Direito administrativo sancionador e constitucionalidade da responsabilização objetiva na lei anticorrupção

Estudo aplicado às entidades fechadas de previdência complementar

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24/01/2017 às 00:46
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O presente artigo pretende comprovar que o Direito Administrativo Sancionador não é compatível com a Responsabilidade Civil Objetiva, mas com a Responsabilidade Penal Subjetiva das pessoas jurídicas infratoras dos dispositivos da Lei nº 12.846/2013.

1. Introdução

A Lei nº 12.846/2013, apelidada de “Lei Anticorrupção”, inova no ordenamento jurídico pátrio ao responsabilizar objetivamente as pessoas jurídicas envolvidas em atos lesivos contra o patrimônio público, contra os princípios da administração pública e contra os compromissos internacionais assumidos pelo país.

Nesse sentido, a Lei Anticorrupção informa que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não, e que a pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual de seus dirigentes, administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

Em um país como o Brasil, emaranhado e imobilizado por uma incontável série de escândalos lesa-pátria, o tema corrupção revela, por si só, sua importância fundamental, e se torna ainda mais relevante quando constatamos que a corrupção prejudica o crescimento econômico, gera perda no setor privado, promove instabilidade política, acarreta falhas institucionais e aumenta a pobreza do país.

Revelada a importância do tema, o presente artigo científico se propõe a analisar a constitucionalidade da responsabilização civil objetiva das pessoas jurídicas infratoras dos dispositivos da Lei Anticorrupção. Além disso, pretende demonstrar que o Direito Administrativo Sancionador não é compatível com a Responsabilidade Civil Objetiva, mas com a Responsabilidade Penal das pessoas jurídicas infratoras dos dispositivos da Lei Anticorrupção.

Considerado o ineditismo do tema — a lei foi publicada há pouco mais de dois anos — ,não utilizamos julgados sobre o assunto, tampouco entendimento jurisprudencial ou sumular, motivo pelo qual antecipamos essas considerações.

Adotadas essas premissas, comprovaremos que a Lei Anticorrupção enseja, de fato, responsabilização no âmbito penal e que as penas contidas na Lei nº 9.605/1998, conhecida por Lei de Crimes Ambientais, nitidamente de caráter penal, têm a mesma natureza jurídica daquelas contidas na Lei nº 12.846/2013.

No contexto das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Fundos de Pensão), discutiremos a responsabilização objetiva da pessoa jurídica, inovação trazida pela Lei Anticorrupção, comprovando a inconstitucionalidade da Lei nº 12.846/2013, em especial, de seus artigos 2º e 3º, parágrafo primeiro.

 

2. EFPC como destinatária da norma

A intenção de amplificar o espectro normativo, contemplando o maior número de hipóteses possível, foi corporificada pelo legislador ao inaugurar a Lei Anticorrupção:

Artigo 1º, parágrafo único — Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. (grifo nosso)

Considerando que a Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar, estabelece que as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) serão organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos, e que esses tipos societários são referenciados pela Lei Anticorrupção, não há como afastar as EFPC do campo de atuação normativa. [i]

3. Direito Administrativo Sancionador

A Lei nº 12.846, de 01.08.2013, que dispõe sobre a responsabilização civil e administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, denominada “Lei Anticorrupção”, e seu decreto regulamentador, o Decreto nº 8.420/2015, preveem as seguintes sanções administrativas à infratora: [ii]

a)      multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo ou, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, multa de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais);

b)      publicação extraordinária da decisão condenatória;

c)       inscrição no Cadastro Nacional de Empresas Punidas — CNEP [iii] e

d)      proibição de contratar com o Poder Público. [iv]

Nesse ponto, releva destacar o intervalo, por demasiado ampliado, entre as penas de multa mínima e máxima. Essa dosimetria gera insegurança jurídica, porque concede ao aplicador excessiva discricionariedade e expõe os destinatários da norma a penas desarrazoadas e desproporcionais.

Nesse sentido, tal escalonamento afronta o Princípio da Legalidade, porque equivale à ausência de normatividade, ainda que o decreto regulamentador pretenda balizar, com maior riqueza de detalhes, os parâmetros das sanções, [v] transferindo inconstitucionalmente ao administrador público o poder de legislar.

Por outro vértice, impende ressaltar que penas correspondentes a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto da pessoa jurídica ou equivalentes a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) afiguram-se extremamente severas, afastam o caráter pedagógico do Direito Administrativo Sancionador e podem implicar na dissolução da sociedade, aumentando os níveis de desemprego, já alarmantes.

Por sua vez, a publicação extraordinária da decisão condenatória e a inscrição no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) pode, indiretamente, configurar pena mais severa que a de multa, por representar maior perda financeira, considerados os danos ao bom nome, à reputação e à imagem da pessoa jurídica.

Em tempo, frise-se que a proibição de contratar com o Poder Público afetará diretamente as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) que contratam com a Administração Pública e que, por exemplo, locam imóveis ao Ente Público.

4. Limitação do poder estatal e segurança jurídica

O Direito Administrativo Sancionador tem por fundamentos o Estado Democrático de Direito e o Princípio da Legalidade.

Nesse sentido, a atuação estatal, orientada pelo Princípio da Isonomia, deve ser indistintamente dirigida a toda a coletividade e o império da lei deve limitar o Poder do Estado, contendo práticas abusivas e evitando desvios de conduta dos agentes públicos.

Dentre os princípios que orientam o Direito Administrativo Sancionador e limitam a atuação estatal, destacamos: o Princípio do Devido Processo Legal, [vi] que em sua vertente adjetiva contempla o Princípio da Ampla Defesa e o Princípio do Contraditório [vii] e, em sua vertente subjetiva, engloba o Princípio da Proporcionalidade e o Princípio da Razoabilidade; o Princípio da Segurança Jurídica; o Princípio da Legalidade e o Princípio da Tipicidade.

Diante desse cenário, as normas administrativas sancionadoras devem descrever com objetividade e precisão as condutas indesejáveis e as respectivas sanções, de forma a permitir ao administrado conhecer aquilo que é proibido, obrigatório ou facultativo.

Ocorre que a Lei Anticorrupção permite a aplicação imediata de sanções, sem ampla defesa, sem contraditório, em burla ao devido processo legal, uma vez que, já na instauração do processo administrativo, a pessoa jurídica pode ser dissolvida, o que gera insegurança jurídica.

Outrossim, o prazo para julgamento das infrações administrativas, que inicialmente é de 180 (cento e oitenta) dias, pode ser renovado, prorrogado, a qualquer tempo, indefinidamente, o que também produz grande insegurança.

Destaque-se, nesse mesmo sentido, a previsão de cumprimento descentralizado da norma, uma vez que a União, os estados e os municípios, na forma dos seus respectivos regulamentos, aplicarão a lei, o que poderá resultar em grandes disparidades interpretativas.

Ainda, considerados os termos do artigo 18 da Lei Anticorrupção, a possibilidade de bis in idem, com condenações nas esferas judicial e administrativa, que poderão ultrapassar, e em muito, o dano experimentado pela Administração Pública, caracterizando evidente enriquecimento sem causa do Estado-Administração.

Por oportuno, acrescente-se que, em razão do veto presidencial ao inciso X do artigo 7º, o particular será o único responsável pelo ato de corrupção, em total descompasso com o que prevê o artigo 945 do Código Civil, ainda que o agente público tenha contribuído para o ilícito,o que também colide frontalmente com os Princípios da Proporcionalidade, Razoabilidade e Segurança Jurídica.

 

5. Abuso do poder estatal e indenização por dano moral

A Constituição da República garante, na qualidade de direito fundamental, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. [viii]

Ressalte-se que nossa Carta Política menciona “pessoas”, sem fazer qualquer distinção de tratamento, expressa ou tácita, entre “pessoas físicas” e “pessoas jurídicas”.

Nesse sentido, ao tratar do tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula nºo 227, que dispõe que “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

Isso porque, embora a pessoa jurídica não possa sofrer dano, passível de indenização, em sua honra subjetiva (ofensa à dignidade, ao respeito próprio e à autoestima), pode ter abalada sua honra objetiva (respeito, admiração, apreço e consideração que lhe são dispensados por terceiros).

Em um dos precedentes do citado entendimento sumular, destacamos trecho do voto do ministro Ruy Rosado de Aguiar, que, na qualidade de relator, esclarece a questão:

A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua. (Recurso Especial no 129.428-RJ, 4a Turma, Julgado em 25.03.1998)

Diante desse cenário, concluímos que as atividades regulatórias que aplicam sanções de forma prematura ou impõem penalidades desarrazoadas e desproporcionais, como as decorrentes da Lei Anticorrupção, conforme restou demonstrado no item anterior, afrontam os direitos e garantias fundamentais das pessoas jurídicas reguladas e são, portanto, passíveis de indenização, a título de dano moral e/ou material.

Por esse vértice, intimamente relacionada ao risco de imagem da pessoa jurídica, a Lei Anticorrupção relaciona como penalidade a publicação da decisão em jornal de grande circulação, na sede da empresa ou em seu portal na Internet.

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Do mesmo modo, a lei determina a inscrição da pessoa jurídica no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), que indicará o nome, a razão social, o CNPJ, o motivo da punição (tipificação legal) e a sanção imposta à pessoa jurídica infratora.

Indene de dúvida de que o patrimônio imaterial da pessoa jurídica, relacionado a sua marca, seu bom nome e seu prestígio no meio social, abalados por um julgamento prematuro, desproporcional e irrazoável, pode implicar no encerramento da pessoa jurídica, independentemente da aplicação de eventual pena de dissolução da atividade, o que não pode, jamais, ser considerado razoável ou restar impune.

 

6. Sistema de responsabilidade

O Sistema de Responsabilidade Civil Subjetiva, que depende da aferição do elemento “culpa”, é a regra, constituindo exceção o Sistema de Responsabilidade Civil Objetiva, que requer expressa previsão legal ou é aplicável nas hipóteses que envolvem atividade de risco (consagração da Teoria do Risco). [ix]

No Sistema de Responsabilidade Subjetiva, para que se configure o ato ilícito e, portanto, se imponha ao causador do dano o dever de indenizar, os seguintes pressupostos devem ser observados (existência de): agente, dano, vítima, nexo de causalidade e culpa ou dolo.

Por outro lado, o Sistema de Responsabilidade Objetiva suprime o elemento “culpa” do conjunto de pressupostos do ato ilícito.

Portanto, o que a Lei Anticorrupção pretende é responsabilizar pessoas jurídicas, independentemente da apuração de sua culpa, por atos lesivos praticados por terceiros, prepostos ou não, que causem prejuízo à administração pública, nacional ou estrangeira, convertendo o que é exceção (responsabilidade objetiva) em regra.

 

7. Exclusão de responsabilidade

O Código Civil, no capítulo referente à obrigação de indenizar, esclarece que o empregador é responsável pela reparação dos danos causados por seus empregados, desde que estes estejam no exercício do trabalho que lhes competir ou tenham atuado em razão dele.

Quando ao empregador — que se encontra em situação de ascendência sobre seus empregados— é injustamente atribuída responsabilidade por ato cometido por seus prepostos, não há que se responsabilizar o patrão, mas o subordinado, por se configurar o denominado “fato de terceiro”.[x]

Isso porque, nessa hipótese, não caberia presumir a culpa do empregador, tampouco a relação de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e uma suposta omissão (negligência — culpa in vigilando), ou mesmo ação (conivência — culpa in eligendo), do patrão na qualidade de longa manus do ato praticado pelo empregado.

Nesse contexto podemos inserir os atos praticados “fora do exercício regular das funções do empregado”, dentre os quais, por óbvio, se incluem os atos de corrupção, lesivos à Administração Pública, em que não há, do mesmo modo, que se cogitar da responsabilização do empregador.[xi]

Diante dessas premissas, a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) revela, uma vez mais, sua incompatibilidade com o Código Civil Brasileiro, ao prever a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas por atos cometidos por seus empregados, que não guardam qualquer relação com as atividades por eles desempenhadas.

Nesse sentido, seria uma contradição em si mesma asseverar que um ato de corrupção pudesse guardar relação com a atividade, legalmente autorizada, de uma pessoa jurídica.

Pelo exposto, a atribuição de responsabilidade (objetiva) ao empregador revela, diante da legislação civil que rege a matéria, retumbante ilegalidade.

 

8. Natureza jurídica e inconstitucionalidade

A Lei Anticorrupção, logo de início, declara o espaço ocupado pela norma no “mundo do direito”, qual seja, o de norma eminentemente administrativa. [xii]

Nada obstante, ao tratar dos atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira, a lei relaciona, em rol aparentemente exaustivo, condutas típicas, objeto de reprovação social, que poderiam ser praticadas pelas pessoas jurídicas infratoras, que contam com correspondentes no Código Penal, quais sejam: prática ou financiamento de corrupção ativa, uso de interposta pessoa para ocultar interesses ou beneficiários de atos ilícitos e fraude à licitação. [xiii] / [xiv]

Portanto, a manifesta correspondência entre os tipos previstos na Lei Anticorrupção e os inscritos no Código Penal revela, por si só, a patente inconstitucionalidade da norma, considerando que a Carta Magna somente imputa responsabilidade criminal às pessoas jurídicas nas justas hipóteses previstas em seu texto, quais sejam: prática de atos que atentem contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular ou contra o meio ambiente (artigos 173, § 5º e 225, § 3º).

Contudo, esmiuçando um pouco mais o tema, apontaremos outros argumentos em favor de nossa tese.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, é, como sua própria descrição revela, uma lei penal que responsabiliza, concorrentemente, as pessoas jurídicas e seus agentes. [xv]

O instituto da delação premiada, de caráter nitidamente penal, presente na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), também pode ser encontrado na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013). [xvi]

Considerando que o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal é o “direito de liberdade”, bem mais caro ao ser humano; que o direito de punir, cerceando a locomoção do indivíduo, é o último recurso a ser utilizado pelo Estado no combate ao injusto, à criminalidade; e que, portanto, as sanções criminais (penas) são as de natureza mais severa, concluímos que as sanções constantes da Lei Anticorrupção consubstanciam-se em verdadeiras penas.

Isso porque são mais severas do que as inscritas na Lei de Crimes Ambientais, de caráter comprovadamente penal, que prevê como consequência mais grave a interdição temporária do estabelecimento, obra ou atividade ou a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. [xvii]

Destaque-se, nesse sentido, as sanções experimentadas pelo descumprimento da Lei Anticorrupção: perdimento de bens e dissolução compulsória (verdadeira “pena de morte da pessoa jurídica”). [xviii]

Por todo o exposto, firmamo-nos fortemente no sentido de que a Lei no 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) é uma lei flagrantemente penal, dado seu nítido caráter incriminador, nada obstante o desejo do legislador ordinário de atribuir-lhe natureza administrativa.

 

9. Conclusão

A Lei Anticorrupção impõe responsabilidade objetiva, nos âmbitos administrativo e civil, às pessoas jurídicas, pela prática de atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira. [xix] / [xx]

O espectro de atuação da norma contempla diversos tipos societários, dentre os quais se incluem as Entidades Fechadas de Previdência Complementar, os denominados “Fundos de Pensão”, que são “associações de pessoas” que têm, fundadas no Princípio do Mutualismo, o objetivo comum de compor reservas, individuais e/ou coletivas, capazes de garantir, por meio do pagamento de suplementação de aposentadoria, a manutenção de seu padrão de vida, a partir da inatividade. [xxi] / [xxii] / [xxiii]

Frise-se que a responsabilização objetiva da pessoa jurídica independe da responsabilização subjetiva de dirigentes, administradores, autores, coautores ou partícipes do ato ilícito. [xxiv]

Considerando que a infração é resultado de um comportamento voluntário (desejado pelo agente) e contrário ao ordenamento jurídico, pelo Princípio da Legalidade, e para que haja segurança jurídica, é indispensável que conduta e sanção estejam previstas em lei. [xxv]

Nesse sentido, como seria possível a uma pessoa jurídica, independentemente da forma pela qual tenha sido organizada (sociedade simples, sociedade anônima, empresa individual de responsabilidade limitada, para citar alguns exemplos), em especial às Entidades Fechadas de Previdência Complementar, desejar, em nome de um terceiro (preposto), ou mesmo de um quarto (contratado pelo preposto), cometer um ato lesivo à administração pública?

Ressalte-se que, na forma de Lei Anticorrupção, a pessoa jurídica, no caso analisado, a Entidade Fechada de Previdência Complementar, pode desconhecer, até o momento da instauração do processo administrativo, que um de seus prepostos tenha cometido um ato lesivo à administração pública.

Considerando que a Lei Anticorrupção, assim como a Lei dos Crimes Ambientais, é uma lei penal, está fundada na culpabilidade, ou seja, na capacidade do agente compreender o caráter ilícito do fato e de se determinar segundo esse entendimento.

Em outras palavras, a natureza penal da norma aponta para a necessidade da pessoa jurídica conhecer a reprovabilidade da conduta e a correspondente sanção e, ainda assim, contando com a possibilidade de permanecer impune, cometer, “por suas próprias mãos”, o ato lesivo.

Portanto, a pessoa jurídica deve “desejar” cometer a infração (“voluntariedade”), “saber” que a conduta é reprovada pela lei (“tipicidade”), “conhecer” a sanção aplicável à transgressão cometida (“penalidade”) e, ainda assim, “agir em desconformidade com a norma”, em prejuízo à administração pública (“voluntariedade” e “antijuridicidade”).

Repise-se que o elemento “culpabilidade” está inserido na vontade do agente (transgressor da norma), não em uma suposta vontade da pessoa jurídica, o que atrai a inconstitucionalidade para a responsabilização, de fato, penal e objetiva, constante na Lei Anticorrupção.

Por todo o exposto, conclui-se que o direito administrativo sancionador não se compatibiliza com a responsabilidade “civil” objetiva, flagrantemente inconstitucional, mas com a responsabilidade penal (e subjetiva) das pessoas jurídicas infratoras dos dispositivos da Lei Anticorrupção.

Nesse sentido, caberia ao Supremo Tribunal Federal (STF), na qualidade de guardião da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988), na forma do que lhe impõe o artigo 102, inciso I, alínea “a”, de nossa Carta Política, [xxvi] processar e julgar, originariamente, ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei nº 12.846/2013, a denominada “Lei Anticorrupção”, pela inconstitucional responsabilização objetiva das pessoas jurídicas nela relacionadas.

Desse modo, considerando que, pelo Princípio da Inércia da Jurisdição, nosso Tribunal Constitucional depende da provocação de, ao menos, um dos legitimados constantes do artigo 103 da nossa Carta Magna, [xxvii] é tempo do povo representado, em manifesto exercício democrático, defender o texto constitucional e assegurar a soberana vontade da nação.

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Sobre o autor
Fábio Vasques

Pós-Graduado em Direito Tributário, Direito Público, Direto Processual Civil e Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Especializado em Direito Previdenciário pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em Direito Civil pelo Centro de Estudos da Advocacia Pública do Estado do Rio de Janeiro. Advogado Pleno da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Direito Público.

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