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Polícia técnica com foco em investigação criminal.

DNA forense: aplicações e limitações

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24/10/2016 às 16:08

Resumo:


  • Avanços em genética forense têm permitido a identificação de indivíduos por meio de perfis genéticos únicos, utilizando-se de vestígios biológicos para exames de DNA, os quais podem ser aplicados na resolução de crimes, identificação de corpos e determinação de paternidade com alta confiabilidade.

  • O DNA nuclear é geralmente utilizado para identificação individual, enquanto o DNA mitocondrial (mtDNA) oferece vantagens em casos de material biológico degradado ou em pequenas quantidades, sendo também útil para estudos evolutivos e de linhagem materna.

  • Apesar do potencial das técnicas de DNA forense, existem limitações como a possibilidade de contaminação de amostras, degradação do material biológico e ausência de suspeitos para confronto, o que pode inviabilizar o uso dessas ferramentas em certos contextos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os avanços científicos em ciências forenses ocorridos nos últimos anos têm contribuído bastante para a elucidação de crimes considerados muita vezes insolúveis. O artigo apresenta aplicações e limitações do DNA.

RESUMO:Os avanços científicos em ciências forenses, ocorridos nos últimos anos, têm contribuído bastante para a resolução de casos e na elucidação de crimes considerados muita vezes insolúveis. Estudos crescentes na área de genética forense tornaram a busca por vestígios biológicos para exame de DNA um dos grandes objetivos dos investigadores policiais. Cada pessoa possui seu perfil genético, que é único e a distingue de todas as outras. Pessoas mortas a dezenas, centenas de anos, podem ser identificadas por meio do DNA extraído (recuperado) de ossos ou dentes; criminosos podem ser associados ao local do crime; amostras biológicas de desaparecidos, vivos ou mortos, podem ser confrontadas a de familiares. A determinação da identidade genética pode ser usada ainda para apontar criminosos, exonerar inocentes, identificar corpos ou restos humanos em desastres aéreos e campos de batalha, determinar paternidade com confiabilidade praticamente absoluta, elucidar trocas de bebês em berçários e detectar substituições e erros de rotulação em laboratórios de patologia clínica, entre outros. Contudo, esta técnica é apenas uma ferramenta e diversas limitações podem tornar seu uso inviável, tais como: ausência de suspeitos para confronto, contaminação ou degradação da amostra biológica, mistura de materiais entre outras.

Palavras Chave: DNA forense; DNA nuclear; DNA mitocondrial

FORENSIC DNA: APPLICATIONS AND LIMITATIONS

ABSTRACT: Scientific advances in forensic science, in recent years have contributed greatly to the resolution of cases and the elucidation of crimes which is often considered insoluble. Studies in the growing field of forensic genetics have made the search for biological evidence for DNA analysis of the major goals of police investigators. Each person has their genetic profile, which is unique and distinguishes it from all others. People killed dozens, hundreds of years, can be identified through DNA extracted (recovered) from bones or teeth, criminals may be linked to the crime scene and, biological samples of missing persons, living or dead, can be confronted with the family . Determining the genetic identity can also be used to point criminals, exonerate the innocent, identify bodies or human remains in air disasters and battlefields, to determine paternity with virtually absolute reliability, elucidating exchange of babies in nurseries and substitutions and detect errors in labeling clinical pathology laboratories, among others. However, this technique is only a tool and a number of limitations may make its use impractical, such as lack of suspects to confrontation contamination or degradation of the biological sample, a mixture of materials among others.

Keywords: Forensic DNA; nuclear DNA; mitochondrial DNA


1.INTRODUÇÂO

A Molécula de DNA: Aspectos Estruturais

O século XX foi caracterizado por um grande progresso na biologia, assim como os séculos anteriores haviam produzido um conjunto de explicações sobre a matéria inanimada, como a natureza do átomo, a química e o eletromagnetismo. O curso da história da Biologia Molecular nos últimos anos foi, indubitavelmente, estarrecedor: ninguém poderia sequer imaginar o que aconteceria no milênio que passou. A estrutura tridimensional da molécula de DNA - a dupla hélice - foi descoberta em 1953, por Francis Crick, James Watson e Maurice Wilkins, quando trabalhavam em Cambridge, no Reino Unido. O prêmio Nobel lhes foi outorgado em 1962.

Eles construíram modelos de cartolina e arame para entender e descrever o DNA e o resultado foi publicado em duas páginas da revista Nature, em 25 de abril de 1953, há pouco mais de 50 anos. O texto de apenas 900 palavras era acompanhado de um esboço simples de uma dupla hélice e atraiu pouca atenção da comunidade científica. O estudo só ganhou destaque em 1957, quando cientistas demonstraram que o DNA se auto-replica, como os dois autores haviam previsto.

Sem dúvida, como em outras descobertas, tributo deve ser feito a alguns predecessores como Gregor Mendel, cujas pesquisas sobre hereditariedade ficaram esquecidas por mais de 30 anos, até serem redescobertas em 1900, assim como Charles Darwin e sua teoria da evolução de 1958 (ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA, 2005).

O DNA, ou Ácido Desoxirribonucléico, é o material hereditário de humanos e de quase todos os outros organismos, com exceção de alguns vírus que tem seu material genético composto unicamente por RNA (Ácido Ribonucléico). Uma molécula de DNA é uma longa cadeia de blocos de construção, moléculas pequenas chamadas nucleotídeos. Da mesma maneira como as moléculas de proteína são cadeias de aminoácidos, também as moléculas de DNA são cadeias de nucleotídeos.

A molécula de DNA é pequena demais para ser vista, mas sua forma exata foi engenhosamente decifrada por meios indiretos. Ela consiste em um par de cadeias de nucleotídeos torcidas juntas, formando uma espiral elegante, a “dupla hélice”, a “espiral imortal” (DAWKINS, 2007). Os nucleotídeos constituintes existem em apenas quatro tipos diferentes, cujos nomes podem ser abreviados para “A”, “T”, “C” e “G”.

A informação no DNA é armazenada como um código composto por estas quatro bases químicas: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). Elas são as mesmas em todos os animais e plantas. O que difere é a ordem na qual estão enfileiradas. Um constituinte G de um homem é, em todos os detalhes, idêntico a um constituinte G de um caramujo. Mas, a seqüência dos constituintes em um homem não é apenas diferente daquela em um caramujo. É também diferente – embora em menor grau – da seqüência em todos os outros homens (excetuando-se o caso especial de gêmeos idênticos).

Todas as células do corpo de uma pessoa têm o mesmo DNA. A maior parte do DNA está localizado no núcleo das células (onde é chamado de DNA nuclear), mas uma pequena quantidade de DNA também pode ser encontrado nas mitocôndrias (onde é chamado DNA mitocondrial ou mtDNA). O DNA mora dentro dos corpos. Ele não se concentra em uma parte específica do corpo, mas é distribuído entre as células. Existem cerca de um milhão de bilhões de células constituindo um corpo humano médio e, com algumas exceções que podemos ignorar, cada uma dessas células contém uma cópia completa do DNA daquele corpo.

Este DNA pode ser considerado como um conjunto de instruções sobre como construir um corpo, escrito no alfabeto A, T, C e G dos nucleotídeos. É, como se em cada quarto de um imenso prédio existisse uma estante contendo os planos do arquiteto para todo prédio. A “estante” em uma célula é chamada de núcleo. No homem, os planos do arquiteto montam 46 volumes – em outras espécies o número é diferente. Os volumes são chamados de cromossomos. São visíveis sob o microscópio como longos fios e os genes estão enfileirados em ordem ao longo deles. Não é fácil e, de fato, talvez nem seja significativo decidir onde um gene termina e o seguinte começa (DAWKINS, 2007).

As bases de DNA pareiam-se entre si na seguinte ordem: A com T e C com G, para formar unidades chamadas de pares de bases. Cada base é também ligada a uma molécula de açúcar e uma molécula de fosfato. Esse conjunto de base, açúcar e fosfato é chamado de nucleotídeo. Os nucleotídeos por sua vez são organizados em duas vertentes longas que formam uma espiral chamada de dupla hélice. A estrutura da dupla hélice pode ser comparada a uma escada em espiral, com os pares de bases formando os degraus dessa escada e o açúcar e moléculas de fosfato formando as hastes verticais da escada.

O DNA humano é composto por cerca de três bilhões de bases, e mais de 99% destas são as mesmas em todas as pessoas. A ordem, ou seqüência delas determina a informação disponível para a construção e manutenção do organismo, similar à maneira em que as letras do alfabeto aparecem em certa ordem para formar palavras e frases.

Uma propriedade importante do DNA é que ele pode se auto-replicar, e fazer cópias de si mesmo. Cada cadeia de DNA em dupla hélice pode servir como um padrão para a duplicação da seqüência de bases. Isto é importante, pois quando as células se dividem, cada nova célula-filha tem uma cópia exata do DNA presente na célula mãe.

Dawkins explica que as moléculas de DNA fazem duas coisas importantes. Em primeiro lugar, elas se replicam, o que significa que elas fazem cópias de si mesmas. Isso é facilmente compreendido se imaginarmos um homem adulto, com um milhão de bilhões de células, que começou, em sua versão original, com uma única célula. Esta única célula se dividiu em dois e, por meio de sucessivas divisões, chegou a 4, a 8, a 16, a 32 e assim por diante, até chegar ao homem adulto. Pode-se dizer que a função de replicar do DNA é como se fosse a função de uma fábrica modelo, com qualidade cem por cento, onde os “planos do DNA” são copiados com fidelidade, praticamente sem erros (DAWKINS, 2007).

De acordo com esses “planos do DNA”, para que um corpo seja ‘construído’, não basta que ele se duplique. É preciso que alguma coisa mais aconteça. Assim, o DNA faz uma supervisão indireta da fabricação de um tipo diferente de molécula, que é a proteína. Dawkins lembra que fazer proteínas talvez pareça estar muito longe da fabricação de um corpo, mas, diz ele, esta é a primeira pequena etapa nesta direção, uma vez que as proteínas constituem grande parte da estrutura de um corpo e, além disso, controlam os processos químicos dentro da célula, ligando-os e desligando-os no momento e no lugar certo. E essa movimentação toda dentro das células é que leva uma primeira célula a vir a formar um bebê e, mais tarde, um corpo adulto.

Destaca-se ainda que o DNA é uma molécula que apresenta características favoráveis para identificação humana uma vez que apresenta fundamentação científica nos mesmos atributos inerentes à datiloscopia, quais sejam: perenidade, imutabilidade, variabilidade, observando as necessárias ressalvas quanto às pessoas que realizaram transplante de medula óssea , e aos gêmeos univitelinos, os quais possuem o mesmo perfil genético, o que na datiloscopia não ocorre, pois não existem pessoas com as mesmas impressões papilares (ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL, 2008).

O DNA Forense

O avanço da ciência e tecnologia a nível forense teve seu ponto culminante em meados dos anos 80, quando as técnicas de identificação, fundamentadas na análise direta do ácido desoxirribonucléico (DNA), tornaram-se uma das mais poderosas ferramentas para a identificação humana e investigações criminais. A determinação de identidade genética pelo DNA pode ser usada para demonstrar a culpabilidade dos criminosos, exonerar os inocentes, identificar corpos e restos humanos em desastres aéreos e campos de batalha, determinar paternidade com confiabilidade praticamente absoluta, elucidar trocas de bebês em berçários e detectar substituições e erros de rotulação em laboratórios de patologia clínica (PENA, 2005).

O primeiro método de utilização da análise do DNA para identificar indivíduos foi desenvolvido em meados da década de 1980 por Sir Alec Jeffreys, da Universidade de Leicester (JEFFREYS ET AL., 1985) e, apesar do seu enorme poder potencial, houve sérias reservas quanto o seu uso real, pois no início, havia muitas dúvidas quanto à reprodutibilidade e à confiabilidade dos métodos.

Com o conhecimento atual, ao menos duas grandes vantagens devem ser citadas sobre a tipagem molecular: o DNA possui uma alta estabilidade química mesmo após um longo período de tempo e está presente em todas as células nucleadas do organismo humano, o que facilita a obtenção do mesmo.

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As primeiras técnicas forenses de identificação humana eram convenientes apenas para análise de DNA de evidências biológicas que contivessem células nucleadas. Atualmente, com a implementação do seqüenciamento do DNA mitocondrial, essa limitação tem sido superada (LEE e LAAD, 2001).

Se antes, impressões digitais e outras pistas eram usadas para desvendar crimes; hoje, são inúmeros os espécimes biológicos dos quais o DNA pode ser extraído. Podemos encontrá-lo em pequenas amostras de sangue, ossos, sêmen, cabelo, dentes, unhas, saliva, urina, entre outros fluidos, e análises cuidadosas desse material ajudam a identificar criminosos.

As aplicações da Biologia Molecular no laboratório criminal centralizam-se, em grande parte, na capacidade da análise do DNA em identificar um indivíduo a partir de cabelos, manchas de sangue e fluidos corporais, entre outros itens recuperados no local do crime. Essas técnicas são conhecidas como datiloscopia genética (genetic fingerprinting), embora o termo mais preciso e utilizado para designá-las seja perfil de DNA (BROWN, 2001).

O perfil de DNA se baseia no fato de que gêmeos idênticos são os únicos indivíduos que possuem cópias idênticas do genoma humano, mas este, em indivíduos diferentes, contém muitos polimorfismos, que são posições onde a seqüência de nucleotídeos difere em cada membro da população. Para ser considerado um polimorfismo, o alelo raro de um determinado loco deve estar presente em mais de 1% dos indivíduos da população. Assim, com esta grande variação no número e no tipo de variações, fica possível identificar uma pessoa com base no seu padrão de polimorfismos.

A tipagem do DNA para finalidades forenses se baseia nos mesmos princípios fundamentais e usa as mesmas técnicas que são rotineiramente empregadas em uma ampla variedade de situações médicas e genéticas, tais como: o diagnóstico e o mapeamento genético (DUARTE et al., 2001). O DNA é resistente a muitas condições que destroem a maioria dos outros compostos biológicos, como as proteínas. Além disso, somente poucas células nucleadas, que contenham pequenas quantidades de DNA, são necessárias para a identificação de um indivíduo. Por essas razões, as análises diretas do DNA freqüentemente dão resultados úteis em situações em que os métodos mais antigos, como os que empregavam grupos sangüíneos e enzimas, fracassavam (DUARTE ET AL., 2001).

Com uma incrível sensibilidade e poder de discriminação, a análise de DNA tem sido a “figura-chave” e promete grandes progressos no campo da ciência forense (LEE e LAAD, 2001). Por possuir um alto poder de discriminação, a tipagem do DNA tem fornecido aos investigadores uma grande chance de excluir suspeitos que não estão relacionados à cena do crime.

O número de tribunais que têm aceitado evidências baseadas no DNA cresce a cada dia, levando-nos a crer que, em um futuro não muito distante, esta tecnologia será empregada em todo o Sistema Legal. Porém, para que não ocorra nenhum tipo de erro e para a precisão dos resultados, regras rígidas de coleta e processamento das amostras devem ser adotadas (LEE e LAAD, 2001).

Nas últimas décadas, muitas técnicas foram desenvolvidas, objetivando a identificação genética precisa de indivíduos. Dentre elas, as mais significativas são: RFLP, VNTR, PCR e STR (KOCH & ANDRADE EM REVISÃO, 2008).


2.DESENVOLVIMENTO

2.1.Utilização do DNA nuclear e mitocondrial na investigação criminal: Aplicações e limitações

2.1.1.Utilização do DNA nuclear na genética forense

A primeira abordagem de identificação genética consistia na análise de marcadores imunológicos, como o sistema sanguíneo ABO, por metodologias de imunologia. De fato, desde inícios do século XX que a descoberta deste sistema sanguíneo e a sua caracterização em diversos grupos populacionais mostraram a sua importância para a identificação genética dos indivíduos. Adicionalmente, foram identificados outros sistemas imunológicos, como o Rh e o MN.

Seguidamente, verificou-se ser possível o estudo de marcadores protéicos, cuja distinção entre isoformas era possível devida a diferenças de mobilidade eletroforética consoante o pH do sistema de tipagem. Ambos estes marcadores eram, contudo, limitados possuindo uma variabilidade reduzida. A limitação da variabilidade genética foi contornada com a tipagem direta de DNA nuclear, cuja aplicação no campo das ciências forenses ocorreu por volta de meados dos anos 80. Em 1985, foi descrita a tecnologia do DNA fingerprinting, a qual é altamente informativa para a identificação humana. Esta técnica tira partido da elevada variabilidade existente entre os indivíduos em algumas regiões genômicas designadas por minisatélites ou VNTRs (abreviatura de Variable Number of Tandem Repeats). Os VNTRs são regiões em que uma sequência de bases (podem ir de 10 a cerca de 100 pares de bases) está repetida sequencialmente várias vezes (em tandem), o número das quais é altamente variável entre os indivíduos (AFONSO, 2008).

Quando o DNA nuclear de um determinado indivíduo é submetido ao corte por várias enzimas de restrição, vai ficar fragmentado em inúmeros blocos de tamanho diverso devido aos polimorfismos dos VNTRs e da própria atuação polimórfica das enzimas de restrição, gerando um padrão de bandas quando a amostra é separada em eletroforese. Os polimorfismos de restrição são designados por RFLPs (de Restriction Fragment Length Polymorphism).

Estas primeiras técnicas moleculares tinham as desvantagens de serem fastidiosas e ser necessária uma quantidade elevada de DNA, num bom estado de conservação. Estes fatores limitavam grandemente a aplicação forense onde, na extensa maioria dos casos, a prova biológica se encontra em quantidade vestigial e em condições de degradação e contaminação.

Ainda em 1985, Kary Mullis e colaboradores apresentaram uma técnica conhecida por PCR – Polimerase Chain Reaction, que torna possível obter milhões de cópias de um determinado fragmento de DNA, a partir de uma pequena quantidade de DNA inicial. Esta metodologia revolucionou todas as áreas de diagnóstico e investigação em genética. No que concerne às ciências forenses, com o PCR iniciou-se a aplicação de um novo tipo de marcadores genéticos altamente polimórficos, os microsatélites também conhecidos por STRs (de Short Tandem Repeats), possuindo uma taxa de mutação de cerca de 10-3 por locus por ano (BRINKMANN ET AL., 1998).

Os STRs são um tipo particular de VNTRs, em que o motivo repetitivo tem cerca de 2 a 6 bp, geralmente repetidos em número inferior a 50. Deste modo, os fragmentos analisáveis por PCR são pequenos, contendo aproximadamente entre 100 a 300bp, o que possibilita a obtenção de resultados mesmo a partir de amostras degradadas. Com o desenvolvimento concomitante dos métodos de detecção de DNA após eletroforese, como seja a marcação por fluorescência, foi possível desenvolver sistemas multiplex de STRs, em que vários marcadores são estudados simultaneamente.

Entre 1990 e 1996 apareceram os primeiros kits comerciais multiplex para STRs, que permitem a amplificação de até 15 loci, que reduzem substancialmente a quantidade de amostra necessária para a análise e minimiza o tempo necessário para a obtenção de resultados, bem como o seu custo e a possibilidade de erro por troca de amostras. Recentemente, há um interesse crescente na utilização de outro tipo de marcadores genéticos, os SNP (Single Nucleotide Polymorphism) no campo da genética forense. Estes caracterizam-se por serem substituições nucleotídicas pontuais (sendo por vezes também incluídas inserções/deleções de uma a duas bases), as quais apresentam uma taxa de mutação de 10-8 por base por ano, para o genoma humano.

Os marcadores autossômicos permitem uma identificação individual porque um determinado perfil genético é específico de um só indivíduo, sendo apenas partilhado por gêmeos monozigóticos. Na validação de um dado sistema genético a ser implementado para aplicação forense é necessário fazer um estudo populacional prévio para caracterização das freqüências genéticas. É indicado que cada laboratório caracterize a população na qual vai realizar o seu trabalho de investigação pericial ou, na impossibilidade, use as frequências de uma população próxima. Esta caracterização da população permite a quantificação da prova genética: quantas vezes é mais provável que um dado perfil genético de uma prova pertença ao suspeito do que a um indivíduo ao acaso da população (AFONSO,2008).

Os vários marcadores autossômicos estudados devem ter transmissão independente, devendo estar localizados em cromossomos diferentes ou em braços diferentes do mesmo cromossomo. Assim sendo, são passíveis de aplicação da regra do produto: os índices (sejam de paternidade ou de identidade entre prova e suspeito) individuais podem ser multiplicados para a obtenção de um índice global.

E é possível determinar frequências genotípicas esperadas a partir das frequências alélicas observadas, pela aplicação do produto do binômio, logo que os marcadores estejam em equilíbrio de Hardy-Weinberg. Curiosamente, se os marcadores autossômicos são poderosos para a identificação individual, já não possuem poder distintivo para a identificação de grupos populacionais.

2.1.2.Casos de aplicação do DNA nuclear

A utilização do DNA nuclear é a regra geral, sempre que possível sua extração a partir evidências biológicas procede-se a obtenção do perfil do DNA da amostra questionada, sendo o DNA extranuclear uma fonte alternativa e suplementar para exames posteriores ou para quando não for possível obter o perfil através do DNA nuclear.

As limitações quanto ao uso exclusivo do DNA nuclear estendem-se a diversos fatores como descritos a seguir.

i.Quando gêmeos idênticos são suspeitos de crime em que o autor deixou vestígios, o DNA nuclear em nada poderia colaborar para a elucidação do delito, uma vez que não consegue distinguí-los por serem geneticamente idênticos. Neste caso a datiloscopia convencional seria útil, se dentre os vestígios deixados, existissem impressões digitais.

ii.Quando as condições de preservação do material biológico de um cadáver carbonizado ou que tenha ficado por muito tempo submerso no mar, muitas vezes não permitem, através da análise do DNA nuclear, que se alcancem dados com significância estatística para que se possa afirmar sua identidade, ao passo que neste sentido seria mais significativo o exame de sua arcada dentária.

iii.Destaca-se ainda, nas limitações do DNA, principalmente na área criminal, diz respeito a peculiaridades da análise. Muitas vezes, quaisquer vestígios de roupas coloridas, que possa ser encontrado nas evidências biológicas, acabam inibindo a reação de PCR (BONACCORSO, 2004).

Outro ponto importante é o fato de que casos específicos, identificação genética de espécies nos crimes contra fauna, só é possível através da análise de regiões do DNA mitocondrial. Vale ressaltar ainda que quando há a mistura de fluidos biológicos a exemplo de crimes sexuais as investigações de STRs de regiões não convencionais do DNA nuclear (cromossomo Y) são úteis, pois rotineiramente são encontradas misturas de secreção vaginal com sêmen, e a partir da análise do cromossomo Y é possível separar o material da vítima e do suspeito.

2.1.3.Utilização do mtDNA em genética forense

Dentre as organelas presentes no citossol da célula dos organismos superiores encontram-se as mitocôndrias. São responsáveis pelo processo de respiração celular, possuindo um tamanho variando de 0,5 a 1,0 µm de diâmetro e 5,0 a 10 µm de comprimento. São consideradas autênticas fábricas de produção da energia necessária para o bom funcionamento da célula. Pode-se acrescentar ainda que são em si, providas de uma carga genética própria, o mtDNA (DE ROBERTIS, 2003).

Diferente do DNA nuclear que forma longas fitas, constituídas cada uma por dupla hélice e que codificam aproximadamente 100.000 genes, o mtDNA representa de 1 a 2% do DNA celular, em duplo filamento circular, codificando 37 genes. Ele codifica aproximadamente 10% das proteínas constitutivas das mitocôndrias, como conseqüência, para um bom funcionamento destas, é necessária uma boa cooperação entre o DNA nuclear e o mtDNA.

Este não tem nada de especial em sua composição química que o diferencie do DNA nuclear, entretanto, possui um código genético próprio. Por outro lado sua organização é grandemente econômica, já que somente 10% de sua totalidade é não codificante. Seu genoma é haplóide devido sua herança ser estritamente materna, por isso não está submetido a processos de recombinação. O mecanismo pelo qual a mitocôndria paterna é excluída do embrião logo após a fertilização ainda não está bem esclarecido, tendo permanecido obscuro o mecanismo de eliminação.

Embora a grande maioria dos genes se localize no núcleo (DNA nuclear), um subgrupo pequeno, mas importante, reside no citoplasma, especificamente nas mitocôndrias (mtDNA). Todas as células humanas possuem centenas de mitocôndrias, cada uma contendo várias cópias de uma pequena molécula circular, o cromossomo mitocondrial (KOCH & ANDRADE EM REVISÃO, 2008).

Este DNA se encontra entre as menores moléculas de DNA, é circular com um tamanho de 16.569 pares de base, tendo sido completamente seqüenciado por Anderson et al. (1981). O mesmo autor ainda assinalou a todos os genes mitocondriais suas funções e seus produtos gênicos, incluindo 13 proteínas, 2 rRNAs e 22 genes tRNA.

As fitas de mtDNA tem uma distribuição assimétrica de guaninas e citosinas, o que gera uma cadeia pesada (H) e outra leve (L). Cada fita é transcrita a partir de um promotor PL e PH1, localizados na região controle, na qual se inclui o D-Loop, que é uma região gerada pela síntese de um segmento curto da cadeia pesada H denominado 7SDNA, onde se encontra a origem da replicação da cadeia H. Esta região é muito importante do ponto de vista forense, devido ser uma região hipervariável e suficientemente pequena para ser abordada por meio de seqüenciamento por PCR.

A principal vantagem do DNA mitocondrial, em comparação com o DNA nuclear, é que ele está presente num total aproximado de 500 a 2.000 cópias por célula, o que lhe confere um menor risco de degradação em relação ao DNA nuclear. Por ele estar protegido por uma membrana, o torna extremamente importante quando do estudo de espécimes biológicas antigas, cujo DNA nuclear, em cópia única, em geral, encontra-se degradado.

Nesse contexto a análise do mtDNA é particularmente útil em investigações criminais, uma vez que esta abundância oferece uma maior chance de algumas cópias suportarem a degradação das amostras obtidas para a análise forense. Apesar de o DNA nuclear possuir um ótimo poder para as identificações criminais, ele aparece com uma freqüência de apenas duas cópias por célula diplóide (ALBUQUERQUE0, 2004).

Uma característica importante do DNA mitocondrial é que ele é herdado uniparentalmente, pois apenas as mitocôndrias do gameta materno estão presentes no embrião e conseqüentemente no indivíduo adulto. Sendo assim, as relações familiares pela linhagem materna são reconhecidas facilmente (ALBUQUERQUE, 2004).

 Os alvos do seqüenciamento do DNA mitocondrial são duas regiões específicas do cromossomo, denominadas de regiões hipervariáveis I e II (HV1/HV2) presentes na região controle. Devido sua grande variabilidade, a região controle é a que normalmente se analisa. Mede aproximadamente 1.100 pares de base e se subdivide nessas duas regiões maiores: a região hipervariável 1 (HVI), que compreende as posições 16.024 à 16.035, e a região hipervariável II (HVII), que compreende as posições 73 a 340 e uma região hipervariável menor (HVIII) .

Convencionou-se iniciar a numeração nucleotídica da mitocôndria na região controle, de modo que esta região compreende as posições finais (16.024 a 16.569) e iniciais (1 a 576). A região controle é responsável pela regulação da replicação e da transcrição de todo o mtDNA. A replicação tendo início nesta região é realizada por deslocamento de uma fita em relação à outra, formando uma alça, denominada D-Loop (displacemente loop). Na região controle, são verificados os polimorfismos do mtDNA.

A grande variação desta região é devida a vários fatores:

i.O mtDNA é muito sensível  ao dano oxidativo causado principalmente por um grande número de radicais livres proporcionado um ambiente favorável a mutação do DNA;

ii.O mtDNA não possui histonas, que exerce um papel protetor no DNA nuclear;

iii.A mtDNA polimerase possui uma pobre atividade reparadora se comparada a polimerase nuclear;

iv.A reparação do DNA dependente de excisão de nucleotídeos não está presente em mitocôndrias;

v.A típica estrutura D-Loop, onde há formação momentânea de fitas simples pode influenciar o padrão de mutação pontual, já que a taxa de depurinação de DNA fita-simples é quatro vezes maior que a do DNA fita-dupla.

Todos estes fatores fazem com que o DNA mitocondrial tenha uma taxa de evolução 5 a 10 vezes maior que o DNA nuclear, o que implica em uma hipervariabilidade entre a população humana. A alta taxa de substituição de bases possibilita que seja observada uma ou mais diferenças na seqüência nucleotídica das regiões hipervariáveis do mtDNA, quando indivíduos da linhagem materna de uma mesma família são comparados.

Espécimes biológicos são analisados comparando o polimorfismo encontrado nas regiões HV1 e HV2 com aqueles encontrados na linhagem materna, ou a partir de um banco de dados evolucionário, biológico ou antropológico da população, quando se deseja enquadrar um suspeito em algum grupo étnico, por exemplo, uma vez que cada população de origem distinta possui um conjunto específico de SNPs nesta região.

Entretanto, deve-se levar em conta que a tipagem de DNA mitocondrial só dará um resultado correto e definitivo se a variação do DNA do indivíduo em questão for concordante com a de seus parentes maternos, pois uma vez que a taxa de mutação é muito alta, uma diferença de seqüência não significa necessariamente que os indivíduos comparados não sejam relacionados.

A ocorrência de heteroplasmia é outro fator que se deve levar em conta ao analisar o mtDNA. Esta se caracteriza pela presença, em um mesmo indivíduo de mais um genótipo de DNA mitocondrial. O fenômeno pode decorrer da mutação do genoma de uma ou mais mitocôndrias, gerando uma mistura de moléculas mutantes e normais (DOLINSKY E PEREIRA EM REVISÃO, 2007).

Quando uma célula heteroplasmática se divide, a herança mitocondrial nas células filhas ocorre ao acaso. Depois de vários ciclos de divisão celular, é possível que prevaleça, dentro de uma célula, somente uma das formas de mtDNA, ou o normal ou o mutante. Esse processo pode ocorrer em uma célula somática quanto em células germinativas femininas.

Especial relevância adquire a heteroplasmia quando se compara DNAs mitocondriais de familiares, principalmente, quando vestígios em análise podem ser provenientes de amostras biológicas de diferentes tecidos do mesmo indivíduo. Quando a mesma heteroplasmia é observada na amostra em questão e na referência, interpreta-se como reforço para a vinculação entre as mesmas. É mais provável que a heteroplasmia seja uma herança materna quando é detectada em todos os tecidos estudados. Por outro lado, a ocorrência de heterplasmia em um único tecido de um indivíduo parece ser proveniente de mutação somática (CALLOWAY ET AL, 2000). É mais freqüente o encontro de heteroplasmia em indivíduos com idade mais avançada.

2.1.4.Casos de aplicação do mtDNA

O método mais utilizado no estudo do polimorfismo do mtDNA consiste em amplificar a região controle, por meio da técnica de PCR e seqüenciar o produto amplificado. Então, são verificadas mutações pontuais, inserções e deleções em relação à seqüência padrão, descrita por Anderson (1981). Com relação ao DNA mitocondrial antigo, deve-se estar atento ao fato de que este se apresenta em baixas concentrações, e a presença de um DNA externo à preparação pode facilmente provocar uma contaminação.

As regiões hipervariáveis contem um sitio rico em citosina, denominado poli C, apresentando uma timina localizada aproximadamente no centro da seqüência. Estes sítios são altamente susceptíveis a mutação, e, usualmente, é verificada a substituição de timina por citosina. Também pode ocorrer o acréscimo de uma ou duas citosinas àquela região em algumas populações de mitocôndria, gerando heteroplasmia. Este tipo de mutação pode promover o surgimento de cópias mais curtas em 10 pares de base (10pb), quando na amplificação in vitro por PCR, considerando que o sítio poli C encontra-se localizado na região finalizadora HVII. O sítio “poli C” estando no centro da região HVI promove o abortamento precoce da reação de PCR.

A substituição do tipo transição é o polimorfismo dominante e a troca entre as bases T e C são mais freqüentes. Em estudo sobre o padrão de substituição de nucleotídeos nas regiões HVI e HVII, observou-se uma taxa de substituição em HVI duas vezes maior que HVII. Esta diferença é devida, principalmente, à alta freqüência de transições de pirimidina em HVI.

Para fins forenses, a análise do mtDNA deve se restringir a situações em que não é possível a análise do DNA nuclear (fios de cabelo sem bulbo), isto é, quando não há material genético adequado e/ou suficiente para tipagem de regiões STR do DNA genômico, ou quando o material apresenta alta grau de degradação (ossos antigos), em casos de grandes desastres, incêndios, explosões, queda de aviões. Destaca-se ainda casos de exame de maternidade sem pai e identificação de espécies a partir do gene do citocromo B (mtDNA) em casos de crime contra fauna (JACQUES, 2005).

Apesar da limitação quanto ao uso forense do mtDNA, por meio do conhecimento adquirido sobre sua estrutura, o estudo da evolução humana experimentou enormes avanços, tendo em vista a possibilidade de se analisar com êxito, restos humanos antigos, como tecido cerebral de 7.000 anos de idade e ossos de até 5.500 anos. Como exemplo de estudos de evolução, a análise das variações do mtDNA permitiu a reconstrução de eventos migratórios de mulheres ancestrais e a conseqüente divisão de haplotipos, tendo sido proposto que a espécie humana surgiu na África a aproximadamente 150.000 anos (VIGILANT, et al, 1991).

Para identificar os haplogrupos mais antigos, os haplotipos humanos foram comparados ao mtDNA de chipanzé. Os haplotipos africanos apresentam a maior variação, e a raiz mais profunda da árvore filogenética, consiste na origem, na África da espécie humana. A árvore filogenética consiste nos seguintes grupos: Africano, com 3 haplotipos (L1, L2, e L3); Europeu com 9 haplotipos (H, T, U, V, W, Y, I, J, K); Asiático, com 2 macrohaplogrupos, divididos em vários haplotipos e, Americano, com 5 haplotipos (A, B, C, D e X). Uma vez que os haplotipos A, B, C e D são características do grupo Asiático, especula-se que o grupo Americano teria se originado deste por meio de migrações a partir da Sibéria.

Este tipo de estudos populacionais baseados no mtDNA permitiram um avanço de uma nova modalidade do DNA forense (retrato genético), onde geneticamente pode-se predizer algumas características fenotípicas do suspeito, tais como sua provável etnia, e consequentemente os traços característicos de cada uma.

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Sobre o autor
LEONARDO GUEDES

Especialista em Gestão de Segurança Pública pela Universidade de Brasília (2014), Especialista em Investigação Criminal pela Universidade Católica de Brasília (2009), possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília (2006) e mestrado em Biologia Molecular pela Universidade de Brasília (2009). Tem experiência na Investigação Criminal de Homicídios e Crimes Violentos, Perícia Criminal e Operações Policiais.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUEDES, LEONARDO GUEDES. Polícia técnica com foco em investigação criminal.: DNA forense: aplicações e limitações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4863, 24 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52322. Acesso em: 30 dez. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Pós-Graduação Lato Sensu em Investigação Policial.

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