Reformar é da humanidade, os fatos impõem-se às vontades humanas desde os tempos mais imemoriais, e as reformas, inevitavelmente, estarão sempre na ordem do dia.
O dever de reformar incita a revitalizar, tornar algo mais apto para enfrentar os desafios para os quais foi criado. No caso da gestão das políticas públicas, porque estas estão num processo contínuo de adaptação a cenários dinâmicos, requerem processos de avaliação e adaptação continuado.
Averiguar se, em dado momento, aquela que está vigente ainda é adequada às necessidades sociais que a justificaram, e se contemplaria, não a qualquer interesse, ao melhor interesse público.
Na gestão pública, as reformas são inevitáveis, o problema é o momento adequado, que pode ser pós colapso sistêmico ou, numa situação mais favorável, muito antes desse momento.
Pelo valor das contribuições hoje instituídas e o tempo necessário para que as gerações atuais usufruam do benefício do seguro previdenciário, penso que o colapso está longe de acontecer. Reformas recentes apontam para uma correção de rumos. Porém, ajustes sempre se mostram necessários, para evitar distorções advindas de privilégios segmentados, que não levam em conta o valor das contribuições de cada um e o seu tempo na fixação do benefício em razão da expectativa de vida.
As dificuldades de entender as propostas da reforma, em especial a previdenciária, traz, de forma intrínseca, o vício da falta de legitimidade dos seus interlocutores, uma vez que elas deveriam emergir de um debate com grande capilaridade democrática e tecnicamente qualificado.
Ademais, o isolamento dos interlocutores dificulta o surgimento de novas perspectivas, soluções que aproximariam as propostas do interesse público a que devem servir.
Discute-se que o atual regime de previdência é insustentável. Questiono qual regime, visto que temos muitos regimes previdenciários dentro de um mesmo sistema. Ao se misturar problemas heterogêneos, aumenta-se as dificuldades de discussão e reflexão.
Para que o debate ganhe qualidade, seriam necessários números transparentes no Orçamento Público.
As dotações orçamentárias para o pagamento de benefícios previdenciários deveriam ser segregadas: de um lado aqueles que contribuíram proporcionalmente aos benefícios recebidos, do outro, os que apresentam assimetrias entre o que contribuíram e o valores que os beneficiam (de acordo com a expectativa de vida).
As dotações (reservas no Orçamento) deveriam ser divididas também por grupos, nos quais deveriam ser segmentadas as aposentadorias do regime geral e especial privado e as especiais e “gerais” de funcionários públicos, as que derivam da atividade rural e assim por diante, cada qual com o seu fundo de custeio relacionado.
Dessa forma, seria possível identificar os direitos (ou privilégios) que advêm de decisões políticas, os quais deveriam ser separados e financiados com os recursos gerais do Orçamento, não com os recursos previdenciários. Assim, a sociedade poderia medir o custo de certas (incertas) decisões e avaliar a conveniência da sua manutenção para situações futuras.
Penso ser justo que algumas atividades, por serem prejudiciais à saúde, tenham tratamento diferenciado de forma a compensar a baixa expectativa de vida de alguns segmentos.
Outro aspecto a ser levado em discussão é que os trabalhadores e os empregadores entregam, na forma de contribuições compulsórias, vultosas somas de dinheiro para serem geridas pelo Estado. Esses recursos deveriam ser remunerados numa taxa média de mercado. Não poderia o Estado utilizar-se de forma indiscriminada desses recursos, sem nenhuma contrapartida. A remuneração do capital entregue melhoraria a sustentabilidade do sistema. Caso contrário, teríamos (temos) a apropriação ilegítima do produto do trabalho alheio, o que não deve ser aceito como padrão de comportamento do ente estatal.
Em primeiro lugar, deveria estar em discussão a natureza do regime previdenciário que a sociedade almeja.
Poderia ser um modelo de partilha plena de encargos, que não levaria em consideração a natureza das atividades profissionais ou um modelo de capitalização individual com contribuição patronal, acrescido de uma margem necessária de solidariedade social. Estamos mais próximos do primeiro, mas o desejável seria o segundo.
Tão ou mais relevante que as reflexões anteriores é refletir sobre as razões que tornam necessário para a humanidade o momento da aposentadoria.
A primeira resposta, ainda que frágil e carecendo de um debate mais amplo, está vinculada à necessidade de abrir postos de trabalho para os mais jovens, ademais, após certo tempo, ao envelhecer, o ser humano deveria poder dedicar-se às questões comunitárias. Envolvendo-se em trabalhos sociais, nos quais partilharia sua experiência para outros coletivos, ou vivenciaria novas, integrando-se de forma mais efetiva à humanidade.
Firmadas as premissas, retorna-se à questão da sustentabilidade.
Pela legislação vigente, a contribuição previdenciária de cada trabalhador é de aproximadamente 30% da sua remuneração (pouco mais ou menos a depender do seu regime jurídico). Alguns podem questionar o número, mas é preciso esclarecer que temos a contribuição do empregador e a do empregado, a soma das duas é o quanto se contribui efetivamente por cada empregado. Num raciocínio simplório, parece que tal padrão de contribuição, ao longo dos 35 anos ou de 30 anos, é sustentável. Então onde está o problema?
Custa-me crer que a humanidade deve servir tão somente à acumulação de capital até os seus últimos dias de vida.
Me pergunto. Onde está o debate?