Introdução
A audiência de custódia consiste num instrumento jurídico utilizado para assegurar ao indiciado que todos os seus direitos constitucionais sejam respeitados.
O CNJ, juntamente com o Ministério da Justiça e o TJ/SP lançou tal projeto em 2015, com objetivo de respeitar e acatar a pactos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Primeiramente, cabe dispor em quais circunstâncias se vale a possibilidade do averiguado ser conduzido à audiência.
Somente em casos em que houver prisão em flagrante delito deve o infrator, num prazo máximo de 24 horas, ser levado até um juiz de Direito, que avaliará qual ação cabível ao caso concreto.
Pode o Juiz decretar relaxamento da prisão quando esta se mostrar ilegal. Havendo, entretanto, legalidade na prisão do averiguado, pode o magistrado decidir por efetuar a prisão provisória, por entender que existem elementos suficientes para ensejar à pena privativa de liberdade. Deve obedecer, contudo, ao disposto no artigo 312 do CPP:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
Deve haver, portanto, equidade e bom-senso ao magistrado ao solucionar o caso, sob pena de arcar com tamanha injustiça e ferir o princípio da proporcionalidade penal e da presunção de inocência. Não deve o magistrado expor o indiciado a uma situação mais gravosa do que a conduta dele de fato representa para a sociedade. Deve, pois, reprimir tal ação delituosa com medidas que se apropriem ao caso em si, sem excesso ou frugalidade. Da mesma forma, não havendo sequer indícios de autoria e/ou prova da materialidade do delito, não deve o juiz cercear o réu de sua liberdade, já que tal bem jurídico representa valor imensurável e é irreparável.
Normalmente em casos de furto simples, por exemplo, não há por que o magistrado decretar a prisão preventiva do réu, ainda mais se este for primário. Seria mais prudente o juiz determinar uma medida cautelar diversa da prisão, como o comparecimento periódico em juízo, retenção do passaporte para que o réu não fuja do País, ou proibição de ausentar-se da comarca, por exemplo.
Importante salientar aqui que, na audiência de custódia, não há julgamento do mérito, devendo o juiz apenas decretar se o réu responderá ao processo em liberdade ou não, além de verificar demais irregularidades em sua prisão em flagrante. Para isso, o magistrado, baseando-se no inquérito lavrado pela autoridade policial, demonstrará sua convicção, concluindo se há necessidade de maior reprimenda a partir do que foi exposto, a partir de termos de declarações e demais provas juntadas aos autos.
Funcionamento da Audiência
A princípio, o preso é levado até a autoridade competente que se encontra numa sala juntamente com o representante do Ministério Público e seu defensor. É acompanhado até tal local por um policial, que comparece ao seu lado até o término do ato.
O magistrado, então, faz algumas perguntas que tenham relevância ao procedimento, como qualificação, se e onde trabalha, se é usuário de drogas, etc. A seguir, é aberta a palavra ao promotor de justiça, que fará questionamentos ou não, dependendo da necessidade. O mesmo é feito depois ao seu defensor.
Há, então, novamente abertura à palavra pelo representante ministerial que vai analisar juridicamente a conduta do averiguado, pleiteando ou não pela prisão preventiva do réu. Posteriormente, o defensor irá requerer pelo relaxamento da prisão, pela sua liberdade provisória e/ou por medida cautelar diversa da privação de liberdade do réu.
Destaca-se aqui o papel do promotor, pois possui o papel de fiscalizador da lei. Portanto, agindo de acordo com a estrita legalidade, pode inclusive pleitear pela improcedência da prisão preventiva do réu, se não houver necessidade para tal reprimenda.
O advogado sempre deverá agir de acordo com os interesses de seu cliente, e com a defensoria pública não é diferente com relação à população hipossuficiente. Pleiteará, pois, por uma medida mais benéfica ao indiciado, ou a menos gravosa possível.
Conclusão
De fato, a audiência de custódia representa um instituto de notável proteção aos interesses do indiciado, garantindo-lhe seus direitos constitucionais. É uma prática inovadora do sistema penal que possui influências inclusive de penalistas consagrados como Cesare Beccaria, autor do livro “Dos Delitos e das Penas”, questionando a falta de proporcionalidade entre os crimes e as penas, da necessidade de prisão para determinadas condutas, da falta de clareza das leis, dentre inúmeras outras sanções cruéis praticadas na Idade Moderna.
Dado o devido valor que tal instrumento jurídico merece dispor, há que se expor alguns entraves da audiência de custódia.
Ocorre, porém, que há grande volume de presos ao comparecimento em juízo, gerando um trabalho extenso aos juízes de direito. Mas não é só. Com a imensa circulação de presos percorrendo os corredores do fórum criminal todos os dias úteis da semana, é evidente que há certa periculosidade numa eventual fuga ou reação destes.
O contingente policial muitas vezes pode ser insuficiente, resultando em maior temor para a população. Justifica-se tal afirmação pelos diversos crimes que empregam violência, sendo frequentes no dia-a-dia no Brasil. Roubos, lesões corporais, extorsões mediante sequestros, estupros, ameaças, dentre outros crimes, são uma das maiores preocupações dos brasileiros, devendo ser evitados ao máximo com a mínima tolerância.
A princípio, a audiência de custódia surge como uma garantia do preso, adequando o Processo Penal brasileiro a uma maior aproximação aos direitos humanos. Não podemos esquecer, porém, que a prioridade sempre deve ser a coletividade, e esta não deve jamais estar imune à violência e crueldade de parte dos infratores. Deve haver, portanto, uma estrutura adequada em nosso sistema jurídico que possa permitir a proteção da sociedade acima de tudo em consonância com o respeito às garantias constitucionais do preso.
Referências:
Introdução ao Direito Penal – Criminologia, Princípios e Cidadania – 2ª edição – Humberto Barrionuevo Fabretti e Gianpaolo Poggio Smanio – Ed. Atlas.
CNJ/JUS.BR
Código de Processo Penal
Dos Delitos e das Penas – Cesare Beccaria - 1764