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Redução da maioridade penal: placebo para sociedade

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12/02/2017 às 17:35
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7 REDUÇÃO DA IDADE PENAL: UMA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A Câmara dos Deputados aprovou em 1º turno a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos. Assim como parte dos governantes, uma parcela da população também é contrária ao projeto.

Em meio a tanta discussão na PEC 171/93, é possível encontrar muitas pessoas influentes discutindo sobre o tema, sendo que cada um, busca justificar sua opinião com base em dados sobre a violência que assombra o país. O que difere essas opiniões é a maneira como cada pessoa atribui a responsabilidade sobre o aumento da violência.

Entre tantas opiniões, encontramos artistas, juristas, políticos, entre outros, que já se manifestaram publicamente, em revistas e redes sociais, contra ou a favor da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos (PEC 171/93).           

O Promotor de Justiça do Departamento da Infância e Juventude de São Paulo, Fábio José Bueno, é a favor, como mostra sua fala:

Eu sou favorável à redução da maioridade penal em relação a todos os crimes. Em 1940, o Brasil estipulou a maioridade em 18 anos. Antes disso, já foi 9 anos, já foi 14. Naquela época, os menores eram adolescentes abandonados que praticavam pequenos delitos. Não convinha punir esses menores como um adulto. Passaram-se 70 anos e hoje os menores não são mais os abandonados. (PORTAL G1, 2015)

O Juiz da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal Renato Rodovalho Scussel é contrário e afirma:

O que, a princípio, parece justo pode acarretar injustiça por não se tratar de um critério objetivo. Se a conduta for considerada crime, o jovem poderá ir para a prisão. Situações como essa geram insegurança jurídica e trazem consequências graves, até irreversíveis, para a ressocialização do jovem. (PORTAL G1, 2015).

O Defensor público e coordenador do Núcleo de Execução de Medidas Socioeducativas do Distrito Federal, Paulo Eduardo Balsamão, relata: "contraditoriamente, nos dias atuais, em que a humanidade desfruta do maior desenvolvimento científico, pretende-se adotar o retrocesso, fundado principalmente no medo da violência e sensação de impunidade. Ao invés de atacar a causa, atua-se sobre o efeito”. (PORTAL G1, 2015).

A favor da redução da maioridade penal, Aloysio Nunes Ferreira destaca que: “nos casos de excepcional gravidade, é preciso uma punição mais eficaz ao menor infrator do que aquelas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.” (PORTAL G1, 2015).

Maria Do Rosário em seu discurso mostra que:

A redução da maioridade penal poderá, na prática, ampliar a violência. O sistema de privação de liberdade em unidades específicas para adolescentes tem um índice de reincidência da ordem de 20%. Significa colocar à mercê de violências e crueldades quem está mais desprotegido.” (PORTAL G1, 2015).

O que se pode perceber é que essa retórica vem de encontro a interesses políticos e interesses pessoais, onde tentam transformar a redução da maioridade penal em um interesse coletivo, sem mostrar a realidade por traz dessa decisão, trazendo um retrocesso aos Direitos Humanos conquistados.

Algumas personalidades conhecidas também se manifestaram contrários a PEC nas redes sociais, com Chico Buarque ao expor que "o ódio já se manifestou. Agora é a vez da cultura dizer que é contra a redução da maioridade penal."

A redução da maioridade penal e o alijamento desses adolescentes de nossa sociedade, para colocá-los na cadeia, não será a solução. A reincidência de encarceramento nas prisões para adultos é de 70%, enquanto que no sistema socioeducativo é inferior a 20%. Acho que vale a pena fazer uma leitura solitária do problema e não ficar apenas indo atrás de frases feitas, nas quais a questão é resumida e simplificada quando, na verdade, ela é muito complexa". (Lázaro Ramos, 2015)

Hoje, quando acordei, eu vi que, embora não tivesse passado, numa manobra durante a madrugada, na Câmara passou a redução da maioridade penal. Eu sou contra. (Caetano Veloso, 2015).

Ainda avaliando as diferenças sociais entre os jovens brasileiros, o índice que avalia a vulnerabilidade juvenil, a violências e a desigualdade racial, apresenta um dado alarmante sobre as maiores vítimas dentro desse contexto. “A prevalência de jovens negros serem mais vítimas de assassinatos do que jovens brancos é uma tendência nacional: em média, jovens negros têm 2,5 mais chances de morrer do que jovens brancos no país”. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015, p. 21).

Existe uma mitologia que toda esta violência que está fora de controle, pode acabar adotando medidas de urgência, sendo a redução da maioridade penal, a principal proposta, pois o adolescente autor de ato infracional poderia ser responsabilizado com a pena que equivalesse ao crime cometido (NORONHA, 2009)

Para Rogério Greco (2008), apesar da inserção no texto de nossa Constituição Federal, não impede, caso haja vontade da população “de ser levada a efeito tal redução, uma vez que o mencionado art. 228 não se encontra entre aqueles considerados irreformáveis, pois que não se amolda ao rol das cláusulas pétreas I a IV, do art. 60 da Carta Magna” (GRECO, 2008, p 400).

Para NUCCI (2007), essa medida não pode ser revogada, mostrando-se contrário também à redução da maioridade penal.

Segundo Ramidoff (2011), especialista em direito da criança e do adolescente, a medida é socioeducativa porque tanto a criança como o adolescente que comete o ato infracional, não possuem total responsabilidade, sendo a medida diferenciada e garantindo a proteção. (LEI Nº 8.069/90, 1990).

A aplicação das medidas legais socioeducativas destinadas tão somente ao adolescente - respectivamente, artigos 101, 103, 105 e 112, do Estatuto da Criança e do Adolescente - funciona como limitação da intervenção estatal, ainda que, para a responsabilização diferenciada socioeducativa" (RAMIDOFF. 2008, p. 390).

A inimputabilidade penal impede que o adolescente seja responsabilizado, tanto pela idade, quanto pela inexistência de capacidade psíquica para a culpa – art. 26 do Código Penal. Já a medida de segurança, mostra um parecer de periculosidade, onde a quantidade de crimes deve ser levada em conta para a decisão judicial sobre a especificação de qual medida socioeducativa deverá ser cumprida pelo adolescente. (ART. 121 DA LEI N° 8.069/90).

Já Ramidoff (2011) afirma que “o adolescente a quem se atribui a prática de uma ação conflitante com a lei (ato infracional) está submetido às regras estabelecidas pelas Leis de Regência, isto é, pela Constituição da República de 1988 (art. 227); Lei n. 8.069/90 (ECA); e a Lei n. 12.594/2012 (Lei do Sinase)”.

“No caso de adolescentes que apresentam incapacidade psíquica, a Lei n. 10.216/2001 (Lei Paulo Delgado) trata especificamente da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais”. (RAMIDOFF. 2011, p. 104).

FOUCAULT (2009) aborda as medidas punitivas como sendo boas apenas para os governos, onde buscam tornar-se o jovem útil aos interesses produtivos da sociedade: “o importante é apenas reformar o mau... Uma vez operada essa reforma, o criminoso deve voltar à sociedade.” (LUCAS apud FOUCAULT, 2009, p. 231).

A Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) permanece desconhecida pela maioria da população. Ano após ano, se busca a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva da criança e do adolescente, desde a criação do ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, há 23 anos. O ECA visa assegurar a manutenção dos limites estabelecidos a intervenção em todos os casos necessários, garantindo a essas crianças e jovens que sejam sujeitos de direito (LEI 8.069 DE 13 DE JULHO DE 1990).

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Segundo Ramidoff (2008), os dados em relação aos atos infracionais cometidos por adolescentes não chegam a 6% da violência social urbana, mas a redução da maioridade penal poderá satisfazer o sentimento de vingança de certa parcela da sociedade, mas envergonha todas as conquistas humanitárias atribuídas ao regime democrático.

A Teoria da Proteção Integral que se estabeleceu como referencial na luta dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, está sendo ameaçada com a aprovação da PEC 171/93, que aprova a redução da maioridade penal para 16 anos. O que se mostra, é a grande vontade de tirar o adolescente infrator do convívio da sociedade, esquecendo-se de direitos como a integralidade e as políticas sociais para qualidade de vida, que na grande maioria das vezes, o adolescente não tem acesso.

 Para Veronese (1999) é necessário fazer-se cumprir as regras de “Direito da Proteção Integral” e a sociedade entender sua responsabilidade e papel dentro do contexto social das nossas crianças e adolescentes. Com a redução da maioridade penal, teremos uma ruptura nas conquistas até então alcançadas, sendo desconsiderado um direito adquirido (VERONESE, 1999).


8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pode perceber, entre tantos dados e informações, é que desde o início da história nossas crianças e adolescentes vêm sofrendo com o descaso e abandono por parte daqueles que deveriam ser responsáveis por garantir a integridade desses jovens, simplesmente por não serem reconhecidos como sujeitos de direitos. O fato é que a infância não é entendida como uma etapa da vida que merece atenção diferenciada e respeito, e sim como um processo de aprendizado para a vida adulta.

Há muitos anos nos vemos divididos em opiniões sobre o quanto essas crianças e adolescentes devem ser responsabilizados por seus atos, e o discurso de grande parte da população que concorda com medidas “punitivas”, é que essa é a única forma de se tornarem cidadãos de bem, sem levar em conta todo contexto social que estão inseridos e todos os direitos que lhes foram privados. A mídia também influencia de certa forma para que as pessoas queiram “ter” o que se mostra como essencial, simplesmente para ser aceito e visto pela sociedade, algo bastante comum, principalmente para as classes mais pobres que são ignoradas, parecendo invisíveis aos olhos de muitos.

É claro que a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do adolescente vieram como grandes marcos na evolução do Direito, mas ainda caminhamos vagarosamente, e em alguns momentos, perece que vamos retroceder diante de uma sociedade que busca solução imediata para tantos problemas, que vêm se arrastando durante anos de desigualdade, preconceito e má administração do dinheiro público.

Para essa parcela da população, o meio mais rápido e eficiente de garantir que não serão impedidos de crescer economicamente e de estar em segurança, é afastar ou tirar do caminho esses jovens que não contribuem para seu enriquecimento. Entende-se então, que aquele menor infrator, acima de 16 anos e que já possui discernimento total de seus atos, deve ser penalizado dentro dos rigores da lei, privando sua liberdade, quando cometer alguma infração, sem levar em conta que aquela criança ou adolescente foi privada de tantos outros direitos que a própria Legislação entende como essencial à vida.

As pessoas que sustentam a opinião sobre a redução da maioridade penal não percebem que esse fato não é novo. Em 1967, durante o período da ditadura, houve a redução da maior idade para 14 anos e foi considerado um dos maiores retrocessos da humanidade. Fazendo uma analogia, o que não se percebe é que os problemas que relacionam esses jovens como a violência, drogas, entre tantos outros sintomas, não mostram de fato a doença, ou seja, querem tratar apenas os problemas isoladamente, sem pesquisar a verdadeira causa. O que isso pode resultar? É como ministrar um remédio para aliviar a dor de forma rápida e eficiente, apenas para fazer com que parte das pessoas se sintam bem, porém um grande tumor continua crescendo e mais cedo ou mais tarde, tudo estará tomado.

Definitivamente, pode-se concluir que a redução da maioridade penal terá efeito “placebo”, ou seja, as pessoas podem até pensar que estão tomando a medida correta, mas não passa de tratamento apenas para efeito psicológico.

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Sobre a autora
Andreza Lubavy

Aluna do Curso de Especialização em Educação, diversidade e redes de proteção social, graduada em gestão de Recursos Humanos (Unesc).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUBAVY, Andreza. Redução da maioridade penal: placebo para sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4974, 12 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54561. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado ao Curso de Especialização em Educação, diversidade e redes de proteção social – UNESC, como requisito parcial para obtenção do título de especialista, sob orientação do prof. Dr. Ismael Francisco de Souza.

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