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A não incidência do IR nos contratos de NDF ou swap com finalidade de hedge

21/02/2017 às 11:22
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Analisaremos a ilegalidade da cobrança ou retenção do IR na liquidação dos contratos de NDF ou swap com finalidade de hedge, em razão de a operação não expressar qualquer tipo de renda ou acréscimo patrimonial para a pessoa jurídica acobertada.

I – Do resumo jurídico:

O presente texto discorrerá acerca do direito das empresas de não sofrerem a cobrança do imposto sobre a renda (IR) no tocante aos resultados financeiros obtidos através de contratos de permuta (non deliverable forward [NDF] ou swap) com cobertura de ativos ou créditos (hedge).

Isso porque, para as empresas que exercem operações no comércio exterior, é comum que os bancos retenham delas os valores a título de IR sobre o resultado obtido com a liquidação dos contratos de NDF ou de swap, nos termos do artigo 5º da Lei nº 9.779/1999.

Acontece que as operações de NDF ou swap para fins de hedge são realizadas com a finalidade única de evitar perdas frente as oscilações do mercado financeiro, o que desconfigura sua finalidade de gerar receita bruta ou renda. A propósito, o rendimento decorrente da valorização do ativo “coberto” é, como se sabe, compensado ou neutralizado pela consequente desvalorização da obrigação “acobertada”.

Portanto, tanto não há acréscimo patrimonial que justifique a cobrança do IR, como também se foge da semântica de renda e proventos tributáveis, enquanto materialidade tributária prevista na Constituição Federal. Disso, conclui-se que há violação expressa ao artigo 153, inciso III, da CF, pois, não havendo previsão de exigência de IR sobre derivativos, caberia instituí-lo por lei complementar, nos termos do artigo 154, inciso I, da CF.

A propósito, por meio desta argúcia jurídica, o tema chegou ao STF, o qual julgou sendo matéria de repercussão geral (RE 596286), todavia, o tema não está definido no STJ, o que me motiva a desdobrá-lo doravante.


 II - Da materialidade do IR e as operações de swap com finalidade de hedge.

 Tendo em vista que é de competência da lei complementar (LC) estabelecer definições de fato gerador ou base de cálculo de tributos (CF, art. 146, III, a), o CTN, diploma legal recepcionado pela CF de 1988 com status de LC, cuidando da base de cálculo do IR, enuncia os seguintes comandos:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

(...)

Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis. (grifei)

Conclui-se que, a condição sem a qual não se tributa o IR é a presença de riqueza disponível na figura de renda ou proventos tributáveis.

Renda, como se vê acima, é um signo jurídico definido como o produto do capital, do trabalho ou combinação de ambos, isto é, o produto econômico da atividade empresarial, seja pelo manuseio do capital ou pelo emprego da força de trabalho. Proventos, por sua vez, carregam o significado de acréscimo patrimonial, desde que seja tributável e não seja renda, razão que leva o artigo 44 a prescrever o termo proventos tributáveis.

De fato, no direito brasileiro impera a teoria do acréscimo patrimonial na concepção semântica destes signos jurídicos, donde renda e proventos tributáveis representam o acréscimo líquido dos ativos tributáveis em determinado período (periodicidade), disponíveis juridicamente para a sua distribuição entre os sócios e/ou reinvestimento, no caso das pessoas jurídicas.

Percebe-se, pois, que tanto renda como proventos tributáveis são decantados de um conceito jurídico mais amplo denominado de receita bruta, cujo signo presuntivo de riqueza é revelado, especificamente, conforme reiteradas manifestações do STF (designadamente no RE 240.785/MG), a partir das operações empregadas, constantes no objeto social da empresa.

 Então, haja vista que os contratos de NDF ou swap com finalidade de hedge decorrem de operações que buscam proteger o ativo, por força da volatilidade do mercado, é certo que não se confundem com as operações que buscam influir em renda ou proventos tributáveis para a empresa. Logo, os reflexos desta precaução financeira ficam afastados da cobrança de IR, dada a não subsunção deste fato à hipótese jurídica em questão.

 Importante sublinhar que, embora a perspectiva monofásica projete ganho para a empresa que contrata os serviços de cobertura, a finalidade do hedge é tão somente de neutralização dos efeitos da desvalorização do ativo frente aos indexadores que lhe são sensíveis, perspectiva essa sistêmica que deve ser levada em conta.

Não é por outro motivo que, segundo a descrição trazida no Dicionário Jurídico de Maria Helena Diniz, o sentido jurídico de hedge é construído pela sua finalidade de neutralização dos efeitos da desvalorização. In verbis:

HEDGE DE VALOR - Direito (...) internacional privado. Espécie de venda a termo responsável pelo aumento de valor das obrigações do contratante, em que a moeda é o bem objeto do negócio. Tal procedimento visa neutralizar os efeitos da desvalorização. (grifei)

 Se o IR é cobrado sobre os acréscimos patrimoniais da pessoa jurídica, não é lícito exigi-lo na situação de neutralidade pelas operações de swap com finalidade de hedge, afinal, o resultado decorrente da valorização do ativo é compensado pela desvalorização da obrigação “acobertada”, não expressando, sob nenhuma hipótese, signo de renda.

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Concluindo, as operações dirigidas a proteger um ativo ou crédito da empresa em face das condições futuras do mercado (mercado futuro) destoam, juridicamente, das operações dirigidas a um crescimento patrimonial da mesma. A pessoa jurídica, nos casos de contratos de swap com finalidade de hedge, não age como um especulador buscando maximizar seus lucros, mas, sim, como contratante buscando proteger-se das oscilações dos indexadores de mercado.

 O jurista Roque Antônio Carraza, exemplificando a finalidade precípua de neutralidade imbuída nas operações de hedge, põe termo a qualquer ideia que se possa construir de ser esta cobertura caso de retenção do IR, como se renda fosse. In verbis:

 Exemplificando, para melhor esclarecer, digamos que A celebre B um contrato de compra e venda, obrigando-se a transferir, em data futura e certa, o domínio de uma coisa determinada, mediante o recebimento do preço da época. Numa primeira fase, o negócio é concluído, quando as partes concordam sobre a coisa e o preço. Posteriormente, o contrato é liquidado, vale dizer, cumprido, quando A entrega a coisa e paga o preço.

Para não correr o risco de, na fase de liquidação, vir a experimentar insuportáveis prejuízos, A, verificando que na fase de fechamento do contrato, os preços daquele seu produto negociado são favoráveis, celebra um outro contrato vendendo a futuro, na bolsa de mercadorias, igual quantidade deste mesmo produto, para vencimento na data da entrega da coisa. Se, na fase da liquidação, os preços estiverem baixos, ele compensa o prejuízo do mercado à vista com o lucro obtido no mercado a termo. Tal artifício permite que o preço afinal recebido praticamente equivalha ao da época em que o negócio foi fechado.

Esta operação conjunta, que tem por escopo neutralizar uma posição de risco, por meio de outra equivalente, tem o nome técnico de hedge (ou hedging). Ela pressupõe a existência de transações casadas iguais e de sentido contrário, simultaneamente, no mercado à vista e no mercado a termo. (grifei)

Sendo assim, em obediência ao artigo 43 do CTN, não se vislumbra hipótese de acréscimo patrimonial em contratos de NDF ou swap com finalidade de hedge, cujo mote define-se em evitar perdas obtidas pela volatilidade do mercado financeiro, neutralizando-as a partir da cobertura do ativo frente a desvalorizações futuras.

Concluindo, não subsiste no hedging qualquer possibilidade de vislumbrar acréscimo do patrimônio da empresa, eis que o resultado da operação de cobertura do ativo é completamente neutralizado pelo resultado da obrigação acobertada. Portanto, se o indexador empregado aumentar, por exemplo, o do câmbio, exigir-se-á da empresa uma maior despesa para o cumprimento de sua obrigação. Porém, tendo optado pela cobertura, neutraliza-se o aumento a partir de uma receita extra de idêntica proporção, cujo resultado não expressa qualquer tipo de renda ou acréscimo patrimonial para a pessoa jurídica acobertada.

Por fim, é prudente sublinhar que a matéria em questão foi submetida ao sistema da repercussão geral, conforme a ementa abaixo:

IMPOSTO DE RENDA - RESULTADOS FINANCEIROS - CONTRATOS DE SWAP PARA FINS DE HEDGE - ARTIGO 5º DA LEI Nº 9.779/99 - CONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA NA ORIGEM - Possui repercussão geral a controvérsia sobre a constitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 9.779/99, no que autorizada a cobrança de Imposto de Renda sobre resultados financeiros verificados na liquidação de contratos de swap para fins de hedge (RE 596286 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 27/08/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-10 PP-01889)

Enquanto se aguarda o desfecho do tema, não fica prejudicado o direito das empresas de demandarem do Poder Judiciário a construção da norma válida de cobrança do IR, nos casos individuais e concretos de operação no comércio exterior.

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Sobre o autor
Bruce Bastos Martins

Advogado inscrito na OAB/SC 32.471 e sócio da Lobo & Vaz Advogados Associados. Nascido em Florianópolis/SC, Brasil. Mestrando em Direito Tributário na Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo - PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Especialista em Direito da Aduana e do Comércio Exterior pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor Seminarista pelo IBET. Autor de artigos em publicações especializadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Bruce Bastos. A não incidência do IR nos contratos de NDF ou swap com finalidade de hedge. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4983, 21 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51643. Acesso em: 15 nov. 2024.

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