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ICMS. Substituição tributária para frente

27/12/2016 às 10:30
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STF reformula sua posição sobre a constitucionalidade da não restituição de valor pago a maior no fenômeno da substituição tributária, e devolve a segurança jurídica aos contribuintes do ICMS.

Desde que veio à luz o § 7º do art. 150 da CF, acrescido pela  Emenda nº 3/93, que tantos malefícios introduziram na seara do Direito Tributário, posicionamo-nos contra a apropriação indevida pelo Estado do ICMS recolhido a maior na operação de substituição tributária baseada no fato gerador presumido.

O STF havia sacramentado a tese de que era constitucional a não restituição da diferença apurada na operação posterior (RE nº 266.523, DJ de 17-11-2000), bem como de que era constitucional a cláusula segunda do Convênio ICMS nº 013/97, que prescrevia no sentido de não restituir o ICMS pago na operação anterior, na operação de substituição  tributária para frente, quando se constatar que na operação subsequente a saída ocorreu por um valor menor (base de cálculo) do que aquele levado em conta para a tributação antecipada (ADI nº 1.851-AL, DJ de 13-12-2002).

A partir de então, muito embora o § 7º do art. 150 prescrevesse a restituição imediata e preferencial, nem o § 1º, do art. 10 da Lei Complementar nº 87/96, que fixava o prazo de 90 dias para restituição, vinha sendo observado. Simplesmente, o contribuinte substituído arcava com o encargo financeiro de um imposto cobrado à margem do princípio da legalidade tributária. O Estado de São Paulo, cuja legislação contempla expressamente a restituição na hipótese de saída ulterior por preço menor, também  decidiu passar por cima da própria lei que elaborou, preferindo ajuizar ação direta de inconstitucionalidade da sua lei perante o STF, ao invés de buscar a sua revogação por meios legislativos regulares.

Tudo por causa de dois conceitos equivocados. Primeiro, quando o STF refere-se à definitividade da substituição tributária, essa definitividade nada tem a ver com o fato gerador do ICMS. A substituição tributária é que é irreversível, não o fato gerador presumido. O fato gerador presumido de que trata o § 7º, do art. 150 do CF, não se refere ao seu aspecto nuclear, objetivo ou material, mas ao aspecto quantitativo do fato gerador (base de cálculo).

Logo, em havendo saída posterior pelo valor menor do que aquele que serviu de base para a tributação antecipada, tem-se que o fato gerador presumido não ocorreu, mas, outro fato gerador, diferente daquele. Parece óbvio que toda tributação antecipada com base em valor presumido da saída há de sofrer um ajuste na ocasião própria, pois não há, nem pode haver, no sistema tributário vigente, a possibilidade jurídica de se aventar o pagamento de um tributo por um valor indeterminado.

Não se pode confundir a presunção do aspecto quantitativo do fato gerador, com a presunção do aspecto material do fato gerador para afirmar que essa presunção ocorrerá quando houver uma saída subsequente da mercadoria submetida ao regime de substituição tributária. Se a base de cálculo na operação subsequente for diferente da base de cálculo levada em conta na operação anterior, evidentemente, teremos que considerar dois fatos: um fato gerador real, e outro fato gerador presumido que deixou de ocorrer no mundo fenomênico.

Se há dois preços, não se pode ignorar a existência de dois negócios jurídicos. Como assinalamos no nosso livro, “interpretação literal conduz ao equívoco que acaba atentando contra os princípios da legalidade tributária, da vedação de efeitos confiscatórios dos tributos e da não cumulatividade do ICMS, um subprincípio para alguns autores e, para outros, ainda, mera técnica de tributação” [1].

Esse equívoco, passada mais de uma década, veio a ser corrigido no julgamento do RE nº 593849, que decidiu pela necessidade de restituição da importância cobrada a mais na operação sujeita a substituição tributária, declarando, em consequência, a constitucionalidade das leis de São Paulo e de Pernambuco, que previam essa obrigatoriedade. Foi reconhecida a existência de repercussão geral, porém, veio com modulação de efeitos, o que não permitirá a repetição de indébito, com exceção dos contribuintes de São Paulo e de Pernambuco, em virtude da previsão legal dessa restituição.

O julgamento ocorreu em 19-10-2016 e pende de  publicação o Acórdão respectivo. Atuou como Relator o Min. Edson Fachim em substituição ao anterior, Min. Ricardo Lewandowiski. Sete ministros votaram pelo provimento do Recurso Extraordinário (Ministros Edson Fachim, Ricardo Lewandowiski, Luiz Fux, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Luiz Barroso) e três votaram pelo desprovimento (Ministros Gilmar Mendes, Dias Tóffoli e Teori Zavascki), ausente o Ministro Celso de Melo.

Com essa decisão, aplicável erga onmes, a Corte Suprema deu a exata interpretação ao disposto no § 7º, do art. 150 da CF, que vínhamos defendendo desde a sua introdução pela Emenda nº 3/93.


Notas

[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 25ª edição. São Paulo: Atlas, 2016, p. 504.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. ICMS. Substituição tributária para frente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4927, 27 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54775. Acesso em: 19 mar. 2024.

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