Na primeira semana de agosto, o Supremo Tribunal Federal iniciou discussão sobre a competência para julgamento das contas de gestão de prefeito, quando este age na qualidade de ordenador de despesas. Cabia aos 11 ministros decidirem se a atribuição cabe à Câmara Municipal ou ao Tribunal de Contas. O julgamento se encerrou nesta quarta-feira, 10 de agosto, quando os ministros decidiram, por maioria de votos, que se trata de uma competência exclusiva da Câmara dos Vereadores.
O caso concreto analisado pelo STF se refere a um recurso contra acórdão do TSE que indeferiu registro de candidatura para o cargo de deputado estadual nas eleições de 2014 em razão da rejeição, pelo TCE, das contas prestadas, quando o então candidato era prefeito. No julgamento, prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Ricardo Lewandowski, no sentido de que, por força da Constituição, são os vereadores que detêm o direito de julgar as contas do chefe do Executivo municipal, na medida em que representam os cidadãos.1 Acompanharam a divergência os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello.
A discussão do tema é de fundamental importância e a decisão do STF abre um espaço para a evolução da atividade de julgamento de contas do chefe do Executivo. Efetivamente, em muitos casos, na atividade de gestão do bem púbico, os prefeitos atuam ora na qualidade de agente político – quando, por exemplo, sancionam uma lei – ora como ordenadores de despesas – ao efetuar o pagamento de um contratado.
Feita tal distinção, era entendimento das Cortes de Contas que, quando o prefeito age como ordenador de despesa, este se submeteria ao crivo dos órgãos de controle. Caso o ato fosse iminentemente político, esta situação não se daria, estando isento do julgamento perante os Tribunais de Contas.
Quando ato político e ato de ordenador de despesas se confundem
Ocorre, porém, que, na prática da gestão pública, esta distinção muitas vezes não consegue ser observada com clareza. É o caso, por exemplo, dos atos de ordenar e homologar uma licitação. Em tais situações, ato político e ato de ordenador de despesa se confundem, não se conseguindo, de forma segura, estabelecer de quem seria a real competência para o julgamento do ato. Em situações análogas, como a assinatura de convênios, o Tribunal de Contas da União entende que deve julgar os prefeitos mesmo que estes atos não estejam na qualidade de ordenador de despesas.
Por não se ter a clara distinção, essas situações causam insegurança jurídica ao gestor público, faltando-lhe balizas para a sua atuação. Desse modo, a decisão do STF devolve a segurança jurídica ao julgamento de contas dos prefeitos. A atividade não cabe aos Tribunais de Contas, considerando que a distinção entre atos de ordenador de despesas e atos políticos não é clara, ensejando casuísmos e insegurança. Em ambientes assim, não se vislumbra evolução do sistema jurídico brasileiro.
É importante, por fim, lembrar, em respeito e reverência ao texto constitucional, que o art. 75 daquele diploma prevê que “as normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”. Considerando que o TCU não julga chefe do poder Executivo, mas apenas o ordenador de despesas, também não cabe aos TCEs e TCMs o papel de julgar prefeitos.
No caso do presidente da República, a atuação do TCU é juntar todas as condutas e colocar no parecer prévio. Assim deve ser a atuação dos TCEs e TCMs em relação aos gestores municipais.
Nota
1 STF. Competência para julgar contas de prefeito é da Câmara de Vereadores, decide STF. Portal do STF. 10 de agosto de 2016. Disponível em: http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=322706. Acesso em: 10 ago. 2016