A rebelião dos esquecidos

04/01/2017 às 09:35
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Enquanto o Brasil não ressocializar suas instituições será impossível ressocializar os detentos.

As características mais marcantes da Ditadura Militar foram a exclusão política e social da esquerda e do operariado, a censura feroz da imprensa da imprensa alternativa e a perseguição implacável aos líderes que tentaram dar voz às classes sociais não protegidas pelo golpe de 1964. A criminalização da política resultou no inevitável contato entre prisioneiros políticos e prisioneiros comuns.

A redemocratização do Brasil separou os prisioneiros comuns dos prisioneiros políticos. Mas o legado da Ditadura não foi desmantelado. Muito pelo contrário. Desde então as PM se tornaram mais letais e as Polícias Civis menos eficientes. E os presídios continuaram a ser depósitos de criminosos desprovidos de quaisquer direitos.

Apesar da CF/88 garantir vários direitos aos presidiários (integridade física e mora, inexistência de tortura, etc...) a violação destes raramente acarreta alguma punição ás autoridades encarregadas da custódia dos condenadas e da execução da pena. Resultado, no Brasil as condenações sempre excedem os limites que lhes foram impostas pela legislação.

Os prisioneiros são torturados, confinados em celas superlotadas, mal alimentados e eventualmente executados por grupos rivais e/ou por PMs durante rebeliões que são, de certa maneira, justificáveis. É evidente que o Estado tem direito de fazer o detento cumprir a pena, mas não deixa de ser verdade que os condenados tem direitos que raramente são respeitados.

A desumanização dos criminosos, promovida diariamente por programas de TV que glorificam a violência policial fomentando um clima de ódio, é sem dúvida alguma o elemento chave da crise penitenciária brasileira. Levada a acreditar que a vingança (brutalização e/ou execução de suspeitos e condenados) tem mais valor do que a Justiça (cumprimento das penas na forma da Lei de Execução Penal http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm), a população brasileira tolera e até mesmo apóia políticos, promotores e juízes que transformam os presídios em campos de concentração insalubres semelhantes àqueles em que os Ingleses confinaram as famílias de seus inimigos durante a Guerra dos Bôeres.

É evidente que o que ocorreu no Amazonas não é um caso isolado. Já vimos vários episódios semelhantes e igualmente sangrentos (Carandiru, Pedrinhas, etc...). A impossibilidade material ou política de condenar os presidiários e policiais que cometem massacres durante rebeliões em presídios é aceita de forma resignada pelo Poder Judiciário. De fato, nos últimos anos ficamos com a impressão de que os juízes e promotores passam mais tempo defendeu seus salários acima do teto do que fazendo o trabalho que lhes compete.

Quando um juiz se mostra humano e preocupado com o tratamento dispensado aos presidiários a imprensa o trata imediatamente como bandido. Não foi isto que o Estadão fez no caso do juiz Luis Carlos Valois?

Alguns defendem a privatização dos presídios. Este modelo foi adotado nos EUA com resultados duvidosos, pois produziu o encarceramento em massa. As condenações ao regime fechado se tornaram mais comuns e severas para atender a necessidade de lucro dos donos de prisões e não necessariamente os interesses da sociedade. Não só isto, alguns juízes já foram surpreendidos vendendo sentenças aos empresários que faturam alto com a lotação dos presídios privatizados. A violação dos direitos dos detentos também é um fato corriqueiro nos EUA.

Os presídios brasileiros são públicos e não funcionam. Mas sito não quer dizer que eles devem ser privatizados. A primeira coisa a fazer, creio, é banir da TV os programas que incitam a população a aceitar a ilegal brutalização dos detentos. Também é necessário começar a responsabilizar pessoalmente governadores, juízes e promotores pela inexecução das penas nos limites prescritos em Lei. O encarceramento deve se limitar aos crimes mais graves, os menos graves e cometidos sem violência podem ser combatidos com penas alternativas (multa, serviços á comunidade, reparação integral do dano, etc...).

A política, todavia, deve ser recolocada no centro do problema. Não dá mais para o Brasil continuar a demonizar os criminosos e, paradoxalmente, ficar chocado com as rebeliões justas que eles realizam. Quando estão sob a custódia do Estado, os presos não deixam de ser seres humanos e, como tal, titulares de direitos que a própria sociedade resolveu atribuir aos condenados.

A finalidade da pena é a ressocialização do detento e não a destruição da humanidade dele. Mas para que a Lei de Execução Penal entre realmente em vigor será necessário ressocializar todas as instituições brasileiras (inclusive as judiciárias e jornalísticas).  Caso contrário, novas rebeliões sangrentas continuarão ocorrendo quer os presídios sejam públicos ou privados. 

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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