribuíram fundamentalmente para a formação destes direitos: A Carta Magna (1215); A Petição de Direito (1628); A Constituição dos Estados Unidos (1787); A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789); e a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos (1791). Todos estes foram os precursores escritos para muitos dos documentos de direitos humanos atuais, os quais representaram a “emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais eles sempre se submeteram: A família, o clã, o estado e as organizações religiosas.”
Neste compasso, surgiram os direitos e garantias fundamentais, bem como os direitos sociais posteriormente, que são aqueles que visam garantir aos indivíduos o exercício e gozo de direitos fundamentais, em condições de igualdade, para que tenham uma vida digna, por meio da proteção e garantias dadas pelo Estado Democrático de Direito. Os direitos sociais foram conquistados principalmente ao longo dos séculos, sendo a maioria deles no século XX por meio da pressão de movimentos sociais e de trabalhadores da classe operária, produtora da riqueza. Excluída de seus benefícios, os operários passaram a se organizar na fórmula marxista da luta de classes, situação que ameaçava as instituições liberais e, por decorrência lógica, a estabilidade do desenvolvimento econômico. Em seguida, importante a participação da Igreja, que com sua doutrina defendida principalmente por São Tomás de Aquino, alavancaria ainda mais a ideia de vida humana digna. Surgiram então os argumentos favoráveis para o direito ao Trabalho, de ter trabalho, essencial à subsistência, em seguida direito à Educação, e todos os direitos sociais que atualmente conhecemos por excelência.
O exercício destas liberdades pressupunha condições econômicas para que os indivíduos usufruíssem das liberdades. Nessa perspectiva é que surgem os direitos sociais, intimamente relacionados ao princípio da solidariedade, denominados de direitos humanos de segunda geração ou dimensão. Caracterizam-se por serem direitos fundamentais e necessariamente sujeitos à observância do Estado.
Os direitos sociais adquiriram certa relevância histórica a partir do momento em que as Constituições passaram a discipliná-los sistematicamente, fato que se tem notícia de forma pioneira na Constituição mexicana de 1917, primeira a atribuir aos direitos trabalhistas, qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades e os direitos políticos (artigos 5º e 123). Alguns doutrinadores dizem que os direitos de segunda dimensão já se encontravam previstos na Constituição Francesa de 1791, que no seu título 1º, de onde previa a instituição do secours public, para criar crianças abandonadas, aliviar os pobres doentes e dar trabalho aos pobres inválidos que não o encontrassem. Mas no Brasil, a primeira Constituição a disciplinar os direitos sociais, inscrevendo-os num título sobre a ordem econômica e social, foi a de 1934. Esta foi notavelmente influenciada pela Constituição alemã de Weimar, de 1919, responsável pela introdução de um novo espírito, de cunho social, nas constituições. Foi na Constituição de Weimar que a propriedade foi submetida à função social. Essa e outras características fizeram dela um modelo, depois imitado pelo direito brasileiro. A Constituição Federal de 1934, embora vigente por tão pouco tempo e em tão conturbado momento histórico, refletiu com bastante veemência as aspirações por um sistema jurídico fincado nos direitos econômicos e sociais, sobretudo no direito ao trabalho.
Atualmente, na Constituição Federal de 1988, como fruto da exposição histórica que abordamos anteriormente, esta vem estipular com eficácia um grande rol de Direitos Fundamentais de segunda dimensão (Direitos Sociais), especialmente em seu artigo 6º: Educação, Saúde, Moradia, Lazer, Trabalho, Segurança, Previdência Social, Proteção à Maternidade, etc. Contudo, enxergamos que os direitos sociais não são apenas aqueles previstos nos arts. 6º, 7º, 8º, 9º, 10 e 11 da Constituição. Eles podem ser localizados, principalmente, no Título VIII, que trata da Ordem Social, artigos 193 e seguintes. Os direitos sociais podem ser agrupados em diferentes categoriais: a) Os direitos sociais dos trabalhadores, por sua vez subdivididos em individuais e coletivos; b) Os direitos sociais de seguridade social; c) Os direitos sociais de natureza econômica; d) Os direitos sociais da cultura; e) Os de segurança.
1.3. Destinatários das cláusulas de direitos e deveres
Podemos afirmar que a Constituição é um sistema normativo que encontra em si a validade do ordenamento jurídico, mas que também tem que interagir com os fatos sociais para que se torne eficaz. Desta maneira, ela encontra suficiência normativa em si mesma, tendo que receber influências da sociedade para se manter atualizada, fruto da evolução política, econômica e dos fatos sociais.
Dentro deste entendimento, os destinatários das normas dos direitos individuais e coletivos que são os direitos fundamentais do art. 5º da nossa Constituição Federal, e mais os chamados direitos fundamentais de 2º geração, que são os direitos sociais, embora o texto constitucional garanta expressamente aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País o exercício de todos os direitos e garantias fundamentais, a interpretação deve ser sistemática e finalística. Além da proteção ser realizada sem distinção de qualquer natureza, também deve ser entendido que está reservada a todos os indivíduos, independente de sua nacionalidade ou situação no Brasil.
Melhor interpretando o texto constitucional, a expressão “residentes no Brasil”, conforme entendimento doutrinário majoritário deve ser vista no sentido de que a Carta Federal só pode assegurar a validade do gozo aos direitos fundamentais dentro do território brasileiro, não podendo excluir, assim, os estrangeiros em situação de trânsito no território nacional. De certa forma, em hipótese específica, as pessoas jurídicas das associações também devem ser beneficiárias dos direitos e das garantias individuais, às quais é reconhecido o direito à existência.
Todos nós que somos cidadãos possuímos direitos e deveres. Devemos lutar para que nossos direitos sejam respeitados, e ao mesmo tempo, ter consciência dos deveres que devemos cumprir. Geralmente, podemos dizer até que, na maioria das vezes, estas regras básicas de convivência, conceitos de cidadania, de pátria, de sociedade, de direitos e deveres, não são ensinadas no seio da família, das escolas, e das demais formas de controle social como nas Igrejas e associações, o que faz com que sejamos surpreendidos a cada dia com formas ainda mais bizarras de desarmonias causadas pelo individualismo, capitalismo, diversas formas de preconceitos, racismo, e outras.
Como Cidadãos brasileiros, devemos saber que não temos apenas direitos, mas deveres para com a nação, além de lutar pelos direitos iguais para todos, de defender a pátria, de preservar a natureza, de fazer cumprir as leis e muito mais. Ser cidadão é fazer valer seus direitos e deveres civis e políticos, é exercer a cidadania em sua plenitude, fato esquecido “por todos” devido a nossa cultura conformista. A própria declaração dos direitos do homem traz um bojo de regras que devem ser seguidas, senão vejamos:
- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum;
- A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão;
- O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente;
- A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei;
- A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene;
- A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos;
- Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados em lei e de acordo com as formas por esta prescrita. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência;
- A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada;
- Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei;
- Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei;
- A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei;
- A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada;
- Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades;
- Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração;
- A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração;
- A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição;
- Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir, e sob condição, de justa e prévia indenização;
Na Constituição Federal podemos encontrar as mesmas regras com relação a esse assunto no Capítulo I, Artigo 5º, que trata Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Cada um de nós tem o direito de viver, de ser livre, de ter sua casa, de ser respeitado como pessoa, de não ter medo, de não ser pisado por causa de sua opção sexual, de sua cor, de sua idade, de seu trabalho, da cidade de onde veio, da situação em que está, ou por causa de qualquer outra coisa.
Assim, direitos e deveres são como os dois lados de uma mesma moeda, não podem andar separados. Como cidadão temos o dever de: Votar para escolher nossos governantes e nossos representantes nos poderes executivo e legislativo; cumprir as leis; respeitar os direitos sociais de outras pessoas; prover seu sustento com o seu trabalho; alimentar parentes próximos que sejam incapazes de prover seus próprios sustentos; educar e proteger os semelhantes; proteger a natureza; proteger o patrimônio comunitário; proteger o patrimônio público e social do País; colaborar com as autoridades, dentre outros.
Cumprindo as regras gerais de convivência comum, também devemos possuir os seguintes documentos: Registro Geral - Carteira de identidade; Carteira profissional – CTPS; Certidão do serviço militar (para homens); título de eleitor; carteira de saúde; CIC para os contribuintes do imposto de renda; CPF – Cadastro de Pessoa Física. O único documento que será exigido apresentar no original é a carteira de identidade, sendo que todos os outros devem ficar guardados em local de fácil acesso. Para viagens ao exterior, é necessário o passaporte. Alguns países exigem "vistos" para autorizar a entrada de estrangeiros em seus territórios. Os vistos são concedidos nos consulados destes países localizados nas capitais de grande circulação.
Dentre os deveres expressos aos cidadãos, identificamos alguns princípios básicos da Democracia que não são exercidos, como por exemplo, a fiscalização dos representantes políticos. Dificilmente presenciamos o exercício à prerrogativa dos chamados Projetos de Lei de iniciativa popular, que é o mais puro exercício da Democracia semidireta, o que é uma pena.
1.4. O conflito aparente de normas, de princípios e de direito.
Atualmente, tem-se notícia que as Decisões Judiciais mais controvertidas são fundamentadas em princípios constitucionais e/ou direitos fundamentais. O grande problema é que estes fundamentos utilizados são vagos e maleáveis, os quais admitem uma interpretação confusa, gerando uma infinidade de recursos em todas as instâncias da justiça. Urge, portanto, a necessidade de fixação de parâmetros mínimos que sejam capazes de disciplinar o uso de tais justificativas para, com isso, coibir a prática de uma argumentação que pressuponha o significado dessas expressões de forma totalmente arbitrária. Neste caso, necessário que seja formulada uma proposta para a fixação lógica, sistemática, e porque não dizer científica, desses conceitos para que não haja duplicidade de interpretações.
A definição de Direitos Fundamentais pressupõe a definição de direito. Santo Agostino dizia saber o que era tempo até que algum de seus pupilos demandava uma definição (AGOSTINHO, 1980, p.265). Saber o que é muitas vezes é mais fácil que definir. Isso é o que acontece com o conceito de direito. O direito é comumente definido como sendo um conjunto de normas Jurídicas vigentes em um país. Contudo, esta definição só terá sentido e amparo se definirmos cada um de seus termos, sendo necessário conhecer os conceitos de norma e princípios. Norma é o ato de vontade dirigida a conduta de outro e dotada de sanção, ou seja, de uma consequência desagradável pelo seu não cumprimento (KELSEN, 1986, p.3). Este ato de vontade que constitui a norma é formulado de maneira característica que consiste em uma hipótese (conduta descrita), um preceito (comando positivo ou negativo frente a hipótese) e uma sanção (consequência pela violação do preceito). Toda existência social é relacional e as relações são criadas e organizadas com base em normas. Portanto o ser humano é um “animal normativo”. Temos normas de vários tipos: religiosas, éticas, morais, sociais e jurídicas. Essas várias esferas normativas se diferenciam pelos seguintes fatores: Fonte, conteúdo da hipótese, conteúdo da sanção, forma de aplicação da sanção.
Temos então que, a definição de Norma Jurídica só pode ser obtida pela comparação com as chamadas normas não jurídicas, morais, sociais e religiosas. Primeiro vamos falar de normas éticas e morais: Entre o sistema ético e o moral a diferença reside, basicamente, no conteúdo da hipótese. Pode-se afirmar que as normas morais são obtidas pela resposta à pergunta: “O que devo fazer?” Já o sistema ético responde a uma outra questão: “Como eu quero viver?” Partindo dessa divisão fica fácil perceber que o conteúdo da hipótese e da sanção são diferentes. Enquanto o sistema moral cuida de deveres o sistema ético organiza os desejos. Mas de onde vem os deveres ditados pela moral? O ser humano ao descer das árvores precisou, para sobreviver, se organizarem em grupos. Esses grupos têm, desde então, por objetivo a sobrevivência de seus membros. Para que isso fosse possível, cada grupo elegeu meios que julgou serem os mais adequados. Os meios bem sucedidos foram valorados como o “Bem” e os maus sucedidos, como o “Mau”. Cada sociedade desenvolve, ao longo do tempo, uma escala própria de valores que acabam por se “descolar” de sua fundamentação e passam a ter existência própria.
Pensando assim, devemos saber que, o que definirá a identidade de certo grupo como diferente dos demais é a sua ideologia, definida como escala de valores básica comuns aos membros do grupo. Os seres humanos, desde o seu nascimento estão inseridos em grupos sociais, como na educação e no desenvolvimento intelectual, os quais se baseiam sempre na “imitação e na repetição.” Todos os seres humanos são “herdeiros” de uma dada escala de valores. Essa escala de valores é incorporada por cada indivíduo e funciona como base primeira de sua “visão de mundo”, servindo de fundamento para a ética e a moral. A conjunção dessa escala de valores com a vivência individual fará com que cada um defina, ainda que de forma inconsciente, um ideal e um projeto de felicidade. É esse projeto que determinará à resposta a questão fundamental da ética. E como a sobrevivência dos seres humanos depende do êxito de sua convivência em grupo, todo projeto de felicidade pressupõe um conjunto de deveres para com os demais. Disso decorre a diferença entre a moral e a ética. Sem deveres para com os demais a felicidade não é possível.
O sistema ético e moral aqui definido é individual. Embora o sistema de valores do grupo em que o indivíduo está inserido seja determinante para a criação de seu próprio sistema de valores. A moral e a ética são diferentes para cada um deles. Logo, a fonte das normas morais e éticas é o próprio indivíduo. O conteúdo da hipótese no caso da moral são os deveres. Na ética, os desejos. A sanção pelo descumprimento das normas morais, é a culpa. E para o descumprimento das normas éticas, a frustração, e esta sanção é sempre auto infringida.
Nas Normas Religiosas temos um misticismo diante do imaterial. Assim como na mitologia, o homem só é capaz de prever um fato futuro: A própria morte. Essa maldição sempre atormentou a existência humana. A forma primordial de se lidar com o terror da morte é negá-la com base em uma “outra vida”, o “pós-morte.” Além desse medo, há o desejo de entender e tentativa de controlar todo o mundo, (a chuva, os acidentes de carro, a final da copa do mundo e demais eventos imprevisíveis). Como isso é geralmente impossível, a religião serve de forma de explicação e tentativa de controle por meio de rituais. Mas como o homem é um animal normativo, esses rituais para obterem êxito, devem seguir certas regras, onde até mesmo a “outra vida” precisa ser positivada para ser explicada. Para isso que a religião foi criada, com a religião, o homem se encontra amparado para explicar o até agora, inexplicável, e se regulam as condutas que nos conduzirão ao paraíso para junto de Deus, ao purgatório para stand by e posterior reencarnação (se tratando de uma nova chance), e por último, ao inferno de onde haverá muito sofrimento espiritual.
O sistema religioso é institucionalizado, e suas normas partem de pessoas autorizadas a ditar normas em nome da divindade. Portanto, sua fonte de normas é heterônoma, imposta por terceiros, sem vontade própria. Os conteúdos das hipóteses normativas dizem respeito ao cumprimento dos dogmas da religião. A sanção varia da expulsão do grupo religioso à danação eterna, passando pela derrota na copa do mundo. Essa sanção será aplicada pela instituição religiosa como mandatária da divindade ou pelos próprios deuses.
Nas Normas sociais como já afirmado anteriormente, temos que todo grupo social se define pela escala de valores que adota. Essa escala de valores é defendida e reproduzida pelo grupo de forma mais ou menos difusa, por via das instituições educacionais, culturais, pela mídia e pela família. O grupo social busca preservar a sua existência. Como essa existência se identifica com a escala de valores que o individualiza, há naturalmente, uma defesa desta escala de valores. Esta defesa se dá pelo estabelecimento de regras de conduta sociais de cada componente do grupo, e são postas tácita e/ou expressamente pelos mesmos grupos que as criam e reproduzem em escala de valores sociais. São regras com conteúdos do mais variado estirpe, e vão de coisas simples como modos à mesa e regras de vestuário até as dimensões muito mais complexas como a fixação dos padrões de normalidade. Essas regras, assim como as religiosas, são heterônomas, o conteúdo das hipóteses é variado, mas tem em comum o desejo de preservação do fundamento comum da sociedade. O conteúdo da sanção é social, varia desde uma reprimenda até a execração pública. A aplicação da sanção é sempre levada a cabo pelo próprio grupo.
Nas Normas jurídicas, podemos afirmar que se trata de uma subespécie de normas sociais. Sua fonte é um poder reconhecido pelo grupo como apto a criar regras e aplicar sanções. O conteúdo é, em regra, parte do conteúdo das regras sociais. Diferentes das regras sociais que possuem fundamento nos costumes, estas são sempre expressas. A sanção varia da invalidade da prática de um ato até a morte. Essa sanção pode vir a ser aplicada pela força, aplicada pelos mesmos detentores do poder reconhecido como legítimo pelo grupo.
Após conhecermos o que é uma norma jurídica, podemos retirar o conteúdo do termo Juridicidade, ou melhor, definir-se o adjetivo jurídico associado a certos tipos de norma. A juridicidade está ligada, diretamente, a institucionalização e a sindicabilidade. O conceito de instituição é um dos mais complexos e controversos das ciências humanas. O que aqui chamamos de instituição é o exercício organizado do poder com a aceitação mais ou menos pacífica por parte dos destinatários desse poder. Já a sindicabilidade, termo advindo de grupamento organizado de pessoas, é a possibilidade de imposição do cumprimento da norma e/ou da sanção pelo não cumprimento, inclusive com o uso da força, se necessário.
Todos nós seres humanos temos por hábito imaginar que as coisas que já existiam quando nascemos, continuam a existir ao longo de nossas vidas, como sendo naturais e eternas. Em outras palavras, existe o hábito de imaginar que as “coisas sempre foram e sempre serão assim mesmo”. Desse comportamento decorre a identificação entre o Estado e o direito. É parte de nosso consciente entender que o direito está associado ao Estado. Na verdade, as coisas não são assim. O que define a Juridicidade não é a atuação estatal, mas a atuação institucional. Onde há uma organização capaz de criar normas e impor seu cumprimento, se necessário pela força, com a aceitação dessa autoridade por parte dos destinatários dessa norma haverá direito, sendo que o Estado é um fenômeno eminentemente Jurídico.
Então, podemos dizer que Direito é a classe das normas jurídicas. Norma é o ato de vontade dirigida a conduta de outra pessoa. Proposição normativa é o texto ou o conjunto de textos a partir de onde as normas são criadas. Princípios e regras são duas subclasses de norma. Regras são comandos que contêm uma proibição, um dever ou uma permissão, regras contraditórias são excludentes. Princípios são o fundamento axiológico do sistema e devem ser aplicados por via das regras, na medida do possível, em um mesmo sistema, entendendo que há princípios contraditórios, os quais devem ser harmonizados.
Falando de uma forma mais clara de se entender, podemos dizer que o direito é um conjunto de normas criadas com base em proposições normativas e devem ser dedutíveis de fundamentos axiológicos postos (direitos fundamentais) e, em última análise, redutíveis a eles. As normas se subdividem em regras e princípios. Os direitos fundamentais são definidos como os princípios positivados em um dado sistema jurídico. A circulação desse raciocínio decorre do fato de se ter atingido a fundamentação axiológica e formal de um ordenamento.
Com a fixação destes entendimentos postos de uma forma mais fácil de ser interpretada e, com a percepção de que o recurso aos princípios e aos direitos fundamentais transforma o ordenamento jurídico em um sistema fechado e estático, que deve ser totalmente dedutível de seus fundamentos constitucionais, se abre o caminho para a formulação de justificativas jurídicas e judiciais mais sólidas e coerentes, que serão capazes de dotar todos nós que somos os operadores do direito, de critérios mínimos para o emprego desses institutos de forma científica, embasada e não arbitrária, possibilitando-nos de evoca-los sempre que necessário.
1.5. As políticas públicas do Estado e a institucionalização das garantias e direitos democráticos
Entendemos ser Políticas Públicas, os conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado, de forma direta ou indireta, com a participação de entes públicos ou privados, que visam assegurar determinado direito de Cidadania. Pode ser designada para determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico. Correspondem a direitos assegurados constitucionalmente ou que se afirmam graças ao reconhecimento por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos enquanto novos direitos das pessoas, comunidades, coisas ou outros bens materiais ou imateriais.
As políticas públicas podem ser formuladas principalmente por iniciativa dos poderes executivo ou legislativo, separada ou conjuntamente, a partir de demandas e propostas da sociedade, em seus diversos seguimentos. A participação da sociedade na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas em alguns casos é assegurada na própria lei que as institui. Assim, no caso da Educação e da Saúde, a sociedade participa ativamente mediante os Conselhos em nível municipal, estadual e nacional. Audiências públicas, encontros e conferências setoriais são também instrumentos que vem se afirmando nos últimos anos como forma de envolver os diversos seguimentos e instituições da sociedade em processo de participação e controle social.
Obtivemos grandes avanços com a Lei Complementar n.º 131 (Lei da Transparência), de 27 de maio de 2009, quanto à participação da sociedade, que assim determina: “I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos;” “II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público;” Assim, de acordo com esta Lei, todos os poderes públicos em todas as esferas e níveis da administração pública, estão obrigados a assegurar a participação popular. Esta, portanto, não é mais uma preferência política do gestor, mas uma obrigação imposta ao Estado e um direito da população.
As políticas públicas normalmente estão constituídas por instrumentos de planejamento, execução, monitoramento e avaliação, encadeados de forma integrada e lógica, os quais se classificam em Planos, Programas, Ações e Atividades. Os planos estabelecem diretrizes, prioridades e objetivos gerais a serem alcançados em períodos relativamente longos. Por exemplo, os planos decenais de educação tem o sentido de estabelecer objetivos e metas estratégicas a serem alcançados pelos governos e pela sociedade ao longo de dez anos. Os programas estabelecem, por sua vez, objetivos gerais e específicos focados em determinado tema, público, conjunto institucional ou área geográfica. O Programa Nacional de Capacitação de Gestores Ambientais (PNC) é um exemplo temático e de público. Ações visam o alcance de determinado objetivo estabelecido pelo Programa, e a atividade, por sua vez, visa dar concretude à ação.
As instituições são instâncias de saber que permitem a todo tempo recompor as relações sociais, organizar espaços e recortar limites. Cada sociedade, segundo o modelo infraestrutural a que obedece, cria um tipo de instituição, que será mantida e sustentada em todos os níveis, do Estado à família, à Igreja, à escola, às relações de trabalho, sistema jurídico, etc.
Por que nos instituímos? Essa é uma lei geral, presente em qualquer processo civilizatório. Acontece que nós, seres humanos, somos animais, animais políticos o tempo todo, que através do instinto, dependemos de nos organizar em grupos sociais. É de nossa natureza. Para que a natureza possa servir à espécie humana e ao esforço civilizatório, o homem precisa ser institucionalizado. O Édipo, descoberta nuclear de Freud, é a gramática do desejo e da lei que constitui relações de parentesco e possibilidades de aliança entre os grupos humanos. Assim, em todas as instituições presenciamos os atravessamentos edípicos com seus inevitáveis sintomas: independência e dependência, liberdade e recalcamento, consciência e alienação.
Espera-se que as instituições criem estruturas razoáveis de apoio para apaziguar as sensações de caos absoluto e destrutividade das relações. As grandes formações culturais têm como função proporcionar, num mundo feito de linguagem, estruturas de apoio para esses seres desgarrados da natureza. Quando a estrutura institucional põe-se a serviço não do desejo, mas de privilégios, antiprodução e iniquidades, ela degrada-se, perde seu sentido original e transforma-se num instrumento destruidor de liberdades democráticas. A instituição desvirtuada de seu propósito trabalhará para o avesso da liberdade, ou seja, a servidão. As grandes instituições e organizações geralmente temem a união dos participantes, percebendo-os como possível força de resistência. As fantasias institucionais acreditam que a união entre os membros pode destruir a instituição, o que é frequente em instituições constituídas de autoridades déspotas.
A imposição unilateral de normas rígidas pelo déspota pode sacrificar, em nome de uma identidade narcisista, a própria razão de ser comunitária, que são as pessoas com seus desejos comuns. Basicamente, as instituições funcionam sob a heterogestão, ou seja, geridos por uma pessoa, por um “grande chefe”. Ao contrário, o movimento institucionalista busca princípios básicos de autogestão e autoanálise. O axioma fundamental da autogestão é a igualdade de direito e de desejo. Crê-se na autonomia dos grupos, calcada na participação, no saber, na experiência particular, estabelecendo assim formas próprias de se manter, dirigir, criticar (autoanálise). O trabalho autogestivo é acompanhado do prazer coletivo da criação, sem patrão e capataz que gozam sozinhos e narcisicamente. O sistema de autogestão implica opção política e escolha livre dos atores sociais, mudança radical das relações de poder, saber, prazer e prestígio. Portanto, não se trata simplesmente de destruir o poder centralizado, mas de resgatá-lo para os grupos. Não se entende o sistema autogestivo como um lugar onde a lei esteja ausente. A lei neste sistema também é autogerida, visa ao direito de desejar. Ela é a grande avalista do desejo, não podendo ser entendida no sentido de coibir. Ao contrário, ela é a garantidora da participação dentro dos grupos, sendo a lei tomada como dispositivo político.
A institucionalização para garantia dos direitos democráticos visam a formulação e implementação de políticas e programas para proteção dos direitos humanos. No Brasil temos raros, mas importantes momentos em que houveram políticas públicas voltadas para este fim, como por exemplo, no Governo de José Sarney, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM, Lei n. 7.353/85). Neste mesmo período, o Brasil ratificou a convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, atos desumanos ou degradantes e a participou intensivamente da convenção interamericana para prevenir e punir a tortura, em 1989.
No Governo de Fernando Collor de Melo foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA, pela Lei n. 8.242/91, instalado em 16/12/92). O Ministério da Justiça criou o Departamento de Assuntos da Cidadania (DEASC, criado pelo Decreto n. 99.244/90), transformado posteriormente em Secretaria da Cidadania, com uma Divisão de Direitos Humanos. Neste mesmo período, na área internacional, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1990. Também ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos em 1992.
No Governo do Presidente Itamar Franco, o Ministério das Relações Exteriores organizou, em maio de 1993, um seminário para preparar uma agenda brasileira para a Conferência Mundial de Direitos Humanos, que se realizou em Viena, em junho de 1993. Neste mesmo período o Brasil apoiou a Declaração e o Programa de Ação de Viena, adotados em 25/06/1993, que recomendavam aos estados e governos a formulação de programas nacionais para a proteção e promoção dos direitos humanos. Após a Conferência de Viena, o Ministério da Justiça convocou organizações da sociedade civil para elaborar uma Agenda Nacional de Direitos Humanos e propor medidas de incentivo à cidadania e de combate à violência e à criminalidade. Dessas reuniões resultou um Programa Nacional de Cidadania e Combate à Violência.
Na Câmara dos Deputados, de 1992 a 1994, foram instaladas quatro comissões parlamentares de inquérito para investigar violações de direitos humanos: duas sobre violência rural, uma sobre violência contra a mulher e uma sobre exploração e prostituição infanto-juvenil. Em Março de 1995 foi instalada na Câmara dos Deputados, a Comissão de Direitos Humanos. Além disso, comissões permanentes de mesma natureza foram instaladas nas assembleias legislativas e câmaras municipais de vários estados.
Tivemos o reconhecimento das mortes de pessoas desaparecidas em razão de participação política (Lei n.º 9.140/ 95), pela qual o Estado brasileiro reconhece a responsabilidade da União por essas mortes, quando tais pessoas estavam sob custódia das forças de segurança durante o regime autoritário, e concede indenização a seus familiares. Além disso, cria uma comissão para investigar a responsabilidade da União pela morte de outras pessoas nas mesmas condições.
Em Maio de 1995, o Governo se mostrou sensível aos problemas dos direitos humanos na intenção de elaborar um plano nacional de direitos humanos. Para coordenar os trabalhos de elaboração, o Ministério da Justiça criou a Coordenadoria do Plano Nacional de Direitos Humanos - CPNDH. Esta estabeleceu um convênio com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) para prestar assessoria na elaboração do PNDH. A assessoria do NEV-USP, segundo o convênio, deveria incluir a realização de pesquisas, a organização de encontros e seminários com entidades de direitos humanos e a elaboração de um pré-projeto do PNDH. Até o final de 1995, apenas dois países tinham elaborado e lançado planos nacionais dessa natureza. A Austrália lançou seu plano de direitos humanos, em 1994. As Filipinas, em 1995. O Brasil é o terceiro país, sendo o primeiro na América Latina a fazê-lo.
2. Os direitos sociais fundamentais e a promoção da cidadania ativa
O Jurista Paulo Bonavides, no seu aguerrido Curso de Direito Constitucional, trata dos direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira, quarta e quinta gerações. Em se tratando do tema geração de direitos, este tem sido abordado por diversos doutrinadores nacionais e estrangeiros e, com relação a primeira e segunda gerações, parece não haver maiores dúvidas ou controvérsias, que, abordadas sob o manto do binômio liberdade e igualdade, estão bem acolhidas e positivadas nas diferentes legislações nacionais democráticas, no Direito Comunitário europeu, nos acordos e tratados internacionais, na doutrina e jurisprudência. O próprio Paulo Bonavides traz uma controvérsia à baila, onde afirma existir o direito de Quinta Geração, chamando-o de direito a PAZ, que se transcreve em um direito praticamente desconhecido, que saiu da terceira geração e veio tomar mais escoramento na quinta geração, onde exprime maior amplitude. O novo estado de direito das cinco gerações, vem coroar a máxima de que “a Guerra é um crime e a paz é um direito de todos”. O direito de paz se transcreve numa dimensão perpétua, à sombra do modelo de Kant, frente ao insistente rumor de guerra que constantemente assola a humanidade. Tem-se então a necessidade de dar lugar de destaque à paz no âmbito da proteção dos direitos fundamentais por este motivo. A Paz dos direitos fundamentais de quinta geração é aquela de caráter universal, que possui feição agregativa de solidariedade, com plano harmonizador de todas as etnias, de todas as culturas, de todos os sistemas, de todas as crenças que a fé e dignidade do homem propugna, reivindica, concretiza e legitima. Neste caso, quem conturbar esta paz, quem a violentar ou negá-la, cometerá à luz desse entendimento, crime contra a sociedade humana.
Voltando para nossa realidade brasileira, falando de direitos sociais, temos uma realidade bem diferente daquela dos demais países, onde o assistencialismo ainda resiste e caminha para uma situação onde não sabemos onde vai parar. Há uma relação evidente entre a segunda geração de direitos e os direitos sociais agora emergentes mais diretamente voltados para os pobres e os excluídos. A abordagem entre as políticas públicas sociais e as normas jurídicas que lhes dão suporte, validade e eficácia, impõem uma visão integrada desses direitos, os quais são complementados. Em alguns países que viveram um passado de comunismo, esses direitos foram de alguma forma expressos ou tacitamente incorporados no Direito Positivo. Por outro lado, o reconhecimento formal em uma perspectiva mais universalizante desses novos direitos tem ocorrido com maior força nos últimos anos. E é importante salientar o papel relevante e até mesmo precursor que o Brasil cumpriu e vem cumprindo nesse processo.
O direito à assistência social, também previsto no artigo XXV da Declaração, foi acolhido no texto constitucional de maneira mais específica nos artigos 203 e 204. A assistência social é ainda expressamente mencionada no artigo 194, vinculada à saúde e à previdência na perspectiva ainda não realizada da seguridade social. Encontramos também normas que incidem sobre a temática mais ampla de assistência nos artigos 226 a 232. Se os índios foram contemplados nos artigos 231 e 232, as comunidades quilombolas, naquele momento, tiveram uma passageira referência no artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias. Vieram depois a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA); Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS); Lei nº 10.741, de primeiro de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso); Lei nº 12.228, de 20 de julho de 2010 (Estatuto da Igualdade Racial); Lei 12.435, de 6 de julho de 2011 (Lei do SUAS).
As políticas públicas de transferência (ou complementação) de renda têm as suas origens na lei complementar nº 111/ 2001, que dispõe sobre o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, na forma prevista nos artigos 79, 80 e 81 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; na Lei 10.741 de primeiro de abril de 2001, que cria o Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Educação – Bolsa Escola; a Lei 10.835, de 8 de janeiro de 2004, que institui a Renda Básica de Cidadania.
O programa Bolsa Família foi criado por meio de Medida Provisória nº 132/2003, convertida depois na Lei 10.836/04. Este é um programa que foi duramente questionado, especialmente nos dois primeiros anos de sua existência. Mas a pergunta que se coloca é a seguinte: O Estado tem o dever de assegurar recursos financeiros às pessoas desprovidas de renda ou que a tenham abaixo de suas necessidades? Considerando que a renda, especialmente no contexto da sociedade capitalista, é essencial para assegurar o acesso a outros direitos, inclusive a direitos diríamos que mais importantes, como o ao direito à segurança alimentar e nutricional, onde podemos extrair da pergunta as necessárias consequências. A omissão do Estado pode ser a sentença de morte para milhões de pessoas, famílias, comunidades inteiras, como no caso de comunidades indígenas, quilombolas miseráveis. Além de assegurar o acesso a direitos e bens e serviços básicos, os direitos em que se fundam as políticas de renda de cidadania apontam para um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previsto no inciso III do artigo 3º, ou seja, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.”
Com relação à promoção da cidadania ativa, o que temos é que, no processo de formação cidadã, deveríamos ter um trabalho de formação em cidadania, difundido para priorizar as mudanças de valores necessárias, mudanças de atitudes, de posicionamentos, de comportamentos e de crenças em favor da prática da tolerância, da paz, e do respeito ao ser humano. Por meio desta compreensão percebemos que não é uma cidadania formal, distanciada do contexto sociopolítico, cultural e ético que garante juridicamente os direitos, mas uma cidadania ativa, organizada de forma individual na sua prática e coletiva na sua afirmação.
A cidadania ativa requer a “participação popular como possibilidade de criação, transformação e controle sobre o poder ou os poderes”. Para a concretização da cidadania nesta perspectiva é fundamental o conhecimento dos direitos, a formação de valores e atitudes para o respeito aos direitos e a vivência dos mesmos. Existe uma segunda questão neste processo de formação que se relaciona aos componentes que são inerentes a esse trabalho, sendo dois elementos que formam, junto com a cidadania, uma triangulo de significado de civilidade: a democracia e os direitos humanos.
A democracia é entendida e fundamentada nos princípios de liberdade e de igualdade e nos ideais de tolerância, não violência e de irmandade. Ademais, a democracia supõe o respeito às decisões da maioria, desde que elas não violem os direitos humanos historicamente conquistados. Por isso, é o regime que dispõe das melhores condições para o exercício da cidadania ativa, o respeito e a materialidade dos direitos humanos e da justiça social. Temos ainda a chamada “Democracia das Minorias, onde a vontade das minoria ainda deverá ser respeitada”, mesmo que o chamado direito das maiorias se sobreponha democraticamente.
Os direitos humanos, como já falado anteriormente, são aqueles direitos que garantem a dignidade da pessoa, independente de sua condição de classe social, de raça, de etnia, de gênero, de opção política, ideológica e religiosa, e de orientação sexual. Todos os seres humanos, apesar de inumeráveis diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito como seres do mundo capazes de amar, descobrir a verdade, criar a beleza.
Dessa forma, constituem prerrogativas básicas do ser humano que concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade e que devem fazer parte do direito positivo dos Estados democráticos, mas que, ainda sem integrar as leis, não deixam de ter sua exigibilidade legitimada. Ao mesmo tempo, tais direitos são concebidos como históricos e universais, pois fazem parte da construção da humanidade e excedem a concepção de estado e de nação, podendo ser reclamados, nos casos de desrespeito, aos organismos internacionais, a exemplo das Nações Unidas. É neste cenário, tendo como foco a democracia e os direitos humanos, que a formação cidadã encontra espaço para ampliar sua atuação e o exercício da cidadania. Em outras palavras, a cidadania ativa surge como ponto de apoio em um possível ciclo de avanços democráticos e de respeito aos direitos humanos. A terceira questão é a compreensão da formação cidadã como processo permanente, que deve se desenvolver em todos os espaços educativos: Na família, na escola, nas instituições públicas e privadas, nas religiões, nas associações, nos sindicatos, nos partidos políticos, etc.
A formação cidadã deve iniciar nos primeiros anos de vida do ser humano e deve possibilitar o exercício contínuo de cidadania, de apreensão dos conteúdos acumulados sobre direitos humanos e de valores primordiais da defesa da democracia e da justiça social. Estes conhecimentos devem relacionar-se ao dia a dia das pessoas e da realidade social em que elas estão inseridas. A apreensão destes conhecimentos almeja o desenvolvimento de ações na busca da materialização de todos os direitos que assegurem uma vida digna e contribuam à formação de cidadãos e cidadãs comprometidos com a realidade social local, regional e universal.
É neste sentido que a educação em direitos humanos, dentro de um processo de formação cidadã, surge como um dos instrumentos atuais mais importantes entre as formas de combate às violações de direitos humanos, já que educa na tolerância, na valorização da dignidade e nos princípios democráticos.
A formação cidadã assim entendida, em termos de uma ação mais estruturada e de uma prática contínua, requer um trabalho coletivo e participativo que perpassa, de forma explícita, todos os conteúdos, articulando teoria e prática da realidade social, cultural, econômica e política. Por isso, no campo da educação formal, nos diversos níveis do ensino público e privado, ainda é necessário a elaboração de diretrizes curriculares orientadoras da formação profissional. Tais diretrizes devem englobar todas as áreas do conhecimento, ou seja, uma formação onde a construção da identidade profissional e da identidade pessoal esteja imbricada, no sentido da defesa e ampliação dos direitos humanos.
Assim compreendemos que a educação baseada na formação cidadã possui um papel essencial neste cenário: busca a conscientização da pessoa enquanto sujeito de direito, apoiada nos conhecimentos da ação em favor dos direitos humanos, onde se aprenda a respeitar o ser humano em sua totalidade, em sua liberdade e em sua dignidade, evitando problemas culturais de discriminação, de racismo, de preconceitos, de intolerância e de violência social.
2.1. Conceitos
Afinal, o que é ser cidadão? Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, ter direitos civis. Ser cidadão é também participar do destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva, como por exemplo, o direito à educação, ao trabalho justo, à saúde, a uma velhice tranquila.
Como exercemos a cidadania? A Cidadania é a expressão concreta do exercício da democracia. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. Expressa a igualdade dos indivíduos perante a lei, pertencendo a uma sociedade organizada. É a qualidade do cidadão de poder exercer o conjunto de direitos e liberdades políticas, socioeconômicas de seu país, estando sujeito a deveres que lhe são impostos. Relaciona-se, portanto, com a participação consciente e responsável do indivíduo na sociedade, zelando para que seus direitos não sejam violados.
Tem-se conhecimento que o termo Cidadania surgiu a partir dos processos de lutas que culminaram na Independência dos Estados Unidos da América do Norte e na Revolução Francesa. Esses dois eventos romperam o princípio de legitimidade que vigia até então, baseado nos deveres dos súditos e passaram a estruturá-lo a partir dos direitos do cidadão. Desses momentos em diante, todos os tipos de luta foram travados para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania e o mundo ocidental o estendesse para as mulheres, crianças, minorias nacionais, étnicas, sexuais, etárias, etc.
Existe uma diferença entre “Ser cidadão” e “Estar cidadão”: O “ser cidadão” é, sem dúvida, uma expressão que precisa ser mais bem utilizada e vivenciada pela coletividade. Talvez, se todos os brasileiros soubessem o que é cidadania, viveríamos em um país melhor, menos injusto, e nossa qualidade de vida teria outra conotação. Infelizmente, são poucas as iniciativas para a criação dessa consciência na sociedade. Quando ocorrem, partem de algumas comunidades específicas e das raras organizações privadas realmente imbuídas desse fim.
“Ser cidadão” é saber viver em sociedade, estando ciente dos anseios comuns, é participar ativamente das decisões de sua comunidade, influenciar modos de vida de maneira positiva ao seu redor, exercer os direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que virão. É preservar o meio ambiente, a natureza, os animais, os seus semelhantes, os opostos. É ser solidário, é ser político, é ser flexível, decidido e, sobretudo, estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da sociedade. Com um pequeno gesto, conseguimos demonstrar responsabilidade nesse contexto social, fazendo a nossa parte, contribuindo intensamente para o crescimento coletivo. Já “estar cidadão” é não praticar o exercício da cidadania em nenhuma de suas formas. É apenas se deixar levar pelos acontecimentos, e ainda reclamar das situações vividas, sem nada fazer para mudar a perspectiva de futuro.
Já dizia o provérbio chinês: “Uma longa caminhada começa sempre com o primeiro passo”. Por isso, devemos fazer das pequenas ações o ponto de partida para uma firme caminhada em direção à responsabilidade social, como valor fundamental na transformação da sociedade. Por onde começar? Questão de atitude! Aliada à solidariedade e ao espírito coletivo. Juntos, os governos das diferentes esferas, empresas e cidadãos, haveremos de cumprir um novo papel no processo de desenvolvimento, como agentes de uma nova cultura. Tem-se como uma grande tendência o crescimento das organizações comunitárias, que juntam o privado e o social. A parceria comunitária será um dos verdadeiros setores em crescimento das economias desenvolvidas. Surge da necessidade de uma participação mais direta e efetiva da comunidade nas grandes questões da vida social, pois não existe ninguém melhor que o cidadão para saber o que ele quer para si, para sua família e para sua comunidade.
No entanto, tão importante quanto investir no futuro dessas pessoas é participar do seu presente. Por essa razão, devemos fazer a diferença. Afinal, o envolvimento efetivo da sociedade nas questões sociais não é apenas uma postura moderna. Significa, antes de tudo, uma atitude digna de todos aqueles que desejam exercer sua Cidadania, contribuindo para um país melhor e, em especial, para uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. “Se há algo de emocionante no futuro é justamente a capacidade que temos de moldá-lo”. Certamente que você já ouviu frases do tipo, “a necessidade me fez mudar”, ou “é nas situações de dificuldade que a gente aprende”, ou até ainda aquele famoso trecho de uma letra de música, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Esta última, se observarmos bem, tem uma interpretação bastante inspiradora para o assunto que iremos abordar.
Na verdade, seja por burocracia, pelas custas, pela falta de entendimento ou até pela descrença, o fato é que milhões de Brasileiros não possuem acesso aos seus direitos previstos na Carta Magna de 88. Não obstante, é inegável admitirmos a atual falência de alguns dos institutos de Justiça populares do Estado, como a Polícia Civil Judiciária, as Defensorias Públicas e até da Polícia Militar, não nos esquecendo da insegurança que ronda o nosso Judiciário. Certamente que os Governantes regionais quando questionados das problemáticas nas áreas da saúde, do acesso à justiça, da educação, segurança pública, transferem as responsabilidades para o atual modelo de concentração de receita praticado pela União, que retém 60% da arrecadação, enquanto que para os Estados sobrevém 23%, restando para os Municípios apenas a menor fatia do bolo, 17%. Algo deve estar mesmo errado, porque afinal, são nos Municípios que os cidadãos brasileiros residem! As coisas não vão muito bem mesmo, e apesar disso, o Governo diz sempre que, “vai muito bem, obrigado”, onde se utiliza do Marketing Corporativo, copiando aquela prática iniciada lá no nazismo de Adolf Hitler: “Uma mentira pronunciada por milhares de vezes faz com se transforme em verdade”.
Por isso, o que nos resta é uma posição medíocre frente aos desmandos de um sistema que ainda não experimentou dos prazeres de uma verdadeira democracia pura e participativa, desnuda dos vícios de corrupção e de resquícios de um coronelismo baixo e imposicionista, vivido tempos atrás. Mas não pensemos em responsabilizar apenas o estado e seus Governantes. Desde as priscas heras, lá em Roma, o povo já se preocupava mais em prestigiar os jogos do Coliseu ao se ater para os problemas da sociedade. Hoje em dia não é diferente. Além de várias competições de diversas modalidades, como a copa do mundo de futebol, ainda temos o Carnaval, as novelas, os Realities Shows, que adquiriram a simpatia e caíram no gosto do povão, onde uma vez entretido, se esquecem dos verdadeiros problemas sociais, como saúde, educação, segurança e transportes públicos. Somos os verdadeiros culpados pela nossa triste realidade, nos tornamos massa de manobra de uma minoria, somos nós os culpados.
Pensando nos ditos anteriores, existe um questionamento que não me sai da cabeça: “Como materializar a necessidade da adoção de novas posturas de iniciativas de articulações populares organizadas, frente às demandas político, jurídicas e sociais do sistema atual?” “A resposta está na inserção de um novo conceito cívico patriótico de responsabilização social”, e que somente logrará êxito com a formação de uma corrente de integração entre a sociedade civil organizada de todas as classes, obtendo a capacidade do exercício pleno de Democracia Participativa, capaz de responder às verdadeiras demandas da sociedade.
Promover uma revolução, uma mudança de conceitos desta natureza, removendo os vícios de submissão impregnados em nossas almas, reconheço não ser tarefa das mais fáceis. Nossas atitudes devem ser comparadas às do beija-flor, que “ao transportar aquela gota d’água no bico pretende apagar um incêndio na floresta”. Quando falo em Responsabilidade Social, penso no quanto pode ser “quase” e não totalmente impossível, encontrarmos pessoas com espíritos patrióticos o bastante, capazes de doar trabalho, tempo e esforço pessoal para ajudar nas transformações de realidades. Pensando nisso, digo que, “é necessário reeducar a educação no Brasil”. A palavra de ordem no caso é sem dúvidas “Integração”, onde devemos optar por um atalho, com menos pedras, precipícios e espinhos, que significa trabalhar este propósito, inicialmente nas universidades, escolas e igrejas do Brasil, sempre podendo contar com a parceria das entidades de classe regionais.
Sou dos poucos que acreditam que “as responsabilidades das Universidades, Faculdades e Escolas não se limitam na aplicação de um conteúdo meramente programático, friamente restrito às necessidades da prática do aprendizado profissional”. Eu quero mais das Universidades e Faculdades, exijo mais das escolas de Ensino fundamental, Médio e Profissionalizante, assim como espero mais dos Conselhos de Classe, dos Sindicatos, dos meios de Comunicação, espero mais das Famílias do Brasil, sempre. Somos todos corresponsáveis, pela criação e formação de verdadeiros cidadãos patriotas. Somos responsáveis pela “Urgência do Debate”, garantidores da revolução psicossocial que deve ser promovida desde já no seio da sociedade. “Afinal, o único legado que devemos deixar para as futuras gerações é nossa atitude de agora. Esta sim nos fará ser lembrados e eternizados voluntariamente nas memórias e vozes dos futuros beneficiários de um país livre de mazelas, com uma democracia cidadã, participativa, com cidadãos conscientes, providos das mesmas responsabilidades, direitos e deveres, sem esta cultura maldita de concupiscência do cada um pra si e Deus pra todos.”
2.2. O surgimento dos direitos sociais coletivos e contrato social de Rousseau
A Constituição Federal atual, a de 1988, trouxe nova esperança de que enfim, as promessas de modernidade, marcadamente aquela voltada para a implantação do necessário para que a dignidade da pessoa humana já vivida em outros países há muito tempo, se transformasse em algo real e extensível a todos aqui também. Vinte e seis anos depois de anuciada a nova constituição por Ulisses Guimarães, a chamada “Carta Cidadã”, referida esperança do povo Brasileiro, mostra-se arranhada em decorrência da incapacidade dos Poderes Públicos em tornar realidade o que, com amplitude ímpar, os legisladores constituintes asseguraram a cada um e a todos os membros de nossa sociedade.
A garantia de acesso aos serviços públicos essenciais com a qualidade que a estrita observância do princípio da eficiência exige, revela-se como um postulado inócuo do ponto de vista prático, não conseguindo alcançar a realidade, sobretudo daqueles que estão distantes dos grandes centros urbanos, vivendo no “Brasil interiorano”, e que somente são alvos da devida atenção do poder público às vésperas dos pleitos eleitorais, por motivos óbvios. Neste sentido, há de se ressaltar as alarmantes condições de nossos sistemas de saúde e educação, incapazes de garantir “o mínimo” ao indivíduo que procura, com o seu esforço e não por meios escusos, assegurar dignidade aos seus familiares.
Herança da tradição francesa, a liberdade, a igualdade e a fraternidade podem ser consideradas como os pilares de sustentação da doutrina dos direitos fundamentais. A cada um destes pilares corresponde uma dimensão de tal gênero de direitos. Já citamos anteriormente as origens do direitos sociais fundamentais neste trabalho. Necessário se faz então entendermos o contrato social para buscarmos as razões da inefetividade destes direitos garantidos constitucionalmente a todos pela Carta Constitucional.
Jean Jacques Rousseau, ao considerar o homem e as leis em um de seus mais importantes trabalhos, “O Contrato Social”, tenta investigar se há regra de administração legitima e segura na ordem civil. Para isso une a justiça e o interesse. Sente-se feliz quando medita nos governos, pois descobre novas razões para amar sua Pátria. Neste trabalho ele diz que o homem nasceu livre, porém está acorrentado. E quem julga ser senhor dos demais, é de todos escravo. A ordem social é um direito sagrado fundado em convenções, onde todos os outros se fundamentam.
Diz também que a família é a mais antiga das sociedades, a única natural, a norma primitiva das sociedades políticas, onde o pai é a cabeça, os filhos são o povo. Os filhos só se sujeitam aos pais por que precisam dos mesmos para se conservar. Quando independentes continuam a viver unidos voluntariamente e só por convenção a família se mantém. É a liberdade do homem como a consequência da natureza do mesmo, sendo o cuidado de si a primeira lei. Se o homem não tem poder natural, a força não produz o direito, mas só é força, quando há obediência aos legítimos soberanos. Resta então as convenções, esteio de toda a autoridade legítima. O homem para subsistir, se vende, tornando-se escravo do outro (governo). Porém não pode alienar seus filhos, que nascem homens livres. Antes de se tornarem independentes o pai pode estipular condições desde que em benefício deles.
A renúncia da própria liberdade é a renúncia à qualidade de homem, aos direitos da humanidade e aos seus próprios deveres. Combates particulares, duelos, recontros são atos que não constituem um Estado. A guerra é uma relação de Estados (só pode ter outro Estado como inimigo) e não de homens, só acidentalmente são inimigos os particulares, vistos como soldados e não como homens ou cidadãos. Mesmo em plena guerra deve ser respeitada a pessoa, os bens particulares e seus direitos. Finda a guerra, às vezes extinguindo o Estado sem matar um só de seus homens, cessa o direito sobre a vida dos inimigos, pois se tornam meramente homens.
A lei do mais forte é o único fundamento quanto ao direito de conquista, porém não dá o direito de escravizar. Caso isso aconteça, um escravo feito na guerra ou um povo conquistado só deve obedecer enquanto é forçado. O direito de escravidão é nulo por ser ilegítimo, absurdo e não significar nada. Reger uma sociedade difere em muito da condição de submeter uma sociedade. O verdadeiro fundamento da sociedade é o ato pelo qual ela passa a existir. A lei de pluralidade dos votos é o estabelecimento de uma convenção e supõe unanimidade. Os homens não podem criar novas forças, mas unir e dirigir as já existentes e através da agregação de forças, vencer a resistência. Essa condição coloca em risco a força e a liberdade de cada homem.
Achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com força a pessoa e os bens de cada sócio, sendo livre e devendo obediência a si próprio, é o problema fundamental que resolve o contrato social proposto por Rousseau. As cláusulas do contrato seriam a natureza do ato, e a menor modificação desses as tornaria vãs e nulas. A violação do pacto social remeteria a liberdade natural entrando em seus primitivos direito. Esses artigos (cláusulas) se resumem na alienação total, com os direitos de cada sócio em prol de toda a comunidade. A máxima do direito civil consiste de que ninguém está obrigado aos compromissos contraídos consigo mesmo. O ser do corpo político ou soberano provém da integridade do contrato social e violar o ato de sua existência seria extinguir-se.
No contrato social se inclui a obrigação que, se qualquer um se recusar a obedecer a vontade geral, todo o corpo o forçará à obediência. A notável mudança do estado natural ao civil, que o homem passa, substitui a justiça ao instinto, suas ações ganham moralidade, o dever sucede o impulso físico, e o direito ao apetite. O homem que antes só olhava a si mesmo se vê impelido a seguir outros princípios e consultando a razão. Neste caso, o homem perde a liberdade natural e um direito sem limites a tudo que o tenta atingir, porém ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Pelo contrato social, fundamento a todos os direitos, o Estado é senhor de todos os bens de cada membro da sociedade e, porém não o é a respeito de outras potências, salvo pelo direito de primeiro ocupante. O direito de primeiro ocupante só é convertido em verdadeiro direito depois de estabelecido o de propriedade. Todo o homem, naturalmente, tem direito a tudo o que lhe é necessário, e o ato que o torna proprietário de algum bem o exclui do resto.
A união dos homens sem posses, para apoderar-se de um terreno suficiente para todos, dividido igualmente ou pelo soberano, independentemente da forma da aquisição, o direito particular é subordinado ao direito da comunidade, pois só assim haverá a solidez no laço social e força no exercício da soberania. Só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado segundo seu objetivo final que é o bem comum. A sociedade só deve ser governada segundo os interesses comuns. A soberania é indivisível pela mesma razão de ser inalienável, sendo assim os políticos dividem-lhe o objeto; em força e em vontade, em poder legislativo e executivo, em direitos de imposição, de justiça, de guerra, administração interior e de poder de tratar com estrangeiros. Algumas vezes confundem ou separam essas partes, pela falta de ideias exatas da autoridade soberana.
O Estado sendo uma pessoa moral, cuja vida permanece na união de seus membros e a sua ação mais importante é sua própria conservação, necessita de força universal e compulsória para mover e dispor cada parte do modo que considerar conveniente. Os serviços que podem ser prestados por um cidadão ao Estado, são devidos quando o soberano pedir, esse de sua parte não pode aplicar pena inútil, aos seus “servos” sem causa. Os compromissos são obrigatórios por serem mútuos e respeitando-os, trabalhamos para nós quando o fizemos também para os outros (corpo social). Todo o homem para manter a própria vida pode arriscá-la. O fim do contrato social é a conservação dos contratantes. Quem quer conservar a vida às custas dos outros deve também dá-la quando for preciso. Se convém ao Estado que o homem morra, ele deve morrer, pois viveu em segurança garantida pelo Estado e sua vida não é mais um benefício da natureza.
Assim, também, todo o mal feitor, quando insulta o direito social, torna-se por seus crimes, rebelde e traidor da Pátria e deve ser condenado à morte. Os processos e a sentença são as provas e a declaração de que o mesmo violou o contrato social. Cabe ao soberano o direito de proferir a condenação, mas não executá-la. O direito de perdoar ou de eximir o criminoso da pena imposta, pertence a quem é superior ao juiz e à lei ou seja, o soberano, mas não é claro o seu direito. Repetidos perdões podem anunciar que não há o crime.
Enquanto que o pacto social deu vida ao corpo político a legislação dará movimento e vontade. A justiça é originária de Deus, e se soubéssemos recebe-la seria desnecessárias as leis e o governo. As leis são atos da vontade geral, sendo elas o registro de nossas vontades, em rigor, as condições da associação civil. A república é todo o Estado regido por leis, enquanto que o povo submisso deve ser o autor dessas. O legislador é no Estado um homem extraordinário, é uma função particular e superior. Aquele que governa os homens não deve governar as leis e vice-versa. Aquele que ordena as leis não tem o direito legislativo e o povo não pode despir-se desse direito. O instituidor das leis observa se o povo, a quem as leis são destinadas, é capaz de suportá-las. Um povo pode obter a liberdade, mas não recobrá-la. Em todo o corpo político (Estado) há um maximum de força que não pode ser transcendido. Algumas razões que demonstram isso: as grandes distâncias, as cidades, distritos, províncias, os grandes governos, os sátrapas, os vice-reis e a administração suprema, que esmaga tudo, todas administrações pagas pelo povo. O resultado é um Estado grande, dirigido por comissários, onde ninguém se dedica ao povo, apenas alguns cuidados são dispensados ao povo. O Estado deve se assentar em um fundamento para ter solidez e se sustentar, uma coisa relevante é uma sã e forte Constituição, enquanto que para outros Estados a conquista fazia parte da sua própria Constituição.
A Liberdade e a igualdade consistem juntamente no maior bem de todos e deve ser o fim de todo o sistema de legislação. Nenhum cidadão é suficientemente rico que possa comprar outro, e nenhum tão pobre que seja constrangido a vender-se. Isso pressupõe moderação nos bens e créditos dos grandes e moderação na avareza e cobiça dos pequenos. Para ordenar o todo ou dar uma forma melhor para a República, deve-se considerar: A ação do soberano com o Estado, as leis políticas ou fundamentais que regulam essa relação; a ação dos membros entre si, ou com o corpo inteiro; a relação entre o homem e a lei; e a mais importante, que forma a verdadeira Constituição do Estado, que são os usos, os costumes e da opinião.
As leis políticas constituem a forma de governo. Sem o concurso do poder legislativo (vontade), pertencente ao povo, e o poder executivo (força) nada se pode fazer na sociedade política. O Estado é um corpo intermediário, estabelecido entre os vassalos e o soberano, encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade civil e política entre ambos. Os membros desse corpo são chamados de magistrados, reis ou governadores e o corpo inteiro se intitula príncipe. O governo, ou suprema administração, é o exercício legítimo do poder executivo, enquanto que o príncipe ou magistrado é o homem ou corpo incumbido da administração. A relação do soberano cresce em razão do número de cidadãos, donde se pode concluir que quanto mais se amplia um Estado, mais diminuiu a liberdade, afastando-se da igualdade.
Quanto mais numerosos os magistrados, mais fraco será o governo. Na pessoa do magistrado há três vontades: A vontade própria do indivíduo, que atende ao seu interesse particular; a vontade comum dos magistrados ou vontade do corpo, que atende os interesses do príncipe; e a vontade do povo ou soberana, que é geral. Numa legislação perfeita, a vontade particular ou individual deve ser nula. A multiplicação dos magistrados enfraquece o governo, e a força repressora deve aumentar quanto mais numeroso for o povo. A divisão do governo pode se dar de três modos: democrática, aristocrática e monárquica. A democracia se dá quando o soberano confia o governo a todo ou à maior parte do povo, existindo mais cidadãos magistrados que simples particulares.
A aristocracia se dá quando o soberano restringe o governo nas mãos de um número pequeno, existindo mais simples cidadãos que magistrados. A monarquia é a concentração de todo o governo em um único magistrado, que aos outros outorga poderes. Sem contar as exceções, o governo democrático convém aos Estados pequenos, a aristocracia aos medíocres, e a monarquia aos grandes.
Na democracia o maior perigo é a influência dos interesses privados nos negócios públicos, o abuso das leis pelo governo é menor que a corrupção do legislador, resultado de alvos particulares. Rigorosamente nunca existiu e existirá a democracia verdadeira. O monarca é a pessoa natural, real, que tem o direito de dispor do poder segundo as leis. O governo é vigoroso, a vontade particular impera, os outros são facilmente dominados, o fim não é a felicidade pública e a administração será sempre em detrimento do Estado.
Na monarquia os empregados são trapalhões e intrigantes sem talento, e quando elevados a grandes postos, mostram-se inaptos. O inconveniente á a sucessão contínua, pois as eleições deixam perigosos intervalos e são tormentosas, desencadeando a briga e a corrupção.
Não há governos simples. O governo simples é o melhor em si, mas quando o poder executivo não depende do legislativo é necessário remediar esse defeito de proporção, dividindo o governo. A divisão pode servir para debilitar ou fortalecer o governo. O Governo misto produz uma força mediana. Em todos os governos do mundo, a pessoa pública não produz nada e gasta a substância do trabalho dos seus membros. Quanto mais aumenta a distância do povo ao governo, mais onerosos serão os tributos; assim, na democracia o povo estará mais aliviado, na aristocracia menos, na monarquia sustenta maior peso. Nos Estados livres tudo é empregado com utilidade, enquanto que nos Estados monárquicos o despotismo torna os vassalos miseráveis.
A dissolução do Estado gera anarquia, que é o abuso do governo. O tirano é o usurpador da autoridade real e o déspota o usurpador do poder soberano. Um tirano pode não ser déspota, mas o déspota é sempre tirano. O corpo político começa a morrer logo que nasce, trazendo consigo as causas da sua destruição. Cabe ao homem prolongar a sua vida o quanto for possível. O princípio da vida política está na autoridade do soberano, enquanto que o poder legislativo é o coração do Estado, o executivo o cérebro que dá movimento a todas as partes. O Estado não subsiste pelas leis, mas sim pelo poder legislativo. A autoridade soberana não tendo outra força senão o poder legislativo, pode se manter pelas leis, atos autênticos da vontade geral, com o povo junto. O Estado melhor governado e forte se dá com a povoação do território com igualdade, direitos iguais, abundância e vida. No instante em que o povo está legitimamente junto em um corpo soberano, toda a jurisdição do governo cessa. Os deputados não são e não podem ser representantes do povo, mas sim comissários dele, e nada podem concluir decisivamente.
A ideia dos representantes é moderna e vem do governo feudal, iníquo e absurdo governo, que degrada a espécie humana e desonra o homem. No momento em que um povo elege representantes, deixa de ser livre e existir.
A instituição do governo não é um contrato, pois se assim o fosse, seria um ato particular, onde se infere que o mesmo não poderia ser lei, nem ato de soberania, sendo assim ilegítimo. A lei é a forma que se institui o governo. A instituição do governo se dá: com o estabelecimento da lei e a sua execução. O estabelecimento da lei estatui o soberano e um corpo de governo fundado sob esta ou aquela forma; na execução, o povo nomeia os chefes.
O governo democrático pode se estabelecer, provisoriamente, de fato por um simples ato da vontade geral, e depois que tomar posse, governar conforme a lei. As juntas periódicas são capazes de prevenir ou espaçar as usurpações do governo. Mesmo quando o Estado subsiste, quase em ruínas, a vontade geral continua a existir de modo constante, inalterável e pura, porém submissa a outras que a superem. Quando é apresentada a proposta de uma lei, na assembleia do povo, pergunta-se se ela é ou não conforme a vontade geral, que é a sua. Cada um vota, e do cálculo dos votos tem-se a declaração da vontade geral.
A eleição do príncipe e dos magistrados pode se dar pela escolha ou a sorte. A sorte é mais própria da democracia. Quando a escolha e a sorte se misturam, deve a primeira preencher lugares que exigem capacidades e talentos; a outra convém para aqueles que bastam o bom senso, a justiça e a integridade. Os comícios eram as assembleias legitimamente convocadas, que poderiam ser: comícios curiatos, centuriatos e tributos, segundo a forma de os reunir. Os curiatos eram instituição de Rômulo, os centuriatos de Sérvio, e os tributos das tribos do povo. Só os comícios sancionavam as leis e elegiam os magistrados. Os mesmos poderiam se dar e ter força de lei: quando o corpo ou magistrado convocasse; que fosse realizado em um dia permitido pela lei; que o prenúncio os augúrios fossem favoráveis. O tribunato é o conservador das leis e do poder legislativo, serve para patrocinar o soberano contra o governo; sustentar o governo contra o povo, ou manter o equilíbrio entre as partes.
Não deve ter porção do poder legislativo e nem do executivo, sendo assim o mais firme esteio de uma boa constituição. Estando o Estado em perigo, a primeira intenção do povo é que o Estado não pereça, e a autoridade legisladora é suspensa, não abolida. A nomeação de um ditador pode ser dar, quando os alicerces do Estado não são sólidos e a Constituição não tenha força suficiente para o sustentar. A declaração da vontade geral se faz pela lei e a declaração do juízo público se faz pela censura. A censura pode ser útil para conservar os costumes, e nunca para os reviver. Enquanto as leis têm vigor deve-se estabelecer censores, perdido esse, tudo fraqueja.
O Cristianismo separou o sistema teológico do político, rompendo a unidade do Estado e causando as divisões, que nunca cessaram de abalar os povos cristãos. Onde o Clero forma um Corpo, é ele senhor e legislador da sua Pátria; logo há dois poderes e dois soberanos. A religião serviu de alicerce para a fundação de todos os Estados, porém a lei cristã é mais prejudicial que útil à forte Constituição do Estado. A religião que é geral ou particular, pode se dividir em três espécies: do homem, do cidadão e a sacerdotal. Os dogmas da religião civil devem ser simples, concisos, sem explicações ou comentários. Caso o cidadão os reconhecer publicamente e violá-los, deve ser punido com a morte, pois cometeu o maior dos crimes, mentiu em face das leis.
Entendendo um pouco sobre a obra citada, podemos afirmar que o mundo precisa de um novo contrato social. Rousseau acreditava que o ser humano nascia bom e que a estrutura social, pautada na lei do mais forte, o corrompia. Assim, ele defendeu a participação ampla e irrestrita na construção das leis e regras coletivas, formando um acordo para a essa criação, em primeiro lugar, de uma sociedade livre e igualitária e, só depois, um Estado de direito. Para defender suas ideias, lançou, em 1762, o tratado Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político. Este texto organizou os conceitos que, nos anos seguintes, inspiraram grandes movimentos contra as estruturas existentes e a submissão de muitos a poucos, como, por exemplo, a Revolução Francesa, em 1789, com seu ideal de igualdade, liberdade e fraternidade. Neste caso, o novo contrato social se transcreve na relevância de se construir um novo conteúdo para cuidar da forma de como haveremos de agir, já que o antigo contrato social se encontra em ruínas. Para isso, não podemos esquecer da importância de cuidar dos pequenos gestos do dia a dia, enquanto se pensam em grandes princípios, tudo no sentido de aprofundar ainda mais sobre o tema “Cidadania Ativa”.
2.3. O papel da Constituição Federal na gestão democrática para a promoção dos direitos sociais
O constitucionalista Paulo Bonavides destaca que os direitos sociais tomaram corpo após expansão da ideologia e da reflexão antiliberal. O jurista adverte que tais direitos passaram por um “ciclo de baixa normatividade, ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos”.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 explicitou amplo rol de direitos sociais, tornando ainda mais relevante o tema de sua eficácia. De fato, apenas positivar direitos, reconhecê-los e apontar sua importância não é suficiente. Quanto maior a consagração formal de direitos sociais, maior a dificuldade de lhes garantir uma aplicação efetiva, ou seja, sem querer entrar na discussão sobre quem está certo ou errado, vale lembrar que a Constituição norte-americana tem apenas 7 artigos e algumas poucas ratificações e emendas, sendo o Bill of Rights uma delas. O último artigo é o que trata da entrada em vigor da própria Constituição, algo que quase todas as nossas leis brasileiras também fazem. Se fosse possível estabelecer uma ordem de importância entre os artigos da Constituição, seria o artigo mais importante. Sem ele, os outros artigos não teriam qualquer validade porque a Constituição não teria entrado em vigor.
O artigo VII diz “The Ratification of the Conventions of nine States, shall be sufficient for the Establishment of this Constitution between the States so ratifying the Same.”, algo do tipo “A ratificação dessas convenções por nove estados será suficiente para a validade dessa Constituição nos estados que a ratificarem’. A Constituição, que é de 17 de setembro de 1787, só entrou em vigor, seguindo o que foi ditado pelo artigo VII, em 21 de junho de 1788, quando o nono estado (New Hampshire) a ratificou.
Voltando ao assunto anterior, como se tratam os direitos fundamentais de direitos a prestações, que envolvem um custo especial, deve-se refletir em que medida os direitos sociais, por força do disposto no §1º, artigo 5º da CF, estão em condições de serem diretamente aplicáveis. Sem esquecer, aliás, que inexiste norma constitucional destituída de eficácia e aplicabilidade.
Observa-se pela história que a obrigação de atender aos direitos sociais ditou ao Estado a expansão dos serviços públicos, especialmente dos anos vinte para frente. Hoje, em que pese o notável avanço, permanece válido discutir até que ponto o Estado deve dar o atendimento a esses direitos ou apenas amparar sua busca.
Os operadores do direito, hoje, trabalham com essa nova perspectiva, com a dificuldade de se determinar até que ponto os direitos sociais são exigíveis, até que ponto não operam eficácia imediata. A doutrina mais apurada entende que o artigo 5º, §1º da CF/88 não deve ser interpretado como regra, mas como um princípio, isto é, deve-se garantir a máxima efetividade possível (PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE POSSÍVEL DE DIREITOS).
Para o jurista Luís Roberto Barroso, “o intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquele que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não aplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador”.
Esta aplicação imediata é o desejável. Contudo, seria utópico concluir que o Estado brasileiro, no seu atual estágio de evolução, poderia assegurar o pleno exercício dos direitos sociais a todos. Devemos destacar que “a plena e efetiva realização do ordenamento jurídico no plano social, embora, embrionariamente já esteja concebida no plano normativo (em sentido amplo), depende de fatores econômicos, éticos e culturais” para sua efetivação. Dissemina-se, no entanto, o raciocínio de que a aplicação desses direitos deve se pautar na máxima efetividade possível.
Voltando à realidade brasileira, existe um instituto chamado “Reserva do Possível”, criado para amparar a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; para amparar a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição de receitas e competências tributárias, orçamentárias etc; amparar a proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.
A reserva do possível, nas suas diversas dimensões, está ligada diretamente às limitações orçamentárias que o Estado possui. Para se determine a razoabilidade de determinada prestação estatal é importante pensar no contexto: a saída adequada para fulano deve ser a saída adequada para todos os que se encontram na mesma situação que fulano, o que não acontece, diante das desigualdades diversas. Alguns autores denominam este princípio como a reserva do “financeiramente possível”, relacionando-o com a necessidade de disponibilidade de recursos, principalmente pelo Estado, para sua efetiva concretização.
Neste caso, aponta-se este princípio como limitador de certas políticas públicas. Por exemplo, não seria possível a edição de uma lei para aumentar o valor do salário mínimo, se tal medida implicasse negativamente e de forma desastrosa nas contas da previdência social, outros gastos públicos. Certamente, medidas não razoáveis ou em desacordo com o momento e evolução históricos implicam resultados contrários à própria eficácia dos direitos.
A cláusula da reserva do possível não pode servir de argumento, ao Poder Público, para frustrar e inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição. A noção de “mínimo existencial” é extraída implicitamente de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), e compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e de prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos.
Quando imaginamos um mínimo existencial, aliás, conceito da doutrina contemporânea, que diz tratar-se do “conjunto de condições materiais essenciais e elementares cuja presença é pressuposto da dignidade para qualquer pessoa. Se alguém viver abaixo daquele patamar, o mandamento constitucional estará sendo desrespeitado”. Doutrinariamente existem dois posicionamentos sobre o mínimo existencial: Ricardo Lobo Torres diz que, “o mínimo existencial não teria um conteúdo definido.” Ele entende que estes direitos básicos vão depender de cada época, de cada sociedade. O meio ambiente pode não ter sido um direito essencial e em outra época. É preciso analisar a época e a sociedade. De acordo com isso, o mínimo existencial variaria. Já Ana Paula de Barcellos (UERJ), procura delimitar o conteúdo do mínimo existencial segundo a realidade brasileira. Segundo ela, o mínimo existencial englobaria o direito à educação fundamental (art. 208, I) como parte do mínimo existencial, direito à saúde, assistência aos desamparados (no Brasil temos a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, que prevê um benefício de 01 salário mínimo para os que são extremamente pobres. Mesmo que nunca tenham contribuído têm direito ao benefício) e o acesso à Justiça. Alguns autores colocam o direito à moradia, como parte do mínimo existencial.
Quando se fala em direito à moradia, não é direito a receber do Estado uma casa. O direito à moradia, dentro do mínimo existencial, seria o direito de ter ao menos um local onde se recolher durante o período noturno. O direito à moradia dentro da nossa realidade é o direito a um abrigo.
A destinação de recursos públicos, sempre escassos, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas positivadas na própria Lei Fundamental. Se o Poder Público se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no texto constitucional, transgride a própria Constituição Federal. A inércia estatal configura desprezo e desrespeito à Constituição e, por isso mesmo, configura comportamento juridicamente reprovável.
Teremos então o princípio da vedação do retrocesso, o qual não está previsto no vigente texto constitucional, mas foi acolhido pela doutrina e jurisprudência moderna. Esse princípio, no dizer de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, “visa a impedir que o legislador venha a desconstituir pura e simplesmente o grau de concretização que ele próprio havia dado às normas da Constituição, especialmente quando se trata de disposições constitucionais que, em maior ou menor escala, acabam por depender dessas normas infraconstitucionais para alcançarem sua pela eficácia e efetividade”. Em síntese, não pode o legislador diminuir ou radicar os direitos humanos fundamentais, aqui inseridos os de segunda dimensão. Muito embora o constituinte originário tenha elevado à condição de cláusulas pétreas apenas os direitos e garantias individuais, a doutrina e a jurisprudência parecem corroborar o entendimento de ser legítima a manutenção de estabilidade nas conquistas dispostas na Carta Política.
Não se trata de conferir imutabilidade às normas relativas a direitos sociais, mas segurança jurídica ao assegurar que os tais não sejam suprimidos, ou diminuídos em sua importância e alcance. Tal princípio vincula não só o legislador infraconstitucional, bem como o legislador constituinte derivado, ao elaborar Emendas à Constituição.
Quando falamos dos Direitos sociais em espécie, aqueles previstos na CF, a referência que temos é o direito à saúde, à educação, ao trabalho, moradia, lazer, segurança pública, previdência social, proteção a maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Vejamos então o verdadeiro significado de cada um destes direitos:
O DIREITO À EDUCAÇÃO está tratado nos artigos 6º e 205 da Constituição Federal. Esse direito tem por sujeito passivo o Estado e a família. O Estado tem o dever de promover políticas públicas de acesso à educação de acordo com os princípios elencados na própria CF (art. 206), e, por expressa disposição, obriga-se a fornecer o ensino fundamental gratuito (art. 208, §1º). Vale destacar, ainda, que o STF editou a súmula vinculante de número 12, para evitar a violação do disposto no artigo 206, IV da CF: “A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”.
Com relação ao Direito à SAÚDE, apenas em 1988 que passou a ser tratada pela ordem constitucional brasileira como direito fundamental. Gomes Canotilho e Vital Moreira sinalizam que o direito à saúde comporta duas vertentes: “Uma de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado, ou de terceiros, que se abstenha de qualquer pacto que prejudique a saúde; Outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando à prevenção das doenças e ao tratamento delas”.
No que diz respeito ao direito do TRABALHO, ou seja direito de trabalhar, é o meio mais expressivo de se obter uma existência digna, e está previsto na CF/88 como um direito social, e não mais como uma obrigação social, tal como previa a Constituição de 1946. Constitui um dos fundamentos do Estado democrático de Direito os valores sociais do trabalho (CF, artigo 1º, inciso IV), ademais, o artigo 170 da CF funda a ordem econômica na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tudo a assegurar uma existência digna a todos, em atenção à justiça social. Nos termos do art. 22, I, da CF, compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho, não estando ela obrigada a utilizar-se de lei complementar para disciplinar a matéria, que somente é exigida, nos termos do art. 7º, I, da mesma Carta, para regrar a dispensa imotivada.
Com relação ao direito à MORADIA, este foi inserido no artigo 6º da Constituição por meio de Emenda Constitucional, a de número 26, de 14.2.2000, embora já se cogitasse de sua fundamentalidade pelo disposto no artigo 23, IX da CF. O direito à moradia não é necessariamente direito a uma casa própria, mas sim a um teto, um abrigo em condições adequadas para preservar a intimidade pessoal dos membros da família (art. 5, X e XI), uma habitação digna e adequada. Não há dúvidas de que a casa própria seria o meio mais efetivo de se concretizar o direito à moradia, todavia, esta não é a realidade social vigente. A própria impenhorabilidade do bem de família, levada a efeito pela Lei 8009/90, encontra fundamento no artigo 6º da Constituição Federal.
Do direito ao LAZER, dispõe A CF no §3º do Artigo 217 que “o Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social”. Tal direito está relacionado com o direito ao descanso dos trabalhadores, ao resgate de energias para retomada das atividades. Costuma-se condenar os empregadores que, entregando excessiva carga de trabalho ao empregado, retiram-lhe o intervalo Inter jornada de modo a inibir o convívio social e familiar, suprimindo a oportunidade de ócio, isto é, de tempo destinado ao lazer, garantida constitucionalmente.
Já com relação ao Direito de SEGURANÇA, este tem o condão de conferir garantia ao exercício pleno, e tranquilo, dos demais direitos e liberdades constitucionais. Na dimensão de direito social está intimamente relacionada com o conceito de segurança pública, tratada no artigo 144 da Constituição Federal. Ensina José Afonso da Silva que segurança “assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependente do adjetivo que a qualifica (….) A segurança pública consiste numa situação de preservação ou restabelecimento dessa convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e defesa de seus legítimos interesses”. O STF afirmou que o direito à segurança “é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo.”
O direito à PREVIDÊNCIA SOCIAL surge com a Emenda Constitucional 20/1998, onde estão previstas prestações previdenciárias de dois tipos: os benefícios, que são prestações pecuniárias para a)aposentadoria por invalidez (CF, art. 201, I), por velhice e por tempo de contribuição (CF, art. 201, §7º) b) nos auxílios por doença, maternidade, reclusão e funeral (art. 201, I, II, IV e V); c) no salário-desemprego (artigos 7º, II, 201, II, e 239); d) na pensão por morte do segurado (art. 201, V). Os serviços que são prestações assistenciais: Médica, farmacêutica, odontológico, hospitalar, social e de reeducação ou readaptação profissional.
No direito de PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA, vimos que o mesmo está inserido como direito previdenciário (artigo 201, II), e como direito assistencial (artigo 203, I e II), destacando-se também no artigo 7º, XVIII da CF, que prevê a licença à gestante.
Quanto ao direito de ASSISTÊNCIA AOS DESAMPARADOS, a Constituição Federal estabelece que a assistência social será prestada aos necessitados, independentemente contribuírem ou não com a previdência social.
2.4. O Welfare State face às políticas públicas adotadas pelo Estado
O conceito de Welfare State ou Estado de Bem Estar Social, nasce com base na concepção de que existem direitos sociais indissociáveis à existência de qualquer cidadão. Segundo esta concepção, todo o indivíduo tem o direito, desde seu nascimento, a um conjunto de bens e serviços que devem ser fornecidos diretamente através do Estado, ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. Esses direitos contemplam cobertura de saúde e educação em todos os níveis, auxílio ao desempregado, garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para sustentação dos filhos, etc.
Segundo a melhor doutrina, são características comuns das definições de Welfare State as seguintes: A tendência do Estado de modificar o livre funcionamento do mercado; o princípio de substituição do rendimento em caso de perda temporária ou definitiva da capacidade de obtê-lo, para a prevenção dos riscos próprios inerentes à economia de mercado (velhice, doenças, maternidade, desemprego); a garantia, mesmo para os excluídos do mercado de trabalho, de uma renda mínima a um nível considerado suficiente para a satisfação das necessidades sociais e culturais essenciais. Essa última característica de práticas universalistas de garantia de uma renda mínima caracterizam somente as tendências recentes de proteção social e não o Welfare State em sua concepção mais abstrata.
Para alguns doutrinadores, o Welfare State é essencialmente um fenômeno das sociedades capitalistas avançadas, as quais (sem exceção) criam estruturalmente problemas endêmicos e necessidades não atendidas. Neste contexto, o Welfare State seria uma tentativa de compensar os novos problemas criados por estas sociedades. Assim, a emergência dos Estados de Bem-Estar não apenas não representa uma mudança estrutural das sociedades capitalistas, mas seria essencialmente uma resposta funcional a seu desenvolvimento:
O Welfare State não pode lidar diretamente com as necessidades humanas fundamentais, ele pode apenas tentar compensar os novos problemas que são criados na vaga do crescimento industrial. (OFFE, 1972, p. 482). Segundo este mesmo autor, o desenvolvimento do capitalismo gera problemas sociais, tais como: necessidade de moradia para os trabalhadores concentrados pela indústria, necessidade de qualificação permanente da força de trabalho, desagregação familiar, etc. Ou seja, em seu desenvolvimento, o capitalismo destrói formas anteriores de vida social (ou instituições sociais), gerando disfuncionalidades, as quais se expressam sob a forma de problemas sociais. O Welfare State representa, portanto, formas de compensação, um preço a ser pago ao desenvolvimento industrial. Mais que funcional, o Welfare State é um desdobramento necessário da dinâmica de evolução destas sociedades, uma vez que há pequena margem para escolhas. Isto é, segundo o autor, a emergência de programas sociais não é resultado de escolhas, porque as alternativas de políticas são pequenas. São as condições econômicas e sociais que determinaram a emergência do Welfare State, e não opções feitas no campo do político: Padrões ideológicos não são apenas ausentes, mas eles seriam inaplicáveis mesmo se existissem, porque a margem para políticas alternativas “viáveis” é muito pequena para permitir escolhas baseadas em princípios. É exatamente esta situação que melhor descreve o desenvolvimento do Welfare State. Plataformas dos partidos e resultados eleitorais parecem não ter influência na percentagem do orçamento estatal que é gasto para fins de Welfare ou em novos programas de Welfare que são criados. Muito mais importantes como determinantes das políticas (“policies”) são variáveis econômicas tais como o crescimento da produtividade, a extensão da mobilidade social, o nível tecnológico das indústrias básicas, o tamanho e composição da força-de-trabalho, a estrutura de idade da população e outros indicadores macroeconômicos e macrossociológicos. (OFFE, 1972, p. 484).
Claus Offe nega explicitamente determinantes de ordem política na emergência dos programas sociais, dizendo que a decisão política no Welfare State está fadada a ser bastante reduzida. Ao contrário, aqueles programas expressam a natureza do Welfare State, qual seja, um contínuo processo de adaptação aos problemas sociais postos pelo desenvolvimento do capitalismo: A lógica do Welfare State não é a realização de algum objetivo humano intrinsecamente válido, mas antes a prevenção de um problema social potencialmente desastroso. Esta maneira tecnocrática e absolutamente apolítica de reagir a pressões sociais emergentes condena o Welfare State a um infindável e errático processo de auto adaptação. Portanto, podemos compreender o Welfare State como um aspecto funcional do desenvolvimento do modo de produção capitalista, em que os programas sociais seriam fundamentalmente uma forma de corrigir/compensar disfuncionalidades, expressas no plano social, da operação do sistema capitalista.
No Brasil, mas precisamente no governo FHC, que compreende dois mandatos, de 1995 a 1998, e de 1999 a 2002 onde tivemos no primeiro mandato, a implementação do Plano Real e vai até o momento da sua crise ao longo do ano de 1998. A etapa seguinte corresponde ao período de administração da crise. Estes momentos significam posturas macroeconômicas distintas e correspondentes políticas públicas. No que diz respeito ao comportamento dos gastos sociais, também são períodos distintos. A eleição e os primeiros anos da gestão de Fernando Henrique Cardoso, iniciados em 1995, se beneficiam da estabilização monetária e da política de liberalização comercial e financeira, além das renegociações de dívida externa e do início das privatizações das empresas estatais. Verificou-se, naquele momento, recuperação do crescimento econômico, ampliação do consumo pós-estabilização e aumento da renda, sobretudo nos setores informais.
Em 1996, implementa-se o Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na LOAs, e criam-se também novos programas, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), e o Brasil Criança Cidadão (BCC), entre outros. Cumpre dizer que tal estrutura permaneceu, em linhas gerais, na segunda gestão FHC. Dessa maneira, observa-se um movimento de retomada do crescimento dos gastos, principalmente após 1996.
O principal responsável pelo crescimento dos gastos foi o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que consiste em uma transferência de renda no valor de um salário mínimo, garantida constitucionalmente a idosos e deficientes com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Em 1998, os gastos com o BPC representaram cerca de 44% dos gastos efetuados em Assistência Social.
A partir de 2001, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, começaram a ser implantadas, em um maior número, as políticas de renda mínima em escala nacional, com exceção do Benefício de Prestação Continuada – BPC e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, que foram lançados em 1996.
No ano de 2001 foi criado, pela Lei nº 10.219, de 11 de abril, o programa Bolsa-Escola, do Ministério da Educação, que buscava atender crianças entre 6 e 15 anos de idade, cujas famílias tinham uma renda per capita abaixo de R$ 90,00. Este programa, regulamentado pelo Decreto nº 3.823, de 18 de maio de 2001, repassava um auxílio financeiro de R$ 15,00 por criança, podendo chegar até um máximo de R$ 45,00 (três crianças). Entretanto, exigia como condicionalidade que a criança tivesse uma frequência mensal mínima de 85% das aulas. Ainda neste ano de 2001 foi criado o Programa Bolsa Alimentação, do Ministério da Saúde e o Programa Agente Jovem, do Ministério da Previdência e Assistência Social. O Programa Bolsa Alimentação buscava combater a mortalidade infantil em famílias com renda per capita mensal de ½ salário mínimo (R$ 130,00 em 2004). Este Programa transferia um auxílio financeiro de R$ 15 por criança entre 0 e 6 anos ou mulher grávida até um máximo de R$ 45,00 (três crianças) e, em contrapartida, a família se comprometeria a atualizar o cartão de vacinação para crianças entre 0 e 6 anos e a fazer visitas regulares ao posto de saúde para o pré-natal e enquanto estivesse amamentando, no caso das mães.
Já o Programa Agente Jovem buscava atender adolescentes com idade entre 15 e 17 anos e com renda per capita familiar inferior a meio salário mínimo. Para receber o auxílio financeiro no valor de R$ 65,00, os adolescentes devem estar matriculados na rede ensino e ter frequência superior a 75%, além de participar de atividades comunitárias. Em 2002, este programa chegou a beneficiar, segundo Silva e Silva et al. (SILVA e SILVA, 2004, p. 62), cerca de 105.000 adolescentes.
No ano de 2002, foi lançado o Auxílio Gás, do Ministério das Minas e Energia, pela Lei nº 10.453/2002, que era uma medida compensatória para o fim do subsídio ao gás de cozinha. Este Programa destinava-se às famílias com renda per capita de no máximo R$ 90,00 (excluindo deste cálculo qualquer tipo de auxílio financeiro referente às políticas de renda mínima e também os benefícios como o seguro desemprego). O auxílio financeiro repassado às famílias, através deste Programa, era de R$ 7,50 por mês, que eram pagos bimestralmente, não sendo exigida nenhuma condicionalidade às famílias, com exceção do registro no Cadastro Único. Segundo Silva e Silva et al. (SILVA e SILVA, 2004, p. 65), até novembro de 2002, tinham sido beneficiadas, através deste Programa, 8.556.785 famílias, com recursos aplicados no valor de R$ 502.139.720,00 e com previsão orçamentária, para 2003, da ordem de R$ 750.000.000, 00.
Não obstante os esforços do governo Fernando Henrique Cardoso, a análise das estruturas normativas revelou lacunas e indefinições que acabaram por tornar os processos da execução desses programas controversos ou de difícil implementação. Procedimentos estabelecidos nas normatizações se mostraram limitadores das potencialidades dos programas. Esse foi o caso da opção clara pela gestão centralizada do Programa Nacional de Bolsa Escola em sua legislação. A Portaria do Programa Bolsa Alimentação, apesar de incluir a participação dos estados, precisaria tê-los envolvido, por exemplo, intermediando municípios e esfera federal no encaminhamento e acesso à lista de beneficiários. Desse modo, seriam fortalecidos junto aos municípios. Nenhum dos programas explicitou em suas legislações formas mais adequadas para o preenchimento do cadastro, fase fundamental para garantir a transparência e todo o processo restante. Na prática, houve uma diversidade grande de métodos de cadastramento, alguns permitindo maior número de fraudes e erros.
Apesar dos números expressivos alcançados pelos programas de transferência de renda com condicionalidades, por estarem fragmentados do ponto de vista da gestão, entre diferentes órgãos de governo, com estratégias de implantação peculiares, possivelmente teriam alcançado maior velocidade de implantação e melhores resultados, se reunidos em um único esforço e direção. O discurso dos programas desse período tinha como aparência a universalidade, contudo a sua implantação revelou restrições, dificultando o acesso de certos grupos populacionais portadores desse direito. A exigência de documentação civil e comprovação de residência, inexistentes no caso das comunidades mais carentes e desassistidas (quilombolas, ribeirinhos, indígenas e população de rua, por exemplo), somada às dificuldades vinculadas à inexistência de agências ou correspondentes bancários nos municípios de menor IDH, resultou numa sinergia de fatores que impediram, na prática, o acesso universal aos benefícios.
De acordo com a recente história econômica do Brasil constatou-se que o país tem sido um país atavicamente desigual e que só recentemente, a partir de 2001 a desigualdade de renda familiar per capita caiu de forma contínua e substancial, alcançando seu menor nível nos últimos 30 anos em função, sobretudo, dos programas de transferência de renda. Verificou-se também que, dada a desigualdade ainda reinante no país, o só crescimento econômico do Brasil, sem a concomitante redistribuição da renda nacional apropriada pelos segmentos mais pobres, não é capaz de promover a redução da pobreza e da extrema pobreza.
O sistema de proteção social brasileiro, o Estado do Bem-Estar Social, carrega consigo um histórico pautado pela tradição e pelo conservadorismo. A proteção social caracterizou-se ao longo de muitas décadas como residual, pontual e fragmentada. Faz parte de seu histórico, ainda, a existência da mediação entre a população beneficiária e o Estado por meio das organizações da sociedade civil. Ao resistir por reconhecer a proteção social como direito a ser garantido pelo Estado, o Poder Público construiu uma tradição de relação com as organizações da sociedade civil em que se colocavam em foco as iniciativas dessas organizações e não as necessidades da população a quem elas se dirigiam. Esse padrão de mediação reforçava a subalternidade da população usuária e confundia as esferas pública e privada, num jogo que obscurecia suas delimitações e suas relações, constituindo mais uma das facetas dos obstáculos para a efetivação da cidadania, nesses segmentos. Somente com a Constituição de 1988 é que a proteção social passou a ser concebida sob a perspectiva de direito da cidadania, direito a prestações positivas do Estado, em prol da redução das desigualdades sociais.
2.5. A ideologia utópica do estado de bem estar social do direito
O que conhecemos como Estado de bem-estar social, Estado-providência ou Estado Social, é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com o país em questão. Cabe ao Estado do bem-estar social garantir serviços públicos e proteção à população. Pelos princípios do Estado de bem-estar social, todo o indivíduo teria o direito, desde seu nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços que deveriam ter seu fornecimento garantido seja diretamente através do Estado ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. Esses direitos incluiriam a educação em todos os níveis, a assistência médica gratuita, o auxílio ao desempregado, a garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para a criação dos filhos.
Em 1932 o sociólogo e economista Social democrata Gunnar Myrdal, escreveu que as modernas políticas sociais diferiam totalmente das antigas políticas de auxílio à pobreza, uma vez que eram investimentos e não custos. As políticas sociais modernas seriam eficientes e produtivas devido à sua ação profilática e preventiva, direcionada para evitar o surgimento de problemas nos organismos político-sociais. Nesse sentido as novas políticas sugeridas por Myrdal contrastavam fortemente com as antigas políticas de "remediar a pobreza", sendo destinadas e evitar o surgimento de bolsões de pobreza e a criar maiores riquezas. Myrdal, retornando dos Estados Unidos, onde tornou-se um admirador do New Deal, escreveu um artigo intitulado Qual é o custo da Reforma Social, onde desenvolvia sua argumentação e atacava os críticos das despesas sociais, da (antiga) escola de Estocolmo.
Ao longo dos anos 70 e 80, o Estado brasileiro busca organizar um "'arremedo' de Estado de bem-estar social", na tentativa de satisfazer algumas demandas da população desprotegida. Entretanto, desde do início, jamais o Brasil considerou os gastos com políticas sociais como "investimento" produtivo, no sentido preconizado por Myrdal, sendo a maior parte das políticas adotadas no Brasil mais semelhantes às antigas políticas "assistencialistas" europeias destinadas mais a "remediar a pobreza" do que a políticas efetivamente capazes de criar uma maior eficiência econômico-produtiva e assim gerar novas e maiores riquezas. A criação do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), do Funrural e, posteriormente, das Ações Integradas de Saúde (AIS) do SUDS, do SUS, dos mecanismos de seguro-desemprego, são exemplos claros dessa "tentativa de marcha" rumo à frustrada universalização dos direitos sociais.
Mas o modelo de desenvolvimento econômico e a base de sustentação financeira das políticas sociais no Brasil têm sido organizados de forma incompatível com os ideais de universalização. Como corolário, tem-se uma universalização que na prática é excludente. Em outras palavras, a política social brasileira, além de ser insuficiente para cobrir as necessidades da população de mais baixa renda de maneira a evitar a perpetuação dos bolsões de pobreza e gerar novas riquezas, no conceito originalmente proposto por Gunnar Myrdal, não somente em termos de quantidade, mas também de qualidade, exclui, na prática, os segmentos de alta e média renda, fator distintivo do tipo de universalismo que se implantou na maioria dos países europeus na fase áurea do Estado do bem-estar social. Estes fazem o uso cada vez mais frequente dos sistemas privados autônomos, seja no campo da saúde, seja no campo das entidades (abertas ou fechadas) de previdência privada.
A Constituição de 1988 consagrou o ideário da universalização das políticas sociais no Brasil, numa fase onde as condições econômicas para chegar a um universalismo de fato se tornavam cada vez mais precárias. O Brasil passou toda a década de 1990 "dependurado" em empréstimos no FMI – Fundo Monetário Internacional, e sujeito às regras do Consenso de Washington, que privilegia os interesses dos capitais financeiros internacionais e são avessas a quaisquer políticas sociais. Sendo assim, crise econômica, crise nas finanças públicas e direitos constitucionais adquiridos passam a ser, desde meados dos anos 90, um dos conflitos a serem enfrentados numa eventual reforma do Estado. A crise do Estado do bem-estar social no Brasil chegou antes que ele pudesse ser, de fato, implantado em sua plenitude.
No Brasil, a desigualdade social é de grandes proporções. Dados estatísticos mostram que cerca de 30,7% das famílias brasileiras recebiam renda total inferior a dois salários mínimos. No Nordeste essa proporção atingia 53%. Os 10% mais ricos no Brasil abarcavam 51,7% da renda, enquanto os 10% mais pobres ficavam somente com 0,7%. Cerca de 49,4% das pessoas ocupadas não contribuíam para nenhum instituto de previdência social.
Um primeiro programa de política econômica para tentar diminuir as distorções causadas por essa desigualdade de renda exacerbada foi o PIS/PASEP. Na área rural foram tomadas, na década de 1960, as primeiras iniciativas para estender a cobertura previdenciária aos trabalhadores rurais. O Estatuto do Trabalhador Rural, de 2 de março de 1963, regulamentou os sindicatos rurais, instituiu a obrigatoriedade do pagamento do salário mínimo aos trabalhadores rurais e criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural - FAPTR, posteriormente, em 1969, denominado FUNRURAL). Entretanto a cobertura previdenciária aos trabalhadores rurais só veio a se concretizar na prática em 1969, já no governo militar, pois os recursos (financeiros e administrativos) necessários à sua efetivação não haviam sido previstos na legislação original. Em 1971, no Governo do General Medici, foi lançado o Programa de Assistência Rural (PRORURAL), ligado ao FUNRURAL, que previa benefícios de aposentadoria e o aumento dos serviços de saúde até então concedidos aos trabalhadores rurais. Entre outras medidas, o PRORURAL previa a aposentadoria por velhice e por invalidez para trabalhadores rurais maiores de 70 anos de idade, no valor de ½ salário mínimo; pensão, equivalente a 70% da aposentadoria, e auxílio funeral, para dependentes do beneficiário; serviços de saúde, incluindo assistência médico-cirúrgico-hospitalar e tratamento odontológico; serviço social em geral. As mulheres só seriam beneficiadas diretamente caso fossem chefes de família (algo muito raro no Sul do Brasil) ou assalariadas rurais. A efetividade do programa estava garantida, uma vez que a legislação que o criou também previu a forma de obtenção de recursos para sua implementação.
Mais recentemente, nos governos que antecederam o atual, uma série de programas de distribuição de renda foram adotados e posteriormente reunidos e expandidos sob a forma de Bolsa Família, que em 2006 atendeu 11 milhões de famílias, cerca de 48 milhões de pessoas, e o projeto Renda básica de cidadania. Estes programas foram, no entanto, capazes de redistribuir menos de 1% do PIB brasileiro.
Em relação a atual Constituição brasileira de 1988, não há como negar que os princípios democráticos nortearam sua elaboração. Ela proclama a liberdade de associação, proíbe a intervenção do Estado na concessão de autorizações para a fundação de sindicatos, garante a autonomia das entidades de classe, concede ao sindicato amplo poder de representação, etc. Por outro lado, existem normas oriundas da estrutura corporativista getulista que ainda subsistem. São elas a unicidade sindical, prevista no inciso II do artigo 8º da Constituição Federal de 1988 e a contribuição sindical, prevista no inciso IV, do artigo 8º da Constituição Federal de 1988. Estas leis ainda estão configuradas nos artigos 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho.
Tendo em vista estas considerações, pode-se afirmar que a reforma sindical e trabalhista são fundamentais para a consolidação da democracia no Brasil. O fim do imposto sindical e da unicidade estão entre as principais necessidades para tornar as leis do trabalho mais condizentes com as transformações no mundo do trabalho decorrentes do processo de globalização. O conceito de direito do trabalho não pode ser satisfatoriamente avaliado sem sua inserção no direito, fenômeno maior a que se acha integrado, como a parte em relação ao todo. Aceitando-se como premissa que a logica é a ciência da estrutura do pensamento e os elementos do pensamento são os conceitos, que, uma vez apreendidos de modo unívoco, permitem ao pensamento cientifico cumprir a sua finalidade, tem-se como da maior importância o estudo do conceito de direito do trabalho a luz dos impactos que esse fascinante ramo do direito vem sofrendo no período contemporâneo.
O direito do trabalho tem sido mais vivido do que conceituado, o que não impede que se faça a tentativa da sua compreensão conceptual. Nada há de surpreendente nisso. Durante milênios o homem conviveu com o direito, desde as mais primitivas formas de vida em sociedade, sem cogitar do seu conceito, problema a respeito do qual até hoje prosseguem divergências.
As leis trabalhistas cresceram de forma desordenada; eram esparsas, de modo que cada profissão tinha uma norma especifica, critério que, além de prejudicar muitas outras profissões que ficaram fora da proteção legal, pecava pela falta de sistema e pelos inconvenientes naturais dessa fragmentação. O primeiro diploma geral foi a Lei n. 62, de 1935, aplicável a industriários e comerciários e que assegurou diversos direitos. Foram reunidas as leis sobre o direito individual do trabalho, o direito coletivo do trabalho e o direito processual do trabalho. Surgiu, portanto, promulgada pelo Decreto-lei n.5452, de 01 de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, unindo em onze títulos essa matéria, resultado do trabalho de uma comissão presidida pelo Ministro Alexandre Marcondes Filho, que, depois de quase um ano de estudos, remeteu as suas conclusões de juristas, magistrados, entidades publicas, empresas provadas, associações culturais etc.
2.6. A inclusão intervencionista do Estado, em face da necessária redemocratização das políticas sociais.
Verifica-se na inclusão intervencionista um conteúdo mínimo dos direitos que se tem de respeitar e assegurar de qualquer forma, em qualquer época de crise. Portanto, há intensa intervenção do Poder Público nas relações sociais, com uma forte atuação do Poder Legislativo e Executivo, nas chamadas políticas públicas, para que os mesmos sejam cumpridos. Cada vez mais o Estado intervém nas citadas relações e assume obrigação perante a concretização dos direitos a serem conquistados por todos. Os direitos sociais são jurisdicionáveis, plenamente tutelados pelo Tribunal que intervém, portanto, nas políticas públicas, configurando a intervenção do Poder Judiciário.
A função que se verifica na atuação do Poder Judiciário frente às conquistas dos direitos está paulatinamente ligada à obrigação que os outros Poderes Públicos têm de assumir para justificar a vulneração de algum direito.
Com esta explicação prévia verifica-se que os direitos são jurisdicionáveis, ou seja, podem ser perfeitamente exigidos em um Tribunal, de modo que o descumprimento deve ser banido, justificado e explicado pelos órgãos públicos. O fenômeno que explica a crescente intervenção dos Poderes Públicos, em especial do Poder Judiciário nas relações sociais é o chamado “surto de jurisdicionalização”, como o mais recente fenômeno que acompanhamos mais recentemente da Jurisdicionalização da saúde, onde os balcões das varas da Fazenda Pública nos Fóruns, mais parecem os balcões do SUS. Isso advém do descumprimento exacerbado pelo poder executivo, daquilo que está posto como garantia na CF.
A tripartição dos Poderes em Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário existe pelo critério funcional; ou seja, legislação, administração e jurisdição, respectivamente. Os poderes do Estado se regem pelo “Check and Balance System” ou, Sistema de Freios e Contrapesos criados por Montesquieu. Pode ser considerada a essência do mecanismo da separação dos poderes proposta por Montesquieu no período da Revolução Francesa e que vigora até em dias atuais. Atrás desse sistema, os Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) estão aptos a conter os abusos um do outro de forma que estes se equilibrem. Por exemplo: O judiciário, ao declarar a Inconstitucionalidade de um Projeto de lei ou mesmo de uma lei já em vigor, promove um freio ao ato do Legislativo que, por sua vez, poderia cometer uma arbitrariedade, ou vice-versa.
O contrapeso é justamente isso, a função que todos os poderes possuem distintamente, de forma que um 'não mande' mais do que outro, mas se regulem mutuamente. Devem ser harmônicos e independentes. Assim, se organizariam com harmonia e independência dentro de suas competências. Na prática há interferência de um poder no outro, o que se verifica na vedação, pelo Poder Executivo, de projetos de lei já aprovados pelo Poder Legislativo, assim como o Poder Judiciário tem a competência de controlar a constitucionalidade das leis, em ações específicas como ADIN, ADPF e ADCOM, além do controle judicial difuso, que incide também no controle dos atos do Poder Executivo e, também o Poder Legislativo que tem a competência de emendar projetos de lei iniciados pelo Poder Executivo.
É possível verificar com estes simples exemplos que as funções atribuídas a cada poder não são inteiramente exclusivas dos mesmos, podendo, cada qual na sua atribuição, intervir na esfera do outro poder, na justificativa do bem público, interesse geral. É nesse sentido que se encontram as funções atípicas de cada poder.
Importante destacar que as funções dos Poderes do Estado são separadas de modo a facilitar e coordenar a distribuição de um poder único, que é o Poder Público. A separação absoluta entre os poderes seria impossível e indesejada, uma vez que um atua na esfera do outro de maneira a colaborar com o cumprimento do bem comum. Ainda, necessário ressaltar que as funções de cada Poder não são consideradas fins em si mesmas, mas o caminho para atingir a finalidade essencial do Estado; qual seja, o bem comum. O difícil, porém, é saber dosar a interferência, de modo a não desequilibrar os outros poderes e a estrutura do Estado.
O que se verifica na atualidade é o inchaço do Poder Executivo sobre os demais e a sobrecarga do Poder Judiciário que assume caráter fortemente político. Ademais, em sede de garantia constitucional, o Estado se compromete com a rápida prestação, que está a cada dia sendo mais afastada. A dificuldade está em cumprir com todos os dispostos legais e conseguir realizar uma prestação que não seja morosa e inócua.
“Em que pese as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional 45/04, ela se revelou tímida no enfrentamento do problema da morosidade do Judiciário. A redução do tempo de tramitação do processo, para que sua duração seja razoável, depende não só de institutos, mas de nova postura especialmente do Poder Executivo, vez que a Administração é a maior responsável pelo excesso de trabalho, aquela que mais sobrecarrega a máquina judiciária com infindáveis recursos e expedientes protelatórios.” (MIRANDA, Jorge, SILVA, Marco Antonio da, coord, Tratado luso brasileiro da dignidade humana, Quartier Latin, 2008, pg.1192)
A grande complexidade deste pensamento está em adaptar o sistema normativo brasileiro com as disposições legais contidas em nossa Carta Constitucional. Há uma enorme lista de direitos e deveres do Estado para que se façam cumprir e, por outro lado, há um infinito sistema com muitas regras e complexidade que atrapalham o que mais nos preocupa; que é a efetividade do sistema, devido ao seu excesso de formalidades e burocracia, ambas que tornam o sistema ineficaz.
Os direitos coletivos e sociais são direitos subjetivos, independentemente da lesão sofrida; ou seja, são direito que merecem a garantia na sua universalidade; direito à liberdade, vida, cultura, educação, dentre outros. Assim, reside a dificuldade em se fazer aplicar esses direitos ditados pelo Poder Legislativo. De um lado a Constituição abarca a enorme lista de direitos que sejam cumpridos e de outro o Poder Judiciário tem a missão de conseguir adequar cada direito na pretensão isolada do caso concreto.
As consequências da incorporação do ideário neoliberal nas sociedades, que como a brasileira, vivem os impasses da consolidação democrática, do frágil enraizamento da cidadania e das dificuldades históricas de sua universalização, expressam-se pelo acirramento das desigualdades sociais, encolhimento dos direitos sociais e trabalhistas, aprofundamento dos níveis de pobreza e exclusão social, aumento da violência urbana e da criminalidade, agravamento sem precedentes da crise social.
Contudo, para que esses conflitos sejam explicitados é necessário torná-los visíveis no espaço público, que é o lugar por excelência onde os projetos sociais podem se confrontar e se diferenciar, as pactuações podem ocorrer, as alianças estratégicas podem ser estabelecidas.
Nesses termos, a publicitação é um processo construído por sujeitos sociais que passam a disputar lugares de reconhecimento social e político, e adquire assim um caráter de estratégia política. Por isso, quando falamos da construção da esfera pública nos referimos a uma nova arquitetura na relação entre o Estado e a sociedade civil que transcende as formas estatais e privadas, para constituir uma nova esfera, onde o público não pode ser associado automaticamente ao Estado, nem o privado se confunde com o mercado, ainda que transitem nesta esfera interesses de sujeitos privados.
Na perspectiva de explicitar a concepção de esfera pública como totalidade dinâmica e articulada, indicamos alguns dos seus elementos constitutivos:
* Visibilidade social, no sentido de que as ações dos sujeitos devem expressar-se com transparência, não apenas para os diretamente envolvidos, mas também para todos os implicados nas decisões políticas. A visibilidade social supõe publicidade e fidedignidade das informações que orientam as deliberações nos espaços públicos de representação;
* Controle social, que implica o acesso aos processos que informam decisões da sociedade política, viabilizando a participação da sociedade civil organizada na formulação e na revisão das regras que conduzem as negociações e arbitragens sobre os interesses em jogo, além da fiscalização daquelas decisões, segundo critérios pactuados; Representação de interesses coletivos, que envolve a constituição de sujeitos políticos ativos, que se apresentam na cena pública a partir da qualificação de demandas coletivas, em relação às quais exercem papel de mediadores;
* Democratização, que remete à ampliação dos fóruns de decisão política que,
alargando os condutos tradicionais de representação, permita incorporar novos
sujeitos sociais como portadores de direitos legítimos. Implica a dialética entre conflito e consenso, de modo que interesses divergentes possam ser qualificados e confrontados, derivando daí o embate público capaz de gerar adesão em torno das posições hegemônicas;
* Cultura pública, que supõe o enfrentamento do autoritarismo social e da cultura privatista de apropriação do publico pelo privado, remetendo à construção de mediações sociopolíticas dos interesses a serem reconhecidos, representados e negociados na cena visível da esfera pública.
Na sociedade brasileira, consagrou-se um estilo de capitalismo que manipula os fundos públicos sem esfera pública, ou seja, sem regras abrangentes pactuadas em fóruns democráticos com representação das diferentes forças sociais em disputa. É possível constatar uma verdadeira simbiose entre interesses públicos e privados, consolidando-se a cultura de apropriação do publico pelo privado. O que temos no Brasil é uma forma híbrida de Estado, que Sader (1996:13) chamou de mini-max, ou seja, mínimo para atender as necessidades do trabalho e do trabalhador, e máximo na realização dos objetivos de centralização e acumulação do capital.
Nesses termos, a busca por novos espaços de participação da sociedade civil consubstanciou-se, entre outros aspectos, pela definição no texto constitucional de instrumentos ativadores da publicização das políticas sociais. Estimulou-se, assim, a construção de mecanismos de transferência de parcelas de poder do Estado para a sociedade civil organizada, e os Conselhos foram a estratégia privilegiada. Estes Conselhos significam o desenho de uma nova institucionalidade nas ações públicas, que envolvem distintos sujeitos nos âmbitos estatal e societário. A constituição de tais espaços tornou-se possível, também, em virtude das mudanças que se processavam nos movimentos populares que, de "costas para o Estado" no contexto da ditadura, redefiniram estratégias e práticas, passando a considerar a participação institucional como espaço a ser ocupado pela representação popular. Os Conselhos são canais importantes de participação coletiva e de criação de novas relações políticas entre governos e cidadãos e, principalmente, de construção de um processo continuado de interlocução pública.
Por meio desta interlocução objetiva-se propor alternativas de políticas públicas, criar espaços de debate, estabelecer mecanismos de negociação e pactuação, penetrar a lógica burocrática estatal para transformá-la e exercer o controle socializado das ações e deliberações governamentais, é necessário. Neste processo, a sociedade civil também é interpelada a modificar-se, a construir alianças em torno de pautas coletivas, a transcender a realização de interesses particularistas e corporativistas, convocada ao exercício de mediações sociais e políticas para o atendimento de demandas populares. Trata-se, portanto, de um movimento que pretende modificar tanto o Estado quanto a sociedade em direção à construção de esferas públicas autônomas e democráticas no campo das decisões políticas.
A implantação de inúmeros Conselhos em diferentes setores revela que está em funcionamento um certo "modelo" de participação da sociedade na gestão pública, forjado na dinâmica das lutas sociais das últimas décadas, que busca redefinir os laços entre espaço institucional e práticas societárias, não como polaridades que se excluem, mas como processos conflituosos que se antagonizam e se complementam, pondo em relevo a luta pela inscrição de conquistas sociais na institucionalidade democrática. São espaços que estão sendo construídos pela ação coletiva de inúmeros sujeitos sociais, especialmente no âmbito dos municípios, que buscam a ampliação e o fortalecimento do poder local. Os Conselhos representam, dessa forma, uma conquista da sociedade civil.
No entanto, não podemos supor que a participação popular seja reduzida apenas ao espaço dos conselhos. Ao contrário, o balanço das experiências de mais de uma década revela que os Conselhos não podem ser considerados como únicos condutos da participação política e nem exemplos modelares de uma sociedade civil organizada. Esta é uma das formas No campo da sociedade civil é preciso repensar também a própria dinâmica da participação e da representação nos conselhos, a heterogeneidade dos atores e das concepções ídeo-políticas, a fragmentação de interesses e demandas, o deslocamento do debate substantivo da política social para a luta por interesses corporativistas, o que torna ainda mais difícil a construção de alianças estratégicas e processos de pactuação em torno de pautas coletivas.
Mas, como os conselhos não são espaços únicos e exclusivos de participação política, mesmo que limitados como instâncias de radicalização democrática do Estado e das políticas públicas, “podem provocar mudanças substantivas na relação Estado-Sociedade e contribuir com a construção/consolidação de uma cultura política contra hegemônica, por meio da prática da socialização da política e da distribuição de poder”. Para tanto, é fundamental a ação do Serviço Social em dupla direção:
* Impulsionar e ampliar o movimento que se organiza em torno da defesa de direitos e das políticas sociais, propondo novas estratégias para o enfrentamento das demandas sociais, no interior do aparato institucional aonde os assistentes sociais são cada vez mais requisitados a transcender funções executivas para desempenhar papéis de formulação e gestão de políticas e programas sociais;
* Ao mesmo tempo, colaborar para o adensamento da pesquisa e da produção teórica no âmbito das políticas sociais, articulada à análise das tendências macrosocietárias que iluminem estrategicamente os rumos a ser perseguidos.
Diante desta dinâmica sociopolítica, é fundamental estimular a organização de fóruns mais amplos de representação e participação social e política, não institucionalizados, menos formalizados e burocratizados, por isso, mais permeáveis à participação popular, como instrumentos dinamizadores e ativadores dos Conselhos no sentido de garantir que estes possam ganhar maior representatividade e legitimidade social.
Temos, ainda, uma pauta de questões, que entre outras, possam integrar uma agenda estratégica que vise o fortalecimento democrático dos espaços públicos de decisão e gestão das políticas sociais:
* Ampliar os fóruns da sociedade civil, estimulando a participação dos movimentos sociais e das organizações populares, especialmente dos usuários das políticas sociais públicas, ainda fragilmente representados nos Conselhos e demais espaços públicos de deliberação;
* Contrapor-se à tendência de despolitização da sociedade civil a partir de uma
intervenção pública que conduza à explicitação das diferenças entre os projetos políticos em disputa;
* Estabelecer um processo de interlocução ente sociedade civil e Estado, que possa fortalecer iniciativas democratizantes no interior dos aparatos governamentais, favorecendo a construção de alianças em direção a uma nova institucionalidade pública;
* Desencadear ações nos espaços públicos que estimulem o desenvolvimento da sociabilidade pública, capaz de refundar a política como espaço de criação e generalização de direitos.
3. A atuação do Estado versus o indispensável surgimento de novas estratégias para promoção de direitos e garantias
Neste tópico, vamos tratar da atuação do estado e suas políticas públicas frente as necessidades sociais de nosso povo. Em matéria do Jornal “O Globo” de 10 de Janeiro de 2012, foi divulgada uma pesquisa feita pelo IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, onde foi constatado que a atuação do Estado no Brasil gera desigualdades em saúde e em educação. De acordo com a pesquisa intitulada de “Presença do Estado no Brasil”, o Norte e o Nordeste têm menos profissionais de saúde qualificados e menos de um médico por cada um mil habitantes que a média brasileira, que é de 3,1, antes do programa “mais médicos”. No Norte, esse número é de 1,9 e no Nordeste, de 2,4, enquanto o Sul e o Sudeste têm igualmente 3,7 médicos por mil habitantes. O Centro-Oeste tem 2,9 médicos por cada um mil habitantes.
Na análise dos números de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) disponíveis para internação, o desfavorecimento das regiões menos desenvolvidas do país também se evidencia. O Sudeste tem 39% deles e o Sul tem 16%, enquanto o Norte tem 7,4%. O Nordeste aparece com 30% dos leitos disponíveis para internação e o Centro-Oeste, 8%. Somente o estado de São Paulo tem 18% do total de leitos de internação na rede pública do país. A intenção do Estado de agir na Saúde não é proporcional à população e tampouco onde há casos de mais incidência de doenças. O Maranhão tem 1,3 médicos que atendem ao SUS por cada um mil habitantes e o Rio Grande do Sul tem 4,1. Será que o Rio Grande do Sul tem mais problemas de Saúde que o Maranhão que justifiquem essa desproporção?
Rondônia é o estado com o pior índice de frequência escolar. O estudo constatou que no referente à taxa de frequência de crianças e jovens no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, as desigualdades entre os entes federativos são gritantes. Rondônia é o estado que aparece com o pior índice entre estudantes de 15 a 17 anos, neste último, com 31,6. Já no Distrito Federal a taxa é bem maior, 68,8.
Também há diferenças no nível de qualificação dos professores pelo Brasil. Enquanto no Norte 51% dos professores de Ensino Fundamental têm formação superior, no Sul esse percentual é de 82%. É inadmissível termos diferenças tão grandes da Educação nos estados. A universalização no Ensino Médio, por exemplo, está muito longe de acontecer no Brasil. Com esse desempenho, o acesso do Brasil à sociedade do conhecimento fica mais difícil. O Estado não está colocando esforços nos estados com maior dificuldade.
Essas desigualdades mostram que o poder público é insuficiente e atua de maneira ineficiente. O Estado atua de maneira não homogênea no país, o que faz com que as desigualdades aumentem. O Estado está mal colocado na sua presença no território nacional. Se quisermos estar entre as cinco maiores economias do mundo, temos que superar o problema do subdesenvolvimento, que faz com que parcelas da população estejam alocadas em atividades destinadas à sobrevivência. Com relação a Cultura, pouco mais de 20% das cidades têm salas de teatro e museus. O acesso à cultura é reduzido em várias cidades do país, onde só 21% delas têm salas de teatro e espetáculo, e 23% têm museus.
O estudo do Ipea também analisou as áreas de Assistência Social, Segurança, Trabalho e acesso a recursos de financiamento bancário. De acordo com o último levantamento, o Nordeste era responsável por 51% dos benefícios concedidos pelo programa Bolsa Família, e o Norte, 11%. O Sudeste aparece com 25%, o Centro-Oeste com 5% e o Sul com 8%. Mas o Ipea conclui que é preciso ir além. “Reduzir as desigualdades e a própria pobreza requer esforços paralelos como aumentar os gastos com Saúde e Educação, para destacar os serviços sociais de maior dimensão, promover uma regulamentação mais eficaz do mercado de trabalho, reformar a política tributária, tornando-a efetivamente progressiva.”
Na análise da presença da Polícia Civil nos estados, o Ipea mostrou que o órgão está presente em 82% dos municípios brasileiros. A maior parte delas está no Nordeste, que tem 1.794 delegacias, e no Sudeste, com 1.668, situação que não é diferente do que a que presenciamos aqui em nosso Estado do ES, onde a Polícia Judiciária/Civil, praticamente foi extinta.
Em se tratando de acesso à Justiça, vê-se um abismo incrivelmente sem fundo. Os fatos históricos e sociais foram determinantes para afastar a população hipossuficiente do crivo do poder judiciário. A falta de consciência do cidadão comum com relação a seus direitos, os altos custos, o descrédito do judiciário, bem como a morosidade da justiça, são algumas razões que impossibilitam o acesso a ela. O Direito de Acesso à Justiça está consolidados no artigo 5°, inciso XXXV da Carta Magna, onde é garantida a inafastabilidade do crivo do judiciário quando alguém se achar em ameaça ou lesão no seu direito.
Para viabilizar o acesso à justiça, os Poderes do Estado devem reunir forças. O Legislativo criando mecanismos e/ou melhorando os já existentes, tornando mais eficientes e operantes, possibilitando tanto o ingresso da população como a celeridade da justiça. O Executivo, garantir a efetivação das leis, garantindo assim a legitimação desse direito. Já o Poder Judiciário, possibilitar uma maior celeridade nos processos, bem como informar ao leigo como se deram suas decisões, facilitando seu entendimento, passando assim, a ideia de que a “justiça foi feita”.
O advogado também tem fundamental papel, além de ser o elo população/ judiciário, como é preceituado pelo Código de Processo Civil, ele é o representante da parte perante o judiciário, devendo zelar pelo bom andamento do processo e possibilitar a ampla defesa dos direitos de seu cliente. É sua obrigação agir com dedicação, cautela e zelo na causa e utilizar-se de todos os meios e recursos para conseguir a justiça na defesa do direito de seu cliente, fazendo com que a população veja que, a justiça está sendo feita e tenha maior vontade de ver seu direito posto em prática.
Com o elevado número de faculdades de direito, que acarreta no abarrotamento do mercado de trabalho, trouxe consigo, advogados com pouca ou nenhuma prática jurídica aprendida durante os cinco anos de estudos, nem ao menos aprimoramento seus conhecimentos para resguardar o direito de seu cliente, contribuindo para que haja o aumento do descrédito com a justiça.
A Defensoria Pública é um órgão do Judiciário também de fundamental importância, encarregado de prestar assistência jurídica gratuita e integral às pessoas que não tem condições de arcar com os custos de um advogado, sem prejudicar o sustento de sua família. O auxílio é dado em processos judiciais, extrajudiciais e na consultoria jurídica. Contudo, a população que necessita desse serviço não sabe da sua existência, ou o que é pior, não tem conhecimento de que este órgão é criado para o seu amparo. Este órgão ainda não existe em muitos lugares do país, e em alguns locais está abarrotado de processos, pois há poucos defensores, o que impossibilita a sua atuação efetiva.
Nos locais onde não há defensoria, o papel é desempenhado por um advogado dativo remunerado pelo Estado, como é o exemplo a maioria dos Municípios do Sul do ES, também chamado de defensor dativo ou defensor ad hoc. Entretanto este, muitas vezes não desempenha sua função como deveria, pois o Estado demora a remunerá-lo, e o que é pior, não fiscaliza se sua função foi desempenhada com eficiência, impossibilitando assim, que a parte tenha êxito na sua demanda.
Trazendo esta afirmativa para nossa realidade regional, temos no Sul do Estado do Espírito Santo, apenas 3 ou 4 Comarcas onde existem Defensorias Públicas instaladas e a figura do Defensor Público, perfazendo um total de mais de 10.000 habitantes para cada Defensor, o que é um número assustador. Em números recentes temos visto alguns Defensores assumir o cargo e logo em seguida sair para outro cargo, devido à péssima remuneração percebida. Para se ter uma ideia no tamanho deste déficit de profissionais, na Comarca de Cachoeiro de Itapemirim, por exemplo, existem apenas 08 (oito) Defensores Públicos para mais de 200 mil habitantes.
Devemos dizer que no último dia 20 de Maio de 2014, foi aprovado no Senado, por unanimidade, a PEC das Defensorias, que fixa prazo de oito anos para que a União, os estados e o Distrito Federal dotem todas as comarcas de defensores públicos. A proposta também amplia a definição de Defensoria Pública na Constituição, classificando-a como instituição permanente e instrumento do regime democrático. Foram 61 votos favoráveis na votação em primeiro turno e 59 votos favoráveis no segundo turno. Não houve votos contrários nem abstenções. A PEC 4/2014 será promulgada pelo Congresso Nacional. a PEC determina também que o número de defensores deverá ser proporcional à demanda efetiva pelo serviço e à respectiva população abrangida. Durante o prazo de oito anos, os defensores deverão trabalhar, prioritariamente, nas regiões com maiores índices de exclusão social e de grande concentração de habitantes. A proposta também amplia a definição de Defensoria Pública na Constituição, classificando-a como instituição permanente e instrumento do regime democrático.
Além da orientação jurídica, fica especificado que cabe à defensoria a promoção dos direitos humanos. Quanto à defesa dos necessitados, o texto da PEC deixa claro que ela abrange os direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, seja na via judicial ou extrajudicial. A unidade, a indivisibilidade e a independência funcional são listadas como princípios institucionais da Defensoria Pública. O texto determina ainda que será aplicado aos efensores, “no que couber”, o artigo da Constituição que trata dos princípios a serem observados na apresentação de um novo projeto de Estatuto da Magistratura pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Defensoria Pública foi prevista na Constituição de 1988, como forma de assegurar a todos os necessitados o acesso à Justiça. Cabe ao defensor orientar o cidadão, de forma gratuita, em questões e processos judiciais. Apesar de a Constituição ter sido promulgada há 20 anos, a instituição da Defensoria Pública ainda não funciona plenamente no país.
Em se tratando de outro assunto de fundamental importância no tema direito à Justiça, em se tratando de prazos de tramitação de processos, também ficamos muito atrás. Para se ter uma ideia, em entrevista ao Jornal “A Tribuna”, de 22 de Maio de 2011, o ex-Presidente do TJES, DES. Pedro Valls Feu Rosa diz que excesso de formalismo e burocratização, trava as pautas da Justiça. Melhor explicando, Feu Rosa disse que número de Magistrados é insuficiente para dar efetividade ao bom desempenho à Justiça, sendo que em muitos casos, onde há Magistrados que respondem por mais de uma Comarca, este manda carta para ele mesmo, o que impede a celeridade processual.
Além do excesso de burocracia e formalidades, outros fatores que de igual maneira contribuem para que haja o descrédito da justiça é o excesso de recursos em suas diversas instâncias e a resistência de magistrados tradicionalistas em julgar e condenar ex-políticos pelos crimes cometidos durante seus mandatos, além de alguns Juízes terem suas canetas rendidas às infinitas trocas de favores, nepotismos e venda de Sentenças, fatos que sabemos que existe, e que dão uma forte sensação de impunidade e justiça aplicada apenas à classe dos chamados PPP’s (Preto, Pobre e Puta).
Na verdade o Magistrado é subalterno ao Tribunal de Justiça, que é onde trabalha o Desembargador, o qual é amigo pessoal do Governador ou do Deputado, que deve favores políticos ao Prefeito ou ao Vereador, que por sua vez está sendo julgado pelo Juiz singular que deve aliviar a barra do mesmo e esconder o processo por anos a fio até que este prescreva. Perceba que é uma cadeia bastante fechada. O Membro do Ministério Público não denuncia porque é hierarquizado ao Procurador, que por sua vez é indicado pelo Governador ou Deputado, que deve favores políticos ao Prefeito ou ao Vereador que está sendo julgado. E assim acontece, o Magistrado ou Membro do Ministério Público tem medo de ser transferido, perseguido, e ter algumas chamadas “Vantagens” cortadas. Por isso tanta resistência em julgar Políticos. Daqui a pouco, o que vai acontecer é que, perante a sociedade, o Judiciário perderá a legitimidade para processar e julgar crimes de quaisquer natureza, de tanto se ver triunfar a corrupção, a impunidade dos poderosos e os crimes de desmandos.
Devemos saber que a eficiência do Estado é um direito republicano, pelo que tem o cidadão o direito de ter um Estado eficiente e isonômico. Isso significa também adotar uma noção de eficiência ao mesmo tempo mais abrangente e mais objetiva de modo a recobrir as condições de capacitação do Estado enquanto autoridade democrática, que assegura a universalidade da lei.
Assim sendo, pode representar um grande equívoco acreditar em uma política eficiente que ignore os problemas sociais, mesmo mediante a garantia de que, futuramente, se dará a estabilização das condições sociais em níveis qualitativos superiores. Desta forma, a postura de ficar aguardando soluções a médio e longo prazos, pode causar efeitos negativos, pelo que se mostra urgente a implantação de políticas públicas eficazes, no sentido de gerar efeitos positivos rápidos. Mas se isto corresponde a um quadro concreto, também assim se mostra a certeza de que a solução para as dificuldades enfrentadas pelo Estado, para adequado atendimento das demandas sociais, passa de forma obrigatória pelo enfrentamento de duas questões. A primeira está vinculada ao aumento da arrecadação e, a segunda, esta relacionada com a redução dos gastos públicos.
Sem dúvida alguma, não há como pensar atualmente o Brasil como Estado eficiente sem projetar o aumento da carga tributária, como também pensar na diminuição de suas despesas, através de redução das atividades estatais, com correspondente repasse ao setor privado. Em relação ao primeiro aspecto, existe consenso de que a sociedade brasileira não suporta mais a elevação dos Tributos e Impostos.
No caso do poder executivo, este não consegue implementar as políticas públicas de que o País, os Estados e os Municípios necessita. Se vive em um completo estado de ilusão, de assistencialismo e clientelismo de tantos programas sociais existentes. Dá-se prioridade a coisas que em nada tem haver com a mudança do cotidiano do Brasileiro. Investe-se milhões em obras que não possuem um cunho renovador da triste realidade em que vive nosso povo com relação a saúde, educação, transporte, segurança Pública e obras essenciais. Já faz muito tempo que o poder executivo se utiliza do chamado “Pacto de Governabilidade,” que sabemos tratar-se de uma troca de favores e privilégios de grandes empresas, banqueiros, favorecimento de emendas para membros do Poder Legislativo, medidas nada comprometidas com a transformação das instituições políticas e Privadas de nosso País, que visam apenas dar sustentação a um projeto de poder pelo poder, de externalização do eterno paternalismo político iniciado por Getúlio Vargas.
Já o Legislativo está “praticamente” 100% vendido às vontades do Poder executivo. Faz exatamente aquilo que é de interesse do executivo e dos seus próprios interesses enquanto membros do Legislativo. Perderam a legitimidade perante o povo para representar a comunidade no âmbito de suas atividades. É uma descrença popular enorme em todas as esferas da vida Política do Poder Legislativo, desde as Câmaras Municipais, até ao Congresso Nacional. Isso se deve às campanhas eleitorais extremamente caras, compras de votos descaradas, trocas de favores, barganhas nepotistas e manipulações de legendas, e principalmente, à ineficiência do trabalho executado, à falta de capacidade do representante Político, que não atende aos verdadeiros interesses de nosso Povo.
Se Todo o poder emana do povo, segundo dispõe a Constituição Federal em seu primeiro artigo, deste princípio, surge a certeza de que em uma sociedade democrática não é apenas pelo mecanismo do voto que os seus cidadãos poderão participar da tomada de decisões relativas a assuntos relacionados com a escolha das políticas públicas. Sem exceção, todas as pessoas, seja individualmente, seja através de grupos organizados, têm o direito de influenciar os processos de discussão, deliberação e implementação destas políticas. A sociedade brasileira precisa perceber que o aperfeiçoamento da democracia se dá também pela ampla participação dos cidadãos em todas as etapas do processo de escolhas das políticas públicas. E esta certeza se impõe agora mais do que nunca, considerando o atual quadro social e econômico brasileiro, que sinaliza para a presença de uma crise, sobretudo porque as demandas sociais não tem sido atendidas pelo Estado de forma eficiente.
Como já demonstrado no decorrer deste trabalho, o que se percebe é uma absurda e desproporcional relação entre os indicadores da economia do Brasil, que evidenciam uma atividade equiparável às grandes nações industrializadas, sobretudo em face do alto índice de arrecadação, com insignificantes indicadores sociais, que nos nivela a sociedades subdesenvolvidas, com expressiva marginalidade urbana e com padrões de pobreza inaceitáveis. Em conclusão, esta evidência, ou seja, a presença de alta receita tributária versus pobreza acentuada impõe reflexões profundas, como também iniciativas para superação dos problemas decorrentes da crise apontada.
Entre as possíveis alternativas que apontamos está a maior participação do cidadão na escolha das políticas públicas, como também a ampliação desta participação por outros atores sociais, em especial no desenvolvimento de atribuições não exclusivas do Estado. Ademais, há também certeza de que a solução para atendimento das crescentes demandas sociais passa necessariamente pela adoção de medidas que importem na diminuição das atividades estatais, possibilitando a organização da sociedade para assumir novos compromissos, passando a mesma a responder por atividades antes exercidas apenas pelo Estado.
Por outro lado, nos termos também já sustentados, a crise fiscal torna indispensável a retomada com maior intensidade das políticas vinculadas à extrafiscalidade, na medida em que representam instrumento importante de estimulo ao desenvolvimento, sobretudo pela possibilidade de geração de empregos. Desta forma, a ampliação da participação da sociedade das decisões relativas à escolha e implementação de políticas públicas, associada à atração de investimentos via políticas extrafiscais, permitirão ao Estado voltar a concentrar e a destinar verbas para atender a sua verdadeira vocação, que é o bem-estar social, assegurando direitos aos cidadãos, como saúde, educação, habitação, segurança e Justiça Social.
3.1. A descrença popular e a apatia social nos Poderes do Estado
Sobre este tema temos que indagar as seguintes questões: Quanto tempo tardaremos a entender que a pobreza, a ignorância, a decadência do sistema de ensino e saúde pública aliado às desigualdades não são meramente males em si mesmos, senão uma consequência direta do desbarate egoísta e da usurpação pessoal dos recursos públicos? Quanto de dignidade ainda nos custará assumir a dimensão real das cifras de escândalos sobre corrupção que quase diariamente assolam o País ou do perigo que representa para uma democracia quando um regime tendencialmente autoritário e manifestamente populista ocupa todos os espaços e obriga o Judiciário a humilhar-se ante o Executivo? Por que o Estado se exime continuamente de estabelecer um conjunto eficaz de medidas e dispositivos institucionais para tratar de erradicar a corrupção, minimizar seu alcance e castigar todos os indivíduos que obtêm um benefício pessoal com essa prática que é - ademais de grotesca, doentia e perversa - ilegal, ilegítima e inumana? Por que os cidadãos e as instituições que efetivamente dispõem das condições favoráveis para combater a corrupção seguem em sua grande maioria apáticas e indiferentes a este tipo de prática que debilita tanto as bases da igualdade e da vida social comunitária como a eficácia mesma da liberdade? Por que descuidamos tanto da “eterna vigilância cidadã” (republicana), que trata de evitar que o comportamento corrupto por parte dos mais astutos rompa os vínculos da igualdade cidadã e rebaixe as concepções da justiça e da ética a uma banalização do uso do poder ao serviço de espúrios e injustificados interesses egoístas (isto é, da injustificável degradação da res publica à res privada)? Por que buscamos consolo na esquizofrênica tentativa de purificação institucional e social provocada pela crescente idiotização da cobertura mediática sobre os “grandes escândalos” de corrupção levados a cabo por políticos e funcionários pertencentes ao “alto escalão” do governo? Por que as instituições responsáveis por coibir esse tipo de prática, mediante um esforço conjunto e ações coordenadas, não se dedicam também e prioritariamente à “caça menor” e menos sensacionalista, isto é, daqueles funcionários mais correntes que, locupletando-se dos “benefícios” da corrupção e sem nenhum tipo de escrúpulo, multiplicam seus patrimônios “estando dentro do governo”? Por que temos a impressão de que a maioria de nossas “instituições” não são capazes de reconhecer os mais efêmeros e frequentes casos de corrupção nem que estes bailem desnudos ante elas?
Todas estas perguntas não são algo que podemos simplesmente eliminar ou ignorar por falta de interesse no tema. A moral nos obceca e os meios de comunicação não deixam de bombardear-nos diariamente com histórias e tergiversações a respeito: as duvidosas medidas administrativas e judiciais para punir esse tipo de prática, o valor de provas anedóticas, a banalização dessa prática marcada pela mais absoluta impunidade, as boas intenções, os interesses corporativos e/ou políticos em jogo, as promessas ilusórias, os discursos paliativos, e outras muitas notícias “que vendem” e que servem de pretexto para os protestos de agudeza de jornalistas e colunistas de grandes revistas semanais.
Em alguns aspectos, na medida em que damos créditos a tais histórias reflete o muito ou o pouco que apreciamos dramatizar sobre nossos problemas, ou dito em termos menos condenatórios o muito ou o pouco que desfrutamos com os rituais de purificação públicos em nossa vida cotidiana. Afortunadamente, contudo, não são poucas as informações que recebemos em que os casos de corrupção nos enchem de enleio e indignação. O único que provavelmente falte nesses relatos é a necessidade de insistir e explicar que: 1) a corrupção, ademais de ser a expressão de um comportamento desviado individual, surge desde dentro ou é gerada pelo próprio sistema; 2) que as instituições devem ser suficientemente fortes, as investigações rigorosas e os castigos severos; 3) que a impunidade faz ao delinquente (Frei Betto); 4) e que há uma “lei de ferro” que rege a experiência humana: se realmente procuramos o que está errado, encontraremos muita coisa.
Seja como for, a corrupção no Brasil é um fato e a impunidade um fenômeno exposto à vista de todos. Além disso, a ingente necessidade de instituições à prova de vilões e corruptos parece ter o mesmo significado que para um cego representa a beleza de um crepúsculo: um conto, uma metáfora, nada mais. Os casos de corrupção se dilatam e a falta de vontade política para investigar, julgar e punir constitui a principal causa da degradação da confiança e da inquietante anarquia moral que infectam nossas instituições públicas. A pavorosa orgia brasileira de corrupção e impunidade “está no ar”.
E já sabemos que a corrupção é um mal que afeta principalmente às pessoas, atenta contra os direitos fundamentais, enfraquece a república, destrói a institucionalidade democrática, impede a igualdade de oportunidades, o exercício das liberdades e acentua as desigualdades. Um ato de poder que, atuando por encima dos princípios e normas de um Estado de Direito, viola sistematicamente as expectativas dos bons cidadãos. Um comportamento que debilita a coesão social ao carcomer paulatinamente um conjunto de valores importantes para a sociedade, gerando altos e intoleráveis níveis de paranoica desconfiança.
Também sabemos que a construção do Estado democrático de Direito tem, entre seus fundamentos, que os funcionários públicos, de todas as categorias, obrem ao serviço do interesse geral, com imparcialidade, objetividade e sob uma taxativa interdição da arbitrariedade. Estes princípios, constitucionalizados, são a base do marco normativo que exige prevenir e castigar toda e qualquer forma de corrupção. Porque, em efeito, a corrupção é precisamente a negação destes princípios e a subversão da função pública democrática, pois, ademais de violar a lei, antepõe o interesse particular ao público. Como disse Albert Calsamiglia, a corrupção é, sobretudo, “un acto de deslealtad del servidor público hacia los valores constitucionales: la corrupción pone de manifiesto la falta de aceptación de reglas importantes de la democracia”.
Por outro lado, para um funcionário corrupto, pelas deficiências e defeitos de seu próprio caráter, já não há um sentido do bem nem do mal, não há sensação de culpabilidade por atos ilegais nem infernos por atos imorais. O que é possível e está disponível se impõe ao correto, ao bom e ao justo. E uma vez chegado a esse ponto, a bússola moral desses indivíduos perde o norte. As limitações habituais da maldade e dos impulsos desonestos se diluem nos excessos da impessoalidade. O cinismo se impõe por encima do nível moral e a percepção de impunidade suspende a consciência ética e o sentido de dever, desvaloriza a dimensão da responsabilidade pessoal, da obrigação, do compromisso, da moralidade, do sentimento de culpa, da vergonha e do medo. E se, ademais de todos esses fatores, a situação, sua função institucional ou alguma autoridade lhe dá permissão para atuar de maneira antissocial e desonesta contra outras pessoas, um agente corrupto sempre estará disposto a “fazer a guerra” em benefício próprio.
Por onde se vê, em tema de corrupção, qualquer parecido com o que caberia chamar um verdadeiro Estado republicano brilha de maneira clamorosa por sua ausência. Vivemos sob o manto de um Estado impotente e ineficaz em que as ideias de virtude e moralidade pública parecem haver perdido qualquer sentido de valor. O governo, que deveria supostamente atuar em defesa dos interesses da maioria da população, opta por adotar uma arrogante “política de avestruz”, como se o alarmante e perigoso índice de corrupção pública não lhe diga respeito ou se trate apenas de um episódio que não tem a dimensão e a transcendência que parece ter. Nada mais longe da realidade: o que de fato salta à vista, por mais que tentem dissimular as autoridades e as instituições responsáveis, é que, já faz algum tempo, alcançamos sobre essa questão uma situação de stress, deplorável e insofrível. Em realidade, reflete bem uma mescla de ira, indignação, surpresa e, inclusive, de confessa ignorância com relação à própria essência de nossa forma de ser, de estar e de atuar.
O que podemos fazer? Temo que já não seja suficiente a indignação, a perplexidade ou a ira passiva. É necessária reação contundente, severa e incondicional; já não é suficiente a “tolerância zero”, é necessária uma “intolerância radical” com relação a esses monstros talhados pelas circunstâncias de um Estado que, de modo dissimulado, parece tolerar, incentivar e proteger o desbarate egoísta e malicioso da usurpação pessoal dos recursos públicos (PEC nº 37/2011, a chamada “PEC da Impunidade”). É necessário que despertemos para a evidência de que não é insignificante ou “sem sentido” o que está sucedendo e que a indiferença e a falta de uma adequada, constante e eticamente comprometida atuação estatal não é ( e não deve ser) a regra. É o momento de lutar para restabelecer a confiança, a virtude e a honradez pública, e de exigir que o Estado disponha de medidas e instituições eficazes frente a seus próprios servidores que, à diferença de outros infratores, se amparam nas normas para quebrantá-las.
De que, com o fim de que sobreviva a cooperação e a moral social, é imprescindível e iniludível conscientizar a população da necessidade de denunciar e dar a conhecer publicamente esses indivíduos desonestos, cuja conduta pessoal e funcional produz um efeito canceroso, furtivo e socialmente corrosivo. Por quê? Porque a gente não é estúpida. Qualquer pessoa pode entender qualquer coisa, sempre que se a explique de forma clara e objetiva e, o que é mais importante, sempre que o tema lhe interesse o suficiente. O que condiciona a capacidade de compreensão de um público determinado não é tanto seu nível de conhecimento intelectual, senão sua motivação. E uma vez que pela corrupção de uns “poucos” pagamos todos, sempre se encontrará pessoas motivadas a denunciar e a “atuar contra” os culpáveis desse crime imperdoável.
É necessário motivar a sociedade para que lute proativamente, com irresignação e “fúria justa”, contra este tipo de epidêmica pornografia moral, cuja única finalidade é a de sumir a massa na ignorância, na impotência e na pobreza mais profunda. Mostrar, inclusive, a importância de não considerar que um ato individual e isolado de desonestidade seja algo insubstancial. Que importa mais desalentar as “pequenas” e mais generalizadas formas de corrupção que nos afetam a todos a maior parte do tempo. Este é o verdadeiro custo de vigiar e denunciar as práticas corruptas levadas a cabo por funcionários correntes (por esses indivíduos “terrorífica y terriblemente normales”, para usar a expressão de Hannah Arendt ) e o motivo de que tenhamos que estar mais alerta em nossos esforços por combater as infrações aparentemente mais insignificantes, mas que geram um “injusto enriquecimento”. E que se o fazemos, talvez a sociedade chegue a ser, com o tempo, mais honesta e menos corrupta (Dan Ariely).
Em cada uma dessas pequenas atitudes se expressa a necessidade de que os abusos cometidos por funcionários corruptos sejam evitados e sancionados, porquanto comprometem e enfraquecem a confiança dos cidadãos não somente na Administração Pública, senão também no próprio conjunto do Estado de Direito. De resto, os deslizes éticos de qualquer funcionário (do mais insignificante ao mais proeminente), quando se acumulam dentro de uma pessoa, em muitos indivíduos ou em determinados grupos, acabam por transmitir o sinal de que é aceitável comportar-se mal a grande escala.
Por tudo isso é que devemos abandonar nossa cômoda apatia e, recuperando a capacidade de nossa consciência moral para perceber injustiças, vigiar, denunciar, perseguir, julgar e castigar severamente e sem piedade os verdadeiros responsáveis por uma situação que já começa a acariciar o limite da degradação moral, legal e política. E não se trata, depois de tudo, somente do legítimo direito de vigiar, denunciar e punir, mas de toda uma “declaração de princípios”. Porque, como disse Edmund Burke:
“lo único que se necesita para que triunfe el mal es que los hombres buenos no hagan nada”.
3.2. O custo social das mazelas do Estado.
Sabemos que muitos de nós, ou pelo menos a maioria, tem pleno conhecimento das mazelas existentes no Brasil, como por exemplo, a desigualdade social, a precariedade do serviço público e a corrupção. Por se beneficiar das desgraças alheias e possuir uma vida mediana, a classe média existente propaga a ideologia do conformismo, como se nada pode ser feito para mudar o país. No entanto, nos últimos tempos, os custos das mazelas aumentaram significativamente, fato que trouxe as manifestações de rua vistas nos últimos tempos.
O que acontece num mundo capitalista é que, a classe média predominante que anseia estar no mesmo patamar de vida das classes mais abastadas, teme um retrocesso às classes mais baixas, mas paga impostos para ter uma educação pública de qualidade, e ao mesmo tempo matrícula seus filhos nas escolas da rede de ensino particular; Paga altos impostos para ter uma saúde pública de qualidade, mas adquire planos privados de saúde; Paga altos impostos para ter um transporte público de qualidade, mas compra carros de luxo para transportar sua família; Paga altos impostos para ter direito à segurança Pública, mas adquire seguros caros e equipamentos como câmeras de vigilância, cerca elétrica e ainda contrata serviços de empresas de vigilância privada para ter direito à Segurança. Por sua vez, conclui-se que a classe média deste país paga tudo duas vezes.
Sabe-se nos quatros cantos deste país que os Governos se utilizam dos altos impostos que pagamos para fazer políticas sociais ineficazes. O Estado nunca conseguirá manter um estado de bem-estar social adequado, justamente porque as iniquidades sociais são geradas pela classe alta, a qual concentra grande parte da renda deste país. As desigualdades sociais são gritantes, e não tem como pensar em medidas compensatórias, ante a necessidade primeira de implantação de uma política pública de compensação de renda que realmente traga a aproximação das classes sociais e não permaneça se prestando ao assistencialismo, o alívio paternalista da desigualdade social como faz o programa Bolsa Família.
3.3. A função social do direito e a relação entre direito e poder.
Devemos entender que o direito está fundamentado num princípio que reestrutura toda a ciência normativa. Este princípio é o Princípio da Função Social do Direito. A Função Social do direito encontra o próprio fundamento no direito, que tem como função, regular as relações humanas, buscando harmonizar o convívio social humano, tornando a vida possível num clima de paz e justiça.
O tema ora discutido remonta ao surgimento do Direito de Propriedade, presente no Brasil apenas na Constituição de 1934, que obriga ao seu titular a adotar todas as medidas condizentes com a razão da própria existência da coisa. Na verdade, daí em diante, tudo passa a ter uma função social, se tornando um dever jurídico imposto ao homem, que ao exercer o direito sobre determinado bem da vida, deve dar a devida utilidade econômica a seu favor, e em favor da comunidade.
Neste caso, a Função Social do Direito é um tema novo, ainda pouco estudado e divulgado, mas que tem sua principal função, atender a supremacia do interesse coletivo sobre os interesses individuais, que baseiam-se fundamentalmente na solidariedade social, na paz, na justiça e na dignidade da pessoa humana. A função social do direito é um valor jurídico construído a partir das lutas e conquistas sociais do homem nas várias fases da história da humanidade. Em cada fase da história humana ela representou e enfocou um sentido peculiar. Esse princípio jurídico é ordenador dos bens, dos valores, dos direitos, dos deveres, do agir e do gerir os consectários de uma vida cada vez melhor do cidadão, numa dinâmica que empreenda instrumentos para efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana. A função social do direito é um valor que preexiste ao mandamento da lei. Ela representa um sentido peculiar do homem de ver o mundo ordenado pela paz, num ambiente harmônico, equilibrado e justo.
A função social do direito encontra fundamento no próprio conteúdo da norma jurídica que deve atender o fim almejado pelo legislador, o que equivale dizer que o instituto jurídico criado com o fim de delinear uma situação jurídica, rege as relações sociais e disciplinar os comportamentos, deve se prestar a tais consequências. A concepção de direito e de função social do direito está na assertiva de que os institutos (públicos e privados, individuais, coletivos e difusos) criados devem atender aos fins para que foram criados. As coisas, os bens, os valores e os direitos assegurados pela ordem jurídica sempre que possível devem desempenhar, cumprir e atender uma função social e econômica, possibilitando a extração de riquezas para garantir o bem estar da coletividade e proporcionar, aos entes públicos, na mesma medida, equivalência e proporção, em todas as esferas, gozar dos bens de produção que são extraídos pelo correto uso, gozo e disposição das coisas e dos bens.
Em se tratando do tema que discute a relação entre Direito e Poder, o Filósofo e pesquisador Francês Michel Foucault, ao estudar a genealogia do poder e sua institucionalização pelo Estado de Direito, constatou que na teoria jurídica clássica do poder, chamada de Triângulo de Foucalt, o poder é considerado um bem, algo concreto, que inicialmente todo indivíduo detinha e que justamente por ser um bem, pôde ser alienado total ou parcialmente para constituir uma soberania política. Para as teorias substancialistas “o poder é concebido como uma coisa que se possui e se usa como outro bem qualquer”.
As teorias subjetivistas do poder o definem como a capacidade de obter certos efeitos. Locke, por exemplo, caracteriza o poder do soberano pelo resultado, os efeitos de suas ações. O soberano faz leis e dessa forma, influi sobre a conduta de sues súditos. Ele tem poder porque tem a capacidade de obter essa ampliação de seu campo de influência, esse “efeito”. Sem embargo, a teoria mais aceita hodiernamente é representada pela definição elaborada por Robert Dahl: “A influência (conceito mais amplo, no qual se insere o de poder) é uma relação entre atores, na qual um ator induz outros atores a agirem de um modo, que caso contrário, não agiriam”.
Encontra-se nas três teorias basilares da chamada “teoria do poder” supracitadas, cuja classificação foi proposta por Bobbio, a mesma essência a caracterizar o poder. Ressalta a exatidão da teoria de Dahl em haver definido o poder como relação. Sem embargo, ele não afasta a questão da materialidade. O poder é relação entre A e B, de modo que A induz B a agir de maneira diversa da que agiria, sem a referida indução. A condição de A é, no entanto, tida como um lugar ou uma posição a qual se pode ascender. Diz-se que A tem o poder.
Para o direito, o poder é legítimo quando se subordina às regras jurídicas em vigor. Para o poder, o direito é válido na medida em que se torna instrumento de dominação. As relações entre o direito e o poder têm sido objeto das mais diferentes abordagens na sociologia, política ou filosofia. Entre os estudiosos do direito, contudo, o assunto não tem recebido a devida atenção. O Jurista Fábio Ulhoa Coelho diz que “a produção do conhecimento jurídico é influenciada pelo poder, em uma sociedade capitalista.”
Se todo poder realmente emana do povo, como diz o art. 1º da CF, então temos uma crise institucional instalada no estado com falta de poder. Por essa razão o poder não pode ser delegado aos chamados “Poderes” do Estado. É impossível exercer os “poderes” do Estado. Exercem-se funções pontuais e descritas legalmente. Cumprem-se serviço público. No entanto, a separação dos “Poderes” ainda persiste como doutrina e positivado em nossa Constituição no art. 2º:
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Hoje, é notório que a separação dos poderes não é Exercida, mais do que isso, há muito tempo, a teoria da constituição de Loewenstein postula que essa separação de poderes proposta por Montesquieu sequer existe, que não há razão em diversos poderes, posto que tão só a concepção de mais de um poder, trata-se de afronta à lógica de que o poder é uno e indivisível, o que realmente acontece na prática.
Estado democrático é aquele onde não há poder. Ao repartirmos o poder ele não mais existe. Não pode existir tal coisa como um “poder-função”. O poder simplesmente não é poder se está: a) Condicionado à legalidade, anteriormente, porque a lex é praevia, ou seja, a lei deve ser anterior e, posteriormente, aplicada pelo Judiciário); b) Dentro das margens legais, à vontade da base eleitoral; c) Deve obedecer ao princípio da Fungibilidade Eleitoral, dentro das normas de fidelidade às necessidades do povo. A doutrina administrativista do Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello diz que, o poder público é um poder-dever, justamente porque é vinculado. E é exatamente disso que se trata. A vinculação é tamanha legal e socialmente em um Estado Democrático, que descaracteriza o poder, onde se conclui ser a principal característica de uma democracia moderna, a ausência do poder, como então concebido inicialmente.
3.5. A melhoria dos controles públicos, o aperfeiçoamento da transparência e o desenvolvimento da gestão participativa.
O Controle da Administração Pública pode se dar sob dois aspectos, o político e o administrativo. O primeiro, estudado pelo Direito Constitucional, está diretamente relacionado ao sistema de freios e contrapesos, ou “check in balance”, enquanto que o segundo, amparado pelo Direito Administrativo, se refere à atividade administrativa propriamente dita. O chamado Controle da Administração Pública se traduz no conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de poder.
O tema ora abordado, controle da Administração Pública, é muito amplo, abrange todos os Poderes da República e é através dele que será aferida a legitimidade das condutas administrativas, sendo uma garantia para nós administrados e para a própria Administração. Sua natureza é de princípio fundamental, vez que assim foi tratado pelo DL 200/67, (Estatuto da Reforma Administrativa Federal), que o elencou entre os cinco princípios fundamentais aos quais deverá estar atrelada a Administração: planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e controle.
Os Tribunais de Contas enquadram-se no chamado controle legislativo sob o aspecto financeiro, que pode ser interno ou externo, isto porque se situa em Administração diversa daquela onde a conduta ou ato administrativo se originou. Esse controle financeiro é exercido pelo Poder Legislativo e pelas Cortes de Contas. Sua previsão constitucional encontra-se entre os arts. 70 a 75 da Constituição.
Com relação a este tema, todos nós temos a mesma certeza de que muitos problemas existem, principalmente com relação à transparência que precisa aumentar, assim como a facilitação para as denúncias, a exposição das irregularidades, as formas de fiscalização e controle que atuam ainda muito timidamente frente a tantos meios de fraudes, desvios e corrupções existentes. Uma coisa bastante preocupante e ultrapassada, um tanto desleal, diria até que inconstitucional, é a forma de escolha dos Conselheiros do TCU e TCE, que se dá pela livre indicação da Câmara dos Deputados e Assembleias legislativas dos Estados, respectivamente. Estes são classificados como os órgãos responsáveis pelo controle das contas públicas, e que, segundo o art. O art. 71 da CF, traz as competências do TCU que, pelo principio da simetria, são as mesmas das Cortes estaduais, que tem atribuição fiscalizadora, judicante, sancionadora, consultiva, informativa, corretiva, normativa e ouvidoria. Vejamos cada uma delas:
- FISCALIZADORA – consiste na realização de inspetorias e auditorias em órgãos e entes da administração direta e indireta (no caso do TCU, dos três poderes). Dentro desta função, é examinada a legalidade dos atos de admissão e de aposentadoria, por exemplo, bem como, a aplicação das transferências de recursos federais aos municípios, o cumprimento da LRF (principalmente no que tange à despesa com pessoal), do endividamento publico e ainda os editais de licitação, atos de dispensa e inexigibilidade.
- JUDICANTE – O título atribuído a esta função gera algumas controvérsias. É importante destacar que os Tribunais de Contas não exercem função jurisdicional. Quando a Constituição de 1988 dispõe, em seu art. 71, II, que compete ao TCU julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos, quer dizer que os Tribunais de Contas devem apreciar, examinar, analisar estas contas, até porque exercem, neste exame, função eminentemente administrativa. Esta apreciação pelo Tribunal de Contas está sujeita ao controle do Poder Judiciário em casos de vício de legalidade (jamais quanto ao mérito), não tendo o caráter definitivo que qualifica os atos jurisdicionais. Essa função, aqui chamada de judicante, é que viabiliza a imposição de sanções aos autores de irregularidades, como por exemplo, nos casos de infração à LRF.
- SANCIONADORA – esta função é crucial para que o Tribunal possa inibir irregularidades e garantir o ressarcimento ao erário. Entre as penalidades normalmente aplicadas estão, por exemplo, a aplicação de multa proporcional ao débito imputado, multa por infração à LRF, afastamento do cargo de dirigente que obstrui a auditoria, decretação de indisponibilidade de bens por até um ano, declaração de inidoneidade para contratar com a administração pública por até cinco anos, declaração de inabilitação para o exercício de função de confiança, dentre outras.
O Art. 37 da CF traz o seguinte texto disciplinador:
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Sabendo que a Administração precisa obedecer tais princípios, assim como é preciso haver legislação condizente para que se faça cumprir tais princípios, carregamos um passivo histórico com relação a herança de restrição de acesso às informações públicas, o que infelizmente existe até os dias de hoje. Mesmo passados quase 18 anos da promulgação da nossa Constituição, não houve ainda uma regulamentação do acesso às informações públicas. O tal “prazo da lei” até o momento não foi estabelecido, o que restringe sobremaneira a aplicabilidade do disposto na primeira parte do inciso XXXIII do art. 5º. Neste caso, a falta de regulamentação e de prazos legais, as restrições genéricas e ausência de canais institucionais regulares, tornam-se obstáculos quase intransponíveis para a utilização eficaz dessas prerrogativas.
Note-se que a Constituição de 1988 prevê que as decisões do Tribunal de Contas que importarem em imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo (art. 71, §3°), o que tem gerado uma certa celeuma quanto à competência para sua execução (não existe). Há vozes sustentando que as mesmas deveriam ser executadas pelo próprio Tribunal de Contas, e não pelas Procuradorias de cada unidade federativa (e, no caso da União Federal, pela Advocacia-Geral da União), como é feito hodiernamente, em função do disposto nos artigos 131 e 132 da CR/88. O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema e, em maio de 2002, no Recurso Extraordinário n° 223.037-1, decidiu por unanimidade, em sentido contrário à promoção da execução judicial pela Corte de Contas, por ausência de previsão expressa sobre a matéria.
Voltando à questão da imposição de sanções pela Corte de Contas, faz-se oportuno frisar que não fica inviabilizada a aplicação de penalidades em outras instâncias como a cível, criminal e eleitoral. Assim, por exemplo, a Justiça Eleitoral pode tornar inelegíveis aqueles administradores que tiveram suas contas julgadas irregulares nos cinco anos anteriores ao pleito, independente da aplicação de multa ou imputação de débito.
Dentre as principais funções dos Tribunais de contas em relação às contas do Poder executivo e legislativo, estão:
- CONSULTIVA – consiste na elaboração de pareceres prévios sobre as contas do Chefe do Executivo, dos demais Poderes e do Ministério Público, a fim de subsidiar seu julgamento pelo Poder Legislativo. Esta função consultiva engloba ainda as respostas às consultas feitas por determinadas autoridades sobre assuntos relativos às competências do Tribunal de Contas.
- INFORMATIVA – esta função é desempenhada mediante três atividades: envio ao Poder Legislativo de informações sobre as fiscalizações realizadas, expedição dos alertas previstos pela LRF e manutenção de página na Internet contendo dados importantes sobre a atuação do Tribunal, as contas públicas, dentre outros.
- CORRETIVA - engloba dois procedimentos que se encontram encadeados (e que estão nos incisos IX e X do art 71 da CR/88): a fixação de prazo para a adoção de providências que visem o cumprimento da lei e a sustação do ato impugnado quando não forem adotadas as providências determinadas. Em se tratando de contratos, a matéria deverá ser submetida ao Poder Legislativo. Se este não se manifestar em 90 dias, o Tribunal de Contas poderá decidir a questão.
- NORMATIVA – decorre do poder regulamentar conferido pela Lei Orgânica, que faculta a expedição de instruções, deliberações e outros atos normativos relativos à competência do tribunal e a organização dos processos que lhe são submetidos.
- OUVIDORIA – consiste no recebimento de denúncias apresentadas pelo controle interno, por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato. È aquele contato dos Tribunais de Contas com a sociedade anteriormente mencionado. A apuração destas denúncias será sigilosa, a fim de se proteger a identidade do denunciante e a própria honra e imagem dos envolvidos, até que seja tomada uma decisão.
No desempenho de suas atribuições o Tribunal adota quatro procedimentos básicos: Tomada de contas, tomada de contas especial, fiscalizações e monitoramentos.
- A tomada de contas é uma ação desempenhada para apurar a responsabilidade de pessoa física, órgão ou entidade que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte ou possa resultar dano ao erário, sempre que o responsável não prestar as contas como deveria ou, ainda, quando não obrigado a prestar contas.
- A tomada de contas especial é ação determinada pelo Tribunal ou por autoridade responsável pelo controle interno com a finalidade de adotar providências, em caráter de urgência, nos casos previstos pela legislação em vigor, para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação pecuniária do dano.
- As fiscalizações são as inspeções e auditorias. As fiscalizações, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, podem ser ordinárias, especiais e extraordinárias. As inspeções ordinárias obedecem a um cronograma aprovado pelo Presidente da Corte no início de cada ano, e tem o objetivo de verificar, in loco, a legalidade, legitimidade e economicidade de atos ou contratos nas unidades dos Poderes do Estado, dos Municípios e, ainda, das entidades da Administração Indireta. As inspeções especiais são realizadas em cada caso, ex officio, por determinação do Presidente da Corte ou a requerimento de Conselheiro, do Ministério Público ou do Secretário-Geral de Controle Externo, sempre que houver necessidade de esclarecer fato determinado, coletar dados, verificar a execução de contratos, dirimir dúvidas ou suprir omissões nos processos em trâmite pelo Tribunal. Por fim, as inspeções extraordinárias são autorizadas pelo Plenário em casos onde a relevância ou gravidade dos fatos exija exame mais detido e aprofundado.
- O último procedimento de que se valem os Tribunais de Contas é o monitoramento. Por monitoramento entende-se o acompanhamento do cumprimento de duas deliberações, bem como dos resultados obtidos. Juntamente com as sanções aplicadas, é uma forma de assegurar a efetividade das decisões da Corte.
Para o desempenho destas funções o Tribunal de Contas da União conta com nove Ministros, indicados e nomeados na forma do art. 73, §§ 1° e 2° da CR/88. Nossa Lei Maior prevê, ainda, a figura do auditor que, no TCU são em número de três, aprovados por concurso público e cuja atribuição é substituir os Ministros em seus afastamentos e nos casos de vacância. Os Tribunais de Contas Estaduais possuem composição diferenciada. A CR/88 prevê que serão compostos de sete Conselheiros, cuja escolha segue o modelo traçado para a escolha dos Ministros do TCU. A Constituição do Estado do Rio de Janeiro possui esta previsão em seu art.128. Contudo, não prevê a figura dos auditores, que, em função disso, não existem, hoje, no TCE/RJ.
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, sumulou entendimento no sentido de que deve haver auditores nos Tribunais Estaduais cabendo, inclusive ao Chefe do Poder Executivo indicar um deles em sua lista, quando da escolha de Conselheiro. Desta forma, haverá necessidade de emenda à Constituição Estadual para que esta passe a prever a existência de auditores em simetria ao previsto pela CR/88.
Junto ao Tribunal de Contas também atua o Ministério Público Especial que, além de fiscal da lei, defende os interesses do erário, se manifestando na maioria dos processos a serem apreciados pela Corte. A sede do Tribunal de Contas da União é no Distrito Federal, mas o mesmo mantém secretarias de controle externo nas capitais dos Estados, cabendo a elas acompanhar órgãos e entidades federais bem como fiscalizar a aplicação dos recursos transferidos pela União aos Estados e aos respectivos municípios. Quanto à sede dos Tribunais de Contas Estaduais, deverá estar localizada na capital dos Estados correspondentes.
Criado por iniciativa de Ruy Barbosa, em 1890, o Tribunal de Contas é instituição estatal independente, pois seus integrantes têm as mesmas garantias atribuídas ao Poder Judiciário (CF, art. 73, §3°). Daí ser impossível considerá-lo subordinado ou inserido na estrutura do Legislativo. Se a sua função é atuar em auxílio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas constitucionais, é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três poderes.
A sociedade brasileira exige uma nova ética no governo, uma nova forma de administrar, com mais responsabilidade, mais transparência e voltada à concretização dos direitos e garantias fundamentais, especialmente no que se refere ao respeito ao contribuinte. Dar Publicidade, significa comunicar ao público algo que não pode ter caráter reservado. Tal princípio se torna ainda mais cristalino quando se recorda que os poderes do estado se justificam exatamente por estarem voltados às intenções dos interesses públicos. Além disso, o direito à informação é cláusula pétrea prevista na seção dos Direitos e Garantias do Capítulo I, Título II da CF.
Podemos dizer que muito ainda tem que ser feito para dar transparência não só do que acontece no âmbito da administração Pública, mas das contas públicas em geral. Se trata-se de um dos princípios da administração, dar publicidade não só dos atos administrativos, mas de toda máquina pública, e em diversos veículos de comunicação, é um dever do administrador.
Administração Participativa (Gestão Participativa) é um modelo de gestão atual e contemporâneo que enfatiza as pessoas, que fazem parte da organização. Podemos dizer que Administração Participativa é o conjunto harmônico de sistemas, condições organizacionais e comportamentos gerenciais que provocam e incentivam a participação de todos no processo de administrar, visando através dessa participação, o comprometimento com os resultados (eficiência, eficácia e qualidade) não deixando a organização apresentar desqualificação.
A Participação de todos significa que, a princípio, nenhuma pessoa, em qualquer nível hierárquico, deve ser excluída do processo participativo. Porém, a participação deve ser entendida como um processo na organização e não apenas como uma estratégia que gera assembleias de negociação ou de decisão. Outra vez nos vimos desafiados a agirmos como verdadeiros cidadãos, exercer ativamente o preceito democrático que nos é facultado enquanto povo. Na verdade, todos estes temas “melhoria dos controles públicos, o aperfeiçoamento da transparência e o desenvolvimento da gestão participativa” estão interligados em uma única filosofia, “a da Mudança”, ou seja, o comprometimento com o resultado do que será a administração da minha cidade, do meu Estado e do meu País está subordinada à minha efetiva participação no processo de construção e, sobretudo na transformação do pensamento, adquirindo uma forma institucional de ver o mundo, tema que veremos no próximo tópico.
3.6. A busca do pensamento neoinstitucionalista e de educação para a democracia.
Entende-se como Neoinstitucionalismo, o estudo sociológico da teoria das instituições, entendidas como espaços onde diferentes atores sociais operam suas práticas (mercado, clube social, partidos políticos, igrejas, sociedades de construção, escola, polícia, universitários, as redes sociais, os anfitriões, a cadeia, o reformatório, o estado, etc).
Não podemos negar que o descaso da sociedade em se auto-organizar está fulcrado principalmente no descrédito em que o poder público disponibiliza às organizações comunitárias sem vínculos partidários e com interesses puramente da coletividade. As sociedades devem ser concebidas nessa perspectiva, compostas de diversos centros de poder em todas as esferas de participação, organização que não se transcreve numa realidade. Esse modelo adota o conceito de grupo de interesse ou grupo de pressão como instrumento analítico para o processo de decisão. Para o pluralismo, o poder relaciona-se a questões específicas fugazes ou persistentes, instaurando coalizões entre grupos de interesse na busca de certos objetivos. A luta política se faz em torno de questões diversas como problemas econômicos, morais, religiosos, de raça, de gênero, etc.
O modelo neoinstitucional é hoje, indiscutivelmente, uma referência fundamental para o estudo das políticas públicas e a efetivação destas políticas em nosso país. Ante a resistência que persiste face às ocorrências das consecutivas gestões desastrosas que tanto trazem mal aos interesses coletivos, necessário se faz tomar uma nova postura de união, de organização comunitária e até de classes, em busca desses direitos subtraídos da sociedade.
A educação como mudança de mentalidades consiste na formação através do desenvolvimento de virtudes republicanas e das virtudes democráticas. Por virtudes republicanas entendem-se: a) O respeito às leis acima da vontade dos homens; as leis vistas como “educadoras”. O desprestígio das leis já se tornou uma banalidade, ou a lei é instrumentalizada (“para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”) ou a lei só é respeitada porque temida pela severidade da sanção. b) O respeito ao bem público, acima do interesse privado. O desrespeito pela coisa pública (res publica, República) ou bem comum, é tradicional entre nós, quando o interesse particular é tido como superior ao interesse coletivo. A escravidão e o clã patriarcal moldaram nossos costumes durante séculos. c) sentido da responsabilidade no exercício do poder, inclusive o poder implícito na ação dos educadores, sejam professores, sejam gestores do ensino. Em nosso país, temos vários exemplos do “reino da responsabilidade”, pela inconsciência dos males coletivos que resultam do descumprimento dos deveres próprios de cada um, nas diferentes esferas de atuação do cidadão.
Por virtudes democráticas entendem-se: a) O amor à igualdade e o consequente horror aos privilégios. Predomina, entre nós, o culto à desigualdade cívica, quando aceitamos a realidade de vários “tipos” de cidadão em relação ao acesso à justiça, à saúde, à educação etc. b) A aceitação da vontade da maioria, porém com constante respeito aos direitos das minorias. Lembre-se, aqui, o falseamento de “maiorias”, em função dos vícios nos processos eleitorais, com manipulação da informação, abuso do poder econômico e predomínio do fisiologismo e do caciquismo. Além disso, a grande maioria do povo é tratada como “minoria política”, pois permanece alijada da participação política, apesar de cortejada para votar. O desafio democrático é, justamente, a transformação dessa maioria social em maioria política. c) O respeito integral aos Direitos constitucionalmente previstos e positivados. A violação sistemática de direitos fundamentais em nosso país, violações cometidas pelo próprio estado que não cumpre com o que transcreve o texto constitucional, é incompatível com qualquer projeto de cidadania democrática. Direitos Humanos são aqueles direitos comuns a todos, sem distinção de “cor”, nacionalidade, sexo, classe social, religião, etnia, instrução, ou julgamento moral. Decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca a todo ser humano.
Adotar o compromisso de aprender estas regras com o desenvolvimento dessas virtudes significa trabalhar com a perspectiva de mudar mentalidades, o que é, sem dúvida, tarefas das mais difíceis, mas não impossíveis. Eis o grande desafio às nossas instituições legitimamente constituídas, as quais tanto públicas quanto privadas possuem a mesma responsabilidade social de promover a verdadeira mudança de que tanto o nosso país necessita, que se transcreve na inclusão deste pensamento neoinstitucionalista em busca de uma sociedade mais democrática, mais atuante, mais altruísta, mais representativa.
CONCLUSÃO
O objetivo do presente trabalho, na verdade, foi buscar conhecer os institutos do estado e sua relação com os direitos sociais fundamentais que são garantidos e positivados constitucionalmente. Neste desiderio, nos oportunizamos entender dos diversos institutos que compõe a organização do estado, dos conceitos de democracia e participação, de controle social, de cidadania, de fiscalização e transparência, dentre tantos outros, tudo no sentido de aprimorar o conhecimento sobre este tema de fundamental importância para a formação cidadã e sobretudo para uma formação jurídica que tem como requisito o conhecimento aprofundado de tais conceitos e estudos.
Neste caminho, descobrimos que dentre os principais entraves ao desenvolvimento do Brasil e de nosso povo, em todas as áreas, saúde, educação, trabalho, sistemas de transportes públicos, emprego, direito à Justiça, dentre outros, temos o câncer chamado Corrupção. Segundo estudos da ONU, a Organização das Nações Unidas, se o Brasil reduzisse em 10% a corrupção nas três esferas da administração Pública, a renda do brasileiro dobraria no curto espaço de tempo de 01 ano. Mas sabemos que o combate à corrupção deve acontecer primeiro dentro de casa, nas pequenas ações, nos modos de pensar e de agir das pequenas coisas, e depois no seio familiar, na rua, no bairro, na cidade, no Estado, até atingir onde precisamos.
Assim como o combate à Corrupção, os primeiros conceitos de Cidadania também começam em casa. Trata-se de uma questão de educação, de costumes, de cultura. Como já diria o filósofo:
“A pátria não subsiste sem liberdade, nem a liberdade sem a virtude, nem a virtude sem os cidadãos (...) Ora, formar cidadãos não é questão de dias; e para tê-los adultos é preciso educá-los desde crianças”. (Rousseau)
A participação popular significa a satisfação da necessidade do cidadão como indivíduo, como grupo, organização, ou associação, de atuar pela via legislativa, administrativa ou judicial no amparo do interesse público que se traduz nas aspirações de todos os segmentos sociais.
Neste caso vimos que, da categoria central pré-existente e ultrapassada, devemos deixar de ser comunidade ou simplesmente povo e passamos a ser sociedade civil organizada, tendo como base a universalização dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, a ampliação da dimensão dos conceitos de cidadania e democracia, numa nova compreensão do caráter e do papel do Estado pós-moderno.
Conclui-se que o sucesso da atuação do Estado, no que tange à consolidação da cidadania, está absolutamente condicionado à tarefa que nos incumbe a todos de reinventar a atuação estatal sob uma nova lógica e referência. Essa referência é a concepção inovadora de cidadania que põe como requisito essencial a participação do cidadão na gestão pública nos seus três níveis de atuação.
REFERÊNCIAS
ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013.
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar, 2002.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27ª ed. atual. – São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
BOBBIO. Norberto. A era dos direitos. 14 ed. São Paulo: Campus, 2004.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. 25 ed. São Paulo: Campus, 2000.
CARVALHO, Francisco José. Teoria da função social do direito. Curitiba: Editora Juruá, 2011.
CARVALHO, Osvaldo Ferreira de. Segurança jurídica e a eficácia dos direitos sociais fundamentais. 2. Ed – revista e atualizada. Curitiba: Juruá, 2011.
CASTRO, Marcus Faro de. Formas jurídicas e mudança social. São Paulo: Saraiva, 2012.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010.
DIDIER JR, Fredie – Org. Ações Constitucionais. 6ª ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Editora Juspodivm, 2012.
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito & Utopia em Roberto Mangabeira Unger. São Paulo: Editora Quartier Latim, 2010.
GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Direitos fundamentais sociais – releitura de uma constituição dirigente – Prefácio de Jorge Miranda. 3 ed. – revista e atualizada. Curitiba: Juruá, 2011.
LAUFER, Daniel. Corrupção – Uma perspectiva entre as diversas áreas do Direito. Curitiba: Juruá, 2013.
MATTOS, Fernando Pagani. Acesso à justiça – Um princípio em busca de efetivação. Curitiba: Juruá Editora, 2009.
MÉSZARÓS, Instván. Estrutura social e formas de consciência – A determinação social do método. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.
NICOLAU JUNIOR, Mauro. Novos direitos – Encadernação especial. Curitiba: Juruá Editora, 2007.
NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. A cidadania social na constituição de 1988: Estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos direitos sociais. São Paulo: Editora Verbatim, 2009.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
SIRAQUE, Vanderlei. Controle social da função administrativa do Estado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
UNGER, Roberto Mangabeira. Democracia radical & Experimentalismo institucional. São Paulo: Editora Manole, 2008.
UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o futuro da democracia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.