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As mulheres e os direitos políticos no Brasil

11/11/2016 às 09:23
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O contexto histórico dos direitos políticos conquistados pelas mulheres no Brasil se deu com muitas lutas e personagens marcantes e importantes na história brasileira.

 

O primeiro Código Civil brasileiro, aprovado em 1916, reafirmou muitas das descriminações contra a mulher. Com o casamento, a mulher perdia sua capacidade civil plena. Cabia ao marido a autorização para que ela pudesse trabalhar, realizar transações financeiras e fixar residência. Além disso, o Código Civil punia severamente a mulher vista como ‘desonesta’, considerava a não virgindade da mulher como motivo de anulação do casamento e permitia que a filha suspeita de ‘desonestidade’, isto é, manter relações sexuais fora do casamento, fosse deserdada.

As mulheres casadas – ou sob o pátrio poder – eram consideradas incapazes juridicamente, como as crianças, os ‘deficientes mentais’ e os mendigos. 

Como não poderia deixar de ser, desde o início da sociedade brasileira, as mulheres também foram excluídas de todo e qualquer direito político. Por exemplo, as constituições do Império (1824) e da República (1891) não lhes concederam o direito de votar e nem de serem votadas. Eram, portanto, cidadãs de segunda categoria, isso continuou até as primeiras décadas do século 20.

Neste período, porém não se calaram e sim lutaram pelo direito à educação e pelos seus direitos civis e político; envolveram-se, na medida de suas possibilidades, nas lutas pela independência, abolição da escravidão, proclamação da República, entre outros movimentos que ajudaram a construir a nação.

A primeira feminista brasileira que se tem notícia foi Nísia Floresta (1809-1885). Ela se destacou como educadora, montando e dirigindo diversas escolas femininas no país. Achava que a educação era o primeiro passo para emancipação da mulher. Traduziu e publicou “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens”, manifesto feminista de Mary Wollstonecraft. Foi obrigada a viver 28 anos na Europa e lá travou contato com as idéias mais avançadas. De volta ao Brasil apoiou o movimento abolicionista e republicano. Nísia era uma pessoa muito à frente do seu tempo.

Podemos dizer que o ponto de partida do movimento de mulheres foi a imprensa alternativa feminina, no século 19. Francisca Motta Diniz criou “O sexo feminino”, um jornal voltado às mulheres e em um de seus editoriais afirmava: “Não sabemos em que grande república ou republiqueta a mulher deixe de ser escrava e goze de direitos políticos, como o de votar e ser votada. O que é inegável é que em todo o mundo, bárbaro e civilizado, a mulher é escrava”. O jornal se envolveria na grande campanha pela abolição da escravatura. 

Inúmeros outros jornais femininos surgiriam. A maior parte deles teve vida curta e não era revolucionária - nem ao menos abertamente feminista -, mas ajudaram a conscientizar as mulheres sobre o seu papel subalterno na sociedade. Este artigo, no entanto, se concentrará na luta das mulheres pelos direitos políticos, especialmente o direito de votar e ser votada.

 


Na luta pelo sufrágio feminino

As mulheres começaram a tentar romper o cerco que as envolvia e conquistar seus direitos políticos. O voto feminino foi um dos temas tratados pelos deputados que elaboraram a primeira constituição republicana (1891). Contudo, o texto final acabou não deixando clara a situação política da mulher. Ele não proibia explicitamente o voto feminino, mas também não o garantia de maneira clara. O resultado foi que as mulheres tiveram recusado o seu direito ao voto por várias décadas.

As argumentações dos anti-feministas radicais eram as mais aborrecíveis. O deputado Tito Lívio afirmou que as mulheres tinham “cérebros infantis” e seriam portadoras de uma “inferioridade mental” e um “retardo evolutivo” em relação aos homens. Lacerda Coutinho, por sua vez, disse que “as mulheres tinham funções (biológicas) que os homens não tinham e essas funções eram tão delicadas que bastava a menor perturbação nervosa, um susto, um momento de excitação, para que elas se pervertessem”. 

Cada opositor tinha a sua argumentação. Sustentava então a superioridade moral da mulher e que, justamente por isso, ela era incompatível com a política. Deus e/ou a natureza tinham reservado para ela um outro papel, mais nobre, o de “rainha do lar”.

As mulheres leram o texto constitucional de outra forma. Se ele explicitava os elementos que estavam excluídos (os mendigos, analfabetos, as praças de pré, os religiosos de ordens monásticas sujeitas a voto de obediência)  e entre eles não se encontrava referência às mulheres, isso era uma comprovação de que o voto feminino não estava vedado.

Elas usaram essa pequena brecha para tentar romper essa possível tradição, fundou-se o Partido Republicano Feminino. Esse pequeno partido promoveu uma passeata com quase 100 mulheres no centro do Rio de Janeiro. Não deixava de ser uma pequena revolução. Comovido pelo interesse político feminino o deputado socialista Maurício de Lacerda apresentou um projeto estabelecendo o voto feminino, que não chegou a ser apreciado pela Câmara. 

Naquela época uma outra personagem entrou em cena: Bertha Lutz. Bertha Lutz, entre outras coisas, organizou o 1º Congresso Feminista e fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino em 1922. Entre os seus objetivos estavam: “assegurar à mulher os direitos políticos que a nossa constituição lhe confere” e “estreitar os laços de amizade com os demais países americanos a fim de garantir a manutenção perpétua da paz”.

Um congresso jurídico realizado no Rio de Janeiro aprovou por 28 votos contra apenas 4 resoluções que diziam: “1º) A mulher não é, moral nem intelectualmente, inapta para o exercício dos direitos políticos; 2º) Em face da Constituição Federal, não é proibido às mulheres o exercício dos direitos políticos”. O prestigiado Ruy Barbosa também passou a defender a tese da constitucionalidade do voto feminino. 

No Congresso Nacional também crescia o número de parlamentares favoráveis ao voto feminino. Alguns projetos chegaram mesmo a serem aprovados nas comissões e em primeira votação nas duas casas legislativas.

Na eleição presidencial seguinte, em 1926, Washington Luís incluiu na sua plataforma eleitoral o voto feminino. Sua vitória animou as militantes feministas. O seu ato foi a elaboração de uma proposta de realização de uma reforma na lei eleitoral. Novamente foram apresentados projetos que garantiam o voto para as mulheres. Contudo, o projeto que instituía o voto feminino acabou não sendo votado, pois dois senadores apresentaram emendas desfigurando-o. Uma das emendas elevava a idade mínima para votação e eleição de 21 para 35 anos, com o objetivo de evitar que  “meninas de pouca idade” fossem eleitas para o Congresso. A outra emenda também estabelecia o voto diferenciado para mulheres. Afirmava ela: “Podem votar e ser votada (...) as mulheres diplomadas com títulos científicos e de professora, que não estiverem sob poder marital nem paterno”. A matéria voltou para a Comissão de Justiça que rejeitou as emendas. O projeto teve que entrar na lista de espera para nova votação que nunca ocorreria. 


A conquista do voto feminino

A primeira proposta de código eleitoral feita pelo governo provisório de Vargas ainda limitava o voto feminino. Segundo ela, só poderiam votar as mulheres solteiras e viúvas acima de 21 anos e as casadas apenas com autorização dos maridos. Houve uma grande campanha para derrubar tais restrições. As líderes feministas se encontraram pessoalmente com o próprio Vargas e tiveram suas reivindicações atendidas.

O novo Código Eleitoral, promulgado em 1932, garantiu o seu direito de votar e serem votadas. Essa prerrogativa seria exercida, pela primeira vez, na eleição da Assembléia Nacional Constituinte de 1934. Assim, o Brasil se tornou o quarto país da América a estabelecer o voto feminino. Antes dele haviam concedido o Canadá, Estados Unidos e Equador.

A paulista Carlota Pereira de Queiróz foi a primeira mulher eleita para a Câmara dos Deputados. Ela era formada em medicina e um membro destacado da elite paulista. Berta Lutz, apesar de seu esforço, não conseguiu se eleger pelo Rio de Janeiro. Ela ficaria na primeira suplência. Elegeram-se deputadas estaduais em Alagoas, Bahia, Sergipe, São Paulo e Amazonas. No sul teria que esperar um pouco mais. 

Vargas indicou Bertha e Nathércia, como representantes das mulheres brasileiras, para a comissão especial encarregada de elaborar a proposta de constituição federal  que seria apreciada pelo Congresso. Um fato inédito na história política brasileira. A Constituição de 1934 iria estabelecer claramente, sem ambiguidade, o direito de voto para as mulheres. Bertha assumiria sua vaga na Câmara dos Deputados em 1936. 

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Resultado disso é que, em 1934, foi fundada a União Feminina. Ela se integraria à Aliança Nacional Libertadora, que tinha participação de socialistas, comunistas e elementos antiimperialistas.

O caráter do governo Vargas de conceder o voto às mulheres é discutível. Devido ao momento de transição, o governo precisava de popularidade, e era essa a intencionalidade da medida. Pessoalmente, Vargas não era tão afeito ao sufrágio feminino, mas sua posição política favorável seria decisiva. Com o advento da ditadura, o Estado Novo de 1937, todos os cidadãos perdem o direito ao voto. As operárias, embora tivessem grande atuação nas greves pelas conquistas de salários e melhores condições de trabalho, não tiveram grande atuação na luta por direitos políticos. Isso estava ligado aos altos e baixos do movimento operário brasileiro daquela época.

Assim, a luta pelo sufrágio feminino foi travada A partir daí, há um refluxo do movimento feminista, que volta em sua “segunda onda” após o fim da Segunda Guerra Mundial (1945).

Analisando o processo das três Constituições (1824, 1891 e 1934), percebemos as modificações dos direitos e deveres das mulheres. Na primeira Constituição, a mulher é preterida de direitos. Já, na Constituinte de 1891, há um forte embate político para a inserção da mulher na Constituição. Tais acontecimentos, juntamente com movimentos organizados na luta pelo direito das mulheres, ocasionaram a conquista pelo voto feminino em 1932 e ratificado na Constituição de 1934.

 


Tratado da ONU sobre a mulher

O apoio da ONU aos direitos das mulheres começou com a Carta da Organização. Entre os propósitos das Nações Unidas declarados no Artigo 1 da Carta estão “conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.”

No primeiro ano da ONU, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) estabeleceu sua Comissão sobre o Status da Mulher, como o principal órgão de decisão política dedicado exclusivamente à igualdade de gêneros e ao avanço das mulheres. Uma de suas primeiras realizações foi assegurar a neutralidade de gênero no projeto de Declaração Universal dos Direitos Humanos.

À medida que o movimento feminista internacional e nacional começou a ganhar força nos anos 70, a Assembleia Geral declarou o ano de 1975 como o Ano Internacional das Mulheres e organizou a primeira Conferência Mundial sobre as Mulheres, na Cidade do México.

O Sistema da ONU continua a dar atenção particular para a questão da violência contra as mulheres. Em 1993 a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres da Assembleia Geral continha “uma definição clara e compreensiva da violência contra as mulheres (e) uma declaração clara sobre os direitos a serem aplicados para assegurar a eliminação da violência contra as mulheres em todas as formas”. Ela representou “um compromisso por parte dos Estados em relação às suas responsabilidades, e um compromisso da comunidade internacional em geral para a eliminação da violência contra as mulheres”

Em questão disso o dia 25 de novembro é comemorado O Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher.


REFERÊNCIAS:

  • Alves, Branca Moreira. Ideologia e Feminismo: a luta da mulher pelo voto no Brasil, Vozes. Petróplis, 1980.
  • Hahner, June E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1837, Ed. Brasiliense, SP, 1981.
  • Pinto, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil, Ed. Perseu Abramo, SP. 2003
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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gerson Gilmar. As mulheres e os direitos políticos no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4881, 11 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53618. Acesso em: 5 nov. 2024.

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