Exigência de publicação de demonstrações financeiras de sociedade empresária de responsabilidade limitada de grande porte é ilegal

09/10/2016 às 15:05
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O presente artigo trata da discussão jurídica acerca da obrigatoriedade ou não das publicações das demonstrações financeiras por sociedade limitada de grande porte, criada com a promulgação da Lei 11.638, que alterou a Lei das S.A.

Após a promulgação da Lei 11.638/07, que alterou e revogou dispositivos da Lei no 6.404/76, a “Lei de S.A.”, criou-se novo imbróglio no cenário jurídico, quanto à obrigatoriedade ou não da publicação de demonstrações financeiras pelas sociedades empresárias de responsabilidade limitada de grande porte, na forma instituída para as companhias abertas.

Embora esclareçamos, desde já, que a exigência de publicação de demonstrações financeiras de sociedade empresária de responsabilidade limitada de grande porte é ilegal, explicamos que a controvérsia tem seu cerne no fato de que a Lei 11.638 dispõe, em seu art. 3º, que se aplicam às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários.

 Em decorrência da mencionada disposição, alguns vêm entendendo pela extensão, às limitadas de grande porte, das regras para publicação das demonstrações financeiras aplicáveis às S.A. A propósito, nos termos do parágrafo único do art. 3º da Lei 11.638, considera-se de grande porte a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais).

Nesse sentido, a própria Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP, com alegado fundamento na Lei 11.638, editou a Deliberação JUCESP n. 02, de 25 de março de 2015, que dispõe em seu art. 1º que “As sociedades empresárias e cooperativas consideradas de grande porte, nos termos da Lei nº 11.638/2007, deverão publicar o Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício, em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado”.

Todavia, sentimo-nos compelidos a entender que referido ato normativo pretende, por via oblíqua, criar obrigações onde a lei não o fez ou, no mínimo, aduz equivocada exegese da Lei n°. 11.638/07. Explicamos.

Ocorre que, em relação às demonstrações financeiras das sociedades limitadas de grande porte, a Lei nº. 11.638/07 estende as disposições contidas na Lei nº. 6.404/76 apenas no que concerne à sua escrituração e à elaboração; mas, em momento algum quanto à sua publicação, senão vejamos:

“Art. 3o  Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários.”

Como se sabe, enquanto no Direito Privado o princípio da legalidade estabelece ser lícito tudo aquilo que não encontra vedação legal, no campo do Direito Público, a legalidade estabelece que, à Administração Pública, só é dado fazer aquilo que esteja expressamente previsto em lei.  Destarte, fosse a intenção do Legislador estabelecer essa obrigação às sociedades limitadas tidas como de grande porte, fá-lo-ia expressa e simplesmente, em comando legal objetivo direcionado ao administrado, o que não é o caso.

Ainda assim, não só a JUCESP mas alguns julgadores insistem na interpretação de que a Lei 11.638 haveria pretendido estender às limitadas de grande porte também as regras para divulgação das demonstrações financeiras das companhias abertas, sob fundamento de que seria a real intenção do legislador, consubstanciada, inclusive, na própria ementa da Lei, que consigna que “Altera e revoga dispositivos da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras.”.

Entretanto, as vozes que ecoam nesse sentido, embora consignem que, num primeiro momento, o Legislador tenha pretendido igualar as sociedades limitadas de grande porte às companhias abertas, em termo de publicidade de demonstrações financeiras, olvidam que a questão foi devidamente enfrentada e superada em momento ulterior do mesmo processo legislativo.

Registre-se que, de fato, o Projeto de Lei Federal nº. 3.741/00, que posteriormente à aprovação no Congresso Nacional veio a se converter na Lei Federal nº. 11.638/07, dispunha expressamente, em seu art. 2°, acerca da necessidade de escrituração e publicação das demonstrações financeiras pelas sociedades de grande porte num primeiro momento, in verbis:

“Art. 2º As disposições relativas à elaboração e publicação de demonstrações contábeis, inclusive demonstrações consolidadas, e a obrigatoriedade de auditoria independente, previstas na lei das sociedades por ações, relativamente às companhias abertas, aplicam-se também às sociedades de grande porte, mesmo quando não constituídas sob a forma de sociedade por ações.”.

Perceba-se, no entanto, que a redação do dispositivo acima guarda grande similitude com o art. 3° da Lei Federal nº. 11.637/2007, transcrito alhures, que, por sua vez, nada dispõe acerca da publicação das demonstrações financeiras.

A similaridade de ambos os dispositivos, com a supressão do termo “publicação” do dispositivo que viria a dar azo ao art. 3° da Lei Federal nº. 11.637/2007, assim, indica precisamente que a sua omissão foi deliberada pelo Legislador, que optou por não imputar às sociedades de grande porte regidas pelo diploma civil a obrigação de publicação das suas demonstrações contábeis, mas tão somente às relativas a escrituração e elaboração.

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Destarte, não merece guarida, também, a alegação de que a ementa da norma seria indício finalístico quanto à necessidade de publicação, tratando-se, com efeito, de evidente erro material do Legislador que, tendo deliberadamente suprimido a necessidade de publicação das demonstrações financeiras do corpo da norma, olvidou de fazê-lo também na ementa. Não se pode desprezar o fato de que a ementa legal não tem força normativa própria, consoante se extrai do art. 3º, I, da Lei Complementar nº. 95/98, de modo que não pode constituir arrimo para que se faça uma leitura extensiva de norma na seara do Direito Público.

Assim, sob essa perspectiva é absolutamente desarrazoada a tentativa de criação de obrigação, para as limitadas de grande porte, por meio de ato infralegal.

Não fosse o bastante, alguns Juízes vêm aduzindo, até mesmo, com esteio na legalidade da Deliberação JUCESP nº 02, que a norma viria conferir desejável publicidade em favor de terceiros interessados, além de suprir alegado “privilégio concorrencial” das limitadas de grande porte em detrimento das companhias abertas.[1]

Sobre a primeira alegação, a bem da verdade, registre-se que a obrigação de publicação das demonstrações financeiras pelas companhias abertas só encontra sentido no fato de que suas ações são negociadas no mercado de valores mobiliários, e almeja conferir transparência a quem vier a negociá-las, sobretudo aos acionistas minoritários.

No caso específico das sociedades limitadas de grande porte, tem-se que todos os seus stakeholders detêm, já, ampla gama de instrumentos hábeis à aferição da sua saúde financeira e mitigação da seleção adversa ou do risco moral em suas atividades, constituindo praxe de mercado até pelos agentes econômicos menos experientes o uso de mecanismos como auditorias, formas de governança, exigências de garantias, sistemas de scoring, entre outros, quando das contratações/associações.

Ademais, todas as decisões tomadas e assunções de risco feitas na seara empresarial consideram, já, a assimetria informacional que lhes é ínsita. Nesse ponto, a compreensão do conceito econômico de “custo de transação”, como meio ou forma de precificar incertezas, interessa particularmente na desconstituição desse entendimento, porque os agentes econômicos, intuitivamente, consideram já os custos de transação quando da análise e tomada de decisão, computando-os previamente ao negócio, ainda na fase de análise da relação custo-benefício.

No que toca a segunda alegação, quanto a suposto privilégio concorrencial, também não merece prosperar. Relembra-se que as companhias abertas só o são por mera liberalidade (ressalvadas as hipóteses legais) com a intenção de captar recursos no mercado de capitais, operação vedada às sociedades limitadas de grande porte, por exemplo.

Assim, considerando-se o raciocínio inverso, na hipótese de efetiva existência de privilégio concorrencial, com o que não podemos concordar, o aquinhoamento das sociedades de grande porte às companhias abertas, no que concerne à publicação das demonstrações financeiras, só viria a invertê-lo, posto que as sociedades limitadas de grande porte ficariam sujeitas às respectivas obrigações (e custos) sem a contrapartida de poder atuar no mercado de valores mobiliários.

Por tudo isso, sob qualquer ângulo que se analise a questão, a única conclusão é a de que a Deliberação JUCESP nº 02/2015 é absolutamente ilegal, sendo a sua ratificação, pelo Poder Judiciário, verdadeira invectiva ao princípio constitucional da legalidade, pelo que merece reprimenda. Felizmente, alguns julgadores vêm acertadamente reconhecendo a ilegalidade da norma e afastando a sua aplicação pela via do mandado de segurança nos casos concretos[2].

Sem embargo, várias sociedades empresárias têm cumprido a exigência com submissão, talvez por desinformação ou mero acatamento. Seja como for, entendemos que a resignação acrítica com a exigência ilegítima é nada menos que complacência com a ilegalidade, de modo que persistiremos militando pela sua revogação.


Notas

[1] Nesse sentido, cf. recente decisão que indeferiu pedido de liminar no Mandado de Segurança nº. 0015005-17.2016.4.03.6100, em julho do ano corrente.

[2] A propósito, cf. - TRF3. AI 000899351.2016.4.03.0000/ SP, Relator Desembargador Wilson Zauhy. Julgado em 19/08/2016, publicado no DJ-e em 26/08/2016. - TRF3, AI 0027802-26.2015.4.03.000, Terceira Turma, Relator Desembargador Antonio Cedenho, julgado em 28/04/2016, publicado no DJ-e em 06/05/2016. Nessa linha também recente decisão do excelentíssimo Desembargador Federal Hélio Nogueira, que concedeu liminar em Agravo de Instrumento em julho do ano corrente (nº. 500082050.2016.4.03.0000)

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Sobre o autor
Caio de Pádua

Pós-Graduando em Direito de Empresa pela PUC Minas e bacharel em Direito pela mesma instituição. Graduação incompleta em Relações Econômicas Internacionais pela UFMG. Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Pesquisador do Núcleo de Estudos Empresariais (NEE), do Grupo de Estudos em Direito Empresarial (GEDE) e do Grupo de Estudos em Arbitragem (GEArb) da PUC Minas. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6645714143985597

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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