3 A GARANTIA DE DIREITOS SOCIAIS-FUNDAMENTAIS
O direito brasileiro revela uma posição avançada no que concerne aos direitos sociais, consagrando-os como fundamentais e assegurando-lhes uma supremacia normativa, reconhecendo a eles o mesmo regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais. Apresentando uma dupla dimensão subjetiva e objetiva, os direitos sociais – tais quais os fundamentais- têm a possibilidade de serem exigíveis em face de seus destinatários, encontrando dificuldades e objeções nessa esfera subjetiva, como a pobreza das normas definidoras de direitos sociais, os limites ao controle judicial das políticas públicas, a dependência da disponibilidade de recursos públicos, ou seja, dos impactos da chamada reserva do possível. Então, a tendência jurisprudencial brasileira é reconhecer um direito subjetivo definitivo ao menos no plano do mínimo existencial concebendo-o como garantia à existência de condições mínimas para uma vida digna, evidenciando-se em maior parte nos direitos à saúde e educação.
Na perspectiva objetiva, a força normativa da Constituição impõe ao Estado a necessidade de uma perpétua realização de direitos sociais, tornando-as parâmetro para a criação de outras normas e políticas públicas a serem desenvolvidas por instituições e diretrizes responsáveis pela eficácia e concretização de tais direitos. Essa visão permite a tutela das garantias institucionais contra a ação erosiva do legislador, propiciando ao Estado atuar de forma preventiva com o dever de proteção da proibição de insuficiência de proteção, não sendo aceito desgastes decorrentes na tutela desses direitos.
3.1 Teoria da Reserva do possível e o mínimo existencial
A reserva do possível, como bem salienta Ingo Sarlet, é um ponto polêmico em termo de exigibilidade dos direitos sociais, já que abrange uma dimensão economicamente relevante desses direitos nas prestações estatais. Como já analisado, direitos acarretam em custos para sua efetivação e proteção, mas em termo de exigibilidade judicial não se pode apontar esse fator custo como elemento impeditivo de efetivar qualquer direito social de obrigação estatal. E é exatamente nesse ponto que anda o cenário político do país, onde tem-se o custo assumindo grande importância nessa análise de concretização de prestações de direitos sociais, no qual se estabelecendo um teto de gastos públicos para as despesas primárias, a alocação de recursos públicos não é necessária ou suficiente para assegurar o fornecimento de prestações, leia-se reinvindicações, materiais, evidenciando a efetividade dos direitos sociais dependente da conjuntura econômica nacional.
Dessa forma, a alegação de insuficiência de recursos pode abarrotar a continuidade do serviço público, como a ineficácia no serviço do Sistema Único de Saúde ou investimento em pesquisa e extensão universitárias, interrompendo, limitando ou até negando a efetivação de políticas públicas essenciais e que garantam um futuro digno. A partir daí o Estado vê-se na obrigação constitucional de prestar à sociedade o que considera como o mínimo existencial para garantir uma vida digna, como reivindicado no contrato social. É exatamente por esses aspectos que se deve exigir dos órgãos estatais e agentes políticos a maximização dos recursos (materiais e humanos) e minimização do impacto da reserva do possível, não devendo esta servir de obstáculo para eximir-se de cumprir no que persiste à efetividade dos direitos sociais.
Sustenta-se uma dimensão tripla em torno da reserva do possível, caracterizada pela: a) real disponibilidade fática dos recursos para efetivar os direitos sociais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos; e c) o problema da proporcionalidade da prestação, quanto a sua exigibilidade e razoabilidade ao titular do direito. Destarte, esses aspectos vinculam entre si e exigem uma solução sistemática e constitucionalmente adequada de todos os direitos fundamentais para que não sirvam de barreira, mas sim como garantia de proteção dos direitos fundamentais e sociais. Essa solução sistemática outrora vista em torno de contenção da dívida pública, pode ser feita em conjunto com as alternativas à crise econômico-política já idealizadas de forma a recuperar a credibilidade nessa seara.
Ora, se para a manutenção cíclica do amparo aos direitos fundamentais e sociais é preciso uma maior disponibilidade orçamentária, os agentes políticos devem levar em consideração a afronta que uma Proposta de Emenda à Constituição possa fazer a essa efetividade, inviabilizando a médio prazo a demanda contingencial de políticas e serviços públicos, uma vez que a previsão de crescimento populacional e longevidade da sociedade cresce exponencialmente, não acompanhando o fluxo orçamentário entre as despesas e a receita do país. A grosso modo, medidas fiscais diversas da PEC 55 trazem mais benefícios do que a implementação de um teto para os gastos públicos federais primários, por isso a defesa pela renúncia fiscais a empresas ineficientes e a taxação de grandes riquezas e bens.
CONCLUSÃO
Com todo o estudo apropriado, percebe-se a carência de políticas públicas ideais e que realmente refletem as necessidades da população. Nesse oposto, Barroso (2015, pág. 518) instrui acerca da doutrina da efetividade de normas constitucionais que “nos dias que correm, tornou-se necessária a sua convivência com novas formulações doutrinárias, de base pós-positivista, como a teoria dos princípios, as colisões de direitos fundamentais, a ponderação e o mínimo existencial”. Trata-se da exigência de um direito subjetivo ao Poder Público e do particular responsável, pois se está na Constituição é para ser cumprido.
Então, um governo de representações e linha sucessória instáveis não pode burlar as expectativas constitucionais no que concerne aos direitos fundamentais e sociais. É notória a grave crise econômica que passa o país, com índices de desemprego altíssimos, taxas de juros elevadas, constantes descasos na saúde pública, na educação, superfaturamentos em obras públicas, tudo isso passa pelo crivo dos governantes e a decisão que resolvem tomar é sobrecarregar a classe proletária com mais isenções e medidas restritivas de direitos existentes para permitir a concretização da dignidade humana.
Como meio impeditivo de prestação negativa dos direitos sociais, deve-se aplicar o princípio da proibição de retrocesso como medida de coibir ou corrigir medidas restritivas ou supressivas de direitos sociais. Baseado nisso, a jurisprudência reconhece (como garantia constitucional implícita) a vigência do princípio da vedação desse retrocesso social, coibindo medidas que mediante a revogação ou alteração da legislação infraconstitucional desconstituam ou afetem gravemente o grau de concretização já atribuído a determinado direito fundamental, equivalendo-se à violação constitucional e dos direitos nela consagrados. Mas falta um melhor controle de constitucionalidade a medidas que tendem alterar diretamente a Constituição (como a PEC dos gastos públicos) pois em seu núcleo é reconhecido o caos institucional que a mesma pode causar com a ingerência dos recursos estatais às políticas garantidoras dos direitos fundamentais e sociais. É um retrocesso às conquistas sociais que passa pela ingerência política dos representantes e gestores do ordenamento.
Dessa forma, é urgente o debate com os setores e classes envolvidos nas políticas públicas, só assim pode-se concluir a melhor decisão para continuar o desenvolvimento nacional, que não necessariamente deve privilegiar o limite de investimento nos gastos primários como o maior garantidor da retomada do crescimento econômico e da estabilidade nacional, esquecendo-se das áreas sociais responsáveis pela perspectiva de um futuro melhor.
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Notas
[2] FMI - World Economic Outlook Database, abril de 2016.
[3] Ministério do Planejamento/Orçamento 2017