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A contratação fraudulenta dos profissionais médicos como forma de burlar direitos trabalhistas

16/12/2016 às 11:38
Leia nesta página:

A adoção de práticas rotineiras por clínicas e hospitais, como a pejotização, a contratação como autônomo ou por intermédio de cooperativas, buscando burlar direitos trabalhistas devidos aos profissionais médicos.

As instituições privadas e filantrópicas que prestam serviços de saúde e que têm como finalidade principal de seus negócios a prestação de assistência médica, de modo geral, usam de diversos artifícios como forma de buscar burlar os direitos trabalhistas garantidos aos profissionais médicos na legislação brasileira.

Antes de mais nada, é necessário que o médico saiba que, como empregado, assim como qualquer outro profissional, possui os mesmos direitos trabalhistas previstos e garantidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e na Constituição Federal (CF) aos empregados de outras categorias profissionais.

É sabido que o trabalho médico possui particularidades e características pessoais que deverão ser avaliadas caso a caso, as quais nem sempre colocarão o médico em uma relação de emprego (na qual há a prestação de trabalho subordinado do empregado pessoa física, de forma contínua, para seu empregador, mediante pagamento de remuneração), mas sim, em uma relação de trabalho (que engloba a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, eventual, avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor) tão somente.

Esta distinção é importante para que se compreenda que a relação de trabalho é gênero do qual a relação de emprego é espécie, ou seja, a relação de emprego sempre será relação de trabalho, contudo, nem toda relação de trabalho será relação de emprego.

Maurício Delgado Godinho[1], diferencia a relação de trabalho da relação de emprego, da seguinte forma:

“A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual. (...) A relação de emprego, do ponto de vista técnico-jurídico, é apenas uma das modalidades especificas de relação de trabalho juridicamente configuradas. Corresponde a um tipo legal próprio e específico, inconfundível com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes.”

E no mesmo sentido explica Sergio Pinto Martins[2]:

"Relação de trabalho é o gênero, que compreende o trabalho autônomo, eventual, avulso etc. Relação de emprego trata do trabalho subordinado do empregado em relação ao empregador".

Corriqueiramente, hospitais e clínicas, ao contratarem médicos, não lhes dão a opção de serem contratados como empregados, na forma da lei, impondo a tais profissionais, sua contratação como autônomos, cooperados ou pessoas jurídicas.

Muitos médicos, entretanto, não têm conhecimento de que tal imposição, na maioria das vezes, busca apenas mascarar uma relação de emprego, burlando aqueles direitos que lhes são garantidos em decorrência desta, acreditando assim que não estão amparados pela legislação trabalhista, deixando de buscar aquilo que lhes é devido, principalmente quando de sua demissão pelo empregador.

Assim, em muitos casos, mesmo que a contratação tenha se dado como autônomo, cooperado ou pessoa jurídica, os médicos são, na verdade, empregados, e possuem sim direitos trabalhistas.

Para demonstrar esta afirmação, basta verificar o que estabelecem os artigos 2º e 3º, da CLT:

"Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço."

"Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário."

Referidos artigos, portanto, definem o conceito de empregado, sendo certo que, para que o médico se enquadre como tal, basta que estejam presentes os 5 (cinco) requesitos previstos, mesmo que sua contratação tenha se dado sob outra forma (cooperado, autônomo ou pessoa jurídica).

Tais requisitos são:

(a) O médico deverá ser pessoa física;

(b) A prestação do serviço pelo médico deverá ser efetuada com pessoalidade, ou seja, deverá presta-lo pessoalmente, não podendo fazer-se substituir por outro durante o período de concretização dos serviços pactuados, sem a concordância do hospital ou clínica;

(c) O serviço prestado pelo médico deverá ter caráter habitual, de modo continuado, ou seja, deve haver uma regularidade na prestação dos serviços, que na maioria das vezes é feita diariamente, mas que, entretanto, poderá dar-se de outras formas (por exemplo, três vezes por semana, no mesmo horário);

(d) Deverá haver subordinação, ou seja, o médico estará sujeito às ordens e determinações do hospital ou clínica, podendo inclusive ser fiscalizado ou disciplinado por eles;

(e) O médico deve receber um valor pela prestação de seu serviço ao hospital ou clínica, ou seja, há a contraprestação retributiva pelo desempenho de suas atividades.

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Portanto, se durante a prestação de serviços do médico para a clínica ou hospital, estiverem presentes os requisitos que o enquadrem como empregado, estaremos diante de uma relação de emprego.

Vale dizer que, se o médico presta serviço pessoalmente; tem horário a ser cumprido, assinando ficha/cartão com horário de entrada e saída para controle de horas; cumpre plantões fixos em que as substituições somente podem ser realizadas por médicos que trabalhem no mesmo hospital ou clínica; é subordinado a superiores hierárquicos; e recebe remuneração pela prestação de seus serviços, estão presentes os requisitos da relação de emprego, sendo este profissional, um empregado do estabelecimento que o contratou.

Entretanto, práticas rotineiramente adotadas por clínicas e hospitais, e que visam apenas burlar direitos trabalhistas devidos aos médicos, como a pejotização (palavra que deriva da sigla PJ, que significa "pessoa jurídica"), a contratação como autônomo ou por intermédio de cooperativas, buscam justamente desfigurar esta relação de emprego, devendo o profissional médico estar atento às mesmas.

A pejotização é a prática pela qual clínicas e hospitais contratam médicos, por intermédio de pessoa jurídica (muitas vezes constituída pelo próprio profissional), para que exerçam atividade idêntica ou semelhante às atividades exercidas por médicos pessoas físicas, contratados em regime CLT, por estas mesmas entidades.

Contudo, se o médico presta seus serviços com pessoalidade, habitualidade, subordinação, e mediante pagamento pela execução destes, a simples constituição de pessoa jurídica por tal profissional, não tem o condão de, por si só, afastar a caracterização da relação de emprego, restando evidente a fraude na contratação, sendo cabível a declaração da nulidade do contrato de prestação de serviços e, por conseguinte, o reconhecimento do vínculo de emprego com o suposto tomador dos serviços (hospital ou clínica).

A contratação de médicos como autônomos, com o pagamento destes profissionais via RPA (Recibo de Pagamento a Autônomo), também visa a descaracterização do vínculo de emprego, sendo certo, contudo, que, assim como na pejotização, uma vez presentes os requisitos que caracterizem o médico como empregado, não há que se falar em prestação laboral como autônomo, mas sim em relação de emprego.

Da mesma forma, a contratação de profissionais médicos por hospitais e clínicas através de sistemas de cooperativas, também poderá vir a ser considerada fraudulenta.

Se clínicas e hospitais, ao invés de registrarem a relação de emprego do médico em sua CTPS, exigirem que este profissional se filie a suposta “cooperativa”, que tenha um dono e que possua estrutura hierárquica, simulando uma relação civil, estaremos diante da fraude, vez que nas verdadeiras cooperativas, todos os cooperados se reúnem em assembleia, deliberam pelo comando da entidade, votam, participam de decisões acerca da mesma e, principalmente, recebem lucros da cooperativa.

Assim, mais uma vez, se presentes os requisitos que caracterizem o médico como empregado, caracterizada estará a relação de emprego, sendo fraudulenta a contratação por intermédio de cooperativa.

Por outro lado, é importante destacar que nem sempre a contratação do médico como pessoa jurídica, autônomo ou cooperado será fraudulenta, vez que, como já salientado anteriormente, o trabalho médico possui particularidades e características pessoais que deverão ser avaliadas caso a caso, analisando-se os fatos concretos, ou seja, aquilo que efetivamente ocorre no dia a dia do exercício da profissão e da prestação laboral, os quais nem sempre colocarão o médico em uma relação de emprego, mas sim, em uma relação de trabalho tão somente.

Entretanto, é certo que, uma vez caracterizada a contratação fraudulenta, e observados e demonstrados a existência dos requisitos acima expostos e que configuram a relação de emprego, o médico poderá ingressar judicialmente com reclamação trabalhista pleiteando o reconhecimento de seus direitos, tais como vínculo empregatício, anotação na CTPS, horas extras, intervalo para descanso e alimentação, intervalo interjornada, férias, 13º, adicional noturno, descanso semanal remunerado, aviso prévio, FGTS, insalubridade, periculosidade, diferenças salariais para Convenção Coletiva de Trabalho, etc., observadas as particularidades de cada caso concreto.


Notas

[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho.  6. ed. São Paulo: LTR, 2007.

[2] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. - 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2008

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Sobre o autor
Luiz Augusto Vieira de Campos

Advogado. Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e Pós-Graduado em “Direito e Processo do Trabalho” pela Universidade Presbitariana Mackenzie. Cursou “Capacitação de Conciliadores e Mediadores” pela Escola Superior de Advocacia (ESA). É Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Luiz Augusto Vieira. A contratação fraudulenta dos profissionais médicos como forma de burlar direitos trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4916, 16 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54501. Acesso em: 22 dez. 2024.

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