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Da possibilidade de contratações temporárias no programa saúde da família

15/08/2016 às 11:23
Leia nesta página:

Discute-se a contratação temporária de servidores públicos, exceção à regra do concurso público, dando enfoque às contratações do Programa Saúde da Família.

O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a contratação temporária de servidores públicos, exceção à regra do concurso público, dando enfoque às contratações do Programa Saúde da Família.

A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu artigo 37, inciso II, que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:  

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; 

Contudo, como na maioria das vezes, há exceções. No artigo 37, inciso IX, está expressa a possibilidade de contratação de forma temporária de pessoal na administração pública:

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

Com efeito, a contração temporária, como foge a regra do concurso público, possui alguns requisitos, sendo eles: tempo determinado, necessidade temporária, interesse público e caráter excepcional do interesse público.

Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello[1], leciona que:

A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (artigo 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingencias que desgarrem da normalidade das situações que presumam admissões apenas provisórias, demandas em circunstancias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razoes muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade ao e temporária, mas é excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, “necessidade temporária”) por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tenha que acobertar (...)

Verifica-se que a contratação por tempo determinado, então, somente pode ser realizada em casos excepcionais e urgentes.

Entretanto, o grande problema está em relação à contratação dos servidores que laboram no Programa Saúde da Família, principalmente em municípios de pequeno porte.

Explica-se.

O Programa Saúde da Família (PSF), é uma Politica Pública do Governo Federal, operacionalizado mediante equipes compostas por um médico, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde.

Os Municípios que aderem ao Programa, recebem do Governo Federal incentivos financeiros, o que depende da modalidade em que se encontram, conforme a previsão da Portaria n.º 978/2012 do Ministério da Saúde.

Desta forma, por se tratar de Programa, este pode ser extinto a qualquer momento pelo Governo Federal, o que significa que os Municípios não receberão mais os valores de incentivo.

Neste ponto, inicia-se o problema, principalmente em municípios pequenos.  Em relação aos Agentes Comunitários, a nova redação do artigo 198, §4º, dado pela Emenda Constitucional 51/06, prevê que a contratação daqueles deve se dar através de processo seletivo público. Porém, quando da contratação de médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem a lei aplicável é paradoxal.

 A maioria dos municípios do Brasil não tem condições de realizar concurso público e manter tais servidores, dado o baixo orçamento financeiro que possuem.

Assim, caso a Administração Pública do Município realize concurso público para a admissão de pessoal para laborar no Programa Saúde da Família, no evento de seu término, esse servidor deverá ser realocado pela administração pública, pois possui garantias devidamente expressas na Constituição, como estabilidade, licenças, gratificações, aposentadoria, entre outros. Ou poderá pleitear seus direitos na justiça, causando prejuízos à administração pública.

Outro ponto de interesse, é que, com o encerramento do Programa, acabará o repasse do incentivo financeiro pelo Governo Federal. Pergunta-se, e como o Município irá manter esse servidor?

Ressalte-se que o servidor concursado possui, como já indicado, diversos direitos, um deles a estabilidade.

Ainda, levando-se em consideração os serviços prestados pelos profissionais que compõem as equipes do Programa Saúde da Família, estes desempenham atividades de caráter regular e permanente, pois estamos tratando de saúde pública, que deve ser contínua e ininterrupta.

O ponto crítico é: em municípios pequenos, que não possuem orçamento para realizar concurso público e manter os servidores caso o programa seja extinto, como de ser realizada a contratação?

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Caso realizem concurso, poderão não ter condições de arcar, futuramente, financeira e estruturalmente, com esses servidores, e se realizar o contrato por tempo determinado poderão violar a Constituição Federal e os princípios que regem a administração pública?

As contratações temporárias, devem obedecer alguns requisitos, como já exposto no início. Esses requisitos podem ser enquadrados nas contratações temporárias do PSF?

Eis o problema. Para melhor elucidar, veremos como os Tribunais têm entendido esse assunto.

Em 2004, o STF autorizou, através do julgamento da ADI 3068, a contratação temporária, prevista no artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, desde que indispensáveis ao atendimento de necessidade temporária excepcional interesse público, quer para o desempenho das atividades de caráter eventual, temporário ou excepcional, quer para o desempenho de atividades de caráter regular e permanente.

O TCE de Minas Gerais já se manifestou[2] em relação a contratação temporária no Programa Saúde da Família, autorizando este tipo de contratação.

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, possui decisão[3], inclusive Ações Diretas de Inconstitucionalidade[4], entendendo como constitucionais as contratações temporárias realizadas no Programa Saúde da Família.

Referidas decisões, ocorreram a luz dos casos concretos, e, na maioria destes, tratam de municípios pequenos que não possuem capacidade de realização de concurso público.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná[5], em recente julgado, também analisando o caso concreto e os recursos inerentes ao Município, julgou como regular as contratações temporárias realizadas para atender o Programa Saúde da Família.

Também há decisão do TCE do Mato Grosso do Sul, decidindo pela possibilidade de contratação temporária para atender o Programa Saúde da Família, fundamentando que: “nesses casos admite-se a contratação temporária, pois ao ser extinto o programa, o contrato de trabalho será finalizado[6].”

Ressalte-se que todas as decisões trazidas analisaram o tema sob o prisma do caso concreto e a estrutura da Administração Pública em questão.

Desta forma, diante do exposto, pode-se responder às perguntas formuladas acima da seguinte maneira:

- As contratações temporárias para suprir o Programa Saúde da Família em Administrações Públicas que não possuem condições para manter o vínculo em caso de extinção da política de saúde, podem realizar a contratação prevista no artigo 39, inciso IX, pois assim atenderão os princípios inerentes à administração pública, como a eficiência e moralidade.

- Os requisitos inerentes a contratação temporária atendem as contratações do Programa Saúde da Família, visto que este é temporário.

É necessário destacar que a maioria dos municípios do Brasil enfrentam diversas dificuldades, face a falta de recursos. Assim, parece fácil dispor que as contratações temporárias são “cabides de emprego”, conforme diversas críticas nesse sentido. Contudo, é necessário analisar a realidade dos municípios.

Entendo que municípios de grande porte, realmente, não devem realizar as contratações de forma temporária para atender o Programa Saúde da Família, pois estes têm condições melhores de manter a estrutura administrativa e seus servidores.

Para mudar essa realidade, seria necessário que o Governo Federal deixasse claro que o Programa Saúde da Família não é temporário, e que os repasses a título de incentivo serão ininterruptos, razão pela qual os municípios poderiam realizar concurso público para os cargos que compõem as equipes.

Desta forma, face a presente estrutura administrativa, conclui-se que é inviável para municípios pequenos a realização de concurso público para a contratação das equipes do Programa Saúde da Família, seja pelo possível “corte” do repasse financeiro, seja pela manutenção do servidor público.


Notas

[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 28a Edição. Editora Malheiros. São Paulo, p.285

[2] Consulta 657.277 e 716.388 (http://www.tce.mg.gov.br/?cod_pagina=111775&acao=pagina&cod_secao_menu=&a=)

[3]  70067039537 

[4] 70060351210, 70065630758

[5] TJPR - 5ª C.Cível - AC - 1386522-6 - Icaraíma -  Rel.: Carlos Mansur Arida - Por maioria -  - J. 24.11.2015

[6] http://www.tce.ms.gov.br/storage/docdigital//TC_02083_2012/c6a2e38f-b8c2-4251-90a1-ecf80e630fec_assinado.pdf

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Sobre o autor
Vanessa Travensoli Bona

Advogada, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pós-graduanda em Direito Administrativo Aplicado pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONA, Vanessa Travensoli. Da possibilidade de contratações temporárias no programa saúde da família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4793, 15 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51301. Acesso em: 2 nov. 2024.

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