Concessionária de serviço público e propaganda eleitoral:pode?

08/11/2016 às 14:17
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É sabido que em épocas pré eleitorais a propaganda eleitoral é prática vedada aos agentes públicos. Contudo, quanto se trata de empresa privada delegatária de serviço público, a princípio pode parecer que tal regra não se mantém. Receamos não ser o caso.

Questionado sobre a aplicabilidade da Lei nº 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições, em especial quanto às condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais, às empresas privadas concessionárias de serviço público, respondemos:

A Lei n. 9.504/1997 que estabelece regras para as eleições assim prevê:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

Diante da vedação à propaganda em período eleitoral, debruçamo-nos sobre três elementos distintos: o agente público, o efeito da propaganda e seu objeto.

1. O agente público.

Conforme o texto da lei, a vedação se limita aos agentes públicos, servidores ou não. A questão então é definir se as concessionárias de serviço público podem vir a ser consideradas agentes públicos.

Em que pese se tratar tipicamente de entidade privada incumbida da execução ou prestação de determinado serviço público, não houve a transformação do serviço público em privado, mas, sim, o contrário, a Administração Pública ao delegar a prestação de determinado serviço por meio de concessão, é o próprio ente privado que se aproxima da órbita do direito público, tendo sua atuação assim afetada, mas sem desvirtuar por completo sua natureza privada.

Segundo Marçal Justen Filho[1]:

“A concessão não produz modificação do regime jurídico que preside a prestação do serviço público. Não acarreta transformação do serviço público em privado. A outorga da concessão não representa modalidade de desafetação do serviço, retirando-o da órbita pública e inserindo-o no campo do direito privado.

(...)

O concessionário atua perante terceiros como se fosse o próprio Estado. Justifica-se, desse modo, o poder-dever de o Estado retomar os serviços concedidos, sempre que o interesse público o exigir.”

Dentre as correntes estudadas, percebe-se que a figura da concessionária de serviço pública transita pelas mais variadas definições e nomenclaturas, mas sempre mantendo como pano de fundo a figura de agente público.

Citando Helly Lopes Meirelles, ensina Alexandre Mazza[2] que as concessionárias e permissionárias se qualificam como agentes honoríficos, sendo esta uma subespécie de agente público que exerce função pública por delegação estatal.

Entende José dos Santos Carvalho Filho[3] que as concessionárias de serviço público se definem como agentes públicos particulares quando diz que “são também considerados agentes particularescolaboradores os titulares de ofício de notas e de registro não oficializados e os concessionários e permissionários de serviços públicos.”.

Celso Antonio Bandeira de Mello[4], por seu turno, classifica as concessionárias e permissionárias de serviço público como Particulares em colaboração com a Administração, sendo esta uma subespécie de agentes públicos.

Muito embora haja entendimento divergente que entende ser a concessionária de serviço público ente absolutamente privado, a teoria de que as concessionárias se aproximam da definição de agentes públicos, independentemente de qual subespécie seja, encontra forte respaldo doutrinário.

Entendendo serem as concessionárias de serviço público, de alguma forma, subespécie de agente público, se mostra aplicável, portanto, o caputdo mencionado art. 73 da Lei n. 9.504/97.

2. O efeito da propaganda e seu objeto.

Já sobre o efeito da propaganda, o caput do art. 73 disciplina que são proibidas as condutas “tendentes a afetar a igualdade de oportunidade entre candidatos nos pleitos eleitorais”. Não se trata de toda e qualquer conduta, mas apenas daquelas que apresentam potencialidade em desequilibrar o resultado das eleições.

Até o ponto analisado, a propaganda que de nenhuma forma fizer ligação a qualquer candidato, partido ou coligação, mesmo que realizada por concessionária de serviço público, não implicaria em infração à vedação em análise, situação na qual lhe faltaria o núcleo do tipo, que é o desequilíbrio nas eleições decorrente da propaganda realizada.

Quanto ao terceiro ponto, o objeto da propaganda, a alínea b do inciso VI prevê como regra a vedação da propaganda institucional de atos, programas, obras, serviços etc. Mas excepcionalmente prevê a “propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado”.

Dessa forma, tratando-se de propaganda de eventual serviço ou produto que apresente concorrência no mercado, igualmente não representaria caso de conduta vedada à concessionária de serviço público.

3. Quando judicializada a questão.

Em pesquisa junto a tribunais eleitorais, identificamos que mesmo a propaganda informativa, por exemplo, no que diz respeito a melhoria da infraestrutura rodoviária do Estado, pode ser interpretada como atentatória ao equilíbrio do pleito eleitoral, por se entender que beneficia a imagem do atual governo.

TSE. AgR no RO nº 5163-38.2010.6.06.0000

Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. CONDUTA VEDADA A AGENTES PÚBLICOS. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL EM PERÍODO CRÍTICO. ART. 73, INCISO VI, ALÍNEA B, DA LEI Nº 9.504/97. CONDENAÇÃO. BENEFICIÁRIOS. MULTA. MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS. ENUNCIADO SUMULAR 182 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESPROVIMENTO.

1. Não prospera a insurgência quanto à negativa de seguimento ao recurso ordinário de forma monocrática. Segundo a jurisprudência desta Corte, "é facultado ao relator apreciar, monocraticamente, os recursos que lhe são distribuídos, nos termos do art. 36, §§ 6º e 70, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral" (AgR-REspe no 31-91/GO, rei. Mm. JOÃO OTAVIO DE NORONHA, DJede 18.6.2014).

2. Para a configuração da conduta vedada prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97, não se faz necessário que a mensagem divulgada contenha menção expressa ao agente público ou à eleição, bastando que tenha sido veiculada nos três meses anteriores ao pleito e sem o albergue das exceções previstas no dispositivo.

3. Hipótese em que ficou comprovada a veiculação, durante o período crítico, em outdoors localizados na Rodovia CE 040, de publicidade institucional não enquadrável nas exceções legais, cujo teor, para além de simplesmente informar acerca dos aspectos técnicos das obras que ali eram realizadas, também teve o condão de enaltecer a atuação administrativa do Governo do Estado do Ceará, notadamente nos assuntos que dizem respeito à melhoria da infraestrutura rodoviária do Estado, em claro benefício não só à candidatura do então governador e candidato à reeleição, como também à de seu companheiro de chapa e respectiva coligação.

4. O art. 73, § 81, da Lei nº 9.504/97 prevê a incidência da multa a partidos, coligações e candidatos que se beneficiarem das condutas vedadas.

5. As razões do regimental não infirmam a fundamentação do decisum agravado, atraindo o óbice da Súmula 182 do STJ.

6. Agravo regimental desprovido.

TSE. AgR no RO nº3664-93.2014.6.09.0000

Relator: Ministro Henrique Neves da Silva

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. OUTDOOR. PERÍODO PROIBIDO. APLICAÇÃO DE MULTA.

1. Se o Tribunal de origem concluiu que houve veiculação de propaganda institucional no período vedado mediante afixação de outdoor em rodovia contendo informações sobre obras e serviços da administração pública estadual, a reforma do julgado demandaria o reexame de fatos e provas, providência vedada em sede extraordinária (Súmulas 7 do STJ e 279 do STF).

2. A permanência de publicidade institucional durante o período vedado é suficiente para que se aplique a multa prevista no art. 73, § 4º, da Lei nº9.504/97, sendo irrelevante que a peça publicitária tenha sido autorizada e afixada em momento anterior. Precedentes.

3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior e do art. 73, VI, b, da Lei das Eleicoes, o caráter eleitoreiro da publicidade institucional é irrelevante para a incidência da vedação legal. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

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Vale ressaltar que, muito embora a principal figura no caso de punição seja aquele que tenha se beneficiado com a propaganda, a concessionária também pode vir a ser responsabilizada pela propaganda considerada eventualmente irregular:

TRE-RJ - RECURSO ELEITORAL: RE 517 RJ

Relator (a): LUIZ CARLOS SALLES GUIMARÃES

Julgamento: 06/06/2000

Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Volume III, Tomo II, Data 21/06/2000, Página 04

RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA. ALEGAÇÃO DE INFRINGÊNCIA DA LEI Nº 9.504/97. COLOCAÇÃO DE PAINÉIS À MARGEM DE RODOVIA FEDERAL. SE A CONCESSIONÁRIA DE TAL SERVIÇO PÚBLICO CONTRATOU COM TERCEIRO, EM REGIME DE EXCLUSIVIDADE, A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMERCIALIZAÇÃO DE ESPAÇOS PUBLICITÁRIOS, DEVE ESTE RESPONDER POR EVENTUAL INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA ANULAR A DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU, EXCLUIR A RECORRENTE DO FEITO E DETERMINAR A APURAÇÃO DE EVENTUAL RESPONSABILIDADE DA EMPRESA DE PUBLICIDADE. À UNANIMIDADE, DEU-SE PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Por outro lado, com fundamento no art. 37, parágrafo 1º, da Constituição Federal, o Tribunal Superior Eleitoral publicou a Resolução nº 23.457/2015, que, dispondo sobre propaganda eleitoral e condutas ilícitas, na campanha eleitoral de 2016, prevê não ser vedada a propaganda, mesmo que de órgãos públicos, que apresentar caráter educativo, informativo ou de orientação social, desde que não conste nomes, símbolos ou imagens que caracterizam a promoção de candidato, partidos ou coligações:

Art. 63. A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou de servidores públicos.

4. Conclusão

Pelas razões expostas, concluímos que o art. 73 da Lei nº 9.504/97, que veda aos agentes públicos, servidores ou não, a prática de condutas que possam afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, dentre elas a propaganda institucional, se estende às concessionárias de serviços públicos.

No entanto, não é toda e qualquer prática ou toda e qualquer propaganda que pode sofrer vedação no período eleitoral. Como visto, somente serão vedadas as práticas que de alguma forma possam influenciar o resultado das eleições, promovendo ou prejudicando determinado candidato, partido ou coligação, como por exemplo a propaganda de obra com mensagens do tipo “Mais uma obra do governo XXX” ou “Obra realizada pelo Governo YYY”.

Igualmente, parecem estar livres da vedação a propaganda de serviços ou produtos que tenham concorrência no mercado. A propaganda de que determinada concessionária, por exemplo, ganhou prêmio por excelência no atendimento na rodovia, que determinado aeroporto conta com maior estrutura e que, portanto, conta com menor tempo de espera entre os voos, que o transporte aquaviário de passageiros é o mais célere e seguro ou ainda que o transporte metroviário é o mais confortável, além de não representar potencial elemento influenciador nos pleitos eleitorais, também se tratam de serviços que contam com outros concorrentes no mercado, caracterizando, portanto, a exceção à regra da não propaganda, e desde que não apresente símbolos de promoção pessoal de autoridade ou servidor público, nos termos do art. 63 da Resolução 23.457/15, não identificamos infração às vedações do art. 73 da Lei 9.504/97.

______________________

[1] Marçal Justen Filho. Teoria geral das concessões de serviço público. Ed. SP: Dialética, 2003. P. 55/56.

[2] Alexandre Mazza. Manual de direito administrativo. SP: Saraiva, 2012. P.445.

[3] José dos Santos Carvalho Filho. Manual de direito administrativo, ed. 18. RJ: Lumen, 2007. P.527.

[4] Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. Ed.30. SO: Malheiros. P. 256.

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Sobre o autor
Rafael Zanatta e Fonseca

Advogado consultivo. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais e Especialista em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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