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Poderes investigatórios do Ministério Público: solução ou problema?

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01/01/2017 às 08:00
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4) Sistemas de Investigação Criminal

Até o momento, o presente trabalho buscou elucidar a importância dos princípios constitucionais no ordenamento jurídico atual. Abordamos com ênfase as bases do sistema normativo, para podermos adentrar no tema que viola profundamente as garantias do indivíduo, que é a investigação criminal. Elucidaremos os principais sistemas de investigação que existem, para posteriormente abordar as questões que cercam sistema brasileiro de investigação criminal. Os direitos fundamentais conquistados e a efetivação dos mesmos devem ser cercados de proteção, não podendo ser atingidos sem a devida precaução que lhe é cabível.

Dentre os sistemas de investigação preliminar existentes, o Brasil utiliza a denominação inquérito policial, atendendo basicamente ao órgão encarregado da atividade. Já, outros países, de acordo com os seus procedimentos, adotam outras, tais como: inquérito preliminar, em Portugal; l’enquete preliminaire, e l’instruction, na França; prosecution e preliminary inquiry, na Inglaterra.[94] Frente a essa diversidade de denominações, que, em linhas gerais correspondem aos mesmos fins, iremos abordá-las sob uma mesma designação para podemos abranger todos os atos inerentes a elas, que será investigação preliminar.

Seguindo a doutrina que nos orienta o presente, damos como principal objetivo da investigação preliminar a função de evitar acusações infundadas. O que significa, esclarecer o juízo de probabilidade e assegurar à sociedade de que não existirão abusos por parte do poder persecutório estatal. Se a impunidade causa uma grave intranqüilidade social, não menos grave é o mal causado por processar um inocente. Consideramos que essa atividade de “filtro processual”, expressão adotada pelo ilustre, Aury Lopes Junior, resta afirmada, já que consideramos fatores básicos em relação à instauração da ação penal, como: custo do processo, o sofrimento que causa ao sujeito passivo e a estigmatização social e jurídica que gera.[95]

4.1) Sistema de investigação coordenada pelo Magistrado

Seguiremos aos sistemas existentes de investigação preliminar. O primeiro deles será a investigação coordenada e controlada pelo magistrado. Tal investigação é controlada pelo chamado “juiz instrutor”. Nestes sistemas, temos este como a máxima autoridade responsável pelo impulso e instrução oficial. Ele é o protagonista, aquele que detém todos os poderes para realizar as investigações e diligências que entenda necessária para aportar elementos de convicção que permitam ao Ministério Público acusar, para a sua admissão ou não da acusação.[96]

O juiz de instrução tem um duplo papel, como investigador e como juiz. Como investigador, ele está encarregado de recolher as provas da infração, de elucidar a autoria e formalizar os autos; ele deve buscar elementos a favor e contra a pessoa investigada. Como juiz, ele pode requisitar o emprego da força pública e decidir sobre a realização de exames, mas eventualmente, da colocação da pessoa investigada em detenção provisória ou sob o controle judiciário. Uma vez que os autos estejam formalizados, ele determina as imputações e decide, a vista dos requerimentos do Ministério Público, seja pelo encaminhamento da pessoa a jurisdição de julgamento, seja pela decisão de não processar.[97]

Tal modelo advém de fortes raízes históricas, indelevelmente associado como símbolo de repressão criminal. De acordo com Fausi Hassan Choukr, o ancestral direto do ‘juiz instrutor’ foi o lieutenant criminel, raízes francesas, como dito símbolo da repressão criminal, criada pelo edito Henrique II. [98] Nesta época ele atuava como parte, como a figura do inquisidor. Ele mesmo investigava, dirigia a instrução, acusava e julgava. O procedimento era escrito, secreto e não-contraditório. Com relação à prova, vigorava o sistema o sistema da valoração taxada, a sentença não produzia coisa julgada e o estado de prisão do acusado era a regra geral. O processado era a melhor fonte de conhecimento e testemunha, logo, tinha o dever de declarar a verdade sob pena de incorrer nas sanções legais. Confundiam-se as atividades do juiz e do acusador, com claro prejuízo para o sujeito passivo, que se convertia em mero objeto da persecução.[99]

Atualmente o panorama mudou, e o modelo onde se adota tal sistema, não permite que o juiz instrutor seja um puro inquisidor, como o era historicamente. A principal alteração foi que o “juiz inquisidor” não mais acusa. Não se admitem mais acusações de oficio e o Ministério Público divide a titularidade da ação penal com os particulares, conforme as particularidades de cada país. Tampouco julga a causa que instruiu, pelo menos essa é a garantia observada pela maioria dos países que adotam o modelo de juiz de instrução, sob pena de caracterizarem seu sistema como inquisitório.[100]

Temos aqui a divisão do processo em duas fases distintas, com predomínio das características do acusatório na fase processual, afastando com isso o atual juiz inquisidor com a figura histórica do juiz inquisidor. Neste sistema de investigação preliminar a prova é colhida e produzida por ele mesmo, o juiz instrutor aqui atua de oficio. Cabendo a ele, dentre outras medidas: proceder ao interrogatório do sujeito passivo; utilizar medidas cautelares pessoais ou reais; conceder a liberdade provisória; designar defensor para o sujeito passivo, caso não o tenha feito; realizar inspeções judiciais e ordenar perícias; proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas; intimar e ouvir a vítima e testemunha, etc.[101]

Discordando da doutrina utilizada, não vemos tanta distância entre o juiz instrutor histórico com o atual. O fato de um órgão poder investigar e conceder medidas cautelares para a instrução do mesmo, nos soa um tanto estranho ao Estado Democrático de Direito. A título de exemplo, temos os seguintes países que seguem tal sistema de investigação preliminar: França, Espanha, Bélgica e Argentina.[102]

Seguindo no modelo de instrução investigatória, temos que a imparcialidade do juiz ordinária está mais garantida. Esse é o modelo, um sistema bifásico, instrutor só instrui, não julga, eliminando assim qualquer ‘pré-juízos’, nascidos no decorrer da instrução preliminar. O TEDH (Tribunal Europeu de Direitos Humanos) chegou a se manifestar a respeito da inconstitucionalidade do sistema, caso não se adotasse um juízo apenas para o julgamento. Segundo as palavras de Aury Lopes Jr, “teríamos um imenso prejuízo decorrente do pré-juízo”.[103] Logo, ficou decidido de forma absoluta a presunção de imparcialidade do juiz instrutor, em definitivo, a prevenção é uma causa de exclusão da competência[104] . Infelizmente, não sendo o posicionamento do ordenamento brasileiro.

 O papel da polícia judiciária neste sistema é de ajudar nas investigações. O juizado de instrução, hoje, atua na dependência destas “enquêtes préliminaires”, expressão francesa do modo de proceder da Polícia Judiciária, onde passaram a constituir a verdadeira fonte de esclarecimento de fatos inicialmente tidos como criminosos. A Polícia Judiciária investiga os crimes, os delitos e as contravenções, amealhada as provas e encaminha os autores aos Tribunais encarregados de puni-lo. Ela recebe a notícia dos fatos criminosos, estes membros fazem as constatações materiais, agindo autonomamente ou por delegação da Magistratura.[105] Esse é o papel da Policia Judiciária, auxiliar do juízo de instrução.

Já o papel do Ministério Público neste sistema de investigação preliminar, é reconhecido em nível hierárquico com a Polícia Judiciária. Cabendo ao parquet fiscalizar os trabalhos policiais, que em termos formais são executados sob estrita vigilância do mesmo. Com efeito, a relação entre a Polícia Judiciária e o parquet podem se traduzir num necessário dever de informação daquela para com este, que não se limita à informação do inicio das investigações, mas se prolonga durante toda a duração da enquête. Ao lado do dever de comunicação existe a supervisão do parquet ao exercício da policia, assim como a possibilidade de interferir diretamente na sua duração ou, se necessário, determinar exames para a constatação da sua integridade física. No entanto, dados franceses anotam que esse controle é apenas teórico, já que cerca de 73% dos casos investigativos terminam sem que o parquet tenha sido informado de sua ocorrência.[106]

A vantagem principal deste sistema de investigação preliminar judicial a cargo do juiz instrutor é a garantia de ser realizada por um órgão suprapartes. Considerando o pressuposto lógico do mesmo não participar do julgamento. Aqui, encontramos maior efetividade, e qualidade nos resultados da investigação. Como na investigação preliminar são praticados atos de averiguação e comprovação que implicam a limitação de direitos fundamentais, especialmente pela via de medidas cautelares, exigindo que esta atividade seja levada a cabo por um órgão dotado de potestas jurisdicional, sendo inconcebível que tais atos sejam praticados por órgão sem tal poder, como o Ministério Público ou a Polícia.[107]

Como principal inconveniente está sem dúvida, a estrutura inquisitiva do modelo, que praticamente outorga a uma única pessoa as tarefas de investigar, acusar latu sensu (imputação) e inclusive defender, o que culmina por matar a própria posição de imparcial, de órgão suprapartes. Se entendermos que o sistema acusatório significa, simplesmente a separação das funções de acusar e julgar, não entenderemos que tal sistema seria inquisitivo, já que um juiz instrui, o MP acusa e outro juiz julga. Porém, o modelo acusatória propugna mais do que isso. Ele consubstancia pela igualdade das partes com relação 1as oportunidades no processo, mantendo-se o juiz como terceiro imparcial, alheio ao trabalho da investigação e passivo no que se refere ao recolhimento da prova, cujo procedimento deve ser em regra oral e com plena publicidade, configurando-se com isso um pleno contraditório.[108]

Em definitivo, não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em guardião zeloso da segurança individual. É inegável, segundo as palavras do eminente doutrinador, Aury Lopes Junior, que “o bem inquisidor mata o bom juiz, o bom juiz desterra o inquisidor”.[109]

4.2) Sistema de Investigação Coordenado pelo Ministério Público

Temos neste sistema a figura do Promotor Investigador. Tal sistema adotado principalmente pela Alemanha, Portugal, Itália e Estados Unidos.[110] Neste sistema, a atuação do Ministério Público poderá vaiar substancialmente, desde um mero auxiliar do juiz instrutor, até a posição de titular da instrução. O que vamos abordar é este último caso, o promotor investigador.

Tal instrução tem sido adotada pela maioria dos países europeus, como substituição ao modelo de instrução judicial anteriormente analisado. A Alemanha, por exemplo, em sua reforma de 1974, substituiu a figura do juiz instrutor para dar lugar ao promotor investigador. Temos aqui o promotor sendo diretor da investigação, cabendo-lhe receber diretamente a notícia-crime ou através da polícia, e investigar os fatos nela constantes. Para isso, poderá dispor e dirigir a atividade da Polícia, total dependência funcional ou praticar por si mesmo os atos que julgue necessários para formar sua convicção e decidir entre formular a acusação ou solicitar o arquivamento.[111]

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Esse modelo veio em resposta às diversas críticas que estavam recebendo o modelo do juiz instrutor, as quais foram anteriormente expostas. Encarregado do inquérito, o Ministério Público conduz as investigações necessárias. Contudo, certos atos investigativos devem ser autorizados pelo magistrado encarregado de verificar a regularidade jurídica do ato, sem, contudo, adentrar no seu mérito. Esse magistrado não será o Juiz do mérito da causa e a sua atuação afeta diretamente a liberdade individual: determinar a prisão cautelar, oitiva de testemunhas, peritos de forma cautelar, decisões de urgência que não podem ser tomadas pelo Ministério Público, e etc.[112]

Neste sistema, segundo a tradução de Fausi Hassan Choukr do sistema alemão, o Ministério Público é o “dono da investigação” mas, ao mesmo tempo, é uma “cabeça sem extremidades”. Com isto se quer dizer que, para realizar as investigações pertinentes, o Ministério Público depende da cooperação da polícia, que deve seguir as ordens dos promotores.[113] Em regra, o MP dependerá de autorização judicial para realizar determinadas medidas limitativas de direitos fundamentais, como já dito anteriormente, medidas cautelares, busca domiciliares, intervenção telefônica, etc. caberá ao juiz da instrução – que fique claro que este juiz da instrução é diferente da figura do juiz instrutor-. Este juiz será um verdadeiro órgão suprapartes, pois diferente do anterior, não investiga, senão que intervém quando solicitado como controlador da legalidade dos atos de investigação levado a cabo pelo promotor. A essa figura, denominamos juiz garante da investigação preliminar, ou juiz de garantias.[114]

A prevenção ocorrida por tal juiz garante, de acordo com a presunção absoluta de imparcialidade mencionada anteriormente, acarretará o seu impedimento para o julgamento da possível ação penal. Os argumentos que sustentam este sistema se baseiam na atuação do promotor como parte formal, e ao mesmo tempo imparcial. Encontra seu fundamento na distinção entre parcialidade e partialidade[115], de modo que o promotor pode ser partial e imparcial ao mesmo tempo.  Sendo relevante aqui a sua causa de atuação, sendo o desejo de atuar com justiça, segundo os critérios legais. Na esfera subjetiva, deverá esquecer-se de sua personalidade para atuar no processo penal com exatidão e a real intenção de proceder justa e legalmente.[116] Cabe a nossa dúvida em relação a este comportamento. Visto que, quem conseguiria desvirtuar-se de seus valores subjetivos, se os mesmos encontram-se intrínsecos às nossas idéias e valores? Tal agente deve, segundo as palavras de Aury Lopes Jr, colocar entre parênteses todas as considerações subjetivas do agente.[117]

Favorecendo este sistema, temos que a investigação é uma atividade preparatória e que deve servir somente para a formação da opinio delicti por parte do titular da ação penal pública, isto é, o Ministério Público. Cumpre ao promotor, e a ninguém mais. Por isso, a instrução preliminar deve ser uma atividade administrativa, e não judicial, dirigida por e para o promotor. Do ponto de vista da economia processual, é o melhor sistema, pois não implica em reiteração de atos judiciais, na medida em que os atos do promotor são de limitado valor probatório. A investigação preliminar a cargo do MP implica uma notável aceleração do processo penal, porque centra o autêntico valor da prova na fase processual, deixando que os atos realizados pelo promotor sirvam exclusivamente para fundamentar o exercício da acusação ou do pedido do arquivamento.[118]

Com efeito, ao Ministério Público cabe a condução do inquérito, cabendo à polícia o papel de recolher os elementos de informação destinados à formação de convicção do titular da ação, para lhe viabilizar ou não a sua propositura. À polícia é conferido o caráter de órgão auxiliar. Temos uma verdadeira interdependência funcional da policia judiciária para com o Ministério Público, traduzindo-se até mesmo uma relação de subordinação hierárquica, precisamente da que decorre da dependência meramente funcional.[119] Já o juiz, alheio à investigação preliminar (invocando-o somente quando necessário para autorizar determinadas medidas restritivas), fortalece a sua imparcialidade e aproxima a fase pré-processual da estrutura dialética de processo.[120]

Assim como no sistema de investigação preliminar antecedente, este também apresenta seus inconvenientes. O modelo está associado ao utilitarismo judicial, ao combate à criminalidade a qualquer custo, a uma época em que o Estado pretendia justificar os fins como abusivo dos meios. Segundo Ferrajoli, a democracia e o Estado de Direito se defendem precisamente com respeito às suas regras.[121] A história desse sistema na Alemanha foi produto do combate a qualquer custo do terrorismo. O que importava era dar armas para a acusação, aumentando a eficácia da instrução em respeito ao fim punitivo pretendido, ainda que isso trouxesse prejuízos ao sujeito passivo. No mesmo sentido teve a introdução de tal sistema na Itália, era uma justificação histórica no combate ao crime a qualquer custo, ainda que para isso cometesse injustiças. Para a configuração de tal objetivo, foi dado tal poder ao Ministério Público.[122]

Outro gravíssimo inconveniente, que não pode deixar de ser citado, é a construção da instituição como “parte imparcial”. Uma coisa é um doutrinador explicar no plano teórico tal lição. Na prática ela esbarra num irrefutável problema: a fragilidade do homem que é chamado para desempenhar tal função. Segundo James Goldshmidt, a exigência de imparcialidade, dirigida a uma parte acusadora, cai no mesmo erro psicológico que desacreditou o processo inquisitivo. E este erro é o de acreditar que uma mesma pessoa possa desempenhar tarefas tão antagônicas, como a de acusar e defender.[123]

A questão fica expressamente clara, quando nos fazemos a seguinte pergunta: no que difere o promotor inquisidor do juiz inquisidor? Não teríamos meios subjetivos que fizessem com que o promotor pudesse ser mais parcial do que o juiz. Ambos são pessoas, sujeitos, com sentimentos subjetivos, com intuições, com conceitos pré-concebidos, enfim. Se o Ministério Público foi uma parte fabricada, que nasceu para ser contraditor natural do imputado e com isso atender os requisitos do sistema acusatório, é ilógica sua construção a partir da imparcialidade.[124] Com isso o desequilíbrio é patente, e cai por terra qualquer pretensão de transformar o processo numa luta franca entre duas partes iguais, com igualdade de armas.  

Adentraremos agora no sistema de investigação preliminar policial. Caracteriza-se esta por encarregar à Polícia Judiciária o poder de mando sobre os atos destinados a investigar os fatos e a suposta autoria, apontados da notitia criminis ou através de qualquer outra fonte de informação.  Este modelo é seguido, principalmente, pelo ordenamento brasileiro. A Inglaterra até adota o sistema de investigação controlada pela polícia, mas sua estrutura é tão diferente, por não possuir um órgão incumbido da acusação, como o Ministério Público no Brasil, que fica difícil qualquer tipo de comparação. Lá a persecução penal é exercida pelos funcionários da polícia, mas muitas vezes não configura uma relação com o Estado, mas sim, sendo exercida pela sociedade civilmente organizada, ou individualmente pelo ofendido.[125]

4.3) Sistema de investigação coordenada pela Polícia Judiciária.

Abordando o sistema que importa para o presente trabalho, a investigação preliminar policial estabelecida pelo ordenamento brasileiro dá titularidade das investigações para Polícia Judiciária. Todas as informações sobre os delitos públicos serão canalizadas para a polícia, que decidirá e estabelecerá qual será a linha de investigação a ser seguida, isto é, que atos e de que forma ela irá prosseguir. Ela produzirá as provas técnicas que julgar necessárias, decidindo também quem será ouvido, como e quando. E, claro, para aqueles atos que impliquem a restrição de direitos fundamentais, como prisões cautelares, buscas domiciliares, intervenções telefônicas, deverá solicitar autorização ao órgão jurisdicional.[126]

Aqui a polícia não é auxiliar, como nos outros sistemas, ela é titular, o verdadeiro diretor da instrução preliminar, com autonomia total para dizer as formas e os meios empregados na investigação. Sendo errado, inclusive, dizer que exista subordinação funcional em relação aos juízes e promotores. A natureza do sistema de investigação aqui é administrativa, pois a polícia é um órgão da administração pública, que não está dotado de poderes jurisdicionais. Uma grande vantagem de tal sistema é a condição da polícia de atuar em qualquer lugar do país.[127] Desde os grandes centros povoados, até aqueles mais isolados e afastados, e num país grande como o Brasil, nada mais fundamental. A polícia é a única instituição que tem contato direto com o povo. Tem contato diário com a violência, e sabe, já que se encontra em todo território nacional, onde estão os problemas da sociedade.

Esse foi o argumento do legislador brasileiro, em 1941 para justificar a permanência do inquérito policial. Segundo à época, era o único modelo que abarcaria um país com dimensões territoriais tão grande quanto o Brasil. Na teoria, a atividade policial é mais célere, pois como está presente em todos os locais do país, chegaria mais rápido no combate à infração criminal. Além do argumento puramente econômico, visto que a investigação preliminar policial é mais barata, do que a investigação presidida pelo ministério público, por exemplo.[128] Pois, a demanda de recursos humanos com menor grau de especialização, em suma, a demanda constituída por policiais é muito mais barata do que aquela constituída por juízes ou promotores.

E para finalizar a argumentação da permanência da escolha do sistema de investigação presidida pela polícia, temo o viés político. Para o Governo esse sistema é o mais vantajoso, pois sendo a Polícia Judiciária um órgão de vinculado ao governo, sobre ele podemos ter um possível controle.  Uma grande crítica a este sistema é o alto poder discricionário da polícia. Este poder viola qualquer ideal de igualdade jurídica. Não se pode escolher quem serão os punidos. A instituição, com isso, possui seus modelos já pré-concebidos. Impunidade para a classe mais elevada, estereótipos de prováveis criminosos, vítimas com maior ou menos verossimilitude, delitos que podem ou não ser esclarecidos.[129]

A polícia está muito mais suscetível de contaminação política, especialmente em relação aos mandos e desmandos de quem ocupa o governo, além de sofrer pressão dos meio de comunicação. Pois a instituição policial exerce sua função de maneira diferente das outras duas instituições (MP e Magistratura). A Polícia atua na rua, diretamente com a sociedade, logo, sofre pressão em relação à mesma. Para os meios de comunicação, a sua atuação é sempre notícia. O que pode levar, infelizmente a dois caminhos: a possibilidade de ser usada como instrumento de perseguição política e as graves injustiças que comete no afã de satisfazer a opinião da maioria. [130] 

O papel do Ministério público neste sistema é o de fiscalizador, de acordo com a Constituição de 1988, em seu art.129, VII, cabe à intuição exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei. Logo, prevê-se aqui um limitador da atividade da polícia judiciária[131].

Um grande problema atual conferido ao inquérito policial é que o mesmo não vem atendendo ao titular da ação penal pública, e tampouco à defesa e resulta de pouca utilidade para o juiz (principalmente pela pouca qualidade e confiabilidade do material fornecido). Entre a polícia e os membros da Magistratura e do Ministério Público existe um contraste substancial no que se refere à situação econômica, cultura, e, principalmente, concepção do direito e da própria sociedade. Os membros da polícia em geral são provenientes de extratos mais baixos e revelam grande apego ao positivismo e à rigidez da norma, identificando-se com o Estado-Policial, em detrimento do Estado de Direito. Os juízes e promotores são vistos como burocratas que não compreendem a chamada “justiça de rua”. Em definitivo, essa falta de entrosamento só pode gerar uma coisa: elevação dos índices de criminalidade.[132] 

Sob o ponto de vista da defesa, este é um dos problemas mais graves do sistema policial. A polícia assimila as normas de forma diferente dos juízes e promotores e isso influi no grau e na forma do intervencionismo policial. Interpreta-se no meio policial, as garantias do acusado, de forma restritiva. Numa atitude de resistência aos avanços democráticos da Constituição. Em nome do poder, habitualmente a polícia nega efetividade às garantias constitucionais. Ademais, nas comunidades afastadas dos centros de produção legislativa, a polícia tende a adaptar a norma ao perfil da pequena comunidade, ainda que não seja essa a melhor interpretação ou aplicação.[133]

O baixo nível cultural e econômico de seus agentes faz com que a polícia seja um órgão facilmente pressionável pela imprensa, por políticos e pelas camadas mais elevadas da sociedade. A credibilidade de sua atuação é constantemente colocada em dúvida pelas denúncias de corrupção e de abuso de autoridades. Toda essa gama de problemas que possui a instrução policial, para alguns, leva ao necessário descrédito probatório do material recolhido e à necessidade de completa repetição em juízo.[134] Este aumento diário da criminalidade a muito se atribui ao falecimento da instituição policial. O atual sistema investigatório põe a polícia como linha de frente do combate. Frente a seu menor grau cultural, atribui-se de forma constante o aumento da criminalidade com a fraca atuação policial, fazendo com que insurjam novas formas de investigação, como se com isso, os níveis de criminalidade fossem diminuir. Um governo corrupto que não investe nos problemas sociais procura um álibi para a sua fraca atuação, e a instituição policial se encaixa perfeitamente nessa posição.   

A constante ideia de crise no processo penal brasileiro nos faz refletir sobre o uso reiterado do vocábulo. A cada influxo de tais manifestações sociais, saídas de emergências são tentadas, muitas vezes insufladas pelos meios de comunicação. Cuida-se muito do vocábulo “crise” em todos os ramos da vida nacional, sendo eles: economia, saúde, educação e, por certo, justiça. Crise nesse sentido é algo puramente presente, originada pela falha de algum componente estrutural, mas que, solucionada, recolocará o organismo dentro de seu funcionamento “normal”. É com base nesse raciocínio que funcionam as críticas e pretensas soluções para a “crise do sistema penal”. Mas a falácia dessa proposta é notória, sobretudo quando se indaga qual foi o momento em que a justiça criminal funcionou aos reclames sociais que deveria regular, às liberdades individuais que deveria proteger e aos condenados que deveria reeducar.[135]

A ideia de crise, além de sustentar uma falsa premissa para a solução do quadro problemático, tem um efeito colateral devastador. É, por assim dizer, um raciocínio que induz uma “volta ao passado”, na busca de uma “época de ouro” onde tudo funcionava a contento quando, por alguma mazela do destino, foi perdido o padrão ideal de funcionamento da máquina judicial. O efeito devastador reside justamente nesse eterno retorno a um passado inexistente, induzindo, até inconscientemente, à rejeição de regras “modernas”, vez que projetadas para um futuro incerto e temeroso, onde a terra é desconhecida. Daí entende-se o caráter altamente conservador do discurso doutrinário processual penal.[136] A insistência em conceder poderes instrutórios ao juiz, a dificuldade em interpretar o Código de Processo Penal de acordo com a Constituição, a restrição às garantias constitucionais do acusado, são exemplos desse conservadorismo que ocupa o processo penal.

Junto a este cenário, encontramos parte da doutrina, na tentativa de solucionar os problemas, com mais uma solução pontual, conceder poderes investigatórios ao Ministério Público, vindo de encontro com o sistema adotado pelo ordenamento brasileiro, que, como dito anteriormente, foi o Sistema de Investigação Preliminar Policial.

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Sobre a autora
Juliana Viera Bernat de Souza

Advogada Pública na Agência Nacional de Saúde Suplementar, formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Juliana Viera Bernat. Poderes investigatórios do Ministério Público: solução ou problema?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4932, 1 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54730. Acesso em: 4 dez. 2024.

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