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Da prova indiciária e a sua valoração no processo penal brasileiro

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Da possibilidade de o magistrado utilizar prova exclusivamente indiciária para fundamentar sentença penal condenatória.

I- INTRODUÇÃO

Tema controvertido na doutrina e jurisprudência pátria se refere a utilização da prova indiciária como meio único da busca da verdade.

A prova judiciária, no tocante principalmente ao processo penal, possui como função a descoberta da verdade real e a reconstrução dos fatos narrados na peça exordial, tais como efetivamente ocorridos, com a colaboração imprescindível das partes, autor e réu, dentro do sistema do contraditório e da ampla defesa, característico de um Estado Democrático de Direito, consubstanciado, neste sentido, na Carta Cidadã de 1988.

Desta forma, não há que se falar em hierarquia entre as provas, vigorando, em nosso ordenamento jurídico, o princípio da livre convicção do juiz ou, conforme melhor doutrina, sistema da persuasão racional das provas. Neste ínterim, o magistrado possui a mais ampla liberdade de apreciar e valorar o conteúdo probatório, obrigando-o, contudo, a fundamentar suas decisões.

Neste pequeno estudo será feita uma análise dos meios de provas, sob cunho histórico, presente em nosso ordenamento jurídico, destacando, outrossim, a possibilidade da utilização da prova indiciária como meio de prova único a corroborar o entendimento do magistrado, no tocante ao fundamento da sentença penal de cunho condenatório.


II- DOS SISTEMAS PROBANTES

De acordo com Paulo Rangel, “o sistema de provas é o critério utilizado pelo juiz para valorar as provas dos autos, alcançando a verdade histórica do processo. ”

Portanto, levando em consideração os sistemas de avaliação das provas, três foram os adotados.

II.I). Do sistema da íntima convicção o juiz.

O sistema da íntima convicção do juiz caracteriza-se pela liberdade que o magistrado possui em decidir, única e exclusivamente, com a sua consciência, não levando em consideração se há ou não provas mínimas a corroborar seu entendimento. Desta forma, o magistrado julgava pertinente uma prova, muitas vezes, levando em consideração sua experiência pessoal de vida, pouco importando o conteúdo dos autos, a matéria probatória expressa ou não no processo em comento. Cumpre salientar que o magistrado não estava obrigado a fundamentar suas decisões, não precisando emitir satisfação alguma do seu julgamento.

Alguns autores entendem que este sistema ainda está presente em nosso ordenamento jurídico, na forma do Tribunal do Júri, onde os jurados não possuem a obrigação de motivar as suas decisões. Cumpre salientar que caso os jurados julguem de forma completamente contrária à prova dos autos caberá recurso de apelação, o que por si só, se diferencia do sistema ora estudado.

II.II). Do sistema da prova tarifada.

  O sistema da prova tarifada caracterizava-se pela valoração das provas produzidas no processo, desta feita, todas elas possuíam um valor prefixado pela legislação, não oferecendo ao juiz a liberdade para decidir no caso concreto. Portanto, se a lei dizia ser aquele tipo de prova a mais importante, o magistrado não poderia utilizar-se de outra para cunhar a sua decisão.

Contudo, havia uma que era considerada a rainha das provas. Esta era a confissão. Desta forma, se o réu confessasse o crime, seria punido, não importando outros tipos de provas, por exemplo inúmeras testemunhas corroborando o contrário.

Desta feita, podemos dizer, de uma forma bem simplória que o magistrado nada mais era do que um matemático, pois verificava o valor das provas afim de instruir a sua decisão.

Adentrando no nosso Código de Processo Penal, averiguamos certos resquícios deste sistema de provas. Por exemplo, a obrigação do exame de corpo de delito nas infrações que deixam vestígios, consoante artigos 158 c/c 564, III, b. Outros exemplos seriam o artigo 232, parágrafo único do mesmo diploma legal, que afirma que à fotografia do documento devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do original.

Desta forma, o legislador descobriu que este sistema limitava a busca da verdade real pelo magistrado, haja vista não lhe permitir decidir contra algum fato nitidamente equivocado.

II.III). Do sistema atual (persuasão racional ou livre convicção).

Este sistema fornece ampla liberdade ao magistrado de acolher as provas inseridas nos autos do processo, consoante artigo 155 do Código de Processo Penal.

Desta feita, diferentemente do sistema anterior, qual seja, da prova tarifada, o sistema em comento não estabelece valor entre as provas, todas, sem exceção possuem o mesmo valor, a mesma tarifa.

Contudo, diante de tal liberdade dada ao juiz, o legislador encontrou uma maneira de dar transparência as suas decisões, qual seja, a obrigação de motivá-las, fundamentá-las, sob pena de nulidade, conforme artigo 93, IX da Carta Magna de 1988.

Convém ressaltar que o juiz não pode condenar com base nas provas do inquérito policial, pois as mesmas não passaram pelo princípio do contraditório e da ampla defesa, ou seja, não foram objeto de análise judicial e submetida às partes, conforme dito pelo mestre Paulo Rangel. Este entendimento está consubstanciado no artigo 155 do Código de Processo Penal, onde o legislador afirma que o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar a sua decisão, exclusivamente, nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.


III- DA PROVA INDICIÁRIA E A SUA VALORAÇÃO.

Indício vem do latim indiciu, significando, desta forma, apontar, indicar.  

Sobre a sua utilização única e exclusiva na elucidação do fato criminal Eliezer Rosa a abomina, dizendo que “o indício, na eterna ironia das coisas, é a prova predileta da vida contra os inocentes [...] Condenar ou absolver é o que há de mais fácil e simples, quando o julgador aposta com os indícios o destino do processo. Julgar só mediante indícios e, com eles, condenar, é o adultério da razão com o acaso, nos jardins de Júpiter. ” (Dicionário de Processo Penal, Rio de Janeiro, 1975, p.131).

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Guilherme de Souza Nucci, neste mesmo diapasão, ou seja, refutando a possibilidade de utilizá-la, por si só, para absolver ou condenar, informa que “apesar de a prova indiciária possuir o mesmo valor dos demais meios de prova, ela não possui força suficiente para levar a uma condenação, visto que não prescinde de segurança. ” (Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.)

Em sentido contrário temos o mestre José Carlos Barbosa Moreira, que, com sua peculiar maestria afirma que “o que o indício tem em comum com um documento ou com o depoimento de uma testemunha é a circunstância de que todos são ponto de partida. Enquanto, porém, o documento ou o testemunho são unicamente pontos de partida, o indício, repita-se, já é, ao mesmo tempo, um ponto de chegada. Não, ainda, o ponto final; mas um ponto, sem dúvida, a que o juiz chega mediante o exame e a valoração do documento ou do depoimento da testemunha. ” (José Carlos Barbosa Moreira. Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1988.)

Corroborando este entendimento, Sérgio Demoro Hamilton, que, com a clareza que lhe é peculiar afirma que “o fato de, no processo, existir, somente, prova indiciária, amparando acusação, por si só, não impede o juiz de condenar o imputado. Quando em jogo o indício, como, de resto, quando em exame qualquer outra prova, cabe ao julgador após acurada análise da instrução probatória, indagar, apenas, se a prova recolhida é suficiente para a condenação, pois, muitas vezes, prova pode haver, mas frágil, pouco convincente, contraditória e, pois, impeditiva de uma condenação. Outra não pode ser a conclusão a que nos leve a leitura do artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. ” (Temas de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.p.41).

Desta feita, a força probatória da prova indiciária coaduna-se com os outros meios de prova disponíveis ao magistrado.

Convém salientar que o indício deve estar corroborado com as informações contidas no inquérito policial e que de acordo com o sistema probatório vigente, qual seja, o da livre convicção ou persuasão racional, o magistrado está livre para valorar a prova da sua maneira, de acordo com a sua convicção, fundamentando e motivando sempre a sua decisão, fazendo valer o Estado Democrático de Direito e a Constituição Cidadã de 1988, no que tange ao seu artigo 155.


IV- CONCLUSÃO

O presente artigo procurou, de forma sucinta e rápida, elencar os tipos de prova e a sua evolução história. Após, definiu a prova indiciária e a possibilidade de o magistrado utilizá-la, única e exclusivamente, como meio de prova, a fim de corroborar uma sentença condenatória.

Desta forma, a prova indiciária poderá ser utilizada como o meio único de prova, levando em consideração sua licitude, ou seja, a possibilidade que as partes possuem de contraditá-la e debatê-la em processo cuja ampla defesa e o contraditório são imprescindíveis, sob pena de nulidade.

Outrossim, o magistrado deve fazer valer a sua livre convicção, a persuasão racional com a prova produzida, devendo sempre motivá-la e fundamentá-la, fazendo valer, mais uma vez, os ditames Constitucionais de um Estado Democrático de Direito.


Bibliografia:

. Direito Processual Penal/Paulo Rangel - 24. Ed. Rev. E atual. - São Paulo: Atlas, 2016.

. Manual de Processo Penal e Execução Penal/Guilherme de Souza Nucci. - 12. Ed. Rev., atual. E ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2015.

. Dicionário de Processo Penal/Eliezer Rosa. Imprenta: Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1975.

. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1988.

. Sérgio Demoro Hamilton/Temas de Processo Penal. Ed. Lumen Juris, 1998.

. FREITAS, Gabriela Oliveira. Da prova indiciária no processo penal. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2673, 26 out. 2010. Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2016.

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Sobre o autor
Luis Felipe Boëchat Borges Luquetti dos Santos

Advogado Criminalista em Niterói-RJ. Graduado na Universidade Estácio de Sá. Pós-graduado em Direito Público e Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Federal Fluminense. Pós Graduado em Legislação Penal e Processual Penal pela Cândido Mendes. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBBCRIM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Luis Felipe Boëchat Borges Luquetti. Da prova indiciária e a sua valoração no processo penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4864, 25 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53062. Acesso em: 19 mar. 2024.

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