Uma análise crítica a respeito da moral e da política envolvidas no Tribunal de Nuremberg.

Justa reparação, vingança ou demonstração de poder dos vencedores

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20/10/2016 às 07:30
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Considerações Finais.

Desta forma, com os argumentos aqui discutidos fica claro que a intenção dos aliados ao criarem o Tribunal não era só mostrar a inaceitabilidade dos atos nazistas e a criação de um precedente jurídico para a criação de novas cortes e tratados internacionais, mas havia também todo um jogo político de afirmação de poder e vingança por trás daquele “show” que foi a Corte em Nuremberg, já que foi uma das primeiras vezes que o mundo pode acompanhar um acontecimento internacional através da mídia em tempo recorde, o que até gerou críticas durante o julgamento, uma vez que muitas vezes os jornalista tinham acesso aos documentos trazidos pela a acusação antes mesmo da defesa.

Entretanto, não há de se perder de foco que sem sombra de dúvidas aquela corte representou a maior injustiça do ponto de vista técnico-jurídico da história, o que nos leva a afirmar que a moral foi totalmente deixada de lado para que se pudesse aplicar uma punição teoricamente justa aos acusados.

Mas como levantar críticas e classificar o Tribunal como imoral frente às barbáries que haviam acabado de ocorrer antes e durante o conflito, e ainda ante a crescente luta pela a afirmação de poder em que grandes potências se encontravam, tanto é que anos após o desfecho da II - guerra mundial eclodiu a Guerra Fria, que nada mais foi que uma guerra de afirmação de poder.

E ainda como falar em quebra de soberania uma vez que o III Reich havia triturado a soberania dos países que seus exércitos invadiram, sendo que em conseqüência de sua expansão territorial, era difícil até mesmo delimitar as fronteira do território alemão.

Assim, fica claro que partindo de uma visão crítica a respeito da moral e da política envolvidas no Tribunal, nos deparamos com diversas contradições, hora revoltantes, hora aceitáveis frente à necessidade de se punir os criminosos e de se criar um precedente jurídico que desse fundamento aos Direitos Humanitários que surgiu num novo mundo de Direitos e Relações Internacionais, de forma que a técnica-jurídica e a justiça foram deixadas de lado para que entrasse em cena um julgamento político-moral e até mesmo uma espécie de processo inquisitório onde os vencedores estipularam as regras, e os vencidos pouco puderam fazer para se defender.


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Notas

[1] “O representante nomeado pelo Presidente Trumam (...) era Robert H. Jackson, Juiz Adjunto da Suprema Corte, cuja energia dominou toda a conferência. Jackson era um idealista, com crença firme na justiça natural e na eficácia do processo judicial. Jamais transigiu nas questões de princípio e tinha dificuldades em ceder até mesmo em questões relativamente corriqueiras. Seu zelo moral e seu espírito combativo lhe foram proveitosos em Londres, onde teve de superar considerações de resistência sobre várias questões.” (Apud: Gonçalves, 2004, 73)

A partir de maio do ano de 1945, o governo norte-americano representado pelo Juiz Robert H. Jackson, tomou a iniciativa de propor aos governos da França, Reino Unido e URSS a criação de um tribunal militar internacional para julgar os criminosos de guerra do III Reich, como já havia sido previsto pela Declaração de Moscou.

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[2] O voto soviético fora contrário, por exemplo, à absolvição de qualquer dos acusados. O general Nikitchenco, juiz representante da URSS, votou contra seus colegas de Tribunal, exigindo que a pena de morte na forca se aplicasse a Schacht, a von Papen e a Fritzche. Não obstante, condenou coletivamente o Estado-Maior e o Alto Comando da Wermacht por terem desencadeado a Guerra de 1939 – o que teria acontecido com a aquiescência e participação dos soviéticos. A crítica de alguns autores é de que os russos estavam muito mais interessados em uma ação política que demonstrasse a culpa da Alemanha em relação à guerra, do que em fazer prevalecer a justiça em Nuremberg. (Gonçalves, 2004, 155)

[3] Os Quatro Encargos Definidos Pelo Estatuto a Serem Aplicados Pelo Tribunal:

I - Plano Comum de Conspiração (The Common Plan or Conspirancy; Plan Concerté ou Complot).

II - Crimes contra a Paz (Crimes against Peace; Les Crimes contre la Paix).

III - Crimes de Guerra (War Crimes; Les Criems de Guerre).

IV - Crimes contra a Humanidade (Crimes against Humanity; Les Crimes contre l´Humanité).

[4] Art. 8º, da Declaração dos direito do homem – século XVIII: “(...) ninguém pode ser punido em virtude de uma lei estabelecida e promulgada posteriormente ao delito e legalmente aplicável. Code Penal francês de 1810, em seu art. 4º, Nenhuma contravenção, nenhum delito, nenhum crime podem ser puníveis de penas que não tenham sido previstas pela lei antes que fossem cometidos”.

[5] De acordo com esta convenção da SDN, as decisões da Assembléia só vinculariam os Estados-membros, caso se chegasse às mesmas por meio de consenso.

[6] “O princípio de humanidade pode-se dizer que ele [sic] tem seu fundamento último na unidade do gênero humano e ainda no fato de que a guerra, pelo menos, a partir do século XVIII, é considerada como sendo entre as coletividades estatais e não entre indivíduos. O princípio da humanidade pode ser teorização traçada até a Idade Média, quando Santo Thomas considera que uma das condições para a guerra ser justa é a intenção reta nas hostilidades. A finalidade deste princípio é amenizar a necessidade que tende a predominar na guerra.” (Celso de Albuquerque Mello, 1997, 123)

[7] “Chama-se de analogia o procedimento lógico pelo qual o espírito passa de uma enunciação singular a outra enunciação singular (tendo, pois, caráter de uma indução imperfeita ou parcial), inferindo a segunda em virtude de sua semelhança com a primeira. (...) Segundo Siches [Tratado General de la Filosofia del Derecho, México, 1965, p.426], consiste a analogia em empregar a um caso não previsto de modo direto, ou específico por norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado, fundando-se na identidade do motivo da norma e não da identidade do fato.” (Maurício Antonio Ribeiro Lopes, Princípio da Legalidade Penal, Projeções Contemporâneas, São Paulo: RT, 1994, pp. 119-120)

[8] “(...) não podemos concordar que recorra o juiz para a integração do direito à analogia sob risco de se lesar o primado da legalidade. Não é possível aplicar-se analogicamente a lei penal para criar novas figuras de delitos ou para contemplar penas ou medidas de segurança que não estejam taxativamente previstas, ou para agravar a situação do réu (analogia in malam partem).” (Ribeiro Lopes, 1994, 121).

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Sobre o autor
Henrique Clauzo Horta

Advogado Especialista em ciências criminais e pesquisador nas áreas de direitos humanos e humanitários, direito penal e processual penal (garantismo penal), direito internacional e direito constitucional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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