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Voo chapecoense: o adeus trágico.

A responsabilidade civil das empresas de transporte aéreo

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08/12/2016 às 15:40
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6. DANOS MATERIAIS E MORAIS

Os familiares das vítimas sofreram duas ordens de danos diretos, fora, evidentemente, os danos colaterais. Mas, neste ensaio analisaremos apenas duas ordens de danos, os materiais e os morais.

O primeiro deles e, certamente para os familiares, o mais intenso, diz respeito aos danos morais, decorrentes da perda dos entes queridos, pois a vida, esse bem precioso e inavaliável, não terá retorno. Nenhuma indenização poderá repor aquilo que foi perdido. Pais, filhos, netos, maridos, amigos, heróis, essas perdas ficarão para sempre.

E o que vem a ser o dano moral? Transcrevo, abaixo, a conceituação de dano moral constante de meu livro, já citado, litteris:

Por muito tempo, os pesquisadores do direito se indagaram sobre o que seria o dano moral. Sua definição, e ainda, sua precisão, seriam fatores decisivos na consagração do instituto. Sempre que se propõe a análise de algum fenômeno da natureza, tanto físico, quanto humano, mister se faz que se o conceitue o objeto de análise, no intuito de individualizá-lo, ou, nas palavras do filósofo Mário Ferreira dos Santos (1958:77), sente-se a necessidade de “estilizá-lo”. E estilizar é, justamente, abstrair o dado da realidade fenomenológica e simplificá-lo em categorias mais simples, para facilitar o entendimento. Se se partir de categorias, aprioristicamente, definidas e individualizadas, fica mais fácil a compreensão do dado que se apresenta para análise. E, uma vez compreendido, é possível dar-lhe desenvolvimento.

Num primeiro momento, deduziu-se, pela prática, que o dano moral representava aquela categoria de lesões que não atingiam o patrimônio material do indivíduo, daí a dificuldade de sua aceitação. Afinal, não se podia “ver” o dano. Mas ele existia. O fato de não se poder ver algo, não significa, necessariamente, que ele não exista. Assim como não se pode ver o vento ou a alma humana, que nem por isso deixam de existir. Por muito tempo a mazela perdurou.

Desse mesmo posicionamento é o ilustre professor Wilson Melo da Silva que, em sua brilhante monografia, assim se expressa:

A objeção tem aparência de seriedade.

De fato, nos danos morais, o juiz tem, pela frente danos não facilmente constatáveis, a olho nu, em toda sua extensão.

O campo dos danos morais é o interior de cada indivíduo. No recesso de sua alma é onde as dores se aninham. Só ele, que as sente, conhece, em toda enormidade, aquilo que o aflige.

E se, como nos ensinou LANGE, a dor se revela de maneira exterior, o seu hombre triste, contudo, pode não aparentar, com exatidão, toda extensão do que sofre. Em sucessão à crise aguda, é comum sobreviver a crise crônica de uma dor muda, não raro indefinida. (Silva,1983:375)           

Somente após muito tempo, após muitos erros e até injustiças, os meios jurídicos, representados pela jurisprudência, aceitaram a existência do dano moral. Este seria a categoria de lesões e danos que a pessoa sofre em seu patrimônio ideal, em sua psique, em seu ânimo. Não se exterioriza materialmente, mas existe, e pode ser perfeitamente detectado em muitos casos.

Assim, num primeiro momento, poderíamos conceituar os danos morais como sendo todas as lesões que um indivíduo sofre em seu patrimônio ideal, em sua psique, em seu estado de ânimo, trazendo-lhe tristeza, angústia, reprovação social, enfim, máculas em sua honra. (DELGADO,2011:123/124)

Além dessa conceituação, transcrevo as lições dos juristas De Plácido e Silva e Marcus Cláudio Acquaviva sobre o dano moral, nestes termos:

Consoante o magistério do grande De Plácido e Silva (1993:5), assim se pode visualizar (ou conceituar) o dano moral: “Assim se diz da ofensa ou violação que não vem ferir os bens patrimoniais, propriamente ditos, de uma pessoa, mas os seus bens de ordem moral, tais sejam os que se referem à sua liberdade, à sua honra, à sua pessoa ou à sua família”.

Corroborando tal entendimento, acerca da visualização do dano moral, assim se manifesta o Prof. Marcus Cláudio Acquaviva (1998:422) em sua magistral obra Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva: “Prejuízo de ordem não patrimonial, suscetível de indenização. Esta espécie de dano lesiona, principalmente, a intimidade, a honra e o bom nome do indivíduo ou de sua família”.

Assim, como se deduz do exposto e, em conclusão ao que os doutos autores acima muito bem expõem em suas obras, o dano moral compreende os danos que afetam o íntimo das pessoas, seu âmago, sua estrutura psicológica, espiritual. Ressalte-se ainda que, somente a pessoa lesada está em condições de dizer se houve ou não dano moral, pois somente ela tem acesso ao seu equilíbrio psíquico, ao seu íntimo. (DELGADO,2011:125)

E, ainda, Orlando Soares assim leciona:

O conceito de dano moral diz respeito à ofensa ou violação que não fere propriamente os bens patrimoniais de uma pessoa – o ofendido -, mas os seus bens de ordem moral; tais como os que se referem à sua liberdade, honra (à sua pessoa ou à sua família), compreendendo-se na idéia de honra o que concerne à fama, reputação, conceito social, estima dos outros. (SOARES apud DELGADO, 2011:126)

O dano moral, assim, é o dano que se processa subjetivamente, no âmago, no cerne, na alma da pessoa lesada. O dano moral, dada sua especificidade, não pode ser visto pelos olhos do corpo, mas apenas percebidos, sentidos pelos olhos da alma.

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Não se pode negar, todavia, que as tragédias são exceções, pois, no caso do desastre que pôs fim à vida dos tripulantes do voo chapecoense, é mais do que visível, tanto pelos olhos do corpo, como pelos da alma, a dor intensa e devastadora que se instalou não apenas nos familiares das vítimas, mas se espraiou para a cidade de Chapecó, para a Nação brasileira, para o Mundo.

A vida humana é o mais precioso dos bens, estando no ápice de salvaguarda e proteção de qualquer ordenamento jurídico de um povo que se proclame civilizado.

Diante disso, não é despropósito dizer que o valor das indenizações por danos morais, aos familiares das vítimas, neste caso, não pode assumir valores irrisórios e/ou simbólicos. Deverá ser estabelecido, referido valor, tendo em vista a extensão de referidos danos, ex vi do Art. 944 do Código Civil que diz: “A indenização mede-se pela extensão do dano”.

Quanto aos danos materiais, penso que os mesmos dirão respeito a possíveis pensionamentos dos dependentes das vítimas, tanto de filhos, ou esposas, ou, ainda, pais. Provando-se que o parente dependia financeiramente da vítima, abre-se a possibilidade do estabelecimento de pensão alimentícia. Além disso, entra no quesito dano material as despesas que os familiares tiverem com o velório, desde o translado do corpo, compra da urna funerária ou caixão e compra do terreno no qual o corpo será enterrado.

Para os sobreviventes, além dos danos materiais e morais que tiveram, há, ainda, a possibilidade de requerer reparação por danos estéticos, decorrentes dos danos corporais ocasionados pelo acidente. Não se esquecendo, ainda, que os sobreviventes têm direito a que a empresa responsável pelo acidente pague todas as despesas médicas e hospitalares que tiverem.


7. CONCLUSÃO

Pelo exposto, podemos concluir que a responsabilidade das empresas aéreas pelos danos sofridos pelos passageiros e seus familiares é contratual, ou seja, decorre de uma obrigação de resultado, que se traduz no transporte seguro do passageiro do local de embarque ao local de destino; é, ainda, objetiva, com base na teoria do risco criado, ou seja, configura-se independentemente do elemento culpa, bastando a prova da ação ou omissão do agente, o dano e o nexo de causalidade e, ainda, tem aplicabilidade as regras disciplinadoras das relações de consumo.

No caso de vítimas fatais de acidentes aéreos, configurados estão os danos materiais e morais sofridos pelos familiares. Já quanto às vítimas sobreviventes, além dos danos morais e materiais, há, ainda, a possibilidade de se pleitear a devida reparação por danos estéticos, porventura sofridos.

Neste ensaio, abordei apenas a questão da responsabilidade civil das empresas aéreas, não entrando no mérito da responsabilidade penal.

Assim, de maneira superficial, esse o quadro que vejo juridicamente neste trágico acidente, em se provando, por meio da perícia da “caixa preta”, que houve culpa da empresa aérea.


Notas

[1] A obra foi objeto de reportagem no renomado portal jurídico Consultor Jurídico, pelo jornalista Robson Pereira, no seguinte endereço: http://www.conjur.com.br/2012-mai-21/criterios-parametros-tabela-precos-dano-moral, sob o título “Critérios, parâmetros e preços no dano moral”.

[2] Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2016/11/aviao-da-chapecoense-desrespeitou-plano-de-voo-admite-companhia-8557335.html <Acessada em 3.12.2016 às 11h58min>

[3] Outras reportagens sobre o assunto:

“Companhia aérea dona de avião que caiu na Colômbia teria negócios obscuros na Venezuela, diz jornal – Com 17 anos de uso, aeronave transportava 77 pessoas quando sofreu o acidente” (fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2016/11/companhia-aerea-dona-de-aviao-que-caiu-na-colombia-teria-negocios-obscuros-na-venezuela-diz-jornal-8554820.html);

“Aeronáutica colombiana pede prudência sobre as causas do acidente – Diretor disse que caixas-pretas serão enviadas para a Grã-Bretanha”(fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2016/11/aeronautica-colombiana-pede-prudencia-sobre-causas-de-acidente-8554489.html);  

“Porta-voz da LaMia admite que aeronave trabalhava no limite de sua capacidade de combustível

Representante da companhia acrescenta, porém, que aeronave tinha "dispositivos para ampliar autonomia" (Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/noticia/2016/11/porta-voz-da-lamia-admite-que-aeronave-trabalhava-no-limite-de-sua-capacidade-de-combustivel-8550092.html#showNoticia=L214amhvXHg2MjQxMzQwNTkzNDAyODI2NzUyK1NBMTk2NjIyMDMwNjk1ODIwNjMxMFw2NTI5MTIwNzYyODQyMjM4MTU2ODB6Ly5COilUZ2cuNlFPYXY4Y1s=)

[4] Um dos áudios pode ser acessado no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=oaVTZIiGciQ

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Sobre o autor
Rodrigo Mendes Delgado

Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Pós-Graduado (título de Especialista) em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Ex-presidente da Comissão e Ética e Disciplina da 68ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo por dois triênios consecutivos. Membro relator do Vigésimo Primeiro Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP pelo 3º triênio consecutivo. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de drogas comentada artigo por artigo: porte e tráfico. 3.ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Editora Belton, 2015; Soluções práticas de direito civil comentadas – casos concretos. Leme: Editora Cronus, 2013 (em coautoria com Heloiza Beth Macedo Delgado). Personal (Life) & Professional Coach certificado pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE COACHING – SBCOACHING entidade licenciada pela BEHAVIORAL COACHING INSTITUTE e reconhecida pelo INTERNACIONAL COACHING COUNCIL (ICC). Carnegiano pela Dale Carnegie Training Brasil. Trainer Certificado pela DALE CARNEGIE UNIVERSITY, EUA, tendo se submetido às certificações Core Competence e Endorsement, 2014. (Contatos profissionais: Cel./WhatsApp +55 018 9.9103-5120; www.linkedin/in/mdadvocacia; [email protected])

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELGADO, Rodrigo Mendes. Voo chapecoense: o adeus trágico.: A responsabilidade civil das empresas de transporte aéreo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4908, 8 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54366. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Tendo em vista a comoção causada pelo acidente do voo da chapecoense e as possíveis consequências jurídicas do ocorrido, senti a necessidade de escrever algumas linhas para ajudar no entendimento deste assunto.

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