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Processo expansionista do direito penal brasileiro: causas e perspectivas de descriminalização

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03/09/2017 às 17:50

Resumo:


  • O artigo analisa a expansão do Direito Penal brasileiro e suas distorções, propondo alternativas para a quantidade crescente de tipos penais, com foco nas teorias de Hassemer e Silva Sánchez.

  • Discute-se a adequação do Direito Penal como última ratio e as consequências do simbolismo penal e sociedades de risco na legitimação da intervenção penal.

  • Conclui-se que o Direito de Intervenção, sugerido por Hassemer, é uma alternativa viável para o contexto brasileiro, permitindo uma sistematização que respeita os princípios de um Estado Democrático de Direito.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Analisam-se as distorções sofridas pelo Direito Penal em relação a sua função precípua, bem como a verificação alternativas propostas por Hassemer e Silva Sànchez ao crescente número de tipos penais.

Resumo: Este artigo versa sobre a atual expansão do Direito penal brasileiro. Tem como objetivo a análise das distorções sofridas pelo Direito Penal em relação a sua função precípua, bem como a verificação alternativas propostas por Hassemer e Silva Sànchez ao crescente número de tipos penais. Traçou-se um panorama no que diz respeito ao Direito penal na atualidade, abordando, especialmente, a máxima do Direito Penal como última ratio, bem como a deformidade sofrida em virtude das sociedades de risco e teoria do simbolismo penal. Ao final, ponderou-se a alternativa que melhor satisfaz as necessidades e sana as falhas do Direito penal brasileiro, e os resultados indicaram, com as devidas adaptações, a proposta de Hassemer.

Palavas chave: Expansão do Direito penal. Descriminalização. Simbolismo penal. Direito penal simbólico.

Sumário: Introdução. 1. O Direito Penal na atualidade. 1.1 Mínima intervenção e Estado Democrático de Direito. 1.2 O processo expansionista penal em uma sociedade de risco. 1.3 Função simbólica do Direito Penal. 1.4 Deslegitimação da intervenção penal. 2. Alternativas à expansão do Direito Penal. 2.1. O direito penal de segunda velocidade de Siva Sànchez. 2.2 O direito de intervenção de Hassemer. 2.3 O direito de intervenção como alternativa ao processo expansionista brasileiro. Conclusão. Referencias.


Introdução

Atualmente, o Direito penal vem sofrendo um processo de expansão, e, em virtude disso, fala-se em tipos penais que tutelam bens jurídicos não essenciais ao indivíduo e a coletividade. Tal processo é, de fato, preocupante. Isso porque a consequência última de um processo criminal vai de encontro à liberdade, que possui proteção constitucional.

A crescente criminalização, além de descaracterizar o Direito penal como última ratio do Estado, sobrecarrega a jurisdição penal, essa que deve ocupar-se apenas dos fatos mais graves, com um maior zelo.

Posto isso, é necessária uma análise criteriosa do bem jurídico objeto da tutela penal, observando-se os preceitos do Direito penal mínimo, típico do Estado Democrático de Direito. Isso porque, quando se trata de tutela penal, a proteção conferida pela norma se contrapõe à perda da liberdade de outrem.

A criação de novos tipos penais sem a devida cautela acaba por definir a lesão a bens jurídicos que não merecem a tutela penal, e, consequentemente, a função tradicional da pena é alterada, transformando-a em mero instrumento de gestão dos comportamentos que devem ser socialmente rechaçados.

Inicia-se, portanto, um debate sobre o que é legitimamente criminável e o que é passível de tutela por outros ramos do Direito. Nesse sentido, o estudo pretendido busca, no trabalho de Hassemer e de Silva Sànchez, a melhor alternativa ao processo expansionista sofrido pelo Direito penal.

Algumas condutas atualmente tratadas como matéria penal, que não tutelem bens jurídicos essenciais, devem ser retiradas do ordenamento jurídico penal tradicional e trasladadas a uma área distinta, para Hassemer denominada Direito de Intervenção, e para Silva Sánchez Direito penal de segunda velocidade.

Ao longo deste trabalho serão discutidos diversos temas referentes à crise de legitimidade do Direito penal atual e as alternativas frente ao processo expansionista dessa área do Direito.

No primeiro capítulo será abordado o caráter subsidiário do Direito penal como consequência direta do Estado Democrático de Direito. Após esta abordagem, será tratada a atual perda da legitimidade do Direito penal, em decorrência processo expansionista, das legislações simbólicas e das sociedades de risco. Ao final será feita uma breve análise acerca da crise vivenciada pelo Direito penal e o descrédito surgido de sua utilização abusiva.

Em seguida, serão abordadas as teorias elaboradas para solucionar o problema da expansão do Direito penal, em especial a teoria do espanhol Silva Sánchez e do alemão Winfried Hassemer. Haverá, neste ponto, uma análise comparativa das duas teorias, de modo a eleger aquela mais condizente com o contexto atual brasileiro e com o Estado Democrático de Direito.

A teoria que será selecionada, através de uma abordagem mais jurídica e sociológica, menos política, mas sem ignorar este aspecto, é aquela que, em seu modelo, mais se preocupa com a preservação dos direitos e garantias constitucionais, ao menos em relação ao Direito penal.

Desta forma, primeiramente será analisado o fenômeno de expansão do Direito penal. Após, serão apresentadas as principais teorias propostas para solucionar esse problema, com enfoque na aplicação prática dessas teorias no contexto brasileiro. Caso se conclua que alguma das teorias se amolda ao contexto brasileiro, verificar-se-á, em tese, uma situação em que é possível um modelo sancionador mais eficiente, com a possibilidade de flexibilização de algumas garantias e com um procedimento mais célere. Desta forma, será possível obter um aumento da eficiência do atual modelo penal, que tutelaria apenas as condutas mais graves, aplicando pena privativa de liberdade, nos moldes de um Estado Democrático de Direito.

O presente artigo tem como objetivo questionar a atual conjuntura do Direito penal brasileiro. Conforme exposto acima, o Direito penal tem sido utilizado não como ultima ratio, mas servindo a propósitos políticos a custo de sua eficiência e flexibilização de princípios. Ao expor as mazelas do atual sistema penal, sugere-se e reforça-se a possibilidade de um novo modelo, que não substitui, mas complementa o que temos atualmente. Tal modelo aumenta a eficácia do nosso sistema punitivo, que, finalmente, poderá começar a pacificar os conflitos da sociedade.


1. O Direito Penal na atualidade

Inicialmente, é imprescindível que se defina um conceito de Direito Penal que oriente o presente artigo, uma vez que se pretende discutir as perspectivas desse ramo do Direito na atualidade.

Direito Penal, como ensina Guilherme de Souza Nucci:

“é o corpo de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação.” (NUCCI, Guilherme de Souza. 2010, p. 39)

Diante disso, tem-se que o Direito Penal pretende limitar o poder punitivo do Estado, e, ao instituir infrações e suas respectivas sanções, definir aquilo que é merecedor de tutela.

Ocorre que, tomando por base o conceito de Direito Penal mencionado, verifica-se que esse tem limitado cada vez menos o poder punitivo do Estado, de modo que existem cada vez mais tipos penais a respeito de condutas que não lesam efetivamente bens jurídicos essenciais ao individuo e a coletividade. Fala-se em um processo de expansão do Direito penal.

Neste capítulo será abordado o processo de expansão do Direito penal, com objetivo de afastar a ideia de que essa área do Direito não mais teria a função de proteger os bens jurídicos mais relevantes, mas de proteger a vigência da norma penal. Isso porque esse pensamento não se harmoniza com o Estado Democrático de Direito, especialmente no que diz respeito à proteção da dignidade humana que reflete a valoração social da norma.

1.1 Mínima intervenção eu um Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito funda-se na ideia de justiça social, visa promoção da cidadania e se fundamenta na dignidade da pessoa humana e na legalidade. Nesse sentido, para que o Estado seja Democrático de Direito, deve declarar e assegurar os direitos fundamentais, e tais direitos devem vincular toda a produção e interpretação do ordenamento jurídico nacional.

Nesse sentido, o professor José Afonso da Silva:

“A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status “quo”. “(SILVA, Jose Afonso. 2000 . p.123)

(...)

“A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de idéias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício”. (SILVA, Jose Afonso. 2003, p. 119 – 220)

Diz-se, portanto, que a finalidade do Estado Democrático de direito é a libertação da pessoa humana de qualquer forma de opressão. No contexto do Direito Penal, o individuo deve ter respeitadas as garantias e os direitos fundamentais, elencados na Constituição Federal.

Ocorre que, nos dias atuais, o Direito penal enfrenta uma situação de ambivalência, passo que se pauta nas garantias e normas típicas do Estado Democrático de Direito e, ainda, se ocupa com a tentativa de frear a crescente criminalidade. Tal situação de dupla função deve ser analisada com cautela, uma vez que, em se tratando de Direito penal, a contenção aos atos de violência se dão por meio de violência, a pena.

A respeito do necessário equilíbrio da dupla função do Direito penal:

“O direito penal deve conseguir a tutela da paz social obtendo o respeito à lei e aos direitos dos demais, mas sem prejudicar a dignidade, o livre desenvolvimento da personalidade ou a igualdade e restringindo ao mínimo a liberdade” (ARÁN,1995 apud NUCCI, 2010, p.46)

Ante todo exposto, está claro que a pena não pode ser um fim em si mesmo, eis que, em um Estado Democrático de Direito a liberdade deve ser tratada como regra, só sendo admitida sua privação em casos excepcionais. Para tanto, é latente a necessidade de selecionar como objeto do Direito penal, apenas aquelas condutas que, de fato, possuem lesividade. Nesse sentido, Anabela Miranda Rodrigues:

“na verdade, na mais recente definição de bem jurídico, independentemente da diversidade de formulações, o ponto de partida é o de que o bem jurídico possui natureza social e o de que o Direito penal só deve intervir para prevenir danos sociais e não para salvaguardar concepções ideológicas ou morais ou realizar finalidades transcendentes.” (RODRIGUES, 1995 apud NUCCI, 2010)

Com o objetivo de limitar o arbítrio do legislador e impedir a criação de tipos penais tirânicos com cominação de sanções cruéis, se apresenta um dos princípios constituintes do Direito penal, o princípio da intervenção mínima.

O aludido princípio tem como base a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) que, em seu artigo 8º determinou: “a lei só deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias”.

Para facilitar a compreensão do princípio da mínima intervenção, traz-se à colação a lição de Bittencourt:

“O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária” (BITENCOURT, Cezar Roberto. 2010, p.43)

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Tem-se, portanto, que o Direito penal deve ser considerado a última opção do sistema legislativo, só devendo ser acionado quando não mais houver escolha senão a criação da lei penal.

Como bem asseverou Guilherme de Souza Nucci:

“o direito penal deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do direito. Fracassadas outras formas de punição e de composição de conflitos, lança se mão da lei penal, para coibir comportamentos desregrados, que possam lesionar bens jurídicos tutelados.” (NUCCI, Guilherme de Souza. 2010, p. 47)

Ao destacar o caráter subsidiário do Direito penal, deve-se ressaltar a importância de tentar solucionar os conflitos com todas as outras formas de punição possíveis, uma vez que não se justifica aplicar um meio mais gravoso para proteger o bem jurídico quando um mais brando repercute da mesma forma.

“A sanção penal como remédio sancionador extremo, pode ser comparada à morfina, que só deve ser ministrada em casos gravíssimos, quando a dor torna-se insuportável e outros medicamentos já não produzem o efeito desejado.

Se através de outro remédio, menos danoso, a dor pode ser aliviada ou combatida, torna-se dispensável aplicar o remédio mais grave, cujos efeito colaterais são mais maléficos para o paciente. Do mesmo modo, é preferível aplicar uma sanção administrativa ao invés de uma sanção penal, se aquela cumpre a finalidade do direito de proteção de um determinado bem.” (YAROCHEWSKY, 2005, p. 137).

Podemos dizer, portanto, que o princípio da intervenção mínima tem como principal destinatário o legislador, exigindo cautela na escolha das condutas a serem tipificadas como infração penal, deixando de criminalizar qualquer comportamento.

O presente estudo pretende uma retomada do Direito penal mediante um filtro constitucional, de modo que a intervenção penal seja devidamente tratada como subsidiária, apontando uma alternativa à crescente criminalização.

1.2 O processo expansionista penal em uma sociedade de risco

O direito penal das sociedades atuais é, claramente, um direito penal expansivo. O momento que vivemos é voltado para a criminalização, ou seja, de criação desmedida de tipos penais.

A sociedade moderna sofre com a proliferação de diferentes fontes de risco fruto do progresso tecnológico nunca antes visto. “O conceito de sociedade de risco designa um estagio da modernidade em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas ate então no caminho da sociedade industrial.” (BECK, 1997, p. 17).

Certo é que não se pode ignorar as consequências desse modelo, principalmente porque a grande maioria dos riscos existentes é oriunda de decisões e atitudes de outros cidadãos ao aplicarem e desenvolverem técnicas nas mais variadas, como indústria bélica, engenharia nuclear, informática, genética etc.

Por essa razão, a sociedade de risco aumenta a sensação de insegurança da população, o que cria um ambiente propício à atuação política, que pretende a eliminação dos riscos e responsabilização dos geradores destes.

Surge então a ideia de que o Direito penal, em virtude da gravidade das sanções aplicadas em sua tutela jurídica, é capaz de conter os riscos tecnológicos, ampliando a quantidade de tipos penais, passando a regular uma infinidade de temas.

Ocorre que, conforme ressaltou Bernardo Feijoo Sanchez, citado por Ana Carolina Carlos de Oliveira (2012), na tentativa de adequar o Direito penal a essa sociedade de risco, colocando-o como responsável por viabilizar o controle das atividades perigosas, há um processo de desnaturalização do mesmo, mitigando as fronteiras entre a natureza repressiva e reativa do direito penal.

1.3 Função simbólica do Direito Penal

Observa-se no item anterior que a expansão do direito penal acaba por determinar, na sociedade contemporânea, a edição de leis penais sem um critério rigoroso que garanta sua efetiva aplicação. Dessa deturpação do Direito penal surge o denominado Direito Penal Simbólico.

Para prosseguimento do estudo sobre o tema, mister se faz encontrar um conceito que nos direcione, nesse sentido, José de Ribamar Sanches Queiroz:

“assim, portanto, haverá de ser entendida a expressão "direito penal simbólico", como sendo o conjunto de normas penais elaboradas no clamor da opinião pública, suscitadas geralmente na ocorrência de crimes violentos ou não, envolvendo pessoas famosas no Brasil, com grande repercussão na mídia, dada a atenção para casos determinados, específicos e escolhidos sob o critério exclusivo dos operadores da comunicação, objetivando escamotear as causas históricas, sociais e políticas da criminalidade, apresentando como única resposta para a segurança da sociedade a criação de novos e mais rigorosos comandos normativos penais”. (PRAZERES, José de Ribamar Sanches. O Direito Penal Simbólico Brasileiro.)

Em suma, podemos dizer que o Direito Penal Simbólico é uma tendência que visa atingir principalmente as massas populares, explorando o medo e a insegurança da população para criar leis. Essas leis não tem o escopo de proteger realmente bens jurídicos violados, e sim de fazer a vontade do povo mesmo que isso não tenha nenhum efeito na redução da criminalidade.

Esse simbolismo penal se faz, normalmente, quando da ocorrência de um crime muito violento ou amplamente noticiado pela mídia, que choca o país. Quando isso acontece, a população investe contra o Estado, exigindo uma atitude firme. Logo em seguida aparece o simbolismo, com a edição de leis que proíbem ações que anteriormente eram permitidas ou que agravam as sanções daquilo que já era proibido.

Ressalte-se, ainda, que o simbolismo não tem por objetivo resolver a situação da criminalidade ou mesmo resolver problemas, e sim a tranquilização da população:

“Digo simbólico porque a mim me parece claro que o legislador, ao submeter determinados comportamentos à normatização penal, não pretende, propriamente, preveni-los ou mesmo reprimi-los, mas tão-só infundir e difundir, na comunidade, uma só impressão – e uma falsa impressão – de segurança jurídica. Quer-se, enfim, por meio de uma repressão puramente retórica, produzir, na opinião pública, uma só impressão tranqüilizadora de um legislador atento decidido.” (QUEIROZ, Paulo. 1999, p.9)

O grande problema da promulgação descontrolada de leis em resposta ao clamor de uma população, é que frustra a finalidade do próprio Direito penal, vez que a criminalização de condutas, bem como o aumento de penas, não é fator que auxilia na redução da criminalidade, sequer inibe a prática de crimes.

Assim como a sociedade de risco, o simbolismo penal é fator ao processo expansionista do Direito Penal, que inflaciona o ordenamento jurídico, sem dar uma resposta efetiva ao problema da criminalidade, como bem asseverou Beccaria “proibir grande quantidade de ações diferentes não é prevenir delitos que delas possam nascer, mas criar novos” (BECCARIA, 2010, p. 136).

1.4 Deslegitimação da intervenção penal.

A discussão acerca da legitimidade do Direito penal merece especial destaque, isso porque tal área do Direito é a responsável pela mais severa punição presente em nosso ordenamento jurídico. No contexto de expansão, a abordagem desse tema se faz extremamente necessária, em busca de um sistema político penal que preze tanto pela almejada segurança jurídica, quanto se oriente pelas garantias individuais do aclamado Estado Democrático de Direito.

A não observância reiterada do princípio da intervenção mínima e as legislações penais simbólicas, comentadas nos itens anteriores, são fatores determinantes para a crise vivida pelo Direito penal.

“o direito penal brasileiro tem passado de última ratio a prima ratio, efetuando a construção de verdadeiras ignomínias, motivadoras de grandes embates doutrinários e jurisprudenciais. È o que se vê em legislações recentes como a Lei dos Crimes Hediondos e suas reformulações (Lei nº 80072/1990), a Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº. 9605/1998), entre outras. Afastado de uma preocupação acerca da legitimação da intervenção penal. O Estado cada vez mais se vale de uma legislação de cunho simbólico e estigmatizante.” (SUXBERGER, 2006 apud COELHO, 2012, p. 47)

Conforme assevera Coelho (2012, p. 48), a descrença no direito penal é consequência de sua utilização abusiva, com inserção de normas penais mesmo quando poderiam ser tratadas por outras áreas do direito. O ordenamento jurídico-penal conta hoje com uma infinidade de legislações especiais, que acrescem o Código Penal de 1940, contabilizando mais de 10 mil tipos1.

Outro fator determinante para crise do Direito Penal diz respeito à função da pena, nesse sentido, se faz necessária uma breve introdução. A doutrina elenca como função da pena a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial. O caráter retributivo da pena diz respeito à imposição de um mal, como forma de reparação de outro mal. Não se fala em finalidade social nesse caso, conforme afirma Bitencourt (2011, p.100), cabe à pena a difícil tarefa de realizar Justiça, de compensar a culpa do autor.

O discurso retributivo recebe várias críticas dos adeptos das teorias relativas ou preventivas da pena. Pare estes a função da pena não é retribuir o mal acometido, e sim prevenir a sua prática. A pena deve ser imposta com o condão de evitar que o autor volte a delinquir. Esse discurso preventivo se divide em prevenção geral e prevenção especial.

A prevenção especial diz respeito diretamente ao individuo apenado, de modo que ele não volte a delinquir. Por meio de trabalhos da equipe do estabelecimento penitenciário o autor atinge a ressocialização (prevenção especial positiva), e, além disso, enquanto cumprindo a pena, está neutralizado, passo que impossibilitado de cometer novos delitos (prevenção especial negativa). Essa corrente também foi duramente criticada, uma vez que a almejada ressocialização do preso não tem sido atingida. Além disso, como bem ressaltou Coelho (2012, p.50), respeitada a autonomia do preso, todos os direitos não atingidos pela sanção merecem ser protegidos de modo que os programas de ressocialização devem ser individuais e voluntários.

A prevenção geral, por sua vez, visa atingir a coletividade, de modo que a sanção penal atue como uma ameaça. Ao operar de forma negativa, pretende-se que a existência de uma punição grave desestimule a delinquência. A principal crítica a essa função é a sua inocuidade, uma vez que muito mais que a gravidade da pena aplicada, a certeza da aplicação da pena que possui esse caráter intimidador. Em sua vertente positiva, a prevenção geral pretende restaurar a expectativa da sociedade na norma penal. Nos dois casos, a ideia é de que a punição conduz a uma situação de segurança, que auxilia o controle social.

Ocorre que a prevenção geral somente reforça o simbolismo da lei penal. Isso porque pretende transformar a lei penal em um ícone, que influência a psicologia do cidadão, sem dar uma solução efetiva ao problema da criminalidade.

Posto isso, tentaremos, nos próximos capítulos, entender as propostas alternativas a esse processo de crescente criminalização, e, por fim, eleger àquela que acreditamos ser a mais coerente.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Nathália Vieira. Processo expansionista do direito penal brasileiro: causas e perspectivas de descriminalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5177, 3 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52682. Acesso em: 25 dez. 2024.

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