Ineficácia autopunitiva do Estado.

Aplicabilidade da lei de improbidade administrativa aos agentes políticos

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25/08/2016 às 16:23
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O presente trabalho expõe uma definição precisa de quem são os responsáveis por essas práticas corruptas que tanto prejuízo causam à sociedade, bem como os regimes jurídicos a eles aplicáveis e uma análise minuciosa sobre a ineficácia da punibilidade.

Resumo: Ao longo da história, o povo brasileiro sempre foi colocado em posição desfavorável frentes aos atos ilícitos praticados pelos seus representantes. Aqueles que deveriam na verdade zelar pela probidade, desenvolvimento social e político da sociedade, e que para tanto, contaram com a confiança e esperança dos seus eleitores. O presente trabalho expõe uma definição precisa de quem são os responsáveis por essas práticas que tanto prejuízo causam à sociedade, bem como os regimes jurídicos a eles aplicáveis e uma análise minuciosa sobre a ineficácia quanto a responsabilização desses agentes, que consequentemente, dá margem à novas práticas ilícitas e consolidam a sensação de impunidade. 

Palavras-chaves: Improbidade Administrativa. Agentes Políticos. Foro por Prerrogativa de Função. Corrupção. Impunidade.

Abstract: Throughout history, the Brazilian people has always been placed at a disadvantage fronts for illegal acts committed by their representatives. Those who should actually ensure the integrity, social and political development of society, and for both relied on the confidence and trust of their constituents. This paper sets out a precise definition of who is responsible for these practices that so much damage caused to society as well as the legal regimes applicable to them and a thorough analysis of the ineffectiveness as the accountability of these agents, which consequently opens preceding the new malpractices and strengthen the sense of impunity.

Keywords: Administrative Misconduct. Political agents. Forum for Prerogative function. Corruption. Impunity.

Sumário: 1 - Introdução; 2 - Conceito de Agentes Políticos; 3 - Considerações sobre o Foro Especial por Prerrogativa de Função; 4 - Regimes Jurídicos Aplicáveis; 4.1 - Lei 1.079/50 - Crimes de Responsabilidade; 4.2 - Regime Disciplinar dos Parlamentar Federais; 4.3 - Lei 8.429/92 - Improbidade Administrativa; 5 - Direitos Políticos; 6 - Entendimento Jurisprudência; 6.1 - Reclamação 2.138 - Caso Sademberg; 6.2 - Reclamação Constitucional; 6.3 - O Equívoco da Corte Máxima; 6.4 - A Mudança do Posicionamento do Supremo Tribunal Federal; 7 - Retaliação Legislativa e a ADI 2797; 8 - Conflitos de Normas Constitucionais; 8.1 - Princípios Constitucionais em defesa da Inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa; 8.2 - Princípios Constitucionais pela Aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa; 8.3 - Princípio da Harmonização e A Lei de Colisão de Robert Alexy; 9 - Interpretação Principiológica pelo Supremo Tribunal Federal; 10 - Considerações Finais; Referências

1 - INTRODUÇÃO

               A Constituição Federal dispõe logo no seu artigo inaugural que a República Federativa do Brasil consitui-se em Estado Democrático de Direito, dentre os quais, alguns dos seus fundamentos estão a soberania e a dignidade da pessoa humana. Por sua vez, o art. 3º elenca os objetivos do Estado, dentre eles, a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária de modo a garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos.

               Como se percebe, o Estado foi criado pelo povo e para o povo, titular da soberania, e como tal, a sua razão de ser deveria estar pautada na promoção e desenvolvimento da sociedade.

               Entretanto, é nítido que houve uma inversão das prioridades entre esses pólos. Parafraseando Marry Shalley{C}[1]{C}, autora da obra Frankstein, "A criação volta-se contra seu criador". O povo já não é mais o objetivo final da razão de ser estatal, tendo em vista que os administradores da máquina publica se empenham muito mais em benefícios próprios ou de pequenas minorias por eles privilegiadas em prejuízo de toda a sociedade, que, não bastasse ter que suportar todas as consequências imediatas advindas da má gestão, carregam ainda o ônus de bancar os prejuízos causados aos cofres públicos decorrentes de toda a corrupção.

               Em uma comparação exemplificativa, um único agente político que pratica atos corruptos causa um mal muito maior a sociedade que milhares de bandidos agindo ao mesmo tempo. Tendo em tela um superfaturamento de obras com desvio verbas publicas para construção de uma escola por exemplo. De imediato, o prejuízo pode ser indubitavelmente constatado, pois certamente essa verba publica acabará sendo destinada a paraísos fiscais ou na compra de mais um imóvel de luxo em alguma cidade litorânea. Entretanto, a longo prazo, o prejuízo causado a sociedade é imensurável, pois milhares de alunos poderiam ter estudado naquela escola, o que consequentemente, elevará o índice de analfabetismo, cerceamento do direito à educação e qualificação, aumento do desemprego, marginalidade e criminalidade, entre outras consequências. O mais revoltante, é que quando se constata a prática de um ato ilícito por parte dos governantes, muitas vezes, se quer são julgados.

              

2 - CONCEITO DE AGENTES POLÍTICOS

               A doutrina não é unânime quanto a delimitação dos cargos públicos que integram o rol de agentes políticos. No entanto, não há divergência quanto à sua natureza jurídica. O Estado é uma organização dotada de atribuições, responsabilidades e conta com uma estrutura mínima instituída para servir a sociedade e o cidadão. Para desempenhar as suas funções, concretizar suas escolhas políticas e promover o bem comum, o Estado se vale de um conjunto de pessoas físicas que agem em seu nome, sendo assim denominados de agentes públicos. Em razão do sentido amplo da expressão que abrange todos aqueles que exercem uma função pública, os agentes públicos constituem-se um gênero, que subdivide-se em espécies, todas exercentes de funções estatais.

               Os Agentes Políticos são portanto uma das espécies de agentes públicos. São assim denominados pois exercem as funções políticas do Estado, titularizando os cargos ou mandatos do mais alto escalão da estrutura organizacional estatal, dotados de ampla autonomia e garantia funcional, subordinando-se somente à Constituição Federal.  

               Não obstante à discussão doutrinária sobre quais cargos públicos integrem ou não a definição de agentes políticos, por razões de didática e delimitação, é adotado neste trabalho o conceito lecionado pelo mestre Celso Antônio Bandeira de Mello{C}[2]{C}, in verbis:

"Agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem os formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e Vereadores. O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um  únus público… A Relação jurídica que os vincula ao Estado é de natureza institucional, estatutária. Seus direitos e deveres não advêm de contrato travado com o Poder Público, mas descendem diretamente da Constituição e das leis."

E arremata Helly Lopes Meireles{C}[3]{C}:

“São aqueles que recebem o mister constitucional de traçar os destinos do país. Não obstante os Magistrados, os membros do Ministério Publico ou do Tribunal de Contas tenham regimes jurídicos próprios, não podem ser conceituados como agentes políticos. Primeiramente porque eles não são escolhidos via processo eletivo ou por indicação. Seu ingresso se dá via concurso público. Suas funções, por disciplina constitucional, muita vezes, se voltam para uma atividade de controle dos agentes políticos, seja analisando ou julgando suas contas, seja ingressando com ações civis publicas para anular os atos lesivos aos princípios da administração, ou por impor determinada sanção por improbidade administrativa.”         

 

3 - CONSIDERAÇOES SOBRE O FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Em razão da altíssima posição que ocupam na estrutura organizacional do Estado, aos agentes políticos é assegurado o foro especial por prerrogativa de função, uma garantia constitucional que determina a fixação de competência para julgamento de infrações penais, objetivando assim uma maior segurança e autonomia no exercício de suas atividades. Essa garantia não está intimamente ligada à pessoa humana que integra o quadro público, mas sim, relacionada umbilicalmente ao próprio cargo ou função ocupada. Tanto o é, que, ao término superveniente do exercício, extingue-se também a garantia constitucional do foro especial.

Adentrando no âmbito do Direito Constitucional, verificamos que a Carta Magna dispõe sobre o foro prerrogativa de função que deve ser observado. Na lição do mestre Fernando Cappez{C}[4]:

“de fato, confere-se a algumas pessoas, devido à relevância da função exercida, o direito a serem julgadas em foro privilegiado [sic]. Não há que se falar em ofensa ao princípio da isonomia, já que não se estabelece a preferência em razão da pessoa, mas da função […] Na verdade, o foro por prerrogativa visa preservar a independência do agente político, no exercício de sua função, e garantir o princípio da hierarquia, não podendo ser tratado como se fosse um simples privilégio estabelecido em razão da pessoa.”

Mas sem sombra de dúvida, o ponto mais relevante a ser tratado no que se refere a fixação de competência para julgamento por prerrogativa de função é que essa garantia está vinculada exclusivamente à prática de crimes comuns, ou seja, infrações penais, e crimes de responsabilidade. Portanto, quando da aplicação de sanções de caráter meramente cíveis, não há de se falar na observância do foro especial. Este é o entendimento que pode ser extraído do art.84 do Código de Processo Penal[5]:

Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

Bem como na própria Constituição Federal{C}[6]:

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles.

II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

Art. 86 - Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

A prerrogativa de certas funções públicas, é realmente instituída, não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do acusado seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois uma garantia bilateral – garantia contra e a favor do acusado.

Como se pode perceber, a garantia constitucional de foro especial por prerrogativa de função criada para assegurar maior autonomia e segurança aos agentes políticos no exercício de suas atribuições fazendo com que estes venham a serem julgados pelas instâncias superiores, teoricamente dotadas de maior independência e capacidade técnica para apreciação das questões, na verdade, constituí um entrave para a concreta aplicação de sanções e hipóteses de práticas ilícitas.

Tal afirmação encontra amparo nas lições de Luiz Flávio Gomes, em artigo intitulado no domicílio virtual: (http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/148854378/impunidade-e-fim-doforoprivilegiado)[7], e ainda, do Procurador da República, responsável pela Operação Lava-Jato.

A alteração na disciplina do foro especial por prerrogativa de função é medida que se impõe porque, atualmente, no Brasil, salvo raríssimas exceções, esse privilégio funciona como um atestado de impunidade. Referenda esta conclusão levantamento feito em 2007 pela Associação dos Magistrados Brasileiros[8] (AMB) que apontava que, de 1988 até maio de 2006, nenhuma autoridade havia sido condenada no Supremo Tribunal Federal (STF). Nas 130 ações protocoladas e apenas cinco de um total de 333 processos sofreram condenação no STJ, o que equivale a apenas 1,5% de autoridades punidas.

Contudo, infelizmente, não é somente o foro de prerrogativa de função o responsável pela ineficácia da punição do estado. Se a pretensão do legislador ao estabelecer foro especial por prerrogativa era a de proteger a função e o exercício das atividades inerentes ao cargo, na prática, o que se criou foi um foro privilegiado, sinônimo de impunidade, que dificulta, burocratiza e até impossibilita a responsabilização por seus atos.

Para melhor compreensão, passemos a analisar os regimes jurídicos então aplicáveis.

4 - OS REGIMES JURÍDICOS APLICÁVEIS

4.1 - LEI 1.079/50 - Crimes de Responsabilidade

No Brasil, o  instituto do impeachment foi previsto em todas as Constituições existentes ao longo de sua história, encontrando-se hoje disciplinado nos art. 52, I e II, e parágrafo único e nos arts. 85 e 86 da Constituição Federal. O Impeachment é na verdade uma medida de cunho político destinada a impedir que certas autoridades continuem a ocupar seus respectivos cargos públicos, pois sua continuidade seria prejudicial aos interesses do País.

A Carta Maior prevê, com relação ao Chefe do Poder Executivo dois tipos de responsabilidade: A Responsabilidade política, abrangendo os crimes de responsabilidade, que são infrações político-administrativas inerentes ao exercício da sua função, podendo então levar ao impeachment, como entre nós já ocorreu no caso do ex-presidente Fernando Collor, e a Responsabilidade Penal, que está vinculada à infrações penais comuns previstas no Código Penal e em leis penais especiais, que podem acarretar na aplicação de penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou multa.   

Os crimes de responsabilidade vêm definidos na Constituição[9]:  

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País; 

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

 

No seu parágrafo único consta a regra de que esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. A Lei em tela é a 1.079/50, anterior a Constituição, mas por ela recepcionada, além de tipificar quais atos são definidos como Crimes de Responsabilidade, trata ainda sobre as regras para o processamento e as sanções aplicáveis em caso de condenação, estas ultimas previstas no art. 2º, sendo elas: a perda do cargo, com inabilitação, de até cinco anos para o exercício de qualquer função pública, ainda que sejam meramente tentados os atos.

Observando ainda os moldes dos arts. 51 e 52 da Constituição Federal, pode-se constatar que o Poder Legislativo Federal possuí os órgãos competentes para processar e julgar o Presidente da República, portanto o julgamento há de político, afastando a competência do Poder Judiciário, confirmando assim, a observância do foro especial por prerrogativa de função, disciplinada no art. 84 do CPP também nessas situações.

Analisando os institutos acima, podemos observar a ineficácia da aplicação no plano concreto tendo em vista a organização da estrutura político-partidária atual. Pode ser que há época em que fora instituída, a Lei 1.079/50 fosse capaz de solucionar os problemas pertinentes que porventura surgissem. Porem, hoje, cenário político e jurídico é outro.

É notório o fato de que existe uma verdadeira articulação de jogo de interesses no alto escalão da Administração Publica, assim como no Poder Legislativo, no qual a maior parte da bancada que compõe as Casas do Congresso Nacional comungam dos mesmos ideais, almejando assim a satisfação de interesses pessoais e recíprocos. A partir disso dá-se origem aos mais grandiosos os atos ilícitos que causam prejuízos imensuráveis ao real interesse publico de forma tão desenfreada. Partindo então da premissa que deve-se observar a prerrogativa de função nesses julgamentos, significa dizer que se confere a eles mesmos a decisão sobre julgá-los ou não, o que dificilmente, na prática, aconteceria.

Em síntese, para que o Presidente possa sofrer as sanções de perda do cargo e inabilitação para qualquer função pública, é necessário a autorização da Câmara dos Deputados, que funcionaria como um verdadeiro juízo de admissibilidade, quando então, se aprovado o recebimento da denúncia por dois terços dos votos dos membros dessa Casa, o processo há de ser encaminhado ao Senado Federal para o julgamento, necessitando do mesmo quórum de votação para que se chegue à condenação. Conclui-se portanto que se trata de um trâmite extremamente burocrático, e que na prática, dificilmente, para não dizer impossível, aconteceria, tendo em vista todos os interesses partidários em jogo, que sem dúvida nenhuma restariam colocados em posição privilegiada aos interesses do bem estar social.

4.2 - Regime Disciplinar dos Parlamentares Federais

              No que tange aos Parlamentares, o entendimento jurídico firmado é de que não cometem crimes de responsabilidade, portanto, não estão sujeitos à referida lei. O regime disciplinar aplicado aos membros do Congresso Nacional vem previsto na própria Constituição[10].

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º.

              Por razões de pertinência temática, serão aqui abordados os incisos II, IV e VI, que dispõem sobre as hipóteses de EXTINÇÃO e CASSAÇÃO, espécies do gênero Perda do Mandato.

              Entende-se por Cassação a perda do mandato por meio de um julgamento político realizado pelo próprio órgão que avalia a conveniência da absolvição ou condenação do parlamentar. Por essa razão, a cassação do mandato depende de deliberação da sua respectiva Casa, por voto da maioria absoluta dos seus membros, de acordo com o parágrafo 2º do mesmo artigo. Dentre os incisos acima mencionados, a perda do mandato por cassação pode ocorrer quando este venha a sofrer condenação criminal transitada em julgado, nos moldes do inciso VI ou quando o procedimento adotado por ele for considerado incompatível com o decoro parlamentar, de acordo com o inciso II. Para fins de esclarecimento, o parágrafo 1º do mesmo artigo traz como conceito de conduta incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

              Por sua vez, a Extinção do mandato parlamentar, prevista na hipótese do inciso IV do art.55 decorre da perda ou suspensão dos direitos políticos, que, de forma distinta às hipóteses de cassação, independe de deliberação ou decisão da Casa a que este integre, devendo a Mesa Diretora então promover de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou Partido Político com representação no Congresso, assegurando a ampla defesa, nos moldes do parágrafo 3º.  

              Superadas as hipóteses de perda do mandato parlamentar, é fundamental trazer à luz o órgão competente para o julgamento desses agentes políticos, com previsão na Constituição Federal, no seu art. 53, acima transcrito.

              No caput do artigo apresentado é possível verificar o que a doutrina define como imunidade material dos Parlamentares. Entretanto, é o conteúdo presente nos parágrafos deste dispositivo que interessa à este trabalho, a imunidade formal. Inicialmente, resta claro que, também a esses agentes políticos deverá ser observado o foro especial por prerrogativa de função, sendo competente portanto o Supremo Tribunal Federal para os seus julgamentos.

              Seguindo o raciocínio, para que um Parlamentar possa sofrer a perda do cargo em razão de uma prática ilícita atrelada ao exercício de sua função, essa decisão deverá ser tomada pela sua respectiva Casa, em votação realizada por seus pares. Já para que possam ser julgados e condenados por crime comum perante Supremo Tribunal Federal, poderão contar ainda com a com o amparo partidário dos membros, que de forma conjunta poderão sustar o andamento da ação.

A conclusão que se chega é que os regimes jurídicos aplicáveis aos agentes políticos titulares de cargos eletivos é absolutamente falho. Se a pretensão do legislador ao estabelecer foro especial por prerrogativa era a de proteger a função e o exercício das atividades inerentes ao cargo, na prática, o que se criou foi um foro privilegiado, sinônimo de impunidade, que dificulta, burocratiza e até impossibilita a responsabilização por seus atos.

4.3 - LEI 8.429/92 - Improbidade Administrativa

              O Brasil é um Estado Constitucional Democrático de Direito, que significa ser aquele onde o Estado atua através do Direito, delimitando o poder através de uma Lei Superior, fruto da vontade popular. Esta lei superior, é a Constituição Federal, que deve ser compreendida como um sistema normativo composto por princípios e normas jurídicas.

              Nesse raciocínio, todas as instituições públicas e privadas, por conseguinte, a Administração Pública têm que estar de acordo com seus princípios reguladores, sejam expressos ou implícitos, e demais normas jurídicas deles decorrentes. A Constituição de 1988 trouxe, expressamente no caput do art. 37, os princípios constitucionais regentes da Administração Pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e o princípio da eficiência. Tais princípios são de basilar importância na atuação administrativa. Segundo o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello[11]:

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“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não só a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, de seus valores fundamentais, seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustém e alui-se toda a estrutura neles esforçada”.

              Com o objetivo de regulamentar e conferir normatividade aos princípios constitucionais que devem ser observados pela Administração Pública, foi elaborada a Lei 8.249/92, a Lei de Improbidade Administrativa, popularmente conhecida como Lei do Colarinho Branco. Trata-se de um dos mais importantes instrumentos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, pois tipifica de maneira aberta todos os atos possíveis a serem praticados pelos agentes públicos que resultem favorecimento próprio ou de terceiro em prejuízo ao bem comum, e ainda, as sanções aplicáveis a cada caso, objetivando o restabelecimento da moralidade e da ética no cumprimento das atividades públicas, comumente atropeladas por atos de corrupção.  

              De início, é imperioso identificar o sujeito ativo que pratica os atos de improbidade administrativa. Essa definição está presente nos arts. 1º e 2º da lei, que dispõem ser todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função com a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

              As disposições possuem claridade solar ao definir de forma expressa que a Lei de Improbidade Administrativa será aplicada a todos os agentes públicos, sem distinção, inclusive a particulares que se beneficiaram com a práticas dos atos, bem como os seus sucessores, até o limite do valor da herança, de acordo com o art. 8º da mesma lei. 

              Feitos os esclarecimentos, é necessário identificar quais são os atos definidos como atentatórios a probidade administrativa. Estes, dividem-se em três grandes grupos previstos nos artigos 9º, 10º e 11º e seus incisos na lei 8.429/92. O primeiro deles, presente no art.9º, ostentam a posição de mais graves de todos os atos. São aqueles que quando praticados importam em enriquecimento ilícito nos quais o agente público venha a auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função ou emprego. O segundo, previsto no art.10º, ocupam a posição intermediária quanto à gravidade. São aqueles que quando praticados, causam prejuízo ao erário. Por fim, no art.11º, encontram-se os atos considerados mais brandos, que atentam contra os princípios da Administração Pública.

              Passando então ao estudo das sanções aplicáveis a cada um desses atos, estas, encontram-se dispostas nos incisos I, II e III do art.12 da lei, podendo ser a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; o ressarcimento integral do dano, quando houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos; pagamento de multa civil ao valor do acréscimo patrimonial e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente. Essas penas serão aplicadas isolada ou cumulativamente de acordo com a gravidade do ato praticado, devendo o juiz levar em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente, como preceitua o parágrafo único deste artigo.

              Chega-se então ao ponto de maior importância no que se refere a Ação de Improbidade Administrativa. Em seu art. 12, além de definir quais são as penas aplicáveis a cada caso, a lei traz ainda a fixação de competência para a propositura da ação, bem como, a sua natureza jurídica. De forma clara e expressa assim dispõe[12]:

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.

              A ressalva trazida quanto a independência das sanções penais, civis e administrativas previstas em outras legislações demonstra que a Ação de Improbidade Administrativa possuí natureza jurídica diversa àquelas. Esse comando normativo é o mesmo presente no §4º do art. 37 da Constituição Federal[13]

"Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

              À primeira vista, nada muito importante pode ser percebido. Contudo, após um olhar mais minucioso, uma constatação de extrema relevância se apresenta. Por se tratar de ação de natureza jurídica diversa à penal, não há de ser observado o foro especial por prerrogativa de função, garantia constitucional assegurada aos agentes políticos, muito embora, só preveja a competência das instâncias superiores para o julgamento destes nas hipóteses de crimes comuns ou de responsabilidade por eles praticados, conforme o art. 84 do Código de Processo Penal, já aqui apresentado. Nesse sentido é o entendimento do mestre Alexandre de Moraes[14]:

"A natureza civil dos atos de improbidade administrativa decorre da redação constitucional, que é bastante clara ao consagrar a independência da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível responsabilidade penal, derivadas da mesma conduta, ao utilizar a fórmula "sem prejuízo da ação penal cabível"

Portanto, o agente público que, utilizando-se de seu cargo, apropria-se ilicitamente de dinheiro público responderá, nos termos do art. 9º da Lei nº 8429/92, por ato de improbidade, sem prejuízo da responsabilidade penal por crime contra a administração, prevista no Código Penal ou na legislação penal especial" (MORAES, Alexandre de. "Improbidade Administrativa". São Paulo: Ed. Altas, 2002, p. 322)

            No mesmo sentido arremata Maria Sylvia Zanella di Pietro[15]:

“a natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter conseqüência na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário.” Aliás, o art. 37, § 4º. da Constituição Federal é expresso no sentido de que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2006.)

              A partir da análise destes dispositivos é possível concluir, ainda que previamente, pela possibilidade de aplicação das sanções de perda do cargo ou função e a suspensão dos direitos políticos à um agente público ímprobo, ainda que seja ele um agente político, sem que houvesse a necessidade de sujeitá-lo a julgamento nos respectivos órgãos competentes definidos pelo foro especial por prerrogativa, pois este restaria afastado, podendo então vir a sofrer as respectivas penas nas instâncias de piso, em caso de condenação.

              Em verdade, embora seja uma garantia constitucional, o instituto do foro especial em muito dificulta, quiçá, impossibilita a efetiva aplicação das sanções previstas nos demais regimes jurídicos vigentes à seus infratores, pois confere a seus pares, que na maioria das vezes comungam de afinidades e ideologias, a discricionariedade quanto a submetê-los ou não a um julgamento político, bem como, a possibilidade de sustar o andamento de uma ação penal por crimes comuns. O entendimento jurisprudencial, tampouco doutrinário, pode ser considerado pacífico sobre o tema.

              Antes de adentrar no capítulo próprio sobre a controvérsia jurisprudencial sobre o assunto, é importante trazer em cena algumas informações sobre uma espécie de sanção que é comum a todos os regimes jurídicos até então apresentados. A Suspensão dos Direitos Políticos.

5 - DIREITOS POLÍTICOS

              Os Direitos Políticos encontram-se presentes no capítulo IV do título II da Constituição Federal. Dispõem um conjunto de normas disciplinadoras do exercício da soberania popular, a liberdade política do cidadão, a legitimidade e a moralidade no processo político nacional. Sintetizam portanto as formas pelas quais o cidadão intervém no governo local a que pertence. Através de tais direitos o povo tem garantido o acesso à vida política, constituindo-se em instrumentos viabilizadores da soberania popular disposta no parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal, que assevera que todo poder emana do povo.

              Nesse sentido, temos a doutrina do saudoso mestre  Pedro Lenza (2009, p. 785) in verbis[16]: “Os direitos políticos nada mais são do que instrumentos por meio dos quais a CF garante o exercício da soberania popular, atribuindo poderes aos cidadãos para interferirem na condução da coisa pública, seja direta, seja indiretamente.”

              As modalidades de direitos políticos dividem-se em dois grandes grupos, quais sejam, Os Direitos Políticos Positivos e Negativos.

              Direitos Políticos Positivos traduzem a expressão da soberania popular, que assenta no fato de que todo poder emana do povo, que o exerce de forma direta ou indireta, através de representantes eleitos periodicamente. Este grupo se subdivide em direitos políticos ativos, conferindo ao cidadão a capacidade eleitoral ativa, que em síntese, significa a possibilidade de ser eleitor, de votar e eleger seu candidato. A outra subdivisão são os direitos políticos passivos, que investem o cidadão da capacidade eleitoral passiva, possibilitando-o candidatar-se a mandato eletivo, observada as condições de elegibilidade prevista no parágrafo terceiro do art. 14 da Constituição Federal, quais sejam, ter nacionalidade brasileira, estar em plano exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição que pretenda se candidatar, filiação partidária e por fim, a observância dos limites mínimos de idade estabelecido para cada cargo. 

              O outro grande grupo que compõe as duas modalidades, são os Direitos Políticos Negativos. Compreendem um conjunto de normas constitucionais que limitam o exercício da cidadania de duas maneiras. A primeira delas consiste na previsão das hipóteses de Inelegibilidade, que impedem o gozo da capacidade eleitoral passiva por motivos funcionais inerentes ao cargo ocupado ou em razão de parentesco. A segunda forma, que interessa ao entendimento aqui proposto, refere-se às hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos.

              São portanto limitações excepcionais que anulam os próprios direitos políticos, atingindo tanto a capacidade eleitoral ativa (capacidade de votar), quanto a capacidade eleitoral passiva (capacidade de ser votado). A perda e  a suspensão dos direitos políticos, se diferenciam pelo critério temporal, pois o primeiro instituto impõe a privação em caráter definitivo, ao passo que o segundo a impõe de modo temporário. É o que nos explica José Afonso da Silva[17]:

“o cidadão pode, excepcionalmente, ser privado, definitivamente ou temporariamente, dos direitos políticos, o que importará, como efeito imediato, na perda da cidadania política. Deixa, imediatamente, de ser eleitor, se já o era, ou se torna inalistável como eleitor, com o que, por consequência, fica privado da elegibilidade e de todos os direitos fundados na qualidade de eleitor” (2004, p. 335).

              Como preceitua a Constituição Federal no seu art.15, é vedada a cassação dos direitos político. Contudo, admiti-se a perda e a suspensão que só se darão nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

              Por razões de pertinência temática, interessa-nos as disposições constantes nos incisos III e V deste artigo, sendo estas, hipóteses de suspensão dos direitos políticos, portanto transitórias, não definitivas.

              Alhures às normas contidas nos regimes jurídicos que disciplinam os Agentes Políticos, podemos constatar de plano, que sanções aplicáveis a cada caso, compreendem além da perda do cargo ou mandato, também hipóteses de suspensão desses direitos. Vejamos inicialmente a figura do Presidente da República regido pela Lei 1.079/50, que em seu art. 2º  dispõe ser passível da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, os atos nela definidos.

              Não obstante à perda do cargo, a disposição que traz ainda a Inabilitação por até cinco anos para o exercício de qualquer função pública. Ora, é sabido que, para o exercício de qualquer função pública o cidadão deve estar em pleno gozo dos seus direitos políticos, sendo assim, essa inabilitação se traduz, na verdade, como uma hipótese de suspensão desses direitos. 

              Com relação aos membros do Legislativo Federal, são eles regidos por normas previstas na própria Constituição, já abordadas neste trabalho. Poderão perder o mandato em hipóteses de Cassação, que decorre de conduta incompatível com o decoro parlamentar ou condenação criminal transitada em julgado, e por Extinção, proveniente de perda ou suspensão dos direitos políticos.

              Em síntese, de uma forma ou de outra haverá a suspensão dos direitos políticos pois, um dos efeitos da cassação do mandato decorrente de condenação criminal transitada em julgado é exatamente a suspensão desses direitos enquanto durarem seus efeitos conforme o inciso III do art. 15 da CFRB/88. Com relação às hipóteses de Extinção, redundante seria qualquer tentativa de expor a consequência da suspensão dos direitos políticos pois o próprio instituto é claro e suficiente nesse sentido: "Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos"

              Por ultimo, mas não menos importante, encontram-se ainda presentes as sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos na Lei 8.429/98 (Lei de Improbidade Administrativa), devidamente já esplanada. Contudo, a ressalva que novamente se faz a respeito da aplicação desse instrumento normativo aos agentes políticos recaí sobre o fato de que possui natureza jurídica cível, dessa forma, a ação deverá ser proposta nas instâncias ordinárias, sem que haja a necessidade de se observar o foro especial por prerrogativa de função, garantia constitucional inerente aos cargos ocupados por esses agentes, muito embora esteja prevista unicamente para infrações penais comuns e crimes de responsabilidade.

6 - ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

6.1 - Reclamação 2.138 - Caso Sademberg

              À primeira vez que fora convocado para se manifestar sobre a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa, O Supremo Tribunal Federal afastou a incidência desse regime aos agentes políticos. Na Reclamação 2.138, conhecido nacionalmente como caso Sademberg, a Ação Civil Publica por ato de Improbidade Administrativa foi ajuizada pelo Ministério Publico Federal do Distrito Federal contra o Ministro de Estado Ronaldo Sademberg, por ter realizado uma viagem ao arquipélago de Fernando de Noronha, acompanhado de amigos e familiares em um avião da Força Aérea Brasileira. Condenado em primeira instância pela Justiça Federal, teve seus direitos políticos suspensos por 5 anos, bem como a perda da função pública. Inconformado com a decisão, encaminhou então uma Reclamação ao Supremo, que em apertada votação no plenário, decidiu por acolher o pedido formulado pelo Ministro de Estado quanto à incompetência do julgamento em instância de piso. Para melhor compreensão, é necessário algumas considerações acerca da Reclamação Constitucional.

6.2 - Reclamação Constitucional

               Trata-se de uma verdadeira ação autônoma de impugnação das decisões judiciais ou administrativas, contudo, não deve ser considerada sucedâneo recursal.

              O instrumento possui base normativa presente na Constituição Federal[18], no Art. 102, I, l; art. 103-A, §3º;  art.105, I, f, bem como na Lei 8.038/90, que instituí as normas procedimentais para os processos perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça e por fim, no art.7º da Lei 11.417/06. Em síntese, será cabível Reclamação Constitucional para a preservação da competência dos Tribunais Superiores, para garantir a autoridade de suas decisões e ainda quando decisão judicial ou ato administrativo contrariar Súmula Vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-la indevidamente.

              Com base em uma de suas hipóteses de cabimento, a Reclamação foi o instrumento utilizado pelo Ministro de Estado com o objetivo anular a decisão proferida pela Justiça Federal, por usurpação de competência, tendo como fundamento o disposto no art. 102, I, c, da Constituição Federal que define a competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento dos Ministros de Estado nos crimes comuns e de responsabilidade.

6.3 - O Equívoco da Corte Máxima

            Com a mais absoluta vênia, pode-se afirmar com todas as letras que, ao proferir decisão favorável à Reclamação 2.138[19], O Supremo Tribunal Federal escreveu A Página Negra de sua história. Por seis votos a cinco, a Suprema Corte entendeu que os agentes políticos não se submetem ao regime geral disciplinar previsto na Lei de Improbidade Administrativa. Vejamos a ementa:

RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS.

I. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM. I.1. Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102, I, c, da Constituição. Questão de ordem rejeitada. I.

2. Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não reflita o entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não têm direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Julgamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro processo com matéria idêntica na seqüência da pauta de julgamentos do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada. II. MÉRITO. II.1.Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei nº 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2.Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei nº 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, c, (disciplinado pela Lei nº 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, c, da Constituição. II.

3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, c; Lei nº 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). II.

4.Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, c, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.

5.Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, c, da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

(STF - Rcl: 2138 DF , Relator: NELSON JOBIM, Data de Julgamento: 13/06/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-070 DIVULG 17-04-2008 PUBLIC 18-04-2008 EMENT VOL-02315-01 PP-00094)

            Dentre os argumentos, os agentes políticos seriam então dotados da garantia constitucional do foro por prerrogativa de função, assim, o juízo competente para julgamento haveria de ser o próprio Supremo. Ademais, entendeu ser incompatível que um juiz de primeiro grau viesse a aplicar a sanção prevista na lei com a perda da função e suspensão dos direitos políticos a um Ministro de Estado. Seria portanto admitir também que poderia então aplicá-la aos próprios Ministros da Corte Superior.

            Ressaltando ainda que a Lei de Improbidade Administrativa se equipara à Lei de Crimes de Responsabilidade quando a conduta fosse praticada por um agente político e sua a responsabilização por ambas as espécies normativas seria um bis in iden. Arrematou afirmando que as condutas descritas naquela lei, quando praticadas por autoridades que continham foro por prerrogativa de função se convertiam em crimes de responsabilidade. Haveria então de se obedecer os critérios de especialidade e anterioridade da lei 1.079/50.

              Ao proferir o julgamento da Reclamação 2138, o Supremo Tribunal Federal reforçou o forte sentimento de impunidade que se instalou na sociedade em relação à corrupção no cenário político brasileiro. Ademais, afirmando ainda que agentes políticos não se submetem à Lei de Improbidade e sim à Lei de Crimes de Responsabilidade, como efeito reflexo, A Corte afastou de vez a possibilidade de responsabilização dos Parlamentares pelos atos ilícitos previstos da Lei 8.429/92, pois como ficou claro, os membros do Congresso Nacional não estão elencados nas disposições constantes na Lei 1.079/50, não incorrendo assim em crimes de responsabilidade. Portanto, a única forma de perda de mandato eletivo parlamentar somente ocorreria mediante as disposições constitucionais aplicáveis aos casos de cassação e extinção do mandato, nos quais de uma forma ou outra, sempre haverá a prévia deliberação e juízo de conveniência e discricionariedade pelos próprios membros das Casas. 

              Em perfeita colocação que se lê do voto do Ministro Carlos Velloso[20], ao sustentar que, em linha do princípio, a Lei nº 8.429/92 aplicar-se-ia igualmente aos agentes políticos, a menos que sua conduta fosse tipificada como crime de responsabilidade, de que trata a lei especial, conforme determina a Constituição Federal (art. 85, parágrafo único): ¨Isentar os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a administração pública. Infelizmente, o Brasil é  um país onde há corrupção, apropriação de dinheiros públicos por administradores ímprobos"

              O Min. Joaquim Barbosa acompanhou o voto vencido do Min. Carlos Velloso quanto à conclusão de que os fatos em razão dos quais o Ministério Público Federal ajuizara a ação de improbidade não se enquadravam nas tipificações da Lei 1.079/50 e de que não seria aplicável, portanto, o art. 102, I, c, da CF, prevendo então a competência do Supremo para seu julgamento. Ademais, asseverou ainda, a existência no Brasil, de disciplinas normativas diversas em matéria de improbidade, as quais, embora visando à preservação da moralidade na Administração Pública, possuiriam objetivos constitucionais diversos: a específica da Lei 8.429/92, que disciplina o art. 37, § 4º, da CF, de tipificação cerrada e de incidência sobre um amplo rol de possíveis acusados, incluindo até mesmo pessoas que não tenham vínculo funcional com a Administração Pública; e a referente à exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentes políticos, especialmente ao Chefe do Poder Executivo e aos Ministros de Estado regidos pelo art. 85, V, CF/88, e no plano infraconstitucional, se completa com o art. 9º da Lei 1.079/1950.

              Segundo Barbosa ainda, o art. 37, § 4º, da CF traduziria concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput desse mesmo artigo, por meio do qual se teria buscado coibir a prática de atos desonestos e antiéticos, aplicando-se aos acusados as várias e drásticas penas previstas na Lei 8.429/92. Já o tratamento jurídico da improbidade prevista no art. 85, V, da CF e na Lei 1.079/50, direcionada aos fins políticos, ou seja, de apuração da responsabilização política, assumiria outra roupagem, porque o objetivo constitucional visado seria o retirar do cenário político o agente político cujas as ações configurassem um risco para o estado de Direito. A natureza política e os objetivos constitucionais pretendidos com esse instituto explicariam a razão da aplicação de apenas duas punições ao agente político: perda do cargo e inabilitação para o exercício de funções públicas por 8 anos. Dessa forma, estar-se-ia diante de entidades distintas que não se excluiriam e poderiam ser processadas separadamente, em procedimentos autônomos, com resultados diversos, não obstante desencadeados pelos mesmos fatos, portanto, não significaria bis in idem.  

              Nesse raciocínio, pode-se constatar que no nosso ordenamento jurídico, em matéria de responsabilização dos agentes políticos, coexiste um regime político com um regime puramente penal, de modo a não haver razão para esse mesmo ordenamento impedir a coabitação entre responsabilização política e improbidade administrativa. Eximir portanto os agentes políticos da ação de improbidade administrativa, além de gerar situação de perplexidade que violaria os princípios isonômico e republicano, seria um desastre para a Administração Pública, um retrocesso institucional.

              Por fim, considerar que a solução então preconizada pela maioria dos Ministros, ao criar nova hipótese de competência originária para o Supremo (CF, art. 102), estaria-se  rompendo com a jurisprudência tradicional, segundo a qual a competência da Corte só poderia ser estabelecida mediante norma de estatura constitucional, sendo insuscetível de extensões a situações outras que não as previstas no próprio texto constitucional. Destarte, a ação proposta deveria ter seu curso normal perante as instâncias ordinárias. (Rcl 2138/DF, rel. orig. Min. Nelson Jobim, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 13.6.2007).

              Esse é ainda o entendimento do mestre Pedro Roberto Decomain[21], que defende a aplicação integral da Lei 8.429/1992 aos agentes políticos em primeira instância, pois se trata de ilícito de natureza civil (não infração político-administrativa ou penal) e o foro por prerrogativa deve ser excepcional e exclusivo da esfera penal:

“Admitindo-se que agentes políticos estariam alforriados à incidência das regras constantes dos mencionados dispositivos, que punem a improbidade administrativa, ocorreria significativa quebra inteiramente injustificada desse princípio constitucional.” (DECOMAIN, Pedro Roberto. Estudos sobre improbidade administrativa em homenagem ao Professor J.J Calmon de Passos. 2. ed. Salvador, 2012.)

6.4 - A Mudança do Posicionamento do Supremo Tribunal Federal

              Em que pese a apertada decisão do Plenário no Supremo à época da Reclamação 2.138, esse já não é mais o entendimento que tem prevalecido na Corte, visto que, muitos dos Ministros que participaram daquela votação já não mais compõem o seu quadro. Doravante, em posteriores situações semelhantes nas quais fora provocado, O Supremo passou a adotar posição diversa àquela. Foi o que ocorreu por exemplo na PET 447 - AM, consignando a competência e remessa dos autos ao Juízo de 1º grau para processar e julgar os casos de improbidade administrativa, eis que se trata de questão diversa do crime de responsabilidade.

              Neste caso, um Deputado Federal condenado em ação de improbidade administrativa em razão de atos praticados à época em que era prefeito municipal, pleiteava que a execução da respectiva sentença condenatória tramitasse perante o Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que os agentes políticos que respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados no Decreto-Lei 201/1967, que regulamenta a situação dos Prefeitos, não se submetem à Lei de Improbidade, sob pena de ocorrência de bis in idem. O pedido foi indeferido sob os fundamentos de que a Lei 8.429/1992 regulamentadora do art. 37, parágrafo 4º da Constituição, traduz uma concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em  crimes de responsabilidade. O Tribunal, por unanimidade, determinou a remessa dos autos ao juízo de origem.      

              No mesmo sentido foi o julgamento da Pet 3923 - SP, O Caso Maluf. julgado em 2007, tendo como Relator o Min. Joaquim Barbosa. O então Deputado Federal, condenado em ação de improbidade administrativa, em razão de atos praticados à época em que era prefeito municipal, pleiteou que a execução da respectiva sentença condenatória tramitasse perante o Supremo Tribunal Federal. Pelas mesmas razões anteriormente mencionadas. O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a ação e determinou a remessa dos autos ao juízo de origem.

7 - RETALIAÇÃO LEGISLATIVA E A ADI 2797

            Ao passo que o Supremo Tribunal Federal começava a adotar entendimento diverso àquele proferido na decisão da Reclamação 2.138, admitindo portanto a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, no dia 24 de dezembro de 2002 foi editada a Lei 10.628, modificando a redação do art. 84 do Código de Processo Penal e incluindo dois parágrafos, in verbis:

 “Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.
§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.
§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 
8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.”

              Não há dúvida de que fora uma reação legislativa com o objetivo de "imunizar" os próprios agentes políticos do entendimento que passou a ser então adotado pela Supremo Tribunal sujeitando-os à aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, sem que houvesse de se falar em foro especial.

              Contudo, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP propôs a ADI 2797, na qual o Tribunal julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002, que acresceu os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal. Concluiu o Plenário que as regras de fixação de competência estão taxativamente previstas na Constituição Federal, não sendo possível que uma lei infraconstitucional determine uma nova forma fixação se a própria Carta Maior não o fez.

              Se o objetivo dos Parlamentares foi o de possibilitar a criação de um legítimo instrumento jurídico hábil o suficiente para afastar a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa à eles próprios sem que houvesse de ser observado o foro especial por prerrogativa mediante os recentes posicionamentos contrários adotados pelo Supremo Tribunal Federal, a única coisa que conseguiram  realmente, foi reafirmar a lamentável e repudiante imagem da indignidade que possuem perante a sociedade.

8 - CONFLITO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS

              A partir de todo o conteúdo exposto sobre o tema é indispensável que seja apresentado um meio concreto de modo a possibilitar, de forma definitiva, a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos Agentes Políticos quando os atos ilícitos por eles praticados se enquadrarem nas disposições constantes naquele diploma legal e que uma eventual ação de improbidade seja proposta e tramite nos juízos de primeiro grau, sem que haja necessidade de se observar o foro especial por prerrogativa de função, que, conforme já exposto, em muito dificulta a instauração dos processos e aplicação de sanções em caso de condenação.

8.1 - Princípios Constitucionais em defesa da Inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa

              De antemão, é importante esclarecer que o foro especial é uma garantia prevista de maneira originária na Constituição Federal, ou seja, foi estabelecido concomitantemente pelo Poder Constituinte Originário quando da criação da própria Carta Magna. Dessa forma, não é possível que o Poder Constituinte Derivado, através do exercício reformador, possa suprimir total ou parcialmente esse instituto.

              Ademais, trata-se ainda de uma garantia consubstanciada na independência e autonomia funcional prevista aos membros ocupantes dos mais altos cargos dos três Poderes na estrutura da organização do Estado, o Judiciário, o Legislativo e Executivo. Portanto, está atrelada ao Princípio da Separação dos Poderes, uma das cláusulas pétreas elencadas no parágrafo 4º do art. 60 da Constituição Federal, não podendo se quer, ser objeto de deliberação à proposta de uma emenda constitucional. Não obstante à segurança jurídica que foi conferida ao foro por prerrogativa de função, seria utópico imaginar que os Parlamentares viessem a abolir o instrumento que mais os imuniza de responsabilização. 

8.2 - Princípios Constitucionais pela Aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa

              Por outro lado, existem os comandos constitucionais estabelecidos logo nos seus primeiros artigos, que instituem os objetivos e os fundamentos da República Federativa do Brasil, atribuindo ainda a titularidade da soberania ao povo. Portanto, a própria razão de ser do Estado pauta-se em promover o bem de todos, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e acima de tudo, a dignidade da pessoa humana. Assim, o Estado existe pelo povo e para o povo. Todos esse comandos constitucionais também são consubstanciados também em princípios, e como tal, merecem a devida atenção.

              Desses princípio decorrem uma série de garantias e direitos individuais, fundamentais e sociais previstos de maneira esparsa em diversos dispositivos no texto constitucional que vinculam a atividade do Estado, devendo por ele ser atendidos e promovidos, conferindo ainda aos cidadãos prerrogativa de exigirem do ente estatal a concretização dessas normas.

              A Constituição portanto, não é um mero instrumento de governo que fixa competências e apenas regula direitos. Ela possui um objetivo compromissário que está em evidência no seu preâmbulo: "destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna".

              A partir do conjunto de todas esses objetivos, fundamentos e comandos constitucionais que vinculam a atividade estatal quanto ao cumprimento e concretização dos direitos sociais, surge a definição de Constituição Dirigente, elaborada por Canotilho, que determina tarefas, estabelece programas, e define fins voltados ao bem estar social, na qual o poder público encontra-se vinculado jurídico-constitucionalmente a promover. Conduz assim a idéia de vinculação política e dos órgãos políticos às normas, objetivos e diretrizes do Estado, conferindo-lhes juridicidade e consequentemente, judicializando os fenômenos políticos. Sendo assim, a política deixa de ser concebida como um domínio juridicamente livre e desvinculado, pois passa a sofrer limites e imposições por meio de um projeto material e vinculante voltada à promoção do bem estar social, cuja concretização é confiada aos órgãos públicos. 

              Pode-se perceber então o conflito aparente de normas constitucionais que se apresenta diante a discussão. De um lado, existe a garantia constitucional do foro por prerrogativa de função assegurado aos agentes políticos definindo a competência das instâncias superiores para o julgamento nas hipóteses de crimes comuns e de responsabilidade por eles cometidos.  Na via inversa, existem os comandos constitucionais que definem os objetivos, os fundamentos, os limites, diretrizes, direitos e garantias sociais que devem ser observadas e concretizadas pelo Estado.

              O Conflito, aqui definido, se instala pois, no exercício de suas atribuições na condução do funcionamento da máquina estatal, os agentes políticos, não raras as vezes, acabam se desviando deliberadamente da real missão que possuem e para tanto, utilizam-se das posições privilegiadas que ocupam, promovendo benefícios próprios em prejuízos à todos e com a certeza de que sairão impunes. Então, como resolver uma situação de colisão entre princípios?

8.3 - Princípio da Harmonização e A Lei de Colisão de Robert Alexy

              As Constituições se caracterizam por abrangerem os mais diversos valores, idéias e bens jurídicos. Eventualmente, esses aspectos podem entrar em colisão uns com os outros. É o que ocorre por exemplo quando em um dado caso concreto, se apresente um conflito entre o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente; direito à imagem e a liberdade de informação; direito a honra e o direito a manifestação do pensamento. Situações como essas exigem uma atenção ímpar da doutrina da jurisprudência para que seja possível alcançar uma solução satisfatória que não implique em sacrifício de um dos pontos contrapostos em benefício do outro.

              Para que seja possível alcançar esse propósito, o Princípio da Harmonização se apresenta como o instrumento à disposição do intérprete para a coordenação e harmonização dos bens jurídico-constitucionais em conflito. Pauta-se na idéia de que todos esses bens possuem igual valor na sistemática constitucional, o que gera a impossibilidade de negação total de um deles frente ao outro ou vice-versa, mas, por meio de uma ponderação dos interesses em jogo em um determinado caso concreto, é possível se alcançar um limite a ser observado por um em favor do seu antagônico, levando-se em conta os elementos e as circunstâncias presentes em cada caso.

              Ato contínuo, quando essa colisão se dá entre normais constitucionais originárias, os critérios tradicionais de solução dos conflitos normativos - hierárquico, cronológico e da especialização - não são suficientes ou hábeis para que seja possível alcançar uma solução satisfatória, havendo então a necessidade de promoção de um verdadeiro juízo de valor ou ponderação entre os interesses conflitantes, devendo prevalecer em concreto, aquele que realizar mais adequadamente a vontade constitucional.   

              Nesse mesmo raciocínio, o autor Robert Alexy[22] entende que a solução para um eventual conflito entre princípios constitucionais decorre da relação de precedência condicionada, isto é, quando houver colisão entre dois princípios, sob determinadas situações em um caso concreto, um deles deverá preceder o outro. Contudo, afasta-se a precedência incondicionada pois nenhum princípio é absoluto sobre outro, portanto, em outra dada situação diversa, aquele princípio que anteriormente cedeu, pode ser aplicado. Essa estrutura de solução de colisões é resumida pelo auto na chama Lei de Colisão: "as condições sob as quais um princípio têm precedência em face de outro constituem um suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que têm precedência." (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da Silva, São Paulo: Malheiros, 2008)

              Em síntese, o princípio da harmonização e a lei de colisão têm o mesmo objetivo de alcançar uma possível solução que resolva de maneira satisfatória eventual conflito entre princípios constitucionais e para tanto, propõem que seja realizado um verdadeiro juízo de valor e uma ponderação do conteúdo existente na essência de cada um pontos conflitantes, devendo prevalecer em um determinado caso concreto, aquele que observe de maneira equitativa os ditames constitucionais e que proporcionem sempre a realização do bem comum.

9 - INTERPRETAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA PELO SUPREMO

              Não há de se duvidar que, quando constatada a prática de um ato ilícito por parte de um agente político que integra o mais alto escalão da estrutura organizacional do Estado em desfavor de toda a sociedade para que, inescrupulosamente promova benefício próprio, a necessidade imediata que se torna imperiosa é a de afastá-lo da sua função, bem como evitar que possa retomar esta ou a alguma outra função pública, de maneira que seja possível fazer cessar a continuidade dessas práticas findando assim a nocividade e os prejuízos à Nação.

              O instrumento mais célere e eficaz existente em todo o ordenamento jurídico brasileiro capaz promover a "cura" do Sistema, sem dúvida alguma, é a Lei de Improbidade Administrativa em razão das sanções nela previstas, assim como os sujeitos ativos que a ela estão submetidos, diga-se, todos os agentes públicos indistintamente, e principalmente, pela sua natureza jurídica cível, o processo deve ser ajuizado nas instâncias de primeiro grau, sem que haja a necessidade de observância do foro especial por prerrogativa de função, instituto exaustivamente analisado, que só dificulta a possibilidade de responsabilização dos mesmos.

              Portanto, a sua possível aplicação aos agentes políticos ímprobos reveste de maior segurança os cidadãos quanto a certeza de que práticas corruptas não sejam realizadas, pois se o forem, restariam afastados os responsáveis e impedidos de retornar às suas funções por determinado período de tempo, bem como sujeitos a outras sanções cabíveis.  

              Como se trata de uma ação civil pública, o titular para seu ajuizamento é o Ministério Público, devendo ser endereçada ao juízes de primeiro grau de jurisdição, Estaduais ou Federais, a depender do caso concreto. Sendo assim, afastado seria o foro especial por prerrogativa de função, que muito embora seja uma garantia constitucional aos agentes políticos prevendo a competência originária das instâncias superiores para o julgamento destes, em verdade se constituí como um supedâneo que dificulta e muitas vezes impossibilita a aplicação de sanções.

              Não obstante, em todas hipóteses de perda de cargo ou função, bem como para a aplicação da suspensão dos seus direitos políticos previstas nos regimes jurídicos próprios, seja na lei de crimes de responsabilidade por parte do Chefe do Executivo, seja nas disposições constitucionais aplicáveis aos Parlamentares, aos agentes políticos sempre será assegurado o foro especial por prerrogativa, de modo que poderão contar com o apoio dos seus pares, tendo em vista o prévio e discricionários juízo de conveniência política a ser realizado quanto ao prosseguimento do processo ou não.

              Não há de se duvidar que na sua grande maioria os membros detentores de cargos e mandatos eletivos, apesar de assumirem uma ilusória postura referencial de moralidade, não podem ser considerados parâmetros de ética ou dignidade. Na verdade, comungam de obscuros interesses partidários sorrateiramente articulados para se beneficiarem de forma gananciosa, em prejuízo de toda a sociedade. Para tanto, aproveitam-se da posição de Poder que ocupam, contando ainda com o apoio uns dos outros. Não à toa, tentaram subverter a ordem constitucional referente à fixação de competência para julgamento das ações de improbidade administrativa por meio da Lei 10.628/02, que modificou a redação do art. 84 do Código de Processo Penal, estabelecendo o foro por prerrogativa também àquelas ações, felizmente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

              Não obstante tratar-se de uma garantia constitucional, o foro por prerrogativa função quando observado nas hipóteses alheias às previstas nos regimes jurídicos próprios dos agentes políticos, se caracterizam como um obstáculo à responsabilização destes por suas práticas corruptas. Ademais, acarretam ainda um conflito entre comandos e princípios constitucionais,  tendo em vista que o resultado pela inexistência da aplicação de sanções contraria os objetivos, fundamentos, diretrizes e limitações vinculantes do próprio Estado pela Constituição, consubstanciados explicita e implicitamente no princípio da dignidade humana, probidade administrativa, princípio da moralidade, efetividade, impessoalidade, bem como nos direitos individuais, fundamentais, coletivos e sociais constantemente violados.

              Dessa forma, dois interesses constitucionalmente tutelados se contrariam. De um lado, encontra amparo legal, o interesse político em ver mantido o foro por prerrogativa em processos oferecidos em face desses agentes, bem como afastar a possibilidade de aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos mesmos. Na via inversa, encontra respaldo na Carta Maior, o anseio de toda a sociedade que não suporta mais assistir diariamente todos os seus direitos serem despedaçados por aqueles que deveriam zelar pelo desenvolvimento do bem comum e que insistem em dar continuidade à essas práticas sem o mínimo de respeito à Lei que tudo rege, saírem ainda, na maioria das vezes impunes por todo o mal que causam. Resta portanto assim configurado o conflito antagônico de dois interesses legitimamente tutelados no ordenamento jurídico.

              A proposta para solucionar efetivamente essa questão e pôr fim aos recorrentes atos ilícitos e corruptos praticados encontra-se fundada em técnicas interpretativas da Carta Maior, nas quais o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, observando o Princípio da Harmonização, bem como a Relação de Precedência Condicionada entre os princípios constitucionais elaborada por Robert Alexy, realizaria a ponderação entre os interesses conflitantes em um determinado caso concreto, afastando a incidência das normas conexas ao interesse sucumbente e fazendo prevalecer aquelas normas relativas ao interesse que deve prevalecer.

              Partindo desse pressuposto, não se pretende aqui disseminar a idéia de que os regimes jurídicos próprios aplicáveis aos agentes políticos devem ser extintos definitivamente, mas sim, afastados em um dado caso concreto quando uma conduta ilícita por eles praticadas se enquadrar em uma das hipóteses previstas na Lei de Improbidade Administrativa, por razões óbvias de estar mais intima e adequadamente aos verdadeiros interesses constitucionais e à própria razão de ser do Estado Democrático de Direito.

              À primeira vista poderia parecer absurda a idéia de que um juiz de primeiro grau de Jurisdição pudesse vir a declarar a perda do cargo ou função e suspensão dos direitos políticos de um Parlamentar Federal ou mesmo do Presidente da República, e ainda que, as consequências geradas no cenário internacional sobre a insegurança política no país poderiam ser desastrosas. Contudo, o que se deve levar em conta é que o verdadeiro ABSURDO pode ser percebido cotidianamente praticado de forma tão nociva à toda sociedade brasileira, por já se encontrar enraizado em todos os Poderes de todas as Esferas do Poder Público e lá é mantido, de maneira impune, devido à ineficácia autopunitiva do Estado. Quanto à imagem no cenário internacional, O Brasil, país da corrupção, da maior carga tributária e da impunidade demonstraria estar tomando novos rumos. 

10 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

              O Estado não é um ser vivo. É uma criação humana com objetivos, fundamentos, direitos, garantias, diretrizes, princípios, estrutura e limitações muito bem definidas para que possa promover o bem comum a todos. Contudo, os cargos de direção dessa máquina pública são ocupados por seres humanos, falhos, imperfeitos, dotados de emoções, sensações, passíveis de erros, e muitas vezes motivados por sentimentos gananciosos e de uma ambição desenfreada, principalmente quando conseguem alcançar o Poder, passando então a se aproveitarem da posição privilegiada que ocupam para promoverem benefícios próprios e prejudicando todos aqueles a quem deveriam direcionar suas ações e preocupações, e não raras as vezes, saem ainda impunes por seus atos.

              O sistema de responsabilização aos ocupantes dos mais altos cargos existentes na Estrutura da Organização do Estado Brasileiro é absolutamente falho porque, apesar de existirem diversos instrumentos jurídicos que regem as relações entre os indivíduos e as funções públicas por eles ocupadas disciplinando os atos ilícitos que podem ser praticados, suas respectivas sanções, entre outras disposições gerais, não é possível afirmar que exista a real e efetiva responsabilização pelas práticas corruptas contrárias aos comandos constitucionais e à verdadeira razão de ser do Estado. Não obstante à existência dos respectivos regimes jurídicos disciplinadores a cada função, coexiste com estes, outros meios também legítimos que em muito dificultam a propositura e o andamento de ações tendentes à aplicação das sanções a esses agentes. Todo esse sistema, composto pelos regimes jurídicos específicos, bem como pelas prerrogativas e garantias que devem ser asseguradas aos agentes políticos, encontra-se consubstanciado à normas constitucionais originárias, portanto, não podem ser extintos.

              Contudo, o produto dessa relação causa e efeito é decorrente da observância das garantias e prerrogativas que, muitas vezes, originam a ausência de aplicação das sanções aos responsáveis bem como, na possibilidade de que atos ilícitos continuem a serem praticados. Esse resultado então colide com outros preceitos e comandos constitucionais de muito maior relevância, pois estão voltados a assegurar o bem comum, o desenvolvimento social e a dignidade do ser humano, um dever a ser promovido pelo Estado.

              Portanto, caracteriza-se assim o conflito de dois interesses em jogo. De um lado o interesse político em se manter no Poder, bem como, o de afastar qualquer vulnerabilidade. Do outro, o interesse formado pela soberania popular, a dignidade humana, os direitos fundamentais, individuais, coletivos, e todos os demais interesses sociais que com muita luta, sangue e suor foram conquistados pelo povo ao longo da sua história e serviram de alicerce para a criação do Estado Constitucional Democrático de Direito. Dois pesos. Duas medidas que devem ser colocados na Balança pelo Supremo Tribunal Federal e atentamente observar para qual dos lados penderá a maior carga valorativa.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da Silva, São Paulo: Malheiros, 2008

CAPEZ, Fernando - Curso de Direito Penal - Legislação Penal Especial - Vol. 4 - 10ª Ed. 2015

DECOMAIN, Pedro Roberto. Estudos sobre improbidade administrativa em homenagem ao Professor J.J Calmon de Passos. 2. ed. Salvador, 2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2006.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004.

GOMES, Luiz Flávio -  http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/148854378/impunidade-e-fim-doforoprivilegiado

LENZA, Pedro. Curso de direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1999.

MORAES, Alexandre de. "Improbidade Administrativa". São Paulo: Ed. Altas, 2002, p. 322

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ªed.,ref., ampl. e atual., São Paulo: Malheiros, 2002.

SANTOS, Carla Maia dos. Comentários sobre a decisão proferida pelo STF na Reclamação Nº 2138. Disponível em http://www.lfg.com.br. 12 de novembro de 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

 

EMENTAS

(Rcl 2138/DF, rel. orig. Min. Nelson Jobim, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 13.6.2007. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 25/10/2015).

(STF - Pet: 4497 AM , Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 17/02/2009, Data de Publicação: DJe-040 DIVULG 02/03/2009 PUBLIC 03/03/2009).

(STF - Pet: 3923 SP , Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 13/06/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-182 DIVULG 25-09-2008 PUBLIC 26-09-2008 EMENT VOL-02334-01 PP-00146)

 

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Sobre o autor
Esdras Frederick

Advogado Graduado pela Universidade Católica de Salvador/BA<br><br>Pós Graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Faculdade de Guanambi - Grupo Unigrad

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente trabalho expõe uma definição precisa de quem são os responsáveis por essas práticas corruptas que tanto prejuízo causam à sociedade, bem como os regimes jurídicos a eles aplicáveis e uma análise minuciosa sobre a ineficácia quanto a responsabilização desses agentes, que consequentemente, dá margem à novas práticas ilícitas e consolidam a sensação de impunidade.

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