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A responsabilidade civil e ética do médico no atendimento à distância

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19/12/2016 às 14:23

Resumo:


  • Jean-Jacques Rousseau, em "O Contrato Social", argumenta que para criar regras de sociedade ideais para as nações, seria necessário uma inteligência superior, desprovida de paixões humanas, que pudesse compreender profundamente nossa natureza e ainda assim se preocupasse com nosso bem-estar.

  • Os avanços científicos e tecnológicos impactaram profundamente a sociedade e exigiram novas legislações para proteger os interesses em produção e uso de bens de consumo, medicamentos e alimentos, enquanto a informática e a biotecnologia trouxeram desafios éticos e transformações nas comunicações, possibilitando, por exemplo, a telemedicina.

  • A judicialização da saúde no Brasil reflete as desigualdades sociais e a má gestão de recursos públicos, levando a uma crescente demanda por ações judiciais envolvendo médicos, hospitais e o Estado, e colocando o Judiciário em um papel de regulador na ausência de legislação clara ou suficiente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESPONSABILIDADE ÉTICA

1. Na Telemedicina:

Embora a responsabilidade profissional do atendimento caiba ao médico assistente do paciente, os demais envolvidos responderão solidariamente na proporção em que contribuírem por eventual dano ao mesmo. A atuação do médico que emite o laudo à distância, quanto a suporte diagnóstico e terapêutico, poderá se fazer em caso de emergência ou quando solicitado pelo médico assistente do paciente.

Assim, a telemedicina é modalidade de atendimento médico à distância praticada simultaneamente por dois ou mais profissionais médicos, não sendo cabível o caso clínico e, portanto, também os pontos a esclarecer, serem apresentados ao especialista distante por profissional não médico ou pelo paciente desacompanhado de seu assistente médico.

Mesmo não envolvendo a orientação terapêutica do paciente avaliado à distância, como acontece na realização de exames especializados, sempre haverá a necessidade de um médico que solicite o exame complementar e, com a devida autorização do paciente e os cuidados quanto ao sigilo profissional, envie os dados para análise e emissão do laudo do especialista que está no outro extremo. A Resolução atinente não aventa a possibilidade de um exame que envolva uso de contraste, sedação ou qualquer ato exclusivo de médico ser realizado por um profissional não médico e enviado ao especialista que o analisará; se assim ocorrer, não restará caracterizado o procedimento de telemedicina e caberá avaliação de possível infração ao artigo 2º do CEM, que veda ao médico “Delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica”.

O atendimento à distância também é bem normatizado pelo CFM quanto à telerradiologia (Resolução 2107/2014), destacando-se que nesse tipo de procedimento são vedados os procedimentos intervencionistas em radiologia e diagnóstico por imagem e exames ultrassonográficos (art 6º). A responsabilidade profissional é atribuída aos participantes do ato do mesmo modo que na telemedicina e há a determinação de que as pessoas jurídicas que prestarem serviços em telerradiologia deverão ter sede em território brasileiro e estar inscritas no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.

No atendimento em telemedicina, os principais riscos do ponto de vista ético-profissional estão relacionados ao não cumprimento do parágrafo único do artigo 37 do CEM/2009, que determina observar a normatização do CFM a respeito de tal prática. A inobservância da Resolução CFM 1643/2002 resultaria, também, na infração de outras normas deontológicas da profissão médica.

Assim, quando o médico assistente ou o especialista à distância apresenta o caso clínico ou recebe os dados, respectivamente, utilizando outro profissional não médico para transmiti-los ou recebê-los, incorre em infração aos artigos 37 e 2º do CEM/09, além do artigo 5º, por assumir ato médico que não praticou.

Se não forem observados os cuidados necessários para a guarda de dados em meio eletrônico (ou outro) e fique comprovado que o médico foi o responsável pela quebra do sigilo profissional, caso ocorra, este será considerado infrator aos artigos 37 e 73 do CEM/09.

Como em todo atendimento médico, há obrigação de elaborar prontuário para o paciente, com registro de todos os dados pertinentes, de acordo com o determinado no artigo 86 do CEM/09.

2. Na Consulta à Distância:

Na teleconsulta muitos são os riscos do ponto de vista ético-profissional. Dentre eles temos os relacionados ao fato de o paciente não ser examinado pelo médico de modo presencial, colidindo frontalmente com o artigo 37 do CEM/09 que veda ao médico prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente.

Ao não realizar o exame direto do paciente, em caso de complicação ou insatisfação por parte do paciente, o profissional poderia ser punido por infração ao artigo 32 do CEM/09, por “deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente  reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”, já que o exame físico lhe permitiria conclusões mais adequadas do ponto de vista técnico e a tomada das medidas mais indicadas, inclusive com a solicitação de exames complementares, caso necessários, com indicação mais precisa. Nessa linha de raciocínio, outro risco seria o de infração ao artigo 5º do CEM/09, ao assumir responsabilidade por ato médico que não praticou.

Além do citado com respeito ao artigo 32 acima, neste tipo de atendimento, os principais riscos do ponto de vista ético profissional estão relacionados a algumas situações que possam caracterizar imprudência ou negligência, quando o médico determina condutas consideradas incorretas ou não toma atitudes corretas, por não ter efetuado o exame direto do paciente, causando dano ao mesmo e incorrendo em infração ao artigo 1º do CEM/09.

Se o atendimento não segue a normatização do CFM quanto a telemedicina, a consulta à distância constitui infração ao parágrafo único do artigo 37 do CEM/09. Infrações éticas também ocorrerão se houver quebra do sigilo por culpa comprovada do médico (artigo 73) ou se este não elaborar prontuário para cada paciente (artigo 86).

3. Assinatura digital:

Além do registro em prontuário, poderá haver a necessidade de preenchimento de outros documentos pertinentes ao ato, como guias de exame, prescrições ou laudos médicos do atendimento. Como não se trata de atendimento presencial, os documentos gerados somente teriam validade se assinados pelo médico assistente do paciente que participou do atendimento em telemedicina, ou, se obrigatoriamente tiverem que ser emitidos pelo especialista consultado à distância, este teria que assiná-los digitalmente ou enviá-los em meio físico.

Portanto, visando preservar a autenticidade e o sigilo das informações, passos importantes terão que ser tomados por quem pratica este tipo de teleatendimento. No Parecer nº 30/2014, o Conselho Federal de Medicina reconhece a documentação médica em formato eletrônico e com assinatura digital, desde que cumpridas as normas de validade conforme Infraestrutura de Chaves Públicas ICP-Brasil, o que está em consonância com a Resolução CFM 1.821/2007.

Quanto aos pedidos de exames complementares, caso se trate de paciente que possua plano de saúde este item também sofrerá prejuízo, uma vez que as operadoras de planos e as seguradoras de saúde não preveem assinatura digital para essa finalidade. As guias de Serviço Profissional / Serviço Auxiliar de Diagnóstico e Terapia (SP / SADT) não seriam preenchidas diretamente por quem solicita os exames; o usuário teria que ir à presença de outro médico, que poderia não concordar com o raciocínio do solicitante à distância, visto que teria oportunidade de examinar o paciente e orientar outra conduta, colocando em dúvida o atendimento “online” ou gerando atrito na relação médico-paciente com respeito ao que fez a consulta presencial.


RISCOS DA FALTA DE LEGISLAÇÃO

Não havendo legislação que proíba e seguindo o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a fazer algo (ou deixar de fazê-lo) a não ser por força de lei, não há ilegalidade no exercício pelo médico do atendimento à distância, qualquer que seja a sua forma (“nullum crimen, nula poena sine lege”). Entretanto, a lei nº 3.268/1957 confere ao CFM a competência de normatizar a atividade médica em território brasileiro, já o tendo feito com relação à telemedicina, inclusive determinando que as empresas que a pratiquem tenham sede e registros em nosso país.

A consulta à distância, onde apenas um médico e o paciente participam do procedimento, não tem regulamentação específica, entendendo-se, porém, que, do ponto de vista ético-profissional, não deva ser realizada por não haver exame direto do paciente.

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Entretanto, o Brasil vive uma realidade onde milhares de médicos formados no exterior exercem a medicina em seu território sem validação de seus diplomas e sem registro nos Conselhos Regionais de Medicina dos Estados onde atuam, por força da Lei nº 12.871/13; como estes não estão sujeitos às normas e resoluções do CFM nem ao Código de Ética Médica em vigor no país, em tese poderiam também praticar consulta à distância sem risco de processo ético-profissional.

As diversas mídias e os aplicativos disponíveis para computadores e smartphones são de fácil acesso para as populações dos grandes centros urbanos brasileiros, onde impera a cultura da comodidade e do imediatismo e, para boa parte das pessoas, a consulta à distância, pagando com cartão de crédito, poderia parecer a solução para a maioria de seus problemas de saúde. Por isso, como se verificou com o aplicativo “Uber”, no ramo dos transportes, há sempre o risco da entrada no país de empresas de tele-consulta sediadas no exterior, com o atendimento feito por médicos não residentes no Brasil, falando em português, que, como os do programa “Mais Médicos” formados no exterior, por não serem inscritos nos CRMs, não seriam alcançados pelas Resoluções emanadas do Conselho Federal de Medicina, tampouco pelos Códigos Civil e Penal em vigor.

O melhor remédio, qualquer que seja a situação, sempre será aquele utilizado com uma boa dose de prudência tanto por aquele que o prescreve quanto por aquele que o recebe.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1- PARECER Consulta nº 12/2015-CRM-PA. Disponível em www.portalmedico.org.br Acessado em 01/11/2016

2-COMMISSIONE delle Comunitá Europee, Bruxelles, 4.11.2008. Disponível em http://notes9.senato.it.web;   www.medicinatelematica.it/   Acessado em 22/10/2015.

3- GARCIA, Mario E. Casado e SANZ, Ángel Santervás, in “Estado del arte de la Telemedicina en España y Europa”. Disponível em www.mecg.es/archivos   Acessado em 22/10/2015.

4- www.americantelemed.org    Acessado em 31/08/2015.

5- https://getheal.com/; www.doctorondemand.com/; www.teladoc.com/ Acessado em 31/08/2015.

6 – RESOLUÇÃO CFM 1643/2002. Disponível em www.portalmedico.org.br  Acessado em 01/11/2016.

7 – CÓDIGO de Ética Médica/2009, art 37. Disponível em www.portalmedico.org.br  Acessado em 01/11/2016.

8- www.who.org  Acessado em 31/08/2015.

9- www.unifesp.br/dis/set   Acessado em 31/08/2015.

10 – PARECER CFM 30/2002. Disponível em  www.portalmedico.org.br  Acessado em 01/11/2016.

11- CARREIRO, Paulo R. L., in “A ética na era digital”, TCBC-MG1    EDITORIAL Rev. Col. Bras. Cir. 2014; 41(4): 234-235

12- FRANÇA, Genival V., in “Direito Médico”, 12ª ed., pg 306-307. RJ. Forense, 2014.

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Sobre o autor
Manoel Walber Silva

Concluinte de MBA em Direito Médico pelo IPOG; médico, graduado pela UFPA em 1981. Exerci a perícia médica de 1982 a 2012. Conselheiro do CRM-PA, (ex-Vice Corregedor, atual 1º Tesoureiro).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Manoel Walber. A responsabilidade civil e ética do médico no atendimento à distância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4919, 19 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54127. Acesso em: 19 dez. 2024.

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