Responsabilidade civil do Estado em caso de morte de detento

Leia nesta página:

Análise sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da reparação de danos causados por mortes de detentos sob a sua custódia.

           

 Cristalino afirmar o direito do preso a sua integridade física e psicológica. Trata-se, inclusive, de mandamento constitucional.

“Art. 5º (...) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

Assim, se um detento é morto dentro da unidade prisional, haverá responsabilidade civil do Estado. Conforme determinam o art. 37, § 6º da CF/88 e o art. 43 do Código Civil, em regra, o Estado responde objetivamente por atos causados por pessoas jurídicas de direito públicos e prestadoras de serviços públicos.

“Art. 37 (...)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”

            Assim, basta que a vítima comprove a existência de conduta, dano e nexo causal (demonstração de que o dano foi causado pela conduta), para que tenha direito a reparação. Prescindível a demonstração de dolo ou culpa. Doutrina majoritária e jurisprudência dos tribunais superiores, contudo, seguem o entendimento que, em caso de omissão do serviço (teoria da “falta do serviço ou culpa anônima”), o Estado responde subjetivamente, necessitando-se de prova de dolo ou culpa.

Do contrário, cabendo a responsabilização objetiva nas omissões, o Estado seria um garantidor universal, reparando todo e qualquer dano sofrido por um particular. Nesse sentido:

"Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. A falta do serviço — faute du service dos franceses — não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio." (RE 369.820, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 27/02/04)”.

            Em algumas hipóteses, contudo, a jurisprudência do Supremo entende que o Estado responde objetivamente por omissões, devido a maior necessidade de zelo e cuidado por parte do Poder Público, a exemplo de danos causados a alunos menores em escolas, paciente em hospital psiquiátrico e presos.

Ressalte-se que a Teoria adotada é a objetiva por Risco Administrativo, aceitando algumas excludentes de responsabilidade, a exemplo de caso fortuito e força maior. Caberia, assim, a possibilidade de se afastar o dever de indenizar se ficar demonstrado a impossibilidade estatal de evitar a ocorrência do dano:

“Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento.

(...) sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do preso, é imperioso reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e o dano. Entendimento em sentido contrário implicaria a adoção da teoria do risco integral, não acolhida pelo texto constitucional".

STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 (repercussão geral)

O Supremo entende que responde objetivamente o Estado em caso de morte de detento, seja causada por outros detentos ou funcionários públicos, seja por suicídio - omissão específica em cumprir o dever especial de proteção que lhe é imposto pelo art. 5º, XLIX, da CF/88. O dever de proteção daqueles sob o cuidado estatal (custódia) não seria uma omissão genérica, afastando a tese da responsabilidade subjetiva.

             Há jurisprudências do STF afirmando a responsabilidade objetiva inclusive na hipótese de suicídio de presos:

“DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MORTE DE PRESO DENTRO DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. SUICÍDIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. VALOR MANTIDO. I – A partir do momento em que o indivíduo é detido, este é o posto sob a guarda, proteção e vigilância das autoridades policiais, que têm por dever legal, nos termos do art. 5º, XLIX, da CF, tomar medidas que garantam a incolumidade física daquele, quer por ato do próprio preso (suicídio), quer por ato de terceiro (agressão perpetrada por outro preso). II – Restando devidamente demonstrado nos autos que o resultado danoso decorreu de conduta omissiva do Estado ao faltar com seu dever de vigilância do detento, o qual foi encarcerado alcoolizado e,posteriormente, encontrado morto no interior da cela, configurada está a responsabilidade do ente público em arcar com os danos causados. II – Deve ser mantido o valor fixado a título de danos morais, porquanto proporcional e razoável para conferir uma compensação aos lesados, atenuando a dor sofrida com a perda do ente familiar, e em atenção à função punitiva e pedagógica que se espera da condenação. Remessa e Apelação conhecidas e improvidas”. No recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, sustenta-se a repercussão geral da matéria deduzida no recurso. No mérito, aponta-se violação ao artigo 37, § 6º, do texto constitucional. O Estado de Goiás alega, em síntese, que o fato ocorrido não enseja sua responsabilidade civil, haja vista tratar-se de suicídio do detento e que, por isso, ausente o nexo de causalidade entre o evento morte e qualquer ação advinda da Administração Pública para sua ocorrência, por se tratar de culpa exclusiva da vítima. Decido. O recurso não merece prosperar. Inicialmente, verifico que o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte que firmou o entendimento de que o Estado tem o dever objetivo de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia, atraindo então a responsabilidade civil objetiva, em razão de sua conduta omissiva, motivo pelo qual é devida a indenização decorrente da morte do detento, ainda que em caso de suicídio”.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

STF. 2ª Turma. ARE 700927 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/08/2012

Frise-se, por fim, que parte da doutrina defende a tese da aplicação da teoria objetiva do risco integral e outra parcela pela subjetiva, entendimentos não aceitos pelo Supremo, conforme assinalado.

            Conforme o exposto, torna-se claro a responsabilização objetiva do Estado em indenizar os parentes das vítimas dos recentes massacres ocorridos no Brasil. Independentemente de serem pessoas em conflitos com a lei, é dever do Estado garantir suas integridades física e psicológica. 

 

REFERÊNCIAS:

CARVALHO, Matheus. Direito administrativo teoria e prática, 3.ed, Salvador: Jus Podivm, 2014.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 5ª ed. Niterói: Impetus, 2011.

MEIRELLES, Hely L. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Wilkson Vasco Francisco Lima Barros

Delegado de Polícia de Sergipe Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós graduado em Direito Constitucional e em Direito Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Tema de relevância altíssima, devido aos massacres ocorridos recentemente nos presídios brasileiros

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos