O capitalismo é fruto de uma era de revoluções que começou na França e se propagou pela Europa e dela para alguns países asiáticos e americanos. O novo regime se consolidou como ideologia e sobre esta disse Eric J. Hobsbawm:
“O progresso era, portanto, tão ‘natural’ quanto o capitalismo. Se fossem removidos os obstáculos artificiais que no passado lhe haviam colocado, se produziria de modo inevitável; e era evidente que o progresso da produção estava de braços dados com o progresso das artes, das ciências e da civilização em geral. Que não se pense que os hmens que tinham tais opiniões eram meros advogados dos consumados interesses dos homens de negócios. Eram homens que acreditavam, com considerável justificativa histórica neste príodo, que o caminho para o avanço da humanidade passava pelo capitalismo.” (A Era das Revoluções 1789 -1848, , Eric Hobsbawm, Paz e Terra, 21ª edição, São Paulo, 2007, p. 330/331)
Em seu livro A Era do Capital, Eric J. Hobsbawm descreveu a universalização das relações capitalistas de produção na Europa, EUA e no Japão. Sobre a ocidentalização do Japão, disse:
“Não era objetivo do novo regime abolir a aristocracia e as distinções de classe, embora estas últimas fossem simplificadas e modernizadas. Uma nova aristocracia tinha mesmo sido estabelecida. Ao mesmo tempo, a ocidentalização implicava a abolição das antigas posições, uma sociedade na qual a riqueza, a cultura e a influência política determinavam o status mais do que o nascimento, trazendo portanto genuínas tendências igualitárias: desfavoráveis para o samurai mais pobre, que recusava o trabalho comum, favoráveis para o povo simples, que passava a ser (a partir de 1870) autorizado a usar nomes de família e a escolher livremente tanto a profissão como o lugar de residência. Para os dirigentes japoneses, diferentemente da sociedade ocidental burguesa, tais questões constituíam não um programa em si, mas instrumentos para atinfir o programa de renascimento nacional.” (A Era do Capital 1848- 1875, Eric Hobsbawm, Paz e Terra, 12ª edição, São Paulo, 2007, p. 217)
Na fase seguinte, o capitalismo se expande violentamente na África e na Ásia:
“Num sentido menos superficial, o período que nos ocupa é obviamente a era de um novo tipo de império, o colonial. A supremacia econômica e militar dos países capitalistas há muito não era seriamente ameaçada, mas não houvera nenhuma tentativa sistemática de traduzi-la em conquista formal, anexação e administração entre o final do séxulo XVIII e o último quartel do XIX. Isto se deu entre 1880 e 1914, e a maior parte do mundo, à exceção da Europa e das Américas, foi formalmente dividida em territórios sob o governo direto ou sob a dominação política indireta de um ou outro Estado de um pequeno grupo: principalmente Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, EUA e Japão. As vítimas desse processo foram, até certo ponto, os antigos impérios europeus pré-industriais sobreviventes da Espanha e de Portugal, o primeiro mais que o segundo, apensar de tentativas de estender o território sob seu controle no noroeste africano. Entretanto, a permanência dos principais territórios portugueses na África (Angola e Moçambique), que sobreviveriam às outras colônias imperialistas, deveu-se basicamente à incapacidade de seus rivais modernos chegarem a um acordo quanto à maneira exata de dividi-los entre si.” (A Era dos Impérios 1875 – 1914, Eric Hobsbawm, Paz e Terra, 10ª edição, São Paulo, 2006, p. 88/89)
Apesar de não ser especialista em história contemporânea, o eminente historiador inglês escreveu sobre o breve século XX. A era dos extremos seria marcada por duas grandes revoluções socialistas (na Rússia e na China), por uma guerra mundial em duas etapas (1914-1919 e 1939-1945), pela Guerra Fria e pelo nascimento do terceiro mundo em razão do colapso dos impérios europeus:
“Descolonização e revolução transformaram de modo impressionante o mapa político do globo. O número de Estados internacionalmente reconhecidos como independentes na Ásia quadruplicou. Na África, onde havia um em 1939, agora eram cerca de cinqüenta. Mesmo nas Américas, onde a descolonização no início do século XIX deixara atrás umas vinte repúblicas latinas, a de então acrescentou mais uma dúzia. Contudo, o importante nelas não era seu número, mas seu enorme e crescente peso demográfico, e a pressão que representavam coletivamente.” (A Era dos Extremos, Eric Hobsbawm, Companhia das Letras, 2ª edição, São Paulo, 2007, p. 337)
A revolução socialista empolgou latinos, africanos e asiáticos, mas se consolidou dolorosamente apenas em alguns países (Cuba, Coréia do Norte e Vietnam), em outros fracassou sob a pressão dos EUA (Irã e Chile). No Egito o socialismo retórico de Nasser entrou em colapso após a derrota militar para Israel. Antes do século XX chegar ao fim, após um período de crescimento intenso (antes da II Guerra Mundial) e de um declínio continuo (após a década de 1960) a própria URSS desmoronaria em razão de uma profunda crise política. Todavia:
“O fracasso do socialismo soviético não se reflete sobre a possibilidade de outros tipos de socialismo. Na verdade, a própria incapacidade de a economia sem saída de planejamento central do tipo soviético reformar-se em ‘socialismo de mercado’, como se queria, demonstra o fosso entre os dois tipos de desenvolvimento.” (A Era dos Extremos, Eric Hobsbawm, Companhia das Letras, 2ª edição, São Paulo, 2007, p. 482)
Alguns anos antes de morrer, o prolífico historiador inglês deu uma entrevista em que afirmou o seguinte:
“Política, partidos, jornais, organizações, assembléias representativas e Estados: nada mais funciona da maneira como costumava funcionar, e na qual supúnhamos que continuariam funcionando por um longo tempo. Seu futuro é obscuro. É por esse motivo que, no final do século, não consigo olhar para o futuro com muito otimismo.” (O novo século, Eric J. Hobsbawm – entrevista a Antonio Polito, Companhia das Letras, São Paulo, 2014, p.173)
Por razões óbvias, o Brasil não ocupou um lugar central ou de destaque na obra de Eric Hobsbawm. Nosso país não protagonizou a revolução capitalista e apesar de ter adotado oficialmente a ideologia do progresso na sua bandeira nossa estrutura econômica continuou semi-feudal até meados do século XX. Ao contrário do Japão, cuja sociedade foi sendo modernizada desde meados do século XIX, o Brasil continua socialmente arcaico: cá o nascimento ainda define a trajetória pessoal e muito embora a riqueza (mesmo quando adquirida ilicitamente) possa ser considerada um elemento de distinção em relação as classes inferiores ela não confere o mesmo prestígio social que o cabedal associado à um sobrenome valioso.
O Brasil se tornou independente em 1822, mas seu desenvolvimento continua sendo conduzido de maneira dependente. Com exceção do breve período de substituição de importações (era Vargas) e da década de fortalecimento da economia brasileira com ênfase no mercado interno (era Lula/Dilma), nosso país é um apêndice ora de uma potência européia e mais frequentemente um cliente subalterno dos EUA. Em 2016 o golpe de estado consolidou a idéia de uma submissão completa ao mercado tal como o mesmo foi concebido pelos neoliberais norte-americanos.
O Brasil nunca se tornar um país capitalista, nem passou por uma revolução socialista. Aquilo que a direita chamou de “socialismo cubano-petista” durante a era Lula/Dilma era na verdade uma modesta reforma econômica, social e estatal que pretendia transformar as bases fundamentais da sociedade brasileira para possibilitar a implantação do capitalismo e do consumo de massas no país. A incapacidade da esquerda de resistir ao golpe de 2016 acarretou um do desenvolvimento dependente aos EUA comandado pelos protagonistas da economia semi-feudal que defendem uma sociedade hierarquizada com base no nascimento sob a tutela de um Estado excludente.
A destruição da soberania popular no Brasil não encontrou qualquer resistência militarizada. O levante dos estudantes contra a PEC-241, contudo, pode ser um indício de que nem tudo está bem no melhor dos mundos imaginados pela quadrilha de Michel Temer. Nada está funcionando bem no Brasil, nem os partidos, nem a democracia, nem a imprensa, nem o Judiciário, nem a repressão contra os estudantes que resistem ao golpe de estado. O futuro do Brasil é obscuro.
Não caminhamos para nem para o futuro (o projeto de Lula/Dilma está sendo destruído), nem para o passado (Michel Temer é incapaz de usar violência extrema para se impor aos estudantes). Já é evidente a estagnação crescente da economia brasileira num ambiente em que a crise política se tornou crônica se alastrando para dentro do Poder Judiciário.
O golpe de 2016 foi uma vitória dos juízes. É incerto, porém, o preço que eles pagarão por conspirar contra a democracia. O golpe de 2016 pode acarretar a destruição do prestígio que os juízes gozavam em razão da suspeita de colusão entre eles e os donos das empresas de comunicação.
A “era da colusão”, que também se caracteriza pela substituição dos julgamentos judiciários isentos com base na Lei pelo ato de julgar politicamente adversários ideológicos nos telejornais, nas revistas e nos jornais, está apenas começando. Em algum momento ela chegará ao fim. Antes disto, porém, o Brasil pode se fragmentar. O crescimento de grupos separatistas ameaça tanto nossa integridade territorial quando o desrespeito pelos 54,5 milhões de votos atribuídos a Dilma Rousseff.
As Forças Armadas estão sendo intimidadas (condenação do vice-almirante Othon Pinheiro a 43 anos de prisão) para que possam ser desarmadas e desmanteladas. Até mesmo a imagem do Brasil no mundo foi comprometida por José Serra, político mais ligado aos separatistas paulistas do que ao país que o enriqueceu.
Além o homem certo para destruir a imagem do nosso país no exterior, Michel Temer pune administrativa e orçamentariamente os Estados do norte e nordeste incitando-os à se rebelar militarmente contra o poder central. É evidente, portanto, que a fragmentação territorial interessa às forças que tomaram de assalto o Palácio do Planalto. Descendente de sírios, Temer está determinado a transformar o Brasil numa Síria. É impossível dizer se ele sobreviverá para tirar proveito da tragédia que pretende provocar.