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Reforma da previdência: de novo!?

16/01/2017 às 14:25
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Com a nova proposta de reforma da previdência (PEC 287), seria oportuno rever o modelo de financiamento e não apenas o plano de benefícios.

Nos últimos 20 anos, a “Reforma da Previdência” tem sido uma constante no âmbito das discussões políticas, sociais e econômicas, sempre contrapondo governos, trabalhadores e empresários. No entanto, como já tive oportunidade de dizer, este é um tema que, a rigor, deve permanecer – ou pelo menos deveria permanecer – em pauta até atingirmos maturidade suficiente para “desapaixonarmos” a discussão que dele decorre.

Tenho sustentado que a principal razão de ser de um Estado – que se diga minimamente civilizado – está na busca da plena proteção social, do bem estar de seus cidadãos. Para tanto, dentre outros programas, deve propiciar condições para reposição de renda em situações que comprometam a capacidade produtiva do trabalhador, compreendidas no avanço da idade, na ocorrência de doenças, em situações de invalidez, desemprego e morte.

Por mais que queiramos, esse ideal de plena proteção social não pode ser atribuição exclusiva do Estado. Não é assim no Brasil e não é assim em lugar nenhum do mundo. Esta é uma responsabilidade que se compartilha entre o Estado e a sociedade produtiva. O que tem variado de um lugar para outro são os critérios de financiamento e a eficiência de gestão. Em nosso caso, nem os critérios de financiamento, e nem a eficiência de gestão, podem ser considerados como “aprazíveis”. Temos um sistema de financiamento que onera folhas de pagamento e meios produtivos, e um modelo de gestão mastodôntico que não possui capacidade de segregar, adequadamente, os vários benefícios misturando assistência e previdência. Aprofundar as mazelas desse modelo não seria possível neste espaço, o que importa é chamar à atenção para a necessidade de, no processo de reforma, inserir na agenda, uma ampla discussão quanto ao modelo de gestão e de financiamento de nosso Sistema de Seguridade Social, observando apenas que, no atual espectro constitucional, não se pode dizer que o financiamento do Sistema de Seguridade seja deficitário, antes o contrário. Neste ponto, sua mazela maior reside na expressiva oneração dos meios produtivos que poderia e pode ser minimizada.

O fato do financiamento do Sistema de Seguridade ser superavitário ou equilibrado não nos desonera da necessidade de reforma da previdência porque, esta sim, é deficitária.

O déficit previdenciário não reside apenas na constatação de que a arrecadação é menor que a despesa. Ele reside, também, na característica dos benefícios e do modelo de financiamento, profundamente descolados da realidade demográfica, da modificação dos meios de produção e relações de trabalho.

Neste processo, devemos ter em conta que a Previdência possui natureza retributiva, seletiva e supletiva. Retributiva porque retribui, com seus beneficios, a contribuição diretamente vertida pelo beneficiário. Seletiva porque só atende àqueles que contribuem. Supletiva porquanto complementa o Sistema de Seguridade financiando benefícios que afastam o cidadão com capacidade produtiva do auxílio assistencial. Em outros termos a Previdência é seguro social onde “pagou levou” e isso também não pode ser esquecido em um processo de reforma.

Nas ultimas reformas que procedemos, buscamos insular o tema como se ele se encerrasse em si mesmo e consideramos, em regra, apenas fatores demográficos, representados pela queda da natalidade e o aumento da longevidade, com seus reflexos no custeio previdenciário, sem nos aprofundamos nas implicações desses fatores – demográficos – juntamente com o avanço tecnológico e as modificações nos meios de produção e do perfil econômico.

É inegável que nos dias atuais e futuros contaremos com casais que têm menos filhos e, sobretudo, com cidadãos que vivem e viverão muito mais. Temos um quadro bastante distinto daquele havido ao longo do século passado – sobretudo nos seus três primeiros quartos – quando, em uma sociedade predominante rural, nosso sistema de previdência foi erigido sob o fundamento da solidariedade intergeracional, em que os jovens contribuíam para custear a previdência dos idosos, cuja expectativa de vida não era maior do que 55 anos, em média, e a quantidade de filhos, por casal, variava de 04 a 06.

Hoje, não estamos mais em uma sociedade predominantemente rural. Somos urbanos e vários cientistas sustentam que a geração futura viverá mais de 100 anos, em média – já nasceu a pessoa que viverá 150 anos –, e nossos casais, ainda com alta taxa de natalidade, não têm mais de 1,7 filhos.

Inegavelmente esse quadro nos impõe uma conclusão inexorável e inerradável. Gostemos ou não, o modelo previdenciário, mais do que deficitário, está fadado à falência e isso porque não cabe no novo perfil econômico, social e demográfico. Assim, ou mudamos o perfil econômico, social e demográfico, ou mudamos o modelo de previdência.

Mesmo saudosos dos “bons tempos”, quer nos parecer que não há como mudar-se o perfil econômico, social e demográfico de modo que é mais adequado mudarmos o modelo previdenciário, até porque, como seria se tivéssemos mantido a taxa de natalidade do século passado? Por certo que teríamos, guardadas as proporções, uns 30 milhões de desempregados. Numero assustador e muito maior do que os 11 milhões admitidos por nossos analistas econômicos.

Neste processo não seria razoável que nos limitássemos ao mesmo receituário, limitado ao aumento do período contributivo – seja por fixação de idade mínima, seja por determinação de taxas de pedágio – e diminuição dos valores dos benefícios

Com as Emendas 20 e 41 o teto dos benefícios do INSS foi elevado ao equivalente a 10 salários mínimos, valor rapidamente diminuído de modo que hoje o teto máximo (R$ 5.189,82) não ultrapassa a 5,9 salários mínimos.

Assim, além de nos preocuparmos com os fatores demográficos, temos que ter em conta a mudança do perfil econômico e das relações de trabalho. Em regra, o mundo ocidental tem ancorado o custeio da previdência nas folhas de salários. No Brasil esse processo é mais assente, daí porque o número de desempregado refletir no custeio da previdência e o custeio da previdência interferir no número de desempregados. Em verdade, parece que estamos diante de um circulo vicioso com poucos jovens, poucos empregos e muitos idosos, mas uma coisa ainda é certa, trabalho há!

A par deste quadro, surgem várias hipóteses que permeiam o ideário reformista, dentre elas está o aumento da idade para a aposentadoria voluntária – sugerido em 65 anos– e o aumento do tempo mínimo de contribuição. Ok, parece que não poderemos fugir disso, todavia de que modo implementar esses parâmetros, sem enfrentarmos temas como o do desemprego, da modificação das relações de trabalho e da exclusão previdenciária?

Sabemos que o trabalhador médio, quando alcança a faixa dos 45 anos de idade está sujeito ao desemprego e à informalidade. Não fosse isso, é certo que, ao longo de sua vida produtiva – dos 18 aos 60 anos –, poderá ficar, em média, cerca de 20% do tempo sem que sua carteira de trabalho esteja assinada e, portanto, longe de uma relação contributiva formal. Com isso, o tempo de espera para alcançar uma aposentadoria voluntária gira em torno de 42 anos. É como  diz Renato Follador “os pobres se aposentam, majoritariamente, por idade” e para eles essa reforma de nada vale, nada representa.

Na verdade esse conjunto funciona mais como “massa de manobra” em favor daqueles “mais afortunados” que não ficam desempregados. Estes “afortunados” representam cerca de 20% da população economicamente ativa e quando aposentados – precocemente por tempo de contribuição – abocanham cerca de 80% do valor dos benefícios pagos. Neste contexto, a adoção de idade mínima, mais do que economia, resulta em justiça social. E nem se fale que o pobre vive menos, já que, em previdência, o que prepondera é a expectativa de sobrevida e, neste ponto, não ha diferença entre pobres e ricos pois o homem que chega aos 65 anos de idade têm a mesma expectativa de sobrevida independentemente de sua condição social. Com a palavra os demógrafos.

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Superada a questão relativa à fixação da idade mínima, de que modo poderemos evoluir no processo de reforma previdenciária sem considerarmos o Fator Previdenciário? Havido como um componente atuarial destinado à absorção do impacto das aposentadorias precoces sobre o sistema previdenciário – já que , com sua formula, um trabalhador que se aposenta precocemente acaba por receber um benefício menor do que um trabalhador que, com o mesmo tempo e os mesmos valores de contribuição, aposenta-se com uma idade maior –, o fator destina-se a corrigir as distorções advindas das aposentadorias concedidas para trabalhadores “jovens”, e parece que ele cumpre esta função de modo eficaz.

No mesmo processo não se pode deixar de enfrentar a questão relativa a “desaposentação”, uma vez que o jovem aposentado permanece trabalhando e contribuindo, fazendo de sua aposentadoria uma espécie de complementação de renda. Mas não é só isso, que tratamento devemos dar às situações em que esse aposentado, estando trabalhando adoece e a previdência de nega o auxílio doença sob o argumento de que já está aposentado. Não se pode voltar as costas a esse problema que fragiliza o trabalhador e onera, sobremaneira o empregador.

Estes também são fatores que interferem nas relações de trabalho afinal o aposentado que continua trabalhando não abre vaga para o jovem e o aposentado doente nada produz para o empregador.

A par disso há ainda, o seguro desemprego que, a rigor, é um benefício previdenciário. Hoje disperso, sob a gestão da Caixa Econômica e deliberação do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, o seguro desemprego, enquanto benefício previdenciário, deveria cobrir, adequadamente, a ausência da renda decorrente do desemprego involuntário e adotar uma adequada política de formação, educação e readaptação do trabalhador, incluindo até mesmo o financiamento e assessoramento de pequenos empreendedores.

Assim, a par do aumento da idade ou do tempo de contribuição esses temas devem ser discutidos e, da mesma forma, não é possível pretender uma discussão séria e equilibrada sobre estes pontos.

A discussão também se mostra ineficaz se não equacionarmos adequadamente a inclusão previdenciária dos trabalhadores que permanentemente compõem a economia informal e daqueles que, demitidos, têm dificuldade em obter um novo emprego, permanecendo longos períodos – dois, três, ou mais anos – desempregados e, portanto, longe da contribuição e cobertura previdenciária.

Neste contexto devemos considerar que as relações de trabalho sofrem uma modificação irreversível. No novo quadro laboral, o vínculo formal, com a carteira de trabalho assinada, perde espaço para relações informais e até mesmo para relações laborais múltiplas e concomitantes. Com isso, um regime de previdência como o nosso, cujo financiamento está ancorado na folha de pagamento formal e sob repartição – onde os valores arrecadados dos contribuintes ativos são destinados ao pagamento dos aposentados – tende a ser, permanentemente, desequilibrado.

Não há dúvida de que a solução destas questões passam por uma adequada contextualização dos temas, abrangendo a busca de um novo modelo de financiamento previdenciário que permita ampla inclusão previdenciária e desonerar das folhas de salário. Parece impossível, mas o Estado brasileiro é o único no conserto mundial das nações que reúne condições para tanto.

O novo paradigma de financiamento previdenciário, em que pese o desgaste sofrido, pode ser ancorado na CPFM que, por sua característica, pode ser o meio mais eficaz para a inclusão da economia informal e taxação da “economia marginal” desde que, obviamente, a CPMF passe a ser compensável com a contribuição direta –realizada por segurados e empresas – e com outros encargos sociais, como a Cofins e CSLL.

A possibilidade de compensação não traria mais ônus para a economia formal e os recursos oriundos da economia informal e “marginal” propiciariam a inclusão previdenciária do cidadão que esteja a margem da relação de emprego formal à quem se garantiria um beneficio mínimo, uma vez cumpridos critérios de idade. Mas não é só isso: esse modelo propiciaria a taxação da economia “marginal”, abrangendo recursos vinculados a atividades ilícitas e que, por isso mesmo, não seriam passiveis de compensação.

A compensação poderia se dar, anualmente, quando da declaração do imposto de renda e, nesta oportunidade dar-se-ia ao trabalhador a opção de ver restituídas as contribuições excedentes ao teto do RGPS, ou indicar que esses valores possam ser portados para um fundo de previdência complementar ou ainda, para aplicação em título do tesouro. Àqueles que não fazem declaração de IR ou estão isentos de sua apresentação a Receita Federal poderá, indicar o valor arrecadado a título de CPMF que automaticamente comporá a contribuição previdenciária individual de cada cidadão identificado. O mesmo procedimento pode e deve se dar em relação às empresas que, estando na economia formal, poderão obter a respectiva compensação.

Assim, de modo gradual poderemos modificar o modal de financiamento da Previdência Social que deixará de ser atrelado as folhas de pagamento e se poderá alcançar, ainda, a universalização previdenciária e, por decorrência a minimização de outros programas da seguridade social, fazendo com que mais recursos possam ser canalizados para outros setores como educação, saúde, segurança e infraestrutura.

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Sobre o autor
Mauro Ribeiro Borges

Advogado – Ex diretor jurídico da Paranaprevidencia e ex-presidente do Conselho Deliberativo da OABPREV-PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Mauro Ribeiro. Reforma da previdência: de novo!?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4947, 16 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55106. Acesso em: 2 nov. 2024.

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