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Mediação penal como alternativa no combate a violência doméstica e familiar contra a mulher

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3. MEDIAÇÃO

A mediação é uma ferramenta voltada à resolução de conflitos, na medida em que abre canais de comunicação entre as partes envolvidas. Nesta atividade, duas ou mais pessoas são orientadas por um terceiro desinteressado, que os ajuda a entender as causas que levaram ao conflito, confrontando seus pontos de vista e buscando a solução através de uma reparação. Assim leciona Leonardo Sica:

(...) a mediação, em primeira e superficial análise, pode ser lida apenas como uma forma de “conciliação”, compreendida como encontro entre pessoas em contenda, na presença de um facilitador, para a discussão de eventual acordo. Por isso, a necessidade de qualificá-la como uma forma de reação penal, cujo desenvolvimento pode afetar a necessidade de pena. (SICA, 2007, p. 47)

Tanto a mediação quanto a conciliação dirigem sua atenção para a obtenção de um acordo, desafogando a máquina judiciária. Este poderia perfeitamente ser alcançado sem o envolvimento de terceiros, porém a disparidade de visões e opiniões provocam condutas hostis que obstam o entendimento entre as partes. Destarte, a presença do terceiro tem o condão de garantir um mínimo de civilidade e desenvolvimento do diálogo, levando os contendores a encontrar uma solução para o conflito, prescindindo de apelarem à autoridade judiciária e ao processo penal. A diferença consiste no papel desempenhado pelo terceiro.

Na conciliação, o terceiro exerce um papel determinante na elaboração dos termos do acordo e, posteriormente, na propositura deste às partes. Já na mediação, o poder de decisão e a responsabilidade são deixados inteiramente nas mãos das partes durante o processo de conciliação, tendo o mediador a função específica de promover a comunicação.

O processo de mediação não é um procedimento privado quando se trata de demanda do âmbito penal, devendo ser submetido ao controle jurisdicional. Compete ao juiz decidir, tendo acompanhamento ou não do Ministério Público, se envia o caso à mediação e se aceita seu resultado como possível substituto da intervenção penal, preservando o caráter público do processo. Neste sentido, o que se permite é que as partes intervenham diretamente na solução do litígio, tendo o envolvimento da comunidade.

Segundo Leonardo Sica (2007, p. 58), os requisitos para a mediação penal são a voluntariedade, confidencialidade, oralidade, informalidade, neutralidade do mediador, envolvimento comunitário ativo e autonomia em relação ao sistema de justiça e desenvolve-se em quatro fases: envio do caso para o ofício de mediação e este assume a responsabilidade pelo conflito; fase preparatória, em que os mediadores estabelecem contato com as partes e colhem o consentimento para a participação; as sessões de mediação; e, por último, o monitoramento do êxito da mediação e posterior reenvio do caso à autoridade inicial.

A mediação penal restabelece às partes o poder de administrar seus próprios conflitos procurando a melhor solução. Deste modo, atende à vontade externada por uma grande parcela das vítimas que buscam ter algum controle sobre a resolução dos problemas que as atingiram.

Portanto, o objetivo da mediação penal é complementar o sistema de justiça criminal e não substituí-lo, amoldando-se à realidade jurídica e social brasileira. Alcançando sua finalidade, pode representar um ganho concreto na administração de litígios, devendo ser fomentada e expandida.

É bem verdade que a ocorrência de conflitos numa sociedade é algo inerente ao ser humano e os conflitos no contexto da vida em família é uma situação comum. A violência de gênero tem suas causas ligadas a fatores psicossociais, históricos e culturais, em virtude da predominância da dominação masculina e da subordinação imposta às mulheres, sendo uma das mais invisíveis formas de violência na sociedade.

Infelizmente, a violência doméstica é um problema que assola um número incontável de vítimas, e a maioria delas são forçadas a conviverem caladas com seus companheiros agressores, pelo fato de não terem uma estrutura social, econômica e até mesmo psicológica consolidada; ou seja, a maioria dessas vítimas é de classe social baixa, sem instrução educacional, refletindo numa perspectiva de futuro incerto.

Nesse contexto, a desestruturação do núcleo familiar através da violência doméstica, muitas vezes torna-se um circulo vicioso, que precisa ser combatido pelo legislador e pela sociedade, por meio de Leis e políticas públicas amplas, voltadas à vítima, ao agressor e àquelas pessoas que estão inseridas neste campo de violência.

Dessa forma, considerando a subordinação imposta às mulheres, por meio da discriminação histórica, da violência e do preconceito, convém ponderar que a existência de instrumentos internacionais de proteção é um grande avanço na luta por seus Direitos, como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher.

Cumpre observar que a Lei 11.340/2006 foi criada para proibir e reprimir a Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. No entanto, por mais que a lei tenha criado mecanismos de prevenção e repressão, observa-se uma grande dificuldade em tornar efetiva a proteção dos Direitos Humanos da mulher.

Mister se faz ressaltar, que o combate à violência doméstica em todas as suas formas, é um dos maiores desafios dos Direitos Humanos, e é um dos objetivos que a Constituição da República federativa do Brasil busca alcançar, com uma efetiva consolidação dos princípios fundamentais constitucionais, abarcados pela Magna Carta. Para tanto, é imprescindível que o Judiciário, junto com os outros poderes, a sociedade, e todas as organizações que formam um Estado Democrático de Direito, criem e estruturem meios eficazes de diminuir os índices de violência, bem como os efeitos desastrosos e negativos, possibilitando a reinserção da cidadania e da dignidade humana, rompida pela violência.

Consoante noção cedida, a mediação é um método de solução de conflitos baseado em atitudes e procedimentos de natureza conciliatória; e a intervenção de uma terceira pessoa na solução dos conflitos, sem sombra de dúvidas, facilita o diálogo e promove um maior equilíbrio, com ajustes mais adequados na resolução de conflitos. Entretanto, quando se trata de relacionamentos conjugais, somente a mediação parece não ser o meio mais efetivo para contornar o problema, pois a violência doméstica está intimamente ligada a sentimentos e emoções, deixando grandes sequelas não só nas vítimas, mas também nos filhos e familiares.

Dessa forma, a violência doméstica, devido à sua extrema complexidade poderia ser reduzida, utilizando um modelo cruzado, de intervenção do Estado, na forma de campanhas, educação, investimento em estudos sobre gênero, mas sem deixar de punir o agressor com a devida pena, como uma resposta retributiva ao delito, bem como, posteriormente, oportunizar, através da mediação familiar, solucionar todas as questões que circundam e formam o conflito de gênero, transformando a prática da justiça e produzindo mudanças fundamentais nas relações de gênero.

Em virtude dessas considerações, é imprescindível a participação do Estado perante a proteção da família, para que de fato sejam aplicados os direitos humanos, valores fundamentais da República Federativa do Brasil e que representam a razão de ser do Estado, nas questões referentes aos direitos das mulheres, dentre eles o de viver sem violência; garantindo, dessa maneira, a efetivação da dignidade da mulher.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que, há muito tempo, as mulheres vêm sofrendo violência de diversas formas, física, psicológica, sexual, moral, pelas históricas disparidades de gênero e preconceitos de uma sociedade machista e patriarcal, sobretudo com a violência doméstica, praticada em sua maioria por pessoas íntimas da vítima, de sua família, de dentro do lar e que, mesmo com os avanços ocorridos no debate e na legislação sobre este tema, verifica-se que, na prática os avanços legislativos não surtiram os efeitos almejados por vários fatores, sociais, culturais e institucionais que, dificultam ou restringem o acesso à justiça e a proteção às mulheres que são vítimas de agressão, culminando na maioria das vezes na ineficácia das ferramentas legislativas.

Vimos ainda, que o modelo de Estado atual firmado numa justiça de caráter meramente retributivo não vem conseguindo combater este tipo de violência, surgindo como alternativa neste contexto o modelo de justiça restaurativa, porém com caráter complementar, com o objetivo de reparar os laços entre os agentes envolvidos no crime e a sociedade, restabelecendo a ordem jurídica partida e a eficácia da intervenção estatal, garantindo a efetividade da lei. Deve haver uma evolução que dissolva o paradigma meramente punitivo, permitindo a coexistência entre a justiça retributiva e restaurativa, de maneira que os preceitos de uma complementem os preceitos da outra, formando um novo sistema capaz de reduzir os impactos sobre as vítimas e delimitar a culpa proporcional do infrator.

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Neste sentido, diante da insuficiência de delegacias especializadas e de Juizados de Violência Doméstica e da inércia do poder público em estruturar e aparelhar os órgãos competentes para prestação de uma efetiva proteção às vitimas da violência doméstica e aplicação da justiça de maneira eficaz ao cumprimento dos preceitos legais, não basta somente à criação de leis. É necessário que o Direito Penal e Direito Processual Penal procure formas de efetivar a legislação, bem como métodos capazes de realizar o fim almejado pelo legislador, qual seja, a erradicação da violência de gênero.

Dessa forma, a adoção da mediação penal como método complementar a justiça criminal verifica-se como uma ferramenta voltada à solução de conflitos, restabelecendo às partes o poder de administrá-los e estabelecer um diálogo à procura da melhor saída. Tal ferramenta pode produzir mudanças fundamentais nas relações de gênero, garantindo, dessa maneira, a efetivação dos preceitos legais, da justiça e da dignidade da mulher.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, André Gomma. Justiça Restaurativa – Coletânea de Artigos. – Brasília (DF): Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005.

COSTA, Ana Alice Alcântara. O Movimento Feminista no Brasil: Dinâmicas de uma Intervenção Política. Revista do Núcleo Transdisciplinar de Estudos de Gênero. n. 5, 2005.

PASSINATO, Wânia. Estudo de Caso sobre os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e a Rede de Serviços para Atendimento de Mulheres em Situação de Violência em Cuiabá, M.T, 2008,100 p. Relatório de pesquisa: Observatório Lei Maria da Penha – SPM.

PASSINATO, Wânia. Violência contra a mulher no Brasil: acesso à Justiça e construção da cidadania de gênero.In: CONGRESSO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 8, 2004, Coimbra. Violência contra a mulher no Brasil: acesso à Justiça e construção da cidadania de gênero. Coimbra: 2004, p. 1-18.

SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal - O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. – Rio de Janeiro (RJ): Lumen Juris, 2007.

SILVA, Karina Duarte Rocha. Justiça Restaurativa e sua Aplicação no Brasil. – Brasília (DF): UNB, 2007.

http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-nacionais-sobre-violencia-contra-a-mulher/ acesso em 01/07/2016 às 15:23.

http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,avancos-e-retrocessos-no-combate-a-violencia-contra-a-mulher-o-contexto-de-surgimento-da-lei-maria-da-penha-le,41019.html acesso em 30/06/2016 às 14:58.

http://www.douradosagora.com.br/noticias/brasil/principais-inovacoes-da-lei-maria-da-penha acesso em 03/07/2015 às 17:19.

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Sobre os autores
Arnon Henrique Alves Santos

Acadêmico do 10º período do curso de direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Jader Kenedy da Silva

Acadêmico do 10º período do curso de direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Carlos Maciel Rodrigues ; SANTOS, Arnon Henrique Alves et al. Mediação penal como alternativa no combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4901, 1 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53927. Acesso em: 19 mai. 2024.

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