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A eficácia das medidas socioeducativas

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19/01/2017 às 16:00

Resumo:


  • O desiderato deste trabalho é a compreensão das causas originárias da atividade delitiva dos jovens através de reflexões interdisciplinares, em contexto com o ambiente familiar, a organização social e a atuação do Estado na consecução do bem comum, analisando a eficácia das medidas socioeducativas da legislação em vigor frente à ilimitada transgressão normativa perpetrada por menores.

  • O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) surge como expressão do paradigma democrático, delineando a nova concepção de proteção integral voltada à formação da personalidade humana, porém a realidade social e a atuação estatal frequentemente não correspondem às necessidades de ressocialização dos menores infratores, levando ao aumento da criminalidade.

  • A eficácia das medidas socioeducativas é questionada diante da crescente participação de crianças e adolescentes em atos infracionais e da percepção popular de impunidade, sendo necessária a implementação efetiva de políticas públicas e uma atuação estatal mais eficaz na proteção e educação dos jovens em conflito com a lei.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. A eficácia das medidas socioeducativas

A adolescência é essencialmente determinante na formação dos valores morais e no desenvolvimento dos juízos críticos. Constitui, pois, um período de contestação dos paradigmas socialmente impostos, marcado pela exaltação dos riscos e minimização das consequências.

Atualmente, a sociedade se vê vitimada com as mais diversas expressões de violência que começam a povoar os pensamentos e nortear as ações dos indivíduos ainda na adolescência.

Inúmeras foram as legislações criadas e aplicadas no Brasil. Entretanto, cada qual, à sua época, revelou-se ineficaz frente à potencialidade lesiva evidenciada pela crescente marginalização infanto juvenil.

No período Imperial, com o advento do Código Criminal de 1830, os menores de 14 anos somente eram considerados penalmente irresponsáveis se não houvesse prova no sentido de seu discernimento. Aos maiores de 14 e menores de 17 anos era dispensado tratamento peculiar, por estarem sujeitos a uma pena de 2/3 daquela que coubesse ao adulto. Os maiores de 17 e menores de 21 anos contavam sempre com a atenuante da menoridade em relação à pena imposta.

 O Código Penal de 1890 inovou no sentido da idade limítrofe para responsabilização penal, reconhecendo como inimputáveis somente os menores de 9 anos. Aqueles que se encontrassem na faixa etária entre 9 e 14 anos eram recolhidos ao estabelecimento disciplinar industrial, por tempo que não ultrapassasse a idade de 17 anos. Restou mantida a atenuante da menoridade para os maiores de 17 e menores de 21 anos, esteada pelo enunciado do artigo 9º do Código Civil de 1916, que condicionava a aquisição de capacidade plena para os atos da vida civil aos 21 anos completos.

O grande avanço somente veio ocorrer, na temática da inimputabilidade, tendo por pressuposto exclusivo a idade, com a edição do Código Penal de 1940, que fixou o limite da inimputabilidade aos menores de 18 anos, submetendo-os aos procedimentos previstos em legislação especial, quando da prática de um fato descrito como crime ou contravenção penal.

Em 1969, o Decreto-Lei 1004 de 21 de outubro, voltou a adotar a responsabilidade relativa dos maiores de 16 anos, de modo que a estes seria aplicada a pena reservada aos imputáveis com redução de 1/3 até a metade, se capazes de compreender a ilicitude do ato praticado. A presunção de inimputabilidade ressurge, pois, como sendo relativa.

A Lei 6016 de 31 de dezembro de 1973, modificou novamente o texto do art. 33 do Código de 1969, de modo que voltou a considerar os 18 anos como limite da inimputabilidade penal, já que a adoção da responsabilidade relativa havia gerado inúmeras críticas.

Decorridos seis anos, o Código de Menores instituído pela Lei 6697/79,  disseminou a doutrina da “situação irregular”, reproduzindo o sistema penal repressivo na solução da problemática infracional menorista que se apresentava.

Ratificada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal corroborou, em seu art. 228, o artigo 27 do Código Penal e os arts. 1º, II e 41, § 3º do então Código de Menores, vigente ainda à época, no sentido da inimputabilidade penal dos menores de 18 anos.

Sedimentando as normas e os paradigmas principiológicos assentados pelo legislador constituinte, a Lei 8069, vigente a partir de 12 de outubro de 1990, instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, solidificando a doutrina da proteção integral, na forma de medidas socioeducativas, elidindo, pois, o caráter retributivo que a penalização possui para o Direito Penal pátrio.

Quanto às novas diretrizes legislativas, Minichelli adverte que:

o Estatuto da Criança e do Adolescente em vigor é mais severo com o adolescente do que era o Código de Menores antigo. Em primeiro lugar, porque ele fez com que os jovens tivessem, a partir da edição dessa lei, o caráter de réu no processo, passassem a ser tratados como réus no processo. O que aconteceu hoje? O jovem que pratica um delito é encaminhado para a Justiça, é julgado de verdade, de fato; existe um promotor que o acusa, tem o defensor que o defende, obrigatoriamente se instaura o contraditório, produzem-se provas e o juiz, ao final, depois da declaração de ambas as partes, julga, e julga aplicando ao menino uma medida socioeducativa (MINICHELLI, João apud CAVALLIERI, Alyrio (Org.) – Falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente – Rio de Janeiro – Forense,1997, p. 110).    

Considerável foi a participação popular na elaboração dessa lei, respondendo ao período de redemocratização do cenário político brasileiro. A criação dos Conselhos Tutelares ocorrem nesse esteio e a própria noção de tutela passa por modificações, deixando de referir-se simplesmente à representação do incapaz para vincular-se à ideia de responsabilização por ele, acentuando a importância da família e da sociedade na formação desses indivíduos. 

O ECA serve hoje como parâmetro para reformas legislativas em inúmeros países, isto porque representa a reprodução de um novo paradigma democrático e civilizatório. É inovador, sobretudo, ao nos atentar que a criança e o adolescente não constituem objeto passível de intervenção do Estado, mas sujeitos de direitos em relação ao poder familiar e institucional.

De forma ampla, podemos afirmar que, hodiernamente, crianças e adolescentes possuem uma listagem maior de direitos e, discursivamente, garante-se a manutenção desses direitos em qualquer circunstância.

A imputabilidade por presunção legal, como é cediço, inicia-se aos 18 anos. Razões de política criminal levaram o legislador brasileiro a adotar o critério biológico, ignorando o desenvolvimento mental do menor de 18 anos e sua capacidade de compreender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com tal entendimento.

A propósito, Alyrio Cavallieri bem observa que:

O sistema adotado, sem exceção, coloca a idade antes da capacidade, pois que não há voto, nem casamento, nem eleição, nem carteira de trabalho - por mais que fique comprovada a capacidade para o que pretendam, se não completarem a idade fixada para a aquisição daqueles direitos. (...) a fixação etária não é justa, nem científica, mas baseia-se em critério de conveniência (Revista Jurídica Consulex – ano VII – n° 166 – 15 de dezembro/2003, p. 17).

A orientação adotada foi amplamente justificada na reforma da lei penal pátria de 1984, conforme dispõe a Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal:

trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social, na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação deve ser cometido à educação e não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária.

Na verdade, os legisladores entendem que o adolescente submetido ao sistema penal repressivo irrogado aos imputáveis passaria de uma personalidade ainda não formada para uma personalidade deformada pela ausência de propostas recuperativas do sistema carcerário brasileiro, que fomenta a tendência para o crime.

Por essa razão, a responsabilidade do adolescente autor de infrações penais é regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) que, através de normas particulares e princípios inconfundíveis, prevê medidas de caráter assistencial que transcendem a simples repressão, afastando-o da grande possibilidade que o ronda, no sentido de reiterar na atividade delitiva.

 Nesse sentido, Gabriela Rivoli Costa assevera que:

tais medidas citadas decorrem da filosofia da proteção integral do menor. Essa proteção integral, entretanto, está estritamente alicerçada na concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à sociedade, à família e ao Estado. Rompe com a idéia de que sejam simples objetos de intervenção no mundo adulto, enquadrando-os como titulares de direitos comuns a todo e qualquer indivíduo, bem como ressaltando seus direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento (Revista Jurídica Consulex – ano IX – n° 194 – 15 de fevereiro de 2005 – p.49).

De fato, o desiderato maior da legislação menorista é resgatar o adolescente entregue à criminalidade, enquanto passível de ressocialização.

No imaginário popular brasileiro difundiu-se, equivocadamente, a ideia de que a proteção do adolescente em questão é sinônimo de impunidade. Deve ficar claro, contudo, que não está sendo negada punição ao autor de ato infracional, haja vista a positivação de incontáveis providências socioeducativas, de obediência imperativa, como resposta estatal à conduta antissocial perpetrada.

Acertadamente João Batista da Costa Saraiva observa que: “a inimputabilidade – causa de exclusão da responsabilidade penal – não significa, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social” (Adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1999, p. 25).

A mesma distinção é assentada por Alyrio Cavallieri no sentido de que:

imputabilidade é a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com tal entendimento. E responsabilidade é a obrigação de arcar com as consequências jurídicas do ato praticado, o que pode resultar no cumprimento de uma pena criminal (Revista Jurídica Consulex, ano VII, n° 166, 15 de dezembro/2003, p. 16).

A adolescência é reconhecida como uma fase peculiar do desenvolvimento humano por profissionais de diversas áreas. Estes assim a conceituam por entenderem quão importantes transformações físicas, psíquicas e sociais ocorrem nesse período de formação e reavaliação de conceitos.

Por essa razão, o ordenamento jurídico interno, atrelado aos documentos de expressão internacional, reconhece a necessidade de procedimentos próprios de apuração e punição de menores infratores das regras sociais de convivência, sempre com vistas à ressocialização, afastando-se o intuito de retribuição do mal cometido.

Como reflexão indispensável, oportuna é a transcrição do texto de Oscar Vilhena Vieira, Secretário Executivo do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente – ILANUD, tratando de “Reciprocidade e o Jovem Infrator”:

A responsabilização e punição das crianças e dos adolescentes infratores é, neste sentido, não um direito dos adultos e do Estado, mas um dever. Um dever em relação aos próprios infratores. Como dever, está limitado pelo direito da criança e do adolescente ao pleno desenvolvimento da sua personalidade. Assim, a responsabilização legal se torna um dever do Estado de buscar, por intermédio da aplicação da lei, possibilitar à criança o desenvolvimento de um superego capaz de reprimir os impulsos de destruição e inseri-la num convívio social pacífico. É a possibilidade que o Estado e os adultos têm de suprir e corrigir sua próprias falhas e omissões que impedem um adequado desenvolvimento da personalidade da criança e do adolescente, levando-o a cometer atos infracionais. Portanto, não parece haver outra forma consequente de controle da violência e do envolvimento de jovens com o crime, que não o modelo de proteção integral, que agrega educação e responsabilidade, conforme estabelecido pelo ECA (Revista do ILANUD n° 3, Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente. São Paulo, 1997, p. 28). 

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A análise da eficácia das medidas socioeducativas da legislação atual é urgente para que se possa aferir se estão sendo eficientes para ressocializar o adolescente infrator, ou se estão lhes oferecendo chances reiteradas de persistir na criminalidade, dada a sua relativa brandura.

O conhecimento e a compreensão de uma realidade reclamam a percepção e a análise das causas que a constrói. Destarte, se pretendemos equacionar a problemática menoril e o oferecimento de soluções, é imperiosa a identificação das causas determinantes do processo de marginalização dos menores da nossa sociedade.

Vivemos em um país assinalado por contradições. Ao lado de um território amplo, bem localizado geograficamente, rico em recursos minerais e propício à agropecuária, detentor de um setor industrial ágil e de um mercado consumidor altamente diversificado, de potencialidade reconhecida mundialmente, nos deparamos com um ambiente precário, marcado por desigualdades sociais.

A realidade contemporânea evidencia a carência de recursos da família brasileira para prover satisfatoriamente condições essenciais à maturação física e psicológica das crianças e dos adolescentes. A má distribuição de renda e os altos índices de desemprego impedem a construção de um ambiente familiar econômico e socialmente estável, basilar ao pleno desenvolvimento humano.

Esse quadro revela que o nosso menor vê-se desamparado pela sociedade que lhe é hostil ou omissa, pela complexidade dos problemas sociais, econômicos e políticos, e pela indiferença do Estado na promoção de políticas públicas básicas.

José Barroso Filho destaca que: “O crescente índice de infrações cometidas por adolescentes demonstra o aumento da crise econômica e a incapacidade de o Estado promover o reequilíbrio social”. (Jus navigandi, novembro/2010).

Não divergindo, Luiz Flávio Borges D’Urso:

as causas de expansão da violência se devem, em primeiro lugar, ao acervo de carências da população de baixa renda, cuja assistência, apesar dos programas de distribuição de bolsas, é extremamente precária. As conseqüências se fazem sentir na expansão das gangues e das hordas da criminalidade nas periferias e o conseqüente engajamento de jovens (Revista Jurídica Consulex – ano XI – n° 248 – 15 de maio de 2007 – p. 66).

A situação econômico-social, entretanto, não é causa determinante da delinquência infanto-juvenil. Se o fosse, as famílias abastadas e bem posicionadas na sociedade com ela não conviveriam. A deterioração moral e sentimental do ambiente familiar também é causa de desajustes sociais e psicológicos, ao passo que, os pais, preocupados essencialmente com a vida pessoal e profissional, negligenciam a educação de seus filhos, deixando de impor os limites adequados à formação de uma personalidade saudável, pautada em valores morais e éticos.  

A crescente prática de delitos graves, sem conotação patrimonial, por menores de classe média e alta, afasta totalmente a tese de que o menor compelido pela necessidade de sobrevivência digna ou simplesmente desassistido por falta de infra-estrutura familiar é levado a delinquir.

As causas da marginalidade entre os adolescentes são, pois, muito amplas e desconhecidas, não se restringindo unicamente à ausência de poder aquisitivo. Tende ainda pelo lado das más companhias, formação de bandos, agrupamentos excêntricos, dependência química, irreverência religiosa ou moral e vontade dirigida para o crime, de forma que a ilimitada transgressão normativa perpetrada por menores deve ser compreendida através de reflexões interdisciplinares, em contexto com a entidade familiar e a organização social nas quais estamos inseridos.

Nas palavras do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini:

O terreno fértil para o avanço da delinqüência é o esgarçamento da moral. A falência dos valores. A política utilizada como forma de fuga da responsabilidade penal e de enriquecimento rápido. A educação cada vez mais inconsistente e imbecilizante. A falta de políticas públicas de real inclusão dos marginalizados. Propaganda que dá prioridade ao egoísmo e mensagens centradas na consecução de bens da vida mais do que relativos – mas são os que a mídia e a publicidade apontam como essenciais e que, para a mocidade desorientada, passam a constituir o único objetivo (Revista Jurídica Consulex – ano X – n° 230 – 15 de agosto de 2006, p. 34).

Impressionante, quanto ao agravamento da criminalidade juvenil, é a incidência do uso e tráfico de entorpecentes. Números da Fundação Casa (ex-Febem) sobre a população de menores infratores revelam que a participação dos adolescentes no tráfico de drogas tem aumentado vertiginosamente a cada ano, a ponto de se transformar no principal motivo das internações. Os jovens atuam, em sua maioria como mediadores entre os interessados pelas drogas e os distribuidores. Travam um contato fugaz, apreensivo e vigiado com os interessados, recebendo em essência o dinheiro que repassam aos seus superiores hierárquicos.

Os jovens são recrutados desde os tenros anos de idade. A flagrante inversão de valores e o desprestígio da boa conduta fomentam o anseio por poder como forma de imposição de suas vontades e satisfação de seus desejos de consumo. De fato, a indústria do narcotráfico detectou que o vazio existencial de uma cultura essencialmente materialista é facilmente preenchido pela participação efetiva em um projeto, ainda que criminoso.

Ao considerar inimputáveis os menores de 18 anos, o legislador não adotou uma postura meramente paternalista conferindo apenas direitos ao infrator sem a devida contrapartida. O adolescente a quem se imputa a prática de um ilícito penal está sujeito às medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que vão da simples advertência até a internação, conforme o caso. E essa internação nada mais é que a institucionalização do menor infrator em estabelecimento próprio e adequado, assegurado o acompanhamento técnico, com vistas à recuperação de valores e ao retorno à convivência comunitária.

Sobre o assunto, Jorge de Figueiredo Dias, assinala que:

a colocação dessa barreira etária intransponível à intervenção penal funda-se em um princípio de humanidade, que deve caracterizar todo o direito penal de um Estado de direito material. Deve evitar-se a todo custo a submissão de uma criança ou adolescente às sanções mais graves previstas no ordenamento jurídico e ao rito do processo penal, pela estigmatização que sempre acompanha a passagem pelo corredor da justiça penal e pelos efeitos extremamente gravosos que a aplicação de uma pena necessariamente produz ao nível dos direitos de personalidade do menor, marcando inevitavelmente o seu crescimento e toda sua vida (Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora, 2004, t.1, p. 547 Código Penal e sua interpretação – Editora Revista dos Tribunais – 8ª edição – pg. 217).

É justa e explícita a afirmação acerca da falibilidade do sistema carcerário brasileiro, em razão da ausência de estabelecimentos correcionais que contribuam para a formação salutar da personalidade do infrator.

Ora, o caráter pedagógico que deve nortear a punição do menor, raramente se verifica como determina a lei. Isto porque, há pouca diferença entre as condições desumanas dos estabelecimentos prisionais e das unidades reservadas aos adolescentes infratores.

Disso decorre a necessidade de aperfeiçoamento das instituições, afastando-se qualquer possibilidade de referidos menores virem a cumprir as sanções que lhes forem impostas juntamente com os delinquentes adultos, de forma que sejam executadas em estabelecimentos especiais, onde o tratamento ressocializador, efetivamente individualizado, fique sob a responsabilidade de técnicos especializados comprometidos com a educação dos internos.

Porém, se de um lado não parece dotada de sensatez a observância de uma postulação puramente vingativa, de outro, o legislador não se mostra sensível para introduzir com agilidade as modificações necessárias ao adequado tratamento de condutas graves praticadas por crianças e adolescentes com requintes de perversidade, que revelam total desajuste comportamental.

A princípio, a disciplina legal a ser observada é a mesma, ou seja, a medida socioeducativa consistente na internação está sujeita ao princípio da brevidade, de forma que em nenhuma hipótese a segregação do infrator pode ultrapassar três anos ou sobrepujar a idade de 21 anos.

Entretanto, tratando-se de menor que revele vontade manifestamente dirigida para o crime e personalidade inconciliável com a convivência comunitária, é imperiosa sua institucionalização por período de tempo superior à três anos. Com isso, concluímos que, quando necessário devem ser extrapolados os limites temporais preconizados pela lei, dando ênfase à verificação da capacidade para viver em sociedade e respeitar a vida e o patrimônio alheios.

No entendimento firmado por Airton Rocha Nóbrega:

A ficção jurídica, alusiva á suposta incapacidade do menor para entender a gravidade de uma conduta por ele adotada, não pode, de forma nenhuma, servir como fundamento para que seja ele, pouco tempo depois de uma detenção, devolvido ao convívio social, sem que esteja preparado para isso. Se demonstra – e isso pode ser avaliado tecnicamente – necessidade de delinqüir, não se pode confessar incapacidade para punir (Revista Jurídica Consulex – ano VII – n° 166 – 15 de dezembro de 2003, p. 27).

Nessa esteira de pensamento seria mais correto seguir-se o critério adotado nos países de origem anglo-saxã que analisam, diante de um caso concreto, se o infrator, ao cometimento de um delito, agiu com suficiente entendimento acerca do caráter criminoso da conduta perpetrada, valendo-se para tanto de uma gama de técnicas interdisciplinares, envolvendo aspectos psicológicos, psiquiátricos, psicopedagógicos, sociológicos e jurídicos.

De fato, países como o Canadá e a Holanda fixam a idade mínima de 12 anos para fins de responsabilização criminal, desde que o indivíduo compreenda a ilicitude de seu ato, dado obtido através de uma análise ampla e criteriosa da pessoa do delinquente.

Nessa esteira de pensamento, segundo Luiz Flávio Borges D’Urso:

poderão haver pessoas com a mesma idade cronológica contudo, com capacidade de entendimento diversas, a ensejar responsabilização também diferenciada. Trata-se do critério bio-etário ou bio-psicológico (Jus Navigandi, julho/2010).

Complementando seu entendimento, assevera ainda que:

No que diz respeito à legislação, a nossa posição é de equilíbrio, ou seja, nem a favor de um direito penal máximo, próprio dos regimes autoritários – voltados para equacionar a questão social com leis duras na área da criminalidade – nem de um sistema penal mínimo, incapaz de distinguir criminosos de pequenas infrações de grandes criminosos (Revista Jurídica Consulex – ano XI – n° 248 – 15 de maio de 2007 – p.66).

Por outro lado, não procede a alegação de que o adolescente de hoje, conectado aos mais diversos meios de comunicação em massa, recebe maior carga de informações que o adolescente do início do século passado e, por essa razão, tem mais discernimento que aquele.

Se há, de fato, maior acesso à informações, é de se reconhecer que o conteúdo absorvido é mais quantitativo que qualitativo, de forma que o conhecimento extraído é bem mais deletério que educativo.

Ocorre porém que, o incremento da atividade delitiva, marcado pela crescente participação de crianças e adolescentes, fomenta o clamor popular tendencioso à adoção de medidas radicais e imediatistas.

Todavia, momentos críticos exigem maior ponderação, porquanto medidas paliativas e pouco eficazes revelam-se inaptas para solucionar a crise de insegurança que assola a sociedade brasileira.

O clima de instabilidade decorrente dessas circunstâncias tem fomentado um ímpeto legiferante, no sentido da edição de leis mais severas com a convicção de que são elas capazes de intimidar os potenciais delinquentes, inibindo suas ações criminosas. 

Não é de se estranhar que uma vítima defenda a punição de um criminoso com rigidez excessiva. Mas o desejo de vingança que qualquer ser humano é passível de ter não é, entretanto, o princípio fundamental que guia o direito penal. O Estado, que detém o monopólio do uso da força, e o sistema jurídico, que define o que é crime e como puni-lo, atendem a uma lógica de funcionamento coletiva, diferente da individual.

Em 1989, o sequestro de Abilio Diniz, personalidade do mundo dos negócios, despertou a atenção da população brasileira e deu origem à Lei 8.072/90 que, em resposta aos anseios gerais da sociedade, foi editada com o objetivo manifesto de coibir, sobretudo, os crimes de extorsão mediante sequestro, estupro, atentado violento ao pudor, latrocínio e tráfico ilícito de entorpecentes, restringindo garantias constitucionais aos acusados e condenados por tais crimes, como o direito à liberdade provisória e o direito à progressão de regime (do fechado para o semi-aberto e deste para o aberto).

Quatro anos depois, tem-se noticiada a morte de Daniela Perez, uma jovem atriz de televisão, brutalmente assassinada pelo galã da novela com quem era casada. E, mais uma vez, o legislador capitalizou o clamor popular, publicando a Lei 8.930/94, erigindo o homicídio qualificado à condição de crime hediondo.

Neste ínterim, podemos citar, ainda, entre os diplomas legais repressivos de maior repercussão na década passada, a Lei 9.437/97, criminalizando o porte de arma e sancionando tal conduta com até seis anos de reclusão, e a Lei 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, agravando o homicídio e as lesões corporais culposas praticados na direção de veículo automotor, como resposta à comoção pública diante de crimes automobilísticos envolvendo pessoas de destaque na sociedade.

A criminalização do porte de arma tinha o objetivo declarado de evitar que os grupos criminosos organizados continuassem a adquirir e utilizar armas de fogo de grosso calibre contra as forças policiais. Constatada sua ineficácia, pouco mais de seis anos depois, a Lei 10.826/03 foi editada com o objetivo de fiscalizar a produção, o comércio, o registro e o cadastramento das armas de fogo no Brasil.

É indubitável, portanto, que as mudanças na legislação material e processual penal sucedem-se no sentido de aumentar o rol das condutas criminalizáveis, prever punições mais severas do que as prescritas anteriormente, reduzir garantias antes consagradas aos acusados de práticas criminosas e restringir direitos dos já condenados, prevendo-se um sistema cada vez mais rígido de execução da pena e ampliando ainda mais o poder persecutório e punitivo do Estado.

Comparemos a situação dos Estados Unidos da América, principal fonte de inspiração e modelo, onde predominam leis draconianas, com destaque para a pena capital, a prisão perpétua e a imputabilidade penal plena dos adolescentes na maioria dos Estados federados. Um sistema judiciário rápido e eficaz, coadjuvado por um aparelho policial poderoso e bem equipado, resultou num extraordinário incremento da população carcerária nos últimos anos.

A inflação carcerária nos EUA, deve-se, sobretudo, à criação e alteração de leis e instituições da justiça criminal, da recolocação da pena de morte no debate público, do aumento dos contingentes policiais e da adoção de programas de policiamento urbano conhecidos como “Tolerância zero”, tal como o da cidade de Nova Iorque, impondo-se um controle rígido sobre as ilegalidades populares. Foram adotados mecanismos sofisticados de imposição das punições legais (como pulseiras eletrônicas), restrições à liberdade de locomoção e privatização dos serviços de segurança.

De fato, o espírito empresarial americano encontrou na crise inúmeras oportunidades de lucro. O crescente apelo por maior rigor punitivo estimulou o crescimento exponencial do setor, para o qual as administrações públicas carentes de fundos se voltam para melhor rentabilizar os orçamentos consagrados à gestão das populações encarceradas.

No Brasil, outrossim, os centros correcionais atingem índices de ocupação alarmantes. Ao revés da otimização dos recursos disponíveis para o desenvolvimento do sistema prisional, o contingente decorrente da inflação carcerária foi alocado nas unidades já existentes, sob condições que evidenciam a precariedade do tratamento ministrado no interior de ditos estabelecimentos.

O problema, assim pensamos, não reside no fato de ser condescendente com o crime, mas de contê-lo dentro de limites socialmente toleráveis, sem retóricas que a nada tem conduzido, a par de produções legislativas que não são executadas.

Embora possa parecer paradoxal, mesmo com a tipificação de novas condutas, incremento das penas e enrijecimento do regime prisional, a capacidade de reação do Estado revela-se ínfima frente à potencialidade delitiva, fomentando descrédito quanto à efetiva concretização da sanção penal.

Igual entendimento é exteriorizado por Luiz Flávio Borges D’Urso:

a eficácia da intimidação deriva mais da certeza do cumprimento da lei do que seu rigor. Nesse sentido, cremos que se deva promover mudanças na legislação penal com  finalidade de combater, de maneira mais abrangente, a criminalidade (Revista Jurídica Consulex – ano XI – n° 248 – 15 de maio de 2007, p. 66). 

De fato, não é a severidade das penas que inibe a atividade criminosa, mas a certeza de sua imputação à pessoa do infrator. Entretanto, as estruturas formais de prevenção e repressão da criminalidade estão seriamente afetadas pelo sucateamento das forças policiais, e pela notória defasagem entre a demanda e a capacidade de atendimento do Poder Judiciário.

É forçoso reconhecer que, ante a ausência de recursos humanos e materiais dos órgãos de prevenção, o recrudescimento da legislação, ao revés da adoção de uma estratégia pragmática, criará óbices intransponíveis à pronta resposta do Estado e à ressocialização do infrator. Com efeito, a inflação carcerária implicará um contingente maior de pessoas submetidas às condições degradantes que assolam o interior dos estabelecimentos prisionais, afastando-as de qualquer perspectiva de reintegração social.

Surge, pois, a imprescindibilidade de uma atuação racional e eficaz do Estado, ao qual compete a realização do bem comum, ativando de maneira positiva seus instrumentos no sentido da consecução prática de seu dever, efetivando com absoluta prioridade os direitos e interesses assegurados à criança e ao adolescente.

Ao lado de uma participação mais ativa da sociedade, cumpre ao Estado, formalmente edificado sob a noção de dignidade da pessoa humana, abdicar de sua postura meramente paternalista em benefício da implantação de políticas sociais voltadas à formação das novas gerações, criando oportunidades para a satisfação dos valores humanos.

O ECA clama por eficácia plena e efetiva de suas disposições, em fiel cumprimento às normas de expressão internacional incorporadas ao nosso ordenamento jurídico, cujos destinatários são colocados em situação privilegiada enquanto credores da tutela estatal.

As medidas socioeducativas enumeradas na legislação menorista expressam a imprescindibilidade de um sistema educacional protetivo para atendimento do adolescente autor de ato infracional. A sua eficácia, porém, não transparece ao conjunto da sociedade porque é obstruída por uma realidade permeada por graves omissões na operacionalização de tais medidas.

Ressalte-se ser conveniente que os provimentos pedagógicos a serem cumpridos em meio aberto, sejam executados em ação coordenada com órgãos da própria comunidade, reduzindo-se substancialmente os custos e, sobretudo, aumentando o comprometimento social com o processo educativo.

Na medida em que se propõe a implantação de um programa comunitário atuante no atendimento de menores infratores sentenciados com medidas socioeducativas executáveis em meio aberto, limita-se a aplicação das medidas privativas de liberdade aos casos expressamente previstos em lei, ao mesmo tempo em que possibilita a progressão das medidas em condições favoráveis à reinserção do adolescente no convívio social.

Inúmeras são as dificuldades opostas à execução prática das disposições estatutárias, notadadamente a ausência de recursos humanos, estruturais e financeiros dos órgãos encarregados de conferir-lhes efeito prático, e a existência de instituições correcionais, herança do modelo repressivo preconizado pela legislação menorista revogada, camufladas com nova roupagem.

Denota-se, portanto, que as medidas socioeducativas estão sendo ministradas ao revés dos parâmetros fixados pelo ECA. É evidente que a medida privativa de liberdade consistente na internação, reservada excepcionalmente às situações discriminadas em lei, tem substituído as demais, ante a ausência de implementação destas, em flagrante transgressão aos princípios basilares do direito da infância e da juventude.

Não há que se falar em reforma estrutural do Estatuto sem a implementação de toda a rede necessária e prioritária de tutela e prevenção, indeclinável à eficácia de suas disposições.

Com efeito, as medidas estatutárias, se executadas em observância à doutrina da proteção integral, no cumprimento de sua finalidade educativa e ressocializadora, inegavelmente surtirão os efeitos práticos almejados, materializando resposta proporcional e efetiva à conduta antissocial perpetrada.

A título de exemplo, em São Paulo, o “Projeto Amar” (Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco), atua na defesa dos direitos básicos dos menores institucionalizados, projetando sua inserção no mercado de trabalho através do programa “Cidade Tiradentes”.

Outro bem sucedido projeto de ressocialização é a “Associação Educacional e Beneficente Vale da Bênção”, que atua no atendimento de adolescentes autores de atos infracionais no cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida, suprindo as deficiências do sistema educacional, oferecendo-lhes reforço escolar e alfabetização.

A Coordenação Regional das Obras de Promoção Humana (CRO PH), localizada na Vila Guilherme, em São Paulo, investe no desenvolvimento das potencialidades intelectuais dos menores, estimulando a prática de habilidades cotidianas mediante a organização de oficinas culturais, cursos profissionalizantes em parceria com a Associação Gelre - uma agência de emprego - e projetos em parceria com a Fundação Abrinq.

No município de Colatina, Estado do Espírito Santo, a Prefeitura, em conjunto com o Conselho Nacional do Direito da Criança e do Adolescente (Conanda), instituiu aos jovens infratores medidas de liberdade controlada, executadas por uma equipe interdisciplinar integrada por professores, psicólogos e sociólogos responsáveis pela análise evolutiva dos adolescentes, informada mensalmente à Justiça competente.

Por fim, o Programa Começar de Novo, lançado pelo CNJ em agosto de 2009, ao lado de órgãos públicos, empresas privadas e conselhos comunitários, visando a realização de cursos de capacitação profissional e a disponibilização de vagas de empregos para presos, ex-detentos e jovens em conflito com a lei, com vistas à redução da reincidência carcerária. Para garantir o convênio, o CNJ assinou termos de cooperação técnicas com os Estados, que por meio de leis estaduais e decretos municipais, garantem vagas em obras públicas.

Na execução do projeto, o CNJ e o Sport Club Corinthians Paulista firmaram acordo de cooperação técnica, consistente na liberação das dependências do clube, duas vezes por semana para a prática de atividades esportivas por adolescentes que cumprem medidas socioeducativas na Fundação Casa. (CNJ, novembro/2010)

Com efeito, a mobilização popular voltada à resolução da problemática menoril, além de constituir instrumento de conveniência social, decorre da forma de associação política imposta constitucionalmente, tendente a superar a democracia meramente representativa, impondo a adoção de um regime democrático efetivamente participativo.

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Sobre a autora
Nadia Maria Saab

Advogada. Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (Bauru/SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAAB, Nadia Maria. A eficácia das medidas socioeducativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4950, 19 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55102. Acesso em: 22 dez. 2024.

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