Resumo:
Este estudo tem como finalidade demonstrar os aspectos relacionados à estabilidade do servidor público. Em geral tem-se uma visão negativa sobre a estabilidade e o próprio servidor público. Em prol de um resgate dos princípios do regime de estabilidade, mostrar-se-á, inicialmente, o histórico do regime público e o surgimento da estabilidade em decorrência de sua eminente necessidade. Delineando uma rota até os dias atuais, serão elucidados os fatores que levaram à estabilidade a se tornar uma poderosa ferramenta para evitar projetos descontinuados, injustiças sociais e desperdícios financeiros aos órgãos e funcionários públicos. O objetivo do presente trabalho é identificar a contribuição do estágio probatório como instrumento de aprimoramento do princípio da estabilidade na carreira do servidor público. O propósito geral não se destina a enaltecer de forma absoluta o regime de estabilidade pública, já que existem alguns aspectos que devem sofrer análise constante e melhoria contínua, assim como qualquer outro regime de trabalho existente. Destaca-se, apesar do conceito contrário na crença popular, que a estabilidade não é obtida com facilidade e pode ser descontinuada em casos de avaliações de desempenho negativas ou comportamentos inaceitáveis. Deseja-se acima de tudo que o trabalho expresse de forma clara e objetiva a real demanda que a estabilidade pública tende a atender na administração pública, principalmente no que se refere à questão da corrupção política e financeira.
Palavras-chave: Administração Pública, Corrupção, Estabilidade, Estágio Probatório, Servidor Público.
Abstract: This study aims to demonstrate the aspects related to the stability of the public servant. Generally, we have a negative view about the stability and the public server. On behalf of rescuing the principles of the stability system, it will be shown, initially, the history of the public system and stability´s birth due to its eminent needs. Outlining the patterns until nowadays, will be demonstrated all the factors that led the stability to become a powerful tool to prevent discontinued projects, social injustice and wasting of financial resources from the governments branches and public officials. The objective of this study is to identify the contribution of probation as a tool for improving the principle of stability on the career of a public servant. The general purpose is not to exalt in an absolute way the System of Public Stability, as there are some aspects which must be constantly undertaken by analysis and continuous improvements, as well as any other working regime existing. Stands out, despite the opposite concepts in popular beliefs, stability is not easily obtained and may be broken in cases of negative performance evaluations or unacceptable behavior. It´s desired, besides anything, that this work shows clearly and objectively the actual demand that stability tends to meet in public administration, particularly with regard to the issue of financial and political corruption.
Keywords: Corruption, Public Administration, Public Servant, Stability, Stage Probation.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo refletir acerca de questões relacionadas com o princípio da estabilidade do servidor público e sua aquisição, nominada de estágio probatório, de acordo com a Emenda Constitucional nº. 19, de 5 de junho de l998, a qual inseriu no ordenamento jurídico severas alterações no instituto, e diante disso percebeu-se a necessidade de rever alguns conceitos ligados à estabilidade e ver como a sociedade define tal instituto.
Seguindo essa linha, e considerando a contemporaneidade do assunto em questão, objetivando detectar falhas, da mesma forma apontar adequações do princípio da estabilidade do servidor público, o trabalho sugere situar o assunto não apenas nos aspectos jurídicos, mas principalmente na seara social, partindo da suposição de que a existência de regra dentro do ordenamento jurídico nem sempre é fruto dos anseios da sociedade, e sim criações políticas e econômicas provenientes de interesses partidários, onde há um desvirtuamento do sistema legislativo, ou seja, há a busca da satisfação de interesses particulares em detrimento do interesse público coletivo.
O método de abordagem será o dedutivo e tem o propósito de explicitar o conteúdo das premissas (LAKATOS, 2000).
O trabalho será desenvolvido a partir de pressupostos, já que partirá da premissa de que a estabilidade é benéfica ao serviço público e que o instrumento do estágio probatório cumpre um papel fundamental para reduzir as possíveis fragilidades que o princípio possa apresentar.
A investigação levará em conta os aspectos de sua natureza básica; do ponto de vista da forma de abordagem será qualitativa; em decorrência destes aspectos será importante compreender a concepção da pesquisa sobre os objetivos traçados no que tange a possibilidade de trabalhar de forma exploratória e explicativa; já do ponto de vista dos procedimentos técnicos se desenvolverá levando em conta a revisão bibliográfica, experimental, documental e de levantamento de procedimentos.
Para iniciar o trabalho expõe-se uma breve análise sobre o desempenho da função administrativa e as garantias constitucionais outorgadas aos servidores, dando ênfase ao Princípio Constitucional do Concurso Público e também ao da Estabilidade. Após verifica-se o regime jurídico do servidor público. Fala-se da origem do instituto, conceitua-se a estabilidade e menciona-se sua respectiva natureza jurídica, a partir de apontamentos de doutrinadores que sabiamente se manifestam sobre o tema em questão. Em seguida, expõem-se os requisitos legais para se alcançar o status de servidor estável. Por fim, destaca-se a importância do estágio probatório para se adquirir a estabilidade e também as questões referentes ao direito adquirido por servidores antes da Emenda Constitucional nº 19/98.
Diante disso, busca-se demonstrar que o instituto da estabilidade existe para melhorar a prestação do serviço alcançado pelo ente estatal ao cidadão, o que trás garantias de um melhor serviço público.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 A função administrativa e as garantias constitucionais: concurso público e estabilidade
Para construção deste assunto, é imprescindível, de plano, um rápido estudo acerca dos princípios constitucionais, que sem dúvida permeiam a seara onde se enquadram os servidores públicos.
Bandeira de Mello, em texto publicado na oitava Revista de Estudos de Direito Público da Associação de Advogados da Prefeitura de São Paulo, alertou para o fato de que o texto constitucional, onde faz referência ao servidor público, cumpre idêntica função ao que se refere aos magistrados – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos - e também às imunidades dos parlamentares – imunidade por opiniões, palavras e votos (BANDEIRA DE MELLO, 1986).
Impõe destacar que o texto constitucional não protege o servidor público, nem o parlamentar, nem o magistrado e sim estabelece como objetivo primordial zelar e fazer cumprir os deveres inerentes à função pública.
Devemos sempre atentar para os princípios constitucionais, conforme a seguir explicitado:
Atualmente, doutrina e jurisprudência têm os Princípios não como meros informativos jurídicos, mas como normas de densidade suficiente para criar obrigações e determinar comportamentos aos cidadãos em geral e, especialmente, aos Administradores e servidores públicos (SILVA JÚNIOR, 2009, p. 02).
Os princípios explícitos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 são o da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Mas os princípios que daremos maior visibilidade neste trabalho são dois, e não são listados como explícitos, são eles: Princípio Constitucional do Concurso Público (inciso II do artigo 37 da CF/88) e Princípio Constitucional da Estabilidade (artigo 41, parágrafo 1º da CF/88) (BRASIL, 1988).
Caso estes dois princípios citados forem devidamente respeitados, toda a sociedade tem a ganhar, visto que haverá um serviço público melhor prestado e cidadãos mais satisfeitos com seus direitos.
É sabido que a Constituição não estabelece privilégios, nem para magistrados, nem para parlamentares nem para os servidores públicos, o que foi planejado pelo legislador foi uma forma de proteger os deveres inerentes à função pública, criando-se as chamadas prerrogativas, elementos necessários ao bom e fiel cumprimento da função pública. A função pública é composta de dois elementos básicos, um deles é o dever de atuar em prol do interesse público alheio e coletivo e o outro elemento é a preservação de prerrogativas imprescindíveis ao cumprimento desse dever (SERESUELA , 2013).
Ressalte-se que o universo do direito administrativo existe para proteger os administrados, impedindo que os administradores usem a máquina pública somente a seu favor em detrimento do interesse público coletivo. O objetivo precípuo desse ramo do direito deve ser combater duramente a corrupção a fim de que os governantes transmitam uma imagem de credibilidade aos cidadãos.
O Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito:
O direito administrativo não é um direito criado para subjugar os interesses ou os direitos dos cidadãos aos do Estado, é, pelo contrário, um direito que surge exatamente para regular a conduta do Estado e mantê-la afivelada às disposições legais, dentro desse espírito protetor do cidadão contra descomedimentos dos detentores do exercício do Poder estatal. Ele é, por excelência, o direito defensivo do cidadão (BANDEIRA DE MELLO, 1986, p. 47).
Desse modo tem-se que o cidadão é detentor e possuidor do direito individual de ser tratado com isonomia, impessoalidade, honestidade e também tem o direito político a uma administração transparente e participativa, mostrando ao povo que as prerrogativas inerentes aos servidores públicos são antes de mais nada garantidoras de uma boa administração e em segundo plano tem a característica de direito individual de cada servidor, ou seja, é uma via de mão-dupla, aproveitando tanto aos administrados quanto aos servidores públicos.
2.2 Regime Jurídico do Servidor Público
No contexto jurídico em que vivemos, para que seja suprida a demanda de profissionais especializados para exercerem o serviço público, tem-se apenas dois regimes disponíveis, o contratual e o estatutário.
O regime contratual tem natureza trabalhista, é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), compilação de leis criadas para regular as relações trabalhistas. Há também outra forma de contratação, a civil, para contratação em virtude de necessidade temporária e de excepcional interesse público, que é regulada pela Lei nº 8.745/93, com redação trazida pela Lei nº 10.667/2003, e ainda há a contratação de terceiros para prestações de serviços na forma da Lei nº 8.666/93, que regulamenta as Licitações Públicas.
Cumpre referir que o artigo 5º da Constituição de 1988, que se refere aos direitos e deveres individuais e coletivos, no seu caput afirma que “todos são iguais perante a lei”, assegurando, assim, o princípio da isonomia (BRASIL, 1988).
Nesse ínterim, se pode afirmar que:
A constituição especificava, com relação aos servidores públicos, a forma como queria que a isonomia fosse observada, em aspectos como o regime jurídico (que deveria ser único para os servidores da Administração Direta, autarquias e fundações públicas), a remuneração (em relação aos servidores em atividade, inativos e pensionistas) e as condições de ingresso (DI PIETRO, 2010, p. 521/522).
Com a reforma trazida pela Emenda nº 19, de 1998, houve a exclusão da exigência do regime jurídico único contido do caput do artigo 39, da mesma forma a regra de isonomia de vencimentos para cargos e atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo Poder (BRASIL, 1988).
Nesse desdobramento, com a exclusão da norma constitucional do regime jurídico único, cada esfera do governo ficou com a liberdade de adotar regimes jurídicos diversificados, seja estatutário ou contratual, desde que se ressalvasse as imposições constitucionais. Ressalte-se que na esfera federal estabeleceu-se o regime jurídico único para os servidores da Administração Direta, autarquias e fundações públicas, Lei 8.112 de 1990 (BRASIL, 1990).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2.135-MC/DF, decidiu suspender a vigência do art. 39, caput, em sua redação dada pela Emenda Constitucional n. 19. Assim, em decorrência dessa decisão voltou-se a aplicar a redação original do art. 39, que exige regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública Direta, autarquias e fundações públicas (STF, 2007).
As pessoas que irão dedicar seu trabalho às atividades pertinentes à Administração, em razão da grandiosidade do interesse público e pela peculiaridade de suas atribuições e competências características dos cargos, de forma alguma poderão ser contratados pelo regime celetista. Nesse ínterim, o regime obrigatório para os servidores será imprescindivelmente o estatutário, erigido para exercer tal finalidade.
2.2.1 A Origem do Princípio da Estabilidade e do Concurso Público
O Princípio da Estabilidade nasceu nos Estados Unidos para barrar um costume desumano e imoral, sem contar o fato de que bania completamente a democracia da Administração Pública, em virtude da usual e costumeira troca de governantes no Poder Público de partidos políticos influentes, os Democratas e os Republicanos (DINIZ, 1998).
Diante desse panorama antidemocrático em que viviam os cidadãos estadunidenses, onde os servidores eram sumariamente demitidos, quando considerados contrários ou desnecessários ao atual governo que buscava se cercar apenas de seus partidários. Tais atitudes causavam total desalinhamento na prestação do serviço público, afetando a credibilidade do governo, e causando injustiças tanto aos servidores quanto aos administrados. Dessa forma, buscando atender ao interesse coletivo idealizou-se o instituto da estabilidade, almejando alcançar proteção aos cidadãos na prestação das atividades essenciais da Administração.
No Brasil, consolidou-se a estabilidade do servidor público com a Lei nº 2.924 de 1915. Em sede constitucional a estabilidade foi recepcionada em 1934, e de lá para cá tem sido mantida em todas as Constituições, até a atual, de 1988 (COUTINHO, 1999).
O Princípio Constitucional do Concurso Público é fruto dos Princípios da Isonomia e da Impessoalidade. Tal instituto está previsto em nossa Carta Magna no inciso II do artigo 37 e visa barrar ações desmedidas e insensatas dos administradores, visando proteger ao cidadão comum (BRASIL, 1988).
Pode-se definir concurso público a partir da seguinte análise:
Sabe-se que o concurso público é um procedimento criado pelo Estado, que visa selecionar dentre os indivíduos que se inscreveram aquele que ultrapassou todas as barreiras impostas pelo certame, tornando-se apto ao cargo que concorrerá (SILVA JÚNIOR, 2009, P. 43).
O caminho a ser trilhado por quem deseja ingressar na Administração Pública Municipal e gozar das prerrogativas inerentes ao cargo deverá ser através de Concurso Público, podendo ser apenas de provas ou de provas e títulos. Ressalva-se que as demais formas de ingresso no serviço público não são alvo desse trabalho, não possuem estabilidade e são efêmeras.
Meirelles (1997, p. 380), pontua o seguinte sobre o assunto:
O concurso público é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos.
Nesse desdobramento, se destaca a importância do concurso público para haver imparcialidade no serviço prestado pelo ente estatal. Insta ressaltar que o concurso público deve dispensar tratamento impessoal e igualitário aos interessados para se alcançar a finalidade precípua do concurso público: isonomia.
A estabilidade tem vital importância no que diz respeito ao ambiente de trabalho que se sujeita o servidor público, ao que é moralmente correto e também o que deveria ser sempre seguido e aplicado por governantes nas administrações país afora.
Trata-se de um princípio diretamente arraigado aos alicerces da Constituição Federal de 1988. A falta de estabilidade concedida aos servidores transformaria o Estado de Direito em Estado do livre arbítrio. A estabilidade dos servidores públicos não é nem de longe um privilégio concedido a eles, e sim “uma garantia individual outorgada aos administrados contra a distorcida influência política no desempenho da função pública e também um direito político dos cidadãos a uma administração transparente e participativa” (MARTINS, 2011, p. 139/155).
A estabilidade é o direito do servidor público à permanência no cargo, desde que preencha determinados requisitos exigidos e elencados em nossa Carta Política. A Constituição Federal de 1988 somente outorga a estabilidade aos detentores de cargo efetivo, desta maneira, resta claro que cargos em comissão, empregos e funções públicas não estão protegidos pelo manto da estabilidade.
Importa frisar que havia em nosso sistema administrativo um princípio do ponto de vista da moralidade como abusivo qual seja: o Princípio da Verdade Sabida, onde “o superior hierárquico por ser sabedor da verdade, possuía a faculdade de demitir o servidor público sem o prévio e devido processo administrativo” (PACHECO BARROS, 2002, p. 116).
Com a Constituição Federal de 1988, que assegurou o contraditório e a ampla defesa, ampliando tais princípios, se nota que não houve a recepção da “verdade sabida” no ordenamento jurídico pátrio. A abolição desse princípio significou uma evolução no sistema administrativo brasileiro, garantindo ao servidor público e ao administrado uma maior transparência nos atos dos gestores públicos.
Martins (2011, p. 139/155) sintetiza o seguinte aprendizado:
Um Estado com funcionalismo público enfraquecido é um Estado fraco, não preparado para a influência do poder econômico e do poder político. (...) As regras constitucionais relativas ao regime dos servidores públicos não são privilégios de uma classe, são garantias dos administrados, imprescindíveis para a manutenção do Estado de Direito.
Assim, pode-se dizer que a estabilidade e o concurso público contribuem para engrandecer o Estado, ao passo que as regras constitucionais vêm colaborar para um melhor desempenho no serviço público prestado.
2.2.2 Implicações: Corrupção e Nepotismo
As prerrogativas básicas garantidas pela Constituição Federal aos servidores públicos são necessárias para que não haja corrupção, são primordiais para que exista e se mantenha o devido Estado de Direito, são requisitos lógicos e necessários da boa administração. A grandiosidade das prerrogativas inerentes aos servidores públicos é tamanha que protege muito além de seus detentores, protege toda uma coletividade, diante disso está-se perante, sem sombra de dúvidas, de cláusulas pétreas (MARTINS, 2011).
Celso de Mello, Ministro do STF aduz que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle de todos os atos de poder público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais, não importando em que estância de poder eles se situem (STF, 2007).
É de suma importância frisar que a impessoalidade, a neutralidade e o profissionalismo do servidor público são adjetivos fundamentais para afastar e impedir a prática do nepotismo no Estado Democrático.
Giza-se que a corrupção no serviço público ataca diretamente a dignidade do cidadão, contamina os indivíduos, deteriora o convívio social, arruína os serviços públicos e compromete a vida das gerações atuais e futuras.
Os efeitos da corrupção são perceptíveis na carência de verbas para obras públicas e para a manutenção dos serviços da cidade, devendo haver o devido combate da corrupção no serviço público.
Desse modo, tem-se no princípio da estabilidade um aliado ao combate à corrupção e ao nepotismo, uma vez que se exige – amparado pelo princípio da isonomia – o ingresso no serviço público através de concurso público.
2.3 O Princípio da Estabilidade e sua Finalidade
Buscando justificar a finalidade do princípio da estabilidade se pode afirmar que o motivo da sua existência justifica-se pela indispensável neutralidade e imparcialidade no exercício das funções públicas. (COUTINHO, 1999).
Dessa forma, se entende que a Constituição Federal prevê o instituto da estabilidade, criado para possibilitar a continuidade dos serviços públicos e também ser uma forma de manter profissionais gabaritados e aptos para desempenharem as funções pertinentes aos cargos que ocupam.
Com isso, busca-se garantir um padrão mínimo de eficiência nos serviços prestados pelo ente estatal. Não é um objetivo particular de cada servidor, a fim de beneficiar a si mesmo, mas sim um instrumento que possibilita ao Estado oferecer aos administrados qualidade naquilo que faz. A finalidade precípua do instituto da estabilidade é garantir aos cidadãos a eficiência na realização de suas tarefas e a economia com o dinheiro público, refletindo um bom planejamento estratégico da gestão e para que isso ocorra é imprescindível que na máquina administrativa estejam pessoas aptas e com discernimento a desempenhar seu trabalho de forma contínua.
Fazer a máquina pública trabalhar de forma diferente dessa é inviável, ou seja, impossível haver rotatividade de pessoal na Administração, com isso há a descontinuidade e pane no serviço alcançado à população e também ocorre de forma demasiada prejuízo ao erário público, e quem perde com isso são os cidadãos, já que o bem maior a ser buscado pela Administração é o atendimento do interesse público coletivo.
Para corroborar o entendimento acima, frisa-se a seguinte ideia:
Só existe Estado Democrático de Direito se, ao mudarem os agentes políticos de um Estado, os seus agentes administrativos efetivos possuam garantias para exercerem com imparcialidade a sua função pública. Se assim não for, tais agentes não estão sujeitos à vontade da lei e, sim, à vontade e caprichos de cada agente político que assume o poder (COUTINHO, 1999, p. 105).
Os servidores públicos devem se enquadrar dentro do que dizem as leis de cada município, estado-membro ou União e jamais aos ideais particulares ou político-partidários do gestor público, não há espaço para atos discricionários.
A tese da estabilidade não é sinônimo de deficiência e inoperância das atividades públicas e sim torna possível a habilidade e qualificação dos servidores públicos, fazendo com que o serviço público prestado aos cidadãos seja cada vez mais célere e satisfativo.
Nesse sentido:
A estabilidade é uma garantia fundamental para o bom desempenho do servidor público, para a independência do servidor, que deve agir só em função da lei, praticando os atos administrativos que lhe couberem sem o receio de, com esse ou aquele despacho, contrariar o chefe imediato e, assim, ser incluído nessas listas de exoneração por excesso de quadros (PEREIRA JÚNIOR, 1999, p. 254).
A sociedade de um modo geral possui um costume arraigado, o de taxar os servidores públicos como detentores de uma vantagem ilícita, e não se dão conta que a estabilidade existe para proteger também os cidadãos, ela é uma segurança constitucional, operando pelo bem do interesse público, conferindo transparência a prestação do serviço público.
Para corroborar o entendimento descrito acima, giza-se:
A explicação para isso talvez se deva ao fato de que há muito tempo se vem apontando a figura do servidor público, em si considerado, como a origem e o fim dos inúmeros problemas que vêm afligindo a administração pública. Essa administração encontra-se repleta de vícios que, muitas vezes, independem da pessoa do servidor, tais como excesso de burocracia, nepotismo, inércia e excesso de gastos (COUTINHO, 1999, p. 99).
A cada dia mais se veiculam comentários denegrindo o funcionalismo público, mas ninguém se detém a saber se a pessoa que agiu de forma errônea e desonesta é realmente um servidor público que ocupa cargo efetivo, não se procura saber a fundo a origem de como a pessoa acessou o cargo ocupado. A opinião pública faz das exceções uma regra geral, pinça-se um fato isolado e transforma-se o mesmo em verdade incontestável. Ocorre uma desinformação na opinião pública e falta de interesse pela verdade, há uma massificação exagerada de reclamações, sem o devido conhecimento de causa, o qual autoriza ou não a reclamação.
No Brasil há uma cultura de divulgar e alardear apenas o que não funciona, dá-se espaço na mídia apenas para os escândalos, deixando de lado o que funciona de forma adequada.
Depreende-se do arrazoado acima que a estabilidade não contribui nem de longe para o quadro deficitário e inoperante das atividades do setor público, mas sim proporciona uma qualificação profissional que só tende a aumentar, tornando o serviço público prestado cada vez mais especializado e satisfatório.
2.3.1 Conceito de Estabilidade
O conceito de estabilidade pode ser definido como um atributo do cargo público que assegura a continuidade da prestação do serviço público, que é de caráter permanente. É, portanto, uma propriedade jurídica do elo que ata a pessoa estatal ao servidor titular do cargo público de provimento efetivo. Deixa claro que o vínculo criado, em relação a uma das partes, é pelo ente jurídico estatal, de outra banda aponta para um cargo em especial quando do momento do seu provimento e chamamento à investidura do servidor (DINIZ, 1998).
A estabilidade é um atributo inerente do detentor do cargo público, adquirido após a devida satisfação de certas exigências de seu exercício.
Estabilidade e efetividade não são passíveis de confusão. O próprio texto da Constituição Federal de 1988 se encarregou de fazer essa distinção. Sempre temos que ter em mente que todo servidor estável há de ser efetivo, mas nem todo servidor efetivo é estável.
A má formação para o trabalho e a falta de interesse de servidores públicos jamais poderá ser protegida pela estabilidade. Para proteger o Ente Público e os cidadãos da má prestação do serviço público na esfera federal existe a Lei nº 8.112/90 que prevê diversas formas de punição ao servidor. Essa lei é um exemplo a ser seguido por todas as administrações sempre com observância do devido processo legal administrativo, respeitando o princípio da ampla defesa e do contraditório (BRASIL, 1990).
É notório que a estabilidade não tem o poder de confirmar de forma definitiva o vínculo entre servidor e Administração. E devemos sempre zelar pelo cumprimento do devido processo legal, buscando afastar a arbitrariedade na Administração e também algo que já deveria ter sido abolido de uma vez por todas pelos governantes, a perseguição política àqueles servidores que são contrários à Administração ou que simplesmente não esboçam suas ideologias político-partidárias.
2.3.2 Natureza Jurídica da Estabilidade
O tema estabilidade somente se aventa quando o vínculo firmado entre o ente estatal e o servidor tem como base o provimento de um cargo efetivo, pois cargo em comissão não permite qualquer comentário à natureza estável. O cargo comissionado é sempre sinônimo de uma relação jurídico-funcional afetada por instabilidade e sujeita a ser levada a cabo a qualquer momento.
A Constituição de 1988 define com clareza que “São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”, os quais podem vir a adquirir condição de parte na relação estabilizadora (BRASIL, 1988, p, 41).
Importa gizar que exige o texto constitucional que o ocupante seja servidor titular de cargo público de provimento efetivo. Obviamente, ficam excluídos de plano os empregados públicos que são contratados e não nomeados, da mesma forma os ocupantes de cargo em comissão.
Diversos autores afirmam que não é qualquer vínculo jurídico estabelecido entre servidor e ente estatal que faz nascer a estabilidade. Sobre o tema, a traz-se a baila a seguinte ideia:
Não é qualquer vínculo jurídico firmado entre o ente estatal e o servidor ocupante de cargo público de provimento efetivo, que se adjetiva como estável, mas somente após a satisfação de certas exigências de normas positivadas no ordenamento jurídico que se obtém tal condição (ROCHA, 1999, p. 248).
É com a devida satisfação das prerrogativas listadas nas avaliações do estágio probatório que o servidor alcança esta condição peculiar.
Saliente-se que a estabilidade é uma qualidade jurídica do vínculo administrativo perfeito, ou seja, não viciado. Tal qualificação pressupõe que para extinção do vínculo formal existente, necessitamos obedecer a itens pré-estabelecidos por normas (ROCHA, 1999).
Nesse desdobramento, afirma-se que são proibidos os atos discricionários, abusivos e lesivos do gestor público para com a pessoa do servidor público estável, sendo proibida a exoneração e demissão de servidor estável pelo livre arbítrio do administrador sem os requisitos fundamentais do devido processo legal (contraditório e ampla defesa).
2.3.3 Requisitos Legais da Estabilidade
O primeiro requisito legal da estabilidade é temporal, previsto no artigo 41, caput, da Constituição da República, onde diz o seguinte: “São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público” (BRASIL, 1988, p, 41).
Este lapso temporal obrigatoriamente deverá ser considerado no exercício do cargo assumido, a fim de que se consiga avaliar a capacidade funcional ativa do servidor e conceder a estabilidade como qualificadora do liame jurídico estabelecido entre o servidor e o ente estatal.
O segundo requisito legal, trazido pela Emenda Constitucional n. 19, é o § 4º do mesmo art. 41, CF/88, in verbis: “Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.” (BRASIL, 1988, p, 41).
Dessa forma, não é suficiente, agora, apenas demonstrar, no prazo de três anos, que é pessoa idônea, capaz e apta a exercer o cargo. Os servidores que foram aprovados em concurso público e se encontram exercendo seus cargos, agora possuem mais um obstáculo a vencer, ou seja, dependem de avaliação específica sobre o seu desempenho. Criou-se um dificultador para proteger os cidadãos e assegurar a qualidade do serviço público prestado.
Se o cargo ocupado não for efetivo não há como se falar nesses dois requisitos legais citados acima, já que os cargos em comissão, os empregos e funções públicas não são passíveis de gerar estabilidade, para aqueles que ingressaram na Administração depois do advento da atual Constituição Federal.
Há uma grande discordância entre determinados autores quando o assunto é relacionado ao fato de o servidor ser estável no cargo ou no serviço público. Hely Lopes Meirelles defende o entendimento de que a estabilidade não é no cargo, mas no serviço público: “A estabilidade é um atributo pessoal do servidor, enquanto a efetividade é uma característica do provimento de certos cargos. Daí decorre que a estabilidade não é no cargo, mas no serviço público” (MEIRELLES, 1997, p. 388).
Esse entendimento também é acompanhado por Freitas (2013, p. 03) ao mencionar: “Ora, não há dúvida que a estabilidade no serviço público (não no cargo) faz as vezes de um dos elevados princípios constitutivos da ordem brasileira, vale dizer, opera como uma das diretrizes supremas do ordenamento”.
Contrária ao posicionamento acima, Rocha (1999, p. 249), afirma o seguinte: “não consegue vislumbrar como podem os servidores ser estável no serviço público, a não ser que se tome essa expressão como uma forma de se expressar a parte pelo todo”.
A estabilidade de um modo geral deve estar sempre mais voltada para o interesse público, buscando sempre uma garantia aos cidadãos com a finalidade de que o serviço público seja sempre contínuo e com excelência na sua prestação.
Deve o servidor buscar aperfeiçoamento gradual com acúmulo de experiência, tornando assim a prestação de serviço mais eficiente. Requisitos primordiais para sedimentar a ideal prestação dos serviços essenciais. Deve-se atentar para o que segue:
A estabilidade não concerne ao cargo, nem mesmo ao servidor, conquanto afete diretamente a relação jurídica por ele firmada, bem como o regime jurídico que irá informá-la, incidindo, ainda, sobre o cabedal bens jurídicos que formam o seu patrimônio (ROCHA, 1999, p. 249).
Dessa forma, concorda-se que o servidor não é estável no serviço público, e sim no cargo que ocupa. Quando se almeja ser aprovado em um concurso público, se almeja um cargo em particular, e não o serviço público como um todo. No momento da nomeação há um cargo específico para ser ocupado, não há ocupação abstrata.
2.4 Estágio Probatório e Direito Adquirido
Não há estabilidade sem estágio probatório, para alcançar àquela o servidor público tem que ao longo de três anos ser avaliado pela Administração se é apto ou inapto ao serviço público, se tem discernimento suficiente para tratar com colegas e prestar de forma adequada o serviço público.
Convém esclarecer que por força da Emenda Constitucional n. 19 o período do estágio probatório passou a ser de três anos, não mais dois anos como previa o art. 41 da Constituição Federal antes da reforma ocorrida em 1998.
Essa etapa que o servidor público tem que cumprir é de extrema importância tanto para si quanto para a sociedade, eis que a aprovação em certame público, de provas ou de provas e títulos, não é garantia alguma para o candidato a cargo público efetivo.
Não há como mensurar em provas e títulos requisitos tais como idoneidade, assiduidade, disciplina, disposição de aprender e de melhorar sua performance. Os defeitos de personalidade só serão manifestos e concretamente conhecidos quando o servidor entrar no regular exercício da função (COUTINHO, 1999).
A razão de se submeter o candidato a cargo público efetivo a um período de provação é que não há como se obter resposta em uma simples prova ou em títulos se a pessoa é detentora de idoneidade, disciplina, assiduidade e se está disposta a aprender e melhorar seus conhecimentos. Trata-se de período de adaptação, onde será observado, treinado e orientado dentro dos moldes pré-estabelecidos para prestação do serviço público à sociedade (COUTINHO, 1999).
O termo estágio probatório é assim conceituado:
O estágio probatório constitui-se, no lapso de tempo, que se inicia com o efetivo exercício do servidor nomeado por concurso público, no qual será submetido à verificação de sua capacidade para o exercício do cargo, da compatibilidade de sua conduta com a disciplina do serviço público (FONTES, 1996, p. 113).
O art. 60, § 4º, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil, outorga aos direitos e garantias individuais o status de cláusulas pétreas. E dentro desses direitos e garantias encontra-se o direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88), o qual garante a todos os servidores que estavam em exercício, e já adquirido seus direitos que não poderão tê-los banidos pela Emenda Constitucional nº 19/98 (BRASIL, 1988).
Sobre o direito adquirido à estabilidade, que os servidores públicos aprovados em certame público e aceitos em estágio probatório já possuiriam, em tese, desde de que atendidos os requisitos legais exigidos pela norma estabelecida à época para a perfectibilização do vínculo estabilizador. Em face da alteração no texto constitucional, inserida pela EC 19/98, restou condicionada a continuidade da estabilidade à avaliação periódica (COUTINHO, 1999).
Conclui-se que aplicar o disposto da referida Emenda nº 19 à estabilidade já conquistada pelo servidor, seria como dar efeito ex tunc à nova situação, ou seja, a nova regra abarcaria servidores já estáveis. Dessa forma todo servidor que já cumpriu os requisitos legais para alcançar a estabilidade terá que se submeter de tempos em tempos a avaliações de seu desempenho laboral, se quiser continuar gozando da estabilidade em termos adquirida (DINIZ, 1998).
Só poderá haver desligamentos do serviço público mediante as condições impostas pela Constituição, com o devido processo legal, mediante o contraditório e a ampla defesa, abarcando também se for o caso a insuficiência de desempenho apresentada pelo servidor.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos argumentos expostos ao longo deste artigo tem-se por acreditar na benesse da estabilidade do servidor público, já que o mesmo para tomar posse deve possuir aptidão e conhecimentos mínimos para desempenhar satisfatoriamente o cargo público efetivo e as atribuições atinentes a ele.
Cabe ressaltar que a estabilidade não se caracteriza como um escudo protetor para o mau servidor, pois dentro do instituto existem mecanismos aptos a controlar o desempenho e ética do agente público. Além do mais, o período de estágio probatório constitui-se como uma etapa extremamente importante para a seleção de profissionais que atendam aos requisitos necessários ao bom desempenho do serviço público.
A opinião pública alimenta um conceito equivocado acerca do propósito e consequências do princípio da estabilidade, já que muitos se posicionam de forma equivocada ao analisar como prejudicial à sociedade a questão do servidor estável. Muitos acreditam que as várias etapas necessárias para se legitimar o desligamento de um servidor do serviço público – em vista do regime de estabilidade – proteja o servidor desqualificado e o mantenha no cargo mesmo não desempenhando adequadamente suas funções.
Mas, muito pelo contrário, já que para se desligar um servidor público é necessário o adequado cumprimento de diversas etapas, o que se torna o processo mais justo e equilibrado, uma vez que o servidor tem a seu favor o contraditório e a ampla defesa (princípios basilares da nossa Constituição).
Ressalte-se que o cumprimento do princípio da estabilidade evita a ocorrência de perseguição política e pessoal a servidores, o que tenderá a ocorrer de forma minimizada e mais discreta, poupando os órgãos públicos da perda de profissionais qualificados por estes motivos.
No âmbito da prestação de serviços pelos órgãos públicos, destaca-se que a baixa rotatividade gerada pela estabilidade ocasiona uma curva de aprendizagem crescente e ininterrupta. Como conseqüência disto a sociedade usufrui de serviços mais qualificados e com uma vasta carga de conhecimento adquirido e aplicado.
Afirmar-se, por fim, que o instituto da estabilidade tem o fito de manter a ordem do Estado Democrático de Direito acima de interesses políticos ou pessoais de quem está no comando político em determinado momento, trazendo segurança jurídica aos cidadãos, verdadeiros usuários do serviço público.
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