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A proibição da proteção deficiente enquanto vertente do princípio da proporcionalidade e sua influição na proteção dos direitos sociais

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05/02/2017 às 13:24
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CAPÍTULO II

DOS DIREITOS SOCIAIS ENQUANTO DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIMENSÕES, OBJEÇÕES DOUTRINÁRIAS E A SISTEMÁTICA DOS DIREITOS SOCIAIS NAS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL E PORTUGAL

Para que se primeiro entenda os direitos sociais contidos em uma perspectiva de direitos fundamentais, inicialmente, é mais que necessário trazer a baila alguns pontos essenciais que são inerentes a estes.

Os direitos fundamentais hoje, foram içados ao patamar de normas substanciais constitucionais que ditam os critérios que regem a identidade material do Estado, [19] ou seja, possuem uma natureza constitucional tanto material, quanto formal. Formal porque consagrados na Lei Maior de um Estado: a Constituição. Material, porque inerentes a própia ideia básica de pessoa, como privilégio que transpõe a base jurídica da vida humana, em seu âmbito hodierno de dignidade da pessoa humana. [20]

São exatamente posicionamentos jurídicos que possam ser oponíveis em face da autoridade pública estatal, se subdividindo em duas perspectivas: os de agir e outras de exigir, uma postura ativa ou passiva do Estado, a um facere ou a um non facere, tudo a depender da sua metódica liberal ou prestacional (direitos de liberdade e direitos sociais). Levando-se a pensar em uma acepção filosófica, os direitos de liberdade são aqueles de libertação do poder e concomitantemente direitos à salvaguarda do poder contra outros instaurados com o escopo de limitação jurídica. Já os sociais, são aqueles de libertação da necessidade e igualmente de promoção, aqui sua tradução é simplesmente a organização da solidariedade. [21]

Estes, possuem características inefáveis de normas programáticas, dependentes de terceiros para sua concretização. Os direitos sociais estão interligados a vida momentânea de cada época, sob influência de condições socioculturais e institucionais, onde sua certa efetivação vai depender precipuamente de políticas econômicas e condições financeiras. [22]

JORGE REIS lembra que possuem algumas características básicas inerentes, quais sejam: o respectivo objeto de proteção respeita ao acesso unitário a bens de natureza econômica, cultural e social que sejam rigorosamente indispensáveis a uma vida condigna; com a particularidade de serem bens escassos, custosos, a que os indivíduos só conseguem alcançar se dispuserem, eles mesmos, por si ou pela instituições ao qual se integrem, de suficientes recursos econômicos ou se obtiverem ajuda ou as correspondentes prestações do Estado. Desta forma, há de se ter garantido pelo menos, um direito a um mínimo vital ou existencial, um direito à saúde (ou a sua proteção), um direito à habitação (ou a uma habitação condigna), um direito a segurança social (ou à assistência social), um direito ao trabalho e um direito a um ensino (à formação ou à educação). [23]

Ou seja, são de status positivus, e já estavam preconizados em textos dos séculos XVIII e XIX, onde foram amplamente garantidos a partir dos primeiros anos do século XX na Rússia pós-revolucionária, na Alemanha da República de Weimar e em outras nações com forte presença do movimento socialista: eram os direitos preferenciais em Estado Marxista-Leninista.[24]            Tidos como direitos a prestações, avalizados pelo Estado direta ou indiretamente, enunciados em normas jusfundamentais, possibilitam melhores condições de vida aos mais necessitados. Tais direitos tendem a realizar a isonomia de situações sociais desiguais, valendo como um pressuposto da fruição dos direitos individuais, na medida em que possibilitam condições materiais mais propícias ao apuramento da igualdade real, o que consequentemente, proporciona condição mais comportável com o exercício de liberdade, incluindo as liberdades de status negativus. [25]

Enquanto que a maior parte dos direitos, liberdades e garantias estão abarcadas por norma constitucionais exequíveis por si só (normas constitucionais preceptivas), a sua efetivação depende sobretudo de condições meramente institucionais e socioculturais. Nos direitos de liberdade, os indivíduos podem resistir a uma possível atividade estatal, repelindo e resistindo com vários meios que o ordenamento jurídico lhe oferece. São aqueles observados ou plenamente vislumbrados em regime político liberal ou pluralista, que é, insista-se, o subjacente ao Estado Social de Direito.  [26] 

Mas é de se perfilhar o entendimento que mesmo diante de conteúdos e características distintas, ambos se complementam e possuem o mesmo nascedouro: a dignidade da pessoa humana, inserindo-se em uma unidade axiológica e sistemática da ordem jurídica harmônica como um todo, dentro da Constituição.[27] Essa complementação, conforme já mencionada anteriormente, se vislumbra na medida em que os direitos sociais, ao promoverem os ideários de igualdade (tanto é assim que estão interligados umbilicalmente ao princípio da isonomia) e de promoção do homem, do livramento de necessidades, estabelecem os requisitos para que também se exerça a liberdade idiossincrática, por exemplo, no caso  da cultura e o ensino, que fazem ser possível fruir liberdade profissional (inclusive o melhoramento desta), o exercicio do sufrágio, a liberdade de expressão, etc.

Nesse contexto, indo mais afundo nos direitos sociais, estes possuem duas dimensões: a subjetiva, claramente por serem direitos individuais, inerentes ao espaço existencial do cidadão; e a objetiva, ou seja, as prestações estatais se bifurcam em materiais (ações fáticas positivas – positive fafiktische Handdlungen), pelo qual se traduz ou no oferecimento de bens ou serviços a quem não se pode adquirir no mercado ou no fornecimento universal de serviços monopolizados pelo Estado, como o guarnecimento de energia ou segurança pública; e normativas (ações normativas positivas – positive normative Handlungen), que consistem na criação de atos normativos que tutelem interesses individuais, como ocorre, por exemplo, quando o estado se vê obrigado a legislar sobre férias remuneradas (art. 7, XVIII – CF/88), caso no qual tal prestação não possui valor econômico direto, pois não oferece ao empregado uma espécie de remuneração, mas constitui e conforma tal obrigação jurídica de todos os empregadores concederem férias remuneradas e a pretensão jurídica dos trabalhadores a elas. [28]

Nessa senda, é de se configurar do entendimento que a dimensão objetiva não pode se limitar meramente ao âmbito legiferante, se for assim há aqui uma pretensão meramente minimalista. Trazendo esse raciocínio sob o estudo do aspecto objetivo dos direitos fundamentais aos direitos sociais, devemos também pensa-los em uma perspectiva global, numa moldagem que transcenda a um lado meramente isolado: ela respinga na coletividade, como valores ou fins que esta se propõe a levar a diante, em grande parte através de ações estatais que reforçam a imperatividade dos direitos fundamentais e ampliariam sua influência normativa no ordenamento e no corpo social. [29]

São autênticas espécimes de mais-valia jurídica que dota os direitos jusfundamentais com uma ampla carga de juricidade ao compo-las à produção de efeitos que vão além do significado individual, a ideia não parece se esgotar no direito subjetivo, como se pensava a clássica noção doutrinária dos direitos sociais, são valores agora comunitários (que do ponto de vista objetivo da existência da norma na ordem jurídica, sejam aplicáveis potencialmente a uma infinidade de sujeitos) [30] e estruturais, na medida em que ambas se completam.

E dentre tantas consequências jurídicas ao se analisar essa amplitude objetiva, algumas delas nos fazem mirar ao assunto ora em tela debatido, pois é a partir desse ponto, que se pode perceber que o Estado não apenas deve se estorvar de violar direitos fundamentais, mas sim, dar-lhes guarita: a dimensão objetiva dos direitos fundamentais sociais impõe uma proteção e efetivação total destes. Assim, mais uma vez,  se viu que a utilização da proporcionalidade, na faceta da proibição da insuficiência, foi um dos meios válidos de se cumprir tal necessidade.

Logo, a perspectiva objetiva se fez elevar os direitos fundamentais a um indicador de prevalência sobre as meras questões de Estado, de modo que se tem conferido aos mesmos, uma supremacia de natureza jurídica, formal e além de tudo, vinculativa de todos poderes públicos constituídos, [31] além de estabelecer que estes possuam um state of mind de caráter, eficácia e dimensão especial, que ultrapassa a mera questão de justiciabilidade pelo titular diretamente fundada na Constituição. [32] Há uma verdadeira eficácia dirigente que estes desencadeiam em relação aos órgãos estatais: contem os direitos fundamentais uma ordem dirigida ao Estado no sentido de que a este incumbe a obrigação permanente de concretização, realização e promoção de tais direitos, [33] através de quaisquer meios a disposição para que se tornem possíveis tais objetivos.

Deve-se ainda propalar o que a doutrina fez denominar de uma verdadeira força irradiante (ausstrahlungswirkung), ou uma espécie de interpretação conforme (os direitos fundamentais), que se desdobra a um dever de proteção por completude, no sentido que se incumbe zelar, ainda de forma preventiva, e não só contra os poderes públicos, contra agressões vindas de particulares e até de outros Estados [34], avalizando-os, assim, na supereficácia desses direitos constitucionais vinculados a uma força maior, com uma certa capacidade de resistência, variável em intensidade, dos direitos que se derivam a prestações, enquanto direitos que advém de leis conformadoras, aos câmbios normativos que impliquem uma diminuição do grau de realização desses direitos. [35]

A importância da dimensão objetiva aplicada aos direitos sociais também é encontrada infalivelmente na questão da referência para a verificação de legalidade do restante da ordenamento legal de uma sociedade, ou seja, toda norma que se centre na Constituição, incluindo aquelas que ditem direitos programáticos, podem servir de parâmetro para a fiscalização da constitucionalidade pela Justiça Constitucional. Há, sem sombras de dúvidas, eventual inconstitucionalidade por omissão no caso de negligenciamento a necessidade da respectiva promoção, precipuamente na falta de intepositio legislatoris necessária para lhes conferir a devida concretude e exiquibilidade a tais direitos. [36]

 Igualmente, numa eventual inconstitucionalidade por ação, em caso de atuações das autoridades públicas opostas ao sentido normativo incritos naqueles preceitos constitucionais, quiçá uma inconstitucionalidade superveniente de eventuais normas anteriores que se oponham ao sentido normativo normativos das positivações sobre direitos sociais. Assim, esses direitos vão agir como um verdadeiro parâmetro para o controle de constitucionalidade de medidas que por um acaso violem-nos, visto que na condição de preceitos que absorvem determinados valores e vereditos essenciais que caracterizam sua fundamentalidade, avançam em um mero reforço único da juricidade dos direitos fundamentais. [37]

Ainda tem-se a chamada função outorgada dada aos direitos fundamentais sob o apsecto de parâmetros para a criação e constituição de organizações ou instituições estatais e para o procedimento. Aqui é que se pode extrair do conteúdo das normas de direitos fundamentais, as consequências para aplicar e interpretar normas procedimentais, bem como a formatação de um procedimento que ajude na efetivação destes. Um procedimento alongado e demorado ou ainda ineficiente que retire o significado do conteúdo material de direitos fundamentais atenta contra a devida concretização dos mesmos. [38]

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Desta forma, os direitos fundamentais, nessa perspectiva objetiva, exercem várias e relevantes funções na sistemática jurídica, que podem ser aplicadas de igual forma aos direitos sociais (até porque ambos estão contidos um ao outro). Mas não podemos, de igual maneira, excluir ambas as dimensões, nem isola-las por completo, mas sim integra-las e fazer uma releitura interdisciplinar, sem retirar, é claro, a característica precípua da leitura subjetiva dos direitos sociais. 

Os valores elencados na Constituição e assumidos pela sociedade definirão a fundamentalidade dos direitos e, por conseguinte, dos direitos sociais. Por outro lado, a ratificação de  sua subjetividade assegura, aos seus dependentes, a possibilidade de se procurar, através do Poder Judiciário, por meio da aplicação de vários princípios e metanormas, a implementação não levada a cabo pelos outros poderes. Sem obliterar que a condição de direitos subjetivos, autorizam o desenvolvimento de nupérrimos conteúdos, que sem se imiscuir no azo da subjetivação, assumem uma função de alta relevância na construção e idealização de um sistema que seja minimamente eficaz e coerente na sua própria efetivação e aplicação, esse foi o caso da proporcionalidade e seus subprincípios, em todos os seus ângulos.

Mesmo diante de todo esse contexto não se pode deixar de aduzir que um parte da doutrina não possui um consenso pacífico quanto as características da plena fundamentalidade dos direitos sociais, plenitude esta facilmente associadas aos direitos de liberdade, ou seja, parte dos estudiosos trazem objeções dogmáticas a estes, em que Robert Alexy agrupa-as em dois argumentos complexos, um formal e outro substancial [39], e que são acentuadas, de certa forma, quando o próprio texto Constitucional não dispõe expressamente tal categoria no rol dos direitos fundamentais, como é o caso da República Alemã.

A primeira objeção que se faz é o que toca ao que se construiu da dogmática da reserva do (financeiramente) possível (Vorbehalt des Moglichen), que se traduz a ideia de que os direitos sociais só possam existir quando e enquanto houver dinheiro nos cofres estatais. [40] Os direitos programáticos, como a própria semântica mostra, depende de um programa, ou seja, de custos ao Estado, onde há a necessidade de atuação do Poder Legislativo, que num quadro de escassez moderada é obrigado a fazer escolhas políticas acerca da colocação dos montantes já disponíveis, estabelecendo as maneiras corretas de prestação e decidindo prioridades no que tange a realização desses deveres e os disponíveis aportes financeiros; diferentemente do que ocorre nos direitos de liberdade, que tanto quanto possível, devem promover as condições favoráveis de efetivação das prestações estatais em questão e preservar os níveis de realização já alcançados, [41] o que, para alguns, de certa forma, acabaria por colocar em causa a própria fundamentabilidade desses direitos.

Ainda há quem definam os direitos sociais dotados de muita heterogeneidade, para o qual não se trata de normas garantidoras de direitos, e sim apenas de metas, no sentido de apontarem um dever a ser cumprido de forma discricionária pelo Estado. Disso se retira que a dimensão subjetiva não estaria presente, pois não haveria aptidão a abalizar pretensões de titulares de direitos, sempre dependendo da atuação estatal por meio do legislador para, dando forma ao programa, criar o direito, aí então exigível. Os defensores deste ideário levam a cabo o entendimento segundo o qual estas normas não configuram direitos, visto não serem justiciáveis, ou os são em pequena medida. [42] O que acresce o fato da falta do reverso do direito, ou seja, o dever estatal não estaria constitucionalmente definido, existindo um mero enunciado normativo a ser efetivado pelo poderes públicos, em especial a atuação legiferante, de acordo com sua oportunidade e conveniência (ou discricionariedade). [43]

Já no que tange a sua determinabilidade, o conteúdo dos direitos sociais não seriam constitucionalmente determináveis, o que significa inferir que seu conteúdo principal terá de ser, em ampla ou pequena medida, determinado por opção do legislador infraconstitucional, ao qual a Constituição defere poderes de determinação e/ou concretização, isto porque indica impor ao Estado que tome medidas para por em realização concreta de bens protegidos. Para que esses direitos se tornem direitos subjetivos ratificados, é necessária uma atuação externa que venha a delimitar seu conteúdo concreto, retirando tal feito de opções políticas em uma caixa de prioridades a que muitas vezes incorporam (e assim justificam na sua execução) escassez dos recursos, a limitação da intervenção estatal na sociedade e, em geral, uma ampliação característica do próprio princípio democrático. [44]   

Por essa razão, em se faltar preceitos normativos constitucionais que não sejam imbuídos de determinabilidade e preceptividade, não poderiam ser aplicados de forma direta, sendo este critério o que define a reserva constitucional de conteúdo e que sequencialmente conduz a aplicabilidade direta, que no caso dos direitos sociais estariam ausentes. A intervenção de lei infraconstitucional, possuiria aqui um sentido expansivo e bi-direcional. Expansivo porque ao legislador cabe definir, de acordo com a medida do direito por ele garantida a própria conformação constitucional do direito e bi-direcional num sentido que direciona a todos um direito abstrato e grandemente direcionado que vai ser completado depois, pelas prescrições dos encargos estatais (veja-se por exemplo quando a Constituição Federal do Brasil de 1988 afirma no artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações ou quando a Constituição Portuguesa dita em seu artigo 66 que todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.). [45]

Mas de certa maneira é preciso desconstruir tais objeções, apenas para ratificar a importância dos mesmos e a melhoria de mecanismos para sua proteção, como é o caso da proibição deficiente.

Justificados sob um prisma especial, os direitos sociais como fundamentais, se previstos na Constituição de forma incompleta e que demandem uma atuação do legislador infraconstitucional, não deixam de ser fundamentais e ainda menos ausentam de um dever Estatal, muito pelo contrário.

As normas programáticas que possuam um caracter fundamental não são ínfimes programas que não necessitam de obrigatoriedade, são imposições legislativas concretas, em que o Estado e todos os orgãos de poder, bem como todas as entidades públicas estão vinculadas a estas, seja qual for seu trejeito ou forma de atuação, deve toma-las como referencial e fundamento, tendendo a conferir-lhes a máxima eficácia possível, assim como em relação ao conjunto dos preceitos normativos e atos jurídicos-públicos (ou administrativos) os quais devem criar condições capazes de permitir ao corpos sociais de usarem e gozarem efetivamente dos seus direitos em um âmbito de Estado Democrático de Direito,[46] mesmo ainda que exista alguma alegação de incapacidade material e econômica para a execução de tais políticas para aplicação desses direitos. Essa justificativa não enseja o fundamento necessário para que não haja uma aplicação destes a sociedade.

Restrições orçamentarias e escassez de recursos não seriam suficientes, de forma absoluta, para afastar a aplicação mínima de direitos sociais, pois o Estado tem de dispor e poder dispor dos correspondentes fundos econômicos objetivamente exigidos para a realização destes direitos. Deve-se levar em conta um standart mínimo, prioridades de opções políticas acerca de um equilíbrio de recursos e necessidades para determinar a existência de direitos em cada caso concreto, dado que não são aceitáveis um imperativo de otimização,[47] é claro, com um pressuposto necessário de gradualismo e flexibilidade de realização. [48]

Desta forma, o Estado, de forma global, é recebedor (e não titular) das normas definidoras de direitos sociais fundamentais e, como tais, são assim obrigados por ela, não se derivando de tais direitos por sua concepção natural uma opção de direito subjetivo, da forma que acontece com as normas privadas dos direitos privatistas (contratuais, consumeristas ou imobiliárias, por exemplo).[49]

Ex positis, é fácil vislumbrar que os direitos sociais hoje, para a doutrina moderna, assim como para uma grande maioria dos operadores do direito, tornaram-se verdadeiros direitos fundamentais, que por terem características intrínsecas a estes e diferenciadoras, possam possuir alguma objeções quanto a sua aplicabilidade e determinabilidade, mas que não retira sua essência, pelo qual é inquebrantável ao sistema jurídico como um todo, como se viu. Também é entendimento que esses mesmos direitos fundamentais estão imbricados a dignidade da pessoa humana, o que fizeram tornaram a base medular do Estado atual de Direito, tendo garantidos o seu respeito, eficácia máxima, proteção através de todos os meios garantidos e possíveis, em que uma garantia de vida condigna com um mínimo existencial no que tange aos diretos sociais se tornaram os novos paradigmas societários da mundo atual, mínimo este que se liga inteiramente a proposta da proibição deficiente, conforme se mostrará mais adiante.

Já no que tange a sistematização desses direitos nas Constituições Portuguesa e Brasileira, é mais que crucial fazê-lo, analisando suas particularidades, bem como suas similitudes, pois com isso mostra-se conveniente e oportuno firmar um propósito de direitos fundamentais enquanto organização de direitos numa Constituição considerada em concreto, dentro de um sistema que ocupam um lugar de destaque, concebidos como elementos estruturantes tanto em termos materiais (aquela ideias básicas, extraídas pelo sistema social, que foram objetos de recepção, concretização e incorporação pela Constituição), instrumentais e auxiliares, pelos quais corroboram a unidade e dinamicidade de todo o conjunto normativo Constitucional. [50]     

Em ambos os sistemas é capaz de se perceber algumas características semelhantes, quanto a estes direitos: ilustram uma configuração possível do (tipo de) Estado constitucional ocidental, assentados nos elementos precípuos da democracia representativa, da teoria da separação dos poderes, da rule of law e garantia efetiva de pelo menos um núcleo básico de direitos e de colaboração política [51], como por exemplo o princípio da dignidade da pessoa humana como metaprincipio básico de parâmetro para a construção de direitos sociais, conferindo equilíbrio e ordem aos sistemas em consonância com a liberdade, igualdade e solidariedade (art. 1º, III, da CF/88 e da CRP/76) [52]; o aduzimento dos direitos sociais como direitos que não meramente se dirigem objetivamente ao Estado; uma certa preocupação no que tange a efetividade dos direitos jusfundamentais (Art. 5º, § 1º, da CF/88 e art. 18, 1, da CRP/76); bem como a abertura a direitos que extrapolam a autoridade da Constituição (ou a conhecida cláusula aberta, Art. 5º, § 2º, da CF/88 e art. 16, 1, da CRP/76). [53]

No que toca aos direitos sociais a Constituição do Brasil os positivou nos artigos sexto ao décimo primeiro, de forma espaçada, o que se infere a impossibilidade de tê-los sob uma ótima estanque a suas previsões constitucionais. Confirme-se isto pelo fato que há direitos que mesmo estando inseridos nesse rol não são considerados direitos sociais (como direitos a prestações fáticas do art. 7º da CF/88), bem como dos que são sociais e não estão sob o manto desse título; diferente da Constituição Portuguesa, que elencou de forma bem mais organizada o título dos direitos sociais em Direitos e deveres economicos, sociais e culturais (arts. 58 e ss. da CRP/76). [54]

A Constituição brasileira também não trouxe uma distinção explicita quanto aos direitos de liberdade e os direitos sociais, apesar dessa bifurcação aberta dos direitos fundamentais estarem de uma maneira ou de outra em quase todas as Constituições feitas após a primeira grande guerra ou, de igual sorte, na legislação infraconstitucional de quase todos os países. [55] Tome por exemplo o artigo sétimo e seguintes, inseridos no capítulo II dos Direitos Sociais, que salvaguarda a respeito de direitos dos trabalhadores, mas que tanto podem elencar direitos de liberdade, como o de greve (Art. 9º da CF/88), ou direitos claramente sociais, como a garantia do salário (Art. 7º, VII, da CF/88); diferente da nação lusa que deixa essa separação às claras (com o título outro dos Direitos, liberdades e garantias nos artigos 17 e seguintes).

Sob essa perspectiva de secessão organizada e sistematizada entre direitos sociais e de liberdade é interessante tecer alguns comentários sob a ótica da doutrina portuguesa. Essa divisão certeira e pontual na Constituição Portuguesa se torna relevante no que tange aos Direitos, liberdades e garantias, porque não se transpõe em um simples esquema classificatório, mas sim um verdadeiro regime jurídico-constitucional especial que se caracteriza materialmente desta espécie de direitos fundamentais.

E não é só isso, essa distinção exata também serve de paradigma material a outros direitos semelhantes dispersos na Carta Magna lusitana, o que se atribui a estes uma força vinculativa e uma densidade aplicativa (ou aplicabilidade direta), no qual aponta a um reforço generalizado normativo destes preceitos se relacionando a outras normas constitucionais, o que inclui normas referentes a outros direitos jusfundamentais. [56]

Quanto aos Direitos e deveres economicos, sociais e culturais, essa partição constitucional vem a calhar, pois não se trata de uma divisão contraposta aos Direitos, liberdades e garantias mas apenas aos que possuem diferenças a estes, sujeitos a um regime geral de direitos fundamentais, que não se beneficiam do outrora indigitado regime especial dos direitos de liberdade, exceto se não constituírem direitos de natureza semelhantes a estes. Cabendo relembrar que muitos desses direitos sociais são a prestações, com a inclusão de alguns com natureza negativo-defensiva, trazendo esse esforço de sistematiza-los uma maior gama de direitos que os de liberdade, sem excluir a ótica que alguns direitos de caráter sociais sejam configurados como de natureza análoga aos de liberdade, mesmo apesar da divisão. [57]

Dessa maneira, se conclui que a cisão, como feita na Constituição Portuguesa, pode trazer certos benefícios a essas espécimes: tornando mais fácil analisar sua natureza e características idiossincráticas, simplesmente pelo fato de sua sistematicidade, sem excluir que sua aplicação também se transmuta em ser deveras mais certeira no que tange as questões constitucionais pelo qual se precisem utilizar tais direitos, sob o manto a que cada necessidade particular no caso concreto venha a requerer.

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Sobre o autor
Pedro Leo

Advogado, especialista em Direito Notarial e Registral, pós-graduando em Direito Processual Civil e Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEO, Pedro. A proibição da proteção deficiente enquanto vertente do princípio da proporcionalidade e sua influição na proteção dos direitos sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4967, 5 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55320. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho final de conclusão da disciplina de Direitos Fundamentais, do Mestrado Científico com perfil em Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, orientada pelo Professor Doutor Jorge Miranda.

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