Do direito à identidade sexual: conceito e aparente problemática jurídica

19/10/2016 às 15:19
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O artigo apresenta o conceito da identidade sexual e o direito de exercê-la nos ditames constitucionais da dignidade humana, liberdade e igualdade.

Uma problemática jurídica com a qual nos deparamos ao tratar do tema da transexualidade reside no direito à identidade sexual. A Constituição Federal vigente acaba por não dispor especificamente sobre o tema, gerando um aparente vácuo legal quando tratamos desse direito.

De início, antes de adentrarmos em maiores elucubrações sobre o presente tema, temos de dispor sobre conceituação daquele. Ora, nos perguntamos, do que se trata o direito à identidade sexual?

A resposta para esse questionamento é simples: trata-se do direito que o indivíduo tem de ser tratado pelos demais de acordo com a sua identidade de gênero. É o direito de receber o tratamento em suas relações sociais cotidianas em sintonia com o gênero com que a pessoa se identifique.

Tornando o conceito um pouco mais concreto, é o direito de, por exemplo, um indivíduo cisexual, ou seja, aquele cuja identidade de gênero e gênero biológico são coincidentes, de ser tratado de acordo com essa identidade. Assim, um indivíduo cisexual do sexo masculino será tratado como “senhor”, “homem”, “rapaz” etc. Bem como um indivíduo cisexual do sexo feminino será tratado como “senhora”, “mulher”, “garota” etc.

A mesma prerrogativa se aplica à mulher transexual, aquela que, embora seja biologicamente do gênero masculino, tem a identidade de gênero do sexo feminino, devendo ser tratada no feminino e chamada por “senhora”, “garota”, entre outros, como também possuir em seu registro prenome de acordo com sua identidade de gênero. A explicação se dá do mesmo modo para o homem transexual.

Dessa forma, o direito à identidade trata do direito que o indivíduo tem de ter sua identidade de gênero respeitada pelo Estado, seus órgãos e agentes e pelos demais indivíduos componentes do corpo social, independentemente de seu gênero biológico. Sendo assim, trata esse direito da prerrogativa que todo indivíduo tem de autodeterminar-se e de ter sua identidade de gênero resguardada pelo Estado e sociedade.

Assim, devem seu nome e gênero serem alterados em todos os documentos pessoais, inclusive RG e CPF, de forma a respeitar a identidade sexual desse indivíduo e não lhe impor a obrigação de conviver com um nome e gênero que não são verdadeiramente seus e que lhe farão passar por constantes constrangimentos em situações cotidianas: o que deve preponderar para se estabelecer-se o nome e gênero do indivíduo é a sua identidade de gênero psíquica, e não seu sexo morfológico. Disposição contrária a esse entendimento atenta contra a própria dignidade da pessoa humana, inscrita na Constituição Federal de 1988 como um seus princípios fundamentais, em seu art. 1º, inciso III.

DA APARENTE ESCASSEZ DE DISPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL E DO SEU PREENCHIMENTO PELOS PRINCÍPIOS NORTEADORES PRESENTES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Como já mencionamos, no panorama constitucional brasileiro há um vácuo no que tange ao direito à identidade sexual (ou direito à identidade de gênero). Não há norma constitucional expressa que venha a dispor especificamente quanto à existência desse direito.

Visando a suprir essa lacuna, o judiciário tem julgado casos que versam sobre o presente tema baseando-se em princípios constitucionais como alicerce, tendo a atual corrente jurisprudencial majoritária interpretado esses princípios de modo a criar o direito à identidade sexual.

Os princípios utilizados como base para essa interpretação são três:

Primeiramente, o princípio da dignidade da pessoa humana: é o que mais facilmente correlacionamos com o presente tema, posto que é patente que a utilização de nome e alcunhas que venham a remeter a um sexo diverso daquele com que a pessoa se identifica é extremamente degradante a sua vida e integração social. Permitir que se perpetue esse tipo de aflição é completamente atentatório à esse direito constitucional fundamental.

Esse direito decorre do próprio direito à vida, afinal, um ser humano não tem somente o direto de se manter vivo, mas de levar uma vida digna, alijar um indivíduo dessa dignidade é submetê-lo ao tratamento de um animal, uma vez que a dignidade é princípio basilar do nosso sistema jurídico e o que garante que a vida mereça ser vivida.

O direito à liberdade: embora não tão claro quanto o primeiro, a questão também se correlaciona com este direito básico. O direito à liberdade não compreende somente a clássica prerrogativa de ir e vir, mas abrange um rol muito mais amplo de direitos de um indivíduo.

Dentre os direitos de liberdade encontra-se o direito à liberdade pessoal de ser quem se é: um indivíduo que possua uma identidade de gênero diversa de seu sexo biológico não pode ser forçado a viver sob o estigma de seu gênero biológico.  Isso significaria forçar-lhe a ser quem não é e qualquer tratamento que não respeitasse sua identidade de gênero seria uma clara violação à liberdade e ao direito de autodeterminação daquele indivíduo.

Embora para alguns não seja tão clara essa violação à liberdade do ser humano, ela se perfaz de forma clara àqueles que sofrem seus efeitos, podemos dizer que é uma coação que aos olhos dos outros se faz de forma mais velada, mas, ao tratar o indivíduo de forma diferente de sua identidade de gênero temos uma constante pressão social intrínseca, uma não aceitação, uma força constante tentando desvirtuar sua autodeterminação.

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Por último, temos o direito à igualdade: para os indivíduos cisexuais nunca se nota que sua identidade de gênero é respeitada, para os que possuem essa condição o respeito é algo intrínseco e constante e seu trato é extremamente natural.

Já no caso dos transexuais a realidade difere: não aceitar a mudança do nome para adequá-lo à identidade de gênero da pessoa e utilizar-se de alcunhas que tenham por base seu gênero biológico seria negar-lhes direitos conferidos de maneira clara aos outros.

Um tratamento que assim fosse seria extremamente desigual e se estaria, portanto, discriminando uma pessoa pela sua identidade de gênero, o que não pode ser tolerado, posto que configura uma clara e desarrazoada violação a princípio constitucional.

Essa situação de vácuo jurídico, para aqueles que veem necessidade da letra da lei, poderá ser solucionada com a aprovação e sanção do Projeto de Lei nº 5002/2013, de autoria dos Deputados Jean Wyllys do PSOL/RJ e Erika Kokay do PT/DF, com vistas a positivar de forma expressa o direito à identidade sexual.

Referido Projeto de Lei, em resumo, explicita o direito à identidade de gênero e seu conceito, bem como estipula a obrigação do Sistema Único de Saúde (SUS) de realizar a cirurgia de adequação de sexo e de fornecer hormônios aos indivíduos transexuais.

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