A partir do advento, ainda em 2010, da Emenda Constitucional nº 66, que aboliu, como requisito do divórcio, a necessidade de prévia separação de fato por mais de dois danos, ou de separação judicial por mais de um ano, multiplicaram-se as vozes na doutrina brasileira de que o instituto da separação judicial teria sido extirpado do ordenamento, tornando-se, assim, supostamente, a pretensão de separação juridicamente impossível (v. g. GAGLIANO, 2010; TRALDI, 2010).
Esta afirmação da doutrina teve reflexos no cotidiano judiciário nacional, que passou, em grande parte, a refletir o entendimento de que a Emenda Constitucional nº 66 teria implicado a plena abolição do instituto da separação judicial – e, por via reflexa, também da separação extrajudicial por escritura pública, realizada até então nos termos do artigo 1124-A, do Código de Processo Civil.
Mencione-se, apenas a título de exemplo, precedentes dos Egrégios Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro (cf. STJ, AREsp 646182/RJ), de São Paulo (cf. STJ, REsp 1393841/SP) e da Bahia (cf. TJBA, Ap. Cív. 0004074-2/2005), em que se considerou que a petição inicial de ação de separação judicial seria inepta, precisamente por suposta impossibilidade jurídica do pedido, após o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, aliás, chegou a considerar que não haveria, supostamente, julgamento extra petita quando se decretasse o divórcio em demanda na qual tivesse sido pleiteada a simples separação judicial, o que seria viável em virtude de uma alegada “otimização da prestação jurisdicional” (cf. STJ, AREsp 423245).
Desde então, contudo, também há vozes persistentes, que continuam afirmando a viabilidade jurídica da pretensão de separação judicial (MARQUES, 2010; PINTO, 2010; ROSA, 2010; ANTUNES, 2011), e é bem verdade que também houve reflexos nesse sentido na prática jurídica nacional, sendo possível citar precedentes dos Egrégios Tribunal de Justiça do Estados do Rio Grande do Sul (cf. TJRS, Ap. Cív. 70043207265) e de Minas Gerais (cf. TJMG, Ap. Cív. 10324100062862001).
Isto ocorreria, em síntese apertada, porque a Emenda Constitucional nº 66/2010, ao alterar a redação do artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, simplesmente aboliu a exigência de prévia separação – judicial ou de fato – sem que tenha, contudo, proibido o instituto.
É bem verdade que muito se alegou que a intenção de extinção da separação judicial estava expressa na exposição de motivos do Projeto de Emenda Constitucional – mas também é por demais sabido que “as justificativas de projetos de leis, em geral, e de emendas constitucionais, em particular, não têm caráter normativo” (ANTUNES, 2011).
A controvérsia, que persistia, ganhou novo fôlego com a publicação da Lei 13105/2015, que institui o Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em março de 2016, e que trata da separação judicial em diversos de seus dispositivos.
Assim, por exemplo, o artigo 23, III, do Novo Código de Processo Civil, determina a exclusividade da jurisdição brasileira para proceder à partilha de bens situados no Brasil, em caso de divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, e o artigo 53, I, do Novel Diploma Adjetivo Civil trata da fixação da competência territorial, em ações de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável.
O artigo 189, II, do Novo Código de Processo Civil, determina que as ações de separação serão processadas sob segredo de justiça – o que constitui exceção à determinação geral de publicidade, encartada no caput daquele mesmo dispositivo legal.
Os artigos 693 a 699, do Novo Código de Processo Civil, disciplinam as ações litigiosas de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação, enquanto os artigos 731 a 734, daquele mesmo Diploma Legal, regulam as ações consensuais de divórcio e separação – aliás, o artigo 733 renova, em termos expressos, a possibilidade de que a separação judicial, tanto quanto o divórcio e a dissolução da união estável, pode ser realizada, em determinadas circunstâncias, por meio de escritura pública.Enfim, se fosse correto que a Emenda Constitucional nº 66/2010 teria implicado a impossibilidade jurídica da pretensão de separação judicial, seria forçoso concluir que o Novo Código de Processo Civil, ainda por entrar em vigor, pretende disciplinar uma questão já superada, há muito, pela ordem constitucional vigente.
A realidade, contudo, que, salvo melhor juízo, ressurge com renovada força, é a de que a Emenda Constitucional nº 66/2010 tão somente extinguiu o requisito de prazo prévio de separação, para a decretação do divórcio - sendo certo, todavia, que separação e divórcio continuam convivendo no ordenamento jurídico nacional, com objetos distintos, já que, em geral, “a separação, de um lado, simplesmente suspende uma série de deveres conjugais, o divórcio, a seu turno, dissolve definitivamente o vínculo conjugal” (ANTUNES, 2011).
Esta conclusão, aliás, está a revelar a fragilidade do principal argumento daqueles que o contrário defendem, no sentido de que a separação não poderia sobreviver, pois chancelava uma odiável intervenção do Estado na esfera particular – e íntima – do cidadão, ao exigir sua submissão a certos requisitos para, apenas então, credenciá-lo a obter a dissolução definitiva do matrimônio.
Advogar tal raciocínio parece incorrer na mesma equivocidade retórica de outrora: impor ao jurisdicionado, manu militari, um determinado desfecho, mais especificamente o de compelí-lo a abreviar o esvanecimento do vínculo conjugal, ainda que os consortes, hesitantes momentaneamente no triunfo da convivência mútua, queiram não sepultar o vínculo, mas, sim, melhor refletir sobre a superação dos pontos de desacordo para, apenas então, quando convictos, optarem pelo restabelecimento dos efeitos do matrimônio ou pela dissolução definitiva dos mesmos.
É por estes motivos que, a nossos olhos, ambos os institutos – separação e divórcio – convivem harmonicamente após a EC nº 66/2010, coabitando, respeitosamente, o mesmo ordenamento jurídico.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Thiago Caversan. A Separação Judicial Após a Emenda Constitucional nº 66. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20390>. Acesso em 11 nov. 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze. A Nova Emenda do Divórcio: primeiras reflexões. 2010. Disponível em: <http://api.ning.com/files/jAAfZ4ZIOqsw6Su4T*wOBHOAazuXtP6*Hem94-*7jF6rx30yYMttNzyFDubIRnN*FnohToVaNMLmmGJM5JNluRN0PKTwUiTT/Artigo.NovoDivorcio.PabloStolze.pdf>. Acesso em 2 ago. 2011.
MARQUES, Nemércio Rodrigues. A Emenda Constitucional nº 66 e a Separação Judicial. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17350>. Acesso em: 1 ago. 2011.
PINTO, Fernando Henrique. Emenda Constitucional não Revoga Prazos Legais para Separação. 2010. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-ago-18/emenda-constitucional-poe-fim-apenas-sociedade-conjugal>. Acesso em: 2 ago. 2011.
ROSA, Karin Regina Rick. Existe Separação depois da Emenda Constitucional nº 66/10? 2010. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2303919/existe-separacao-depois-da-emenda-constitucional-n-66-10>. Acesso em: 2 ago. 2011.
TRALDI, Maurício. Emenda Constitucional nº 66/2010: o fim da separação e a agilização do divório. 2010. Disponível em: <http://www.pinheironeto.com.br/upload/tb_pinheironeto_artigo/pdf/210710093214anexo_bi2115.pdf>. Acesso em: 2 ago. 2011.