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A Constituição de 1834: influências e reflexos na história do constitucionalismo brasileiro

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4 - Em meio aos conflitos nasce a Constituição brasileira de 1934

O primeiro passo para a Constituinte foi dado em 14 de maio de 1932, quando o Governo Provisório edita o Decreto nº 21.402, que fixa o dia 3 de maio de 1933 para as eleições da Assembleia e cria a comissão para elaboração do anteprojeto. Em 1º de novembro de 1932 foi editado o Decreto 22.040, que regulamentou tal comissão e fixou um quórum de um terço de seus membros para a instalação de suas reuniões e de maioria absoluta para as deliberações (POLETTI, 2012, p. 15-16).

Uma primeira intervenção de João Mangabeira, na segunda sessão, marca bem o tom dos debates e a preocupação, até aquele momento inédita, na condução histórica dos nossos assuntos de governo. Está registrado na ata: “[...] todas as Constituições modernas têm como orientação acabar com as desigualdades sociais. Se a Constituição brasileira não marchar na mesma direção, deixará de ser revolucionária para se tornar reacionária” (POLETTI, 2012, p. 17).

O anteprojeto procurava coibir os excessos do ultrafederalismo e buscava fortalecer a União, submetendo-lhe às políticas militares, que se constituíam em famosos exércitos policiais, organizados pelos estados à revelia do Poder Central, que sobre elas nenhuma autoridade exercia (POLETTI, 2016, p. 20).

Era evidente a troca de classe dominante: antes a oligarquia cafeeira, agora industriais, classe média e militares, exceto em Minas Gerais e Rio Grande do Sul, onde PRM e PRR continuavam no domínio da política. A nova constituição precisaria refletir isso. Na Europa, os regimes fascistas e autoritários estavam em ascensão. A influência da constituição de Weimar, que estabelecia uma república federalista com executivo forte, foi muito grande. Também a constituição da Espanha de 1931 foi fonte de inspiração para os criadores da carta brasileira – em sua maior parte, pessoas do próprio governo.

Em 5 de abril de 1933 é editado o Decreto nº 22.621, dispondo sobre a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, seus componentes e regimento interno. A Constituinte seria composta por 254 deputados, sendo 214 eleitos pelo sistema proporcional e 40 representantes classistas eleitos pelos sindicatos (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p.118).

No dia 15 de novembro de 1933 é instalada a Constituinte, e a Comissão Constitucional passa a apreciar o anteprojeto da Comissão do Itamaraty, composta por 26 membros (um de cada Estado, um do Distrito Federal, um do território do Acre, e quatro representantes classistas), sendo presidida pelo jurista Carlos Maximiliano. Em março de 1934 essa Comissão apresenta o parecer e o substituto do anteprojeto. A Assembleia Constituinte trabalhou neste substituto do anteprojeto até 16 de julho de 1934, data da promulgação da nova Constituição (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p.118 ).

A Constituição brasileira de 1934, promulgada em 16 de julho pela Assembleia Nacional Constituinte, foi redigida "para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico" (BRASIL, 1934), segundo o próprio preâmbulo. O cumprimento à risca de seus princípios, porém, nunca ocorreu. Ainda assim, ela foi importante, por institucionalizar a reforma da organização político-social brasileira – não com a exclusão das oligarquias rurais, mas com a inclusão dos militares, classe média urbana e industriais no jogo de poder. 

4.1 - Características da Constituição de 1934

Com a manutenção dos princípios básicos da carta anterior, o Brasil continuava sendo uma república dentro dos princípios federativos, ainda que o grau de autonomia dos estados fosse reduzido.

            Ocorreu a dissociação dos poderes, com independência do Executivo, Legislativo e Judiciário, além da eleição direta de todos os membros dos dois primeiros. O Código eleitoral formulado para a eleição da Constituinte foi incorporado à Constituição. 

O Poder Legislativo seria composto pela Câmara dos Deputados, com a colaboração do Senado Federal (Art. 22), e por dois tipos de representantes, ambos com quatro anos de mandato: os representantes do povo, eleitos por sufrágio universal e direto, pelo sistema proporcional, e os representantes das profissões equivalentes a um quinto da representação popular (Art. 23) eleitos indiretamente pelas associações (pecuária, comércio, indústria, profissional liberal e funcionário público) (BRASIL, 1934).

O Senado promoveria a coordenação entre os poderes federais, manteria a continuidade administrativa, velaria pela Constituição, colaboraria na feitura das leis e praticaria os demais atos de sua competência (Art. 88). Não participaria do processo Legislativo, salvo para tratar de temas definidos pela própria Constituição (Art. 91) (BRASIL, 1934).

A criação do Tribunal do Trabalho e respectiva legislação trabalhista, incluindo o direito à liberdade de organização sindical, voltado para dirimir questões entre trabalhadores e empregados regidos pela legislação social (Art.122), foi inscrita no âmbito da esfera do Executivo (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p.120).

A Constituição de 1934 também cuidou dos direitos fundamentais: a) o direito de todos à educação, com a determinação de que esta desenvolvesse a consciência da solidariedade humana; b) a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, inclusive para os adultos, e intenção à gratuidade do ensino imediato ao primário; c) o ensino religioso facultativo, respeitando a crença do aluno; d) a liberdade de ensinar e garantia da cátedra; e) o princípio da igualdade perante a lei, instituindo que não haveria privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissão própria ou dos pais, riqueza, classe social, crença religiosa ou ideias políticas; f) a obrigatoriedade de comunicação imediata de qualquer prisão ou detenção ao juiz competente para que a relaxasse e, se ilegal, requerer a responsabilidade da autoridade coatora; g) o habeas-corpus, para proteção da liberdade pessoal, e o mandado de segurança, para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade; h) a proibição da pena de caráter perpétuo; i) a isenção de impostos ao escritor, jornalista e ao professor; j) a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; k) o voto feminino, direito há muito reivindicado, que já havia sido instituído em 1932 pelo Código Eleitoral do mesmo ano (BRASIL, 1934).

Democrática, a Constituição de 1934 representou o início de uma nova fase na vida do país, entretanto vigorou por pouco tempo, entre julho de 1934 e 10 de novembro de 1937.

Referem Souza Neto e Sarmento (2016, p. 122):

Em 11 de julho de 1935, invocando a Lei de Segurança Nacional recém-editada, que proibia a existência de partidos que visassem à subcesão, pela ameaça ou violência, da ordem política nacional, o Governo dissolve a Aliança Nacional Libertadora, adotando como pretexto um discurso de Luís Carlos Prestes, seu Presidente de honra, que clamara pela derrubada do “governo odioso” de Vargas. Meses depois, eclode a Intentona Comunista, rebelião militar armada, que atingiu as cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro. A partir de então, as instituições políticas de 1934 só conservariam a aparência de vida.

Vargas inicia sua fase de autoritarismo ascendente, e o Congresso aprova em 18 de dezembro de 1935 três emendas constitucionais autorizando o Presidente a declarar a comoção intestina grave em qualquer parte do território nacional. Para tanto, autorizou o poder Executivo a punir servidores militares e civis envolvidos em movimentos subversivos das instituições sociais. Em 21 de março de 1936, Vargas declara comoção intestina grave por noventa dias e a prorroga sucessivamente por mais três vezes.

A partir de 1936, iniciam-se as articulações para novas eleições. Lançaram-se como candidatos Armando Salles de Oliveira, de esquerda, e José Américo de Almeida, da situação. Como a Constituição de 1934 não admitia reeleição, parte da sociedade que era a favor do governo defendia o “continuísmo”, que seria a manutenção de Vargas no poder. Nesse ambiente e se sentindo ameaçado, Vargas, por meio do general Góes Monteiro, divulga em 30 de setembro de 1937 um suposto plano comunista para tomada de poder, que ficou conhecido como Plano Cohen, levando o Congresso a aprovar declaração de estado de guerra.

Em 10 de novembro de 1937, tropas da Polícia Militar e do Exército cercam o Congresso, impedindo os parlamentares de entrarem. À noite Vargas divulga, via rádio, uma “Proclamação ao Povo Brasileiro” justificando a ruptura da Constituição e a outorga da Nova Carta. Essa Carta foi essencial, pelo fato de a de 1934 não ter sido capaz de assegurar a paz e o bem-estar da nação, necessária em razão da “profunda infiltração comunista” (SOUZA NETO; SARMENTO, 2016, p. 122-124). Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas outorga a Constituição de 1937, redigida por Francisco Campos – intelectual de forte inclinação autoritária.

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Considerações finais

Como se fez notar, foram o movimento de 1930, as alterações provocadas pelo Governo Provisório e a Revolução Constitucionalista de 1932, que esculpiram o ano de 1934.

Assim, e de diferente modo não poderia ter sido, visto que a tônica da Constituição de 1934 recaiu sobre o Estado social. Evocavam-se os anseios da sociedade, amparados pelo forte teor social, incutido à Constituição de 1934 mediante a introdução dos direitos sociais, que, embora se impusessem dominantes, não suprimiram os direitos individuais já estabelecidos pela primeira declaração republicana, mas proporcionaram-lhes dimensão nova.

A Constituinte, recheada das mais diversas correntes de pensamento, uma vez que composta por deputados “classistas”, representantes dos empregados e dos empregadores, de profissionais liberais e de funcionários públicos, foi acolhida com entusiasmo pela população, o que, vale lembrar, não ocorreu em vista da primeira Constituinte republicana.

Manteve-se o Brasil como uma república democrática, liberal e federativa. Se teria sido boa para os interesses da nação e funcional para o sistema político do País, isso só o tempo poderia dizer e, para a Constituição de 1934, o tempo foi ligeiro. Por isso, o teste de democracia moderna no Brasil teria de aguardar até 1946, quando a outra constituição liberal-democrática foi promulgada.


Referências

ABREU, Marcelo de Paiva. O Brasil e a economia mundial: 1930-1945, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Lisboa: Moraes Editores, 1971.

ARRUDA, Marcos; CALDEIRA, Cesar. Como surgiram as Constituições brasileiras. Rio de Janeiro: FASE, 1986.

BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro: Senado, 1934. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitestream/handle/id/137602/Constituicoes_Brasileiras_v3_1934.pdf?sequence-10>. Acesso em: 28 abr. 2014.

COTRIM, Gilberto. História e consciência do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2002.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1994.

PACHECO, Cláudio. Tratado das Constituições brasileiras. 14 v. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957-1965.

PEREIRA DE SOUZA NETO, Cláudio; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional, teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

POLETTI, Ronaldo. Constituições brasileiras. v. III, 3. ed. Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publlicações, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012.

VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil. v. 8. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940.


Notas:

[1] Embora promulgada como Emenda à Constituição de 1964, muitos constitucionalistas consideram se tratar de uma nova Constituição.

[2] Fundado em 1922, na esteira da euforia mundial socialista provocada pela Revolução Bolchevique, vitoriosa na Rússia em 1917, perdurou até 1992, sendo extinto por seus próprios militantes, por ocasião de seu X Congresso.

[3] Buscavam a centralização do poder, a nacionalização das riquezas do país e se opunham ao coronelismo, que contaminava o sistema eleitoral. Para que alcançassem seus objetivos, necessitavam de tempo. Por isso, apoiavam o governo provisório, viabilizando assim as mudanças sociais que gostariam de implantar.

[4] Desejavam que o governo convocasse uma Assembleia Nacional Constituinte para elaborar nova Constituição para o país. O plano de setores mais tradicionais da oligarquia (São Paulo) era recuperar o poder através de novas eleições, já que confiavam no seu domínio dos mecanismos do sistema eleitoral


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Sobre os autores
Tatiane Alves Macedo

Professora na Unifimes, Mestre em Direito PUC-GO, Doutoranda em Direito (UNISINOS).

Carla Janaina Orro Prieto

Bacharel em Administração, acadêmica do curso de direito da Unifimes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Tatiane Alves ; ORRO PRIETO , Carla Janaina. A Constituição de 1834: influências e reflexos na história do constitucionalismo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5319, 23 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55403. Acesso em: 10 mai. 2024.

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