Do servidor público inativo: ofensa ao direito adquirido à luz do art. 4º da emenda constitucional n.º 41/2003

27/01/2017 às 16:11
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Discussão acerca das consequências trazidas pelas Reformas Previdenciárias conduzidas pelas EC nº 20/1998 e EC nº 41/2003.

1 INTRODUÇÃO

A Emenda nº 20/1998 provocou alterações na Constituição Federal responsáveis por um delineamento mais detalhado ao regime de previdência do servidor público. Foi o início da chamada “reforma previdênciária”, que se consolidou mediante a implementação da Emenda Constitucional nº 41, de 2003.

Preliminarmente, visando a real compreensão da temática discutida, buscou-se traçar considerações gerais acerca do regime previdenciário do servidor público, diante de breves exposições sobre seu caráter contributivo e o princípio da solidariedade.

Explanou-se, também, as distinções entre regime geral da previdência social e regime previdenciário próprio, tendo em vista que as alterações alhures mencionadas alteraram aspectos significativos desses tipos de regime. Do mesmo modo, fez-se necessário traçar brevemente as modalidades de aposentadoria, posto que também estão permeadas pelas mudanças trazidas pelas Emendas nº 20/1998 e nº41/2003.

A análise atenta das mudanças propostas por estas Emendas permite aferir que a citada reforma previdenciária tente a reduzir benefícios sociais dos servidores públicos, a fim de atingir-se a unificação da previdência social. Nesse sentido, imperioso fez-se levantar a discussão quanto a inconstitucionalidade do art. 4 da EC 41/2003, tendo em vista que se choca ao princípio fundamental do direito adquirido.

Em que pese entendimento contrário do Supremo Tribunal Federal, buscou-se traçar argumentos relevantes que comprovem o caráter inconstitucional do mencionado artigo 4º, cujo conteúdo –melhor discutido no decorrer do presente exposto- trata da fixação de contribuição para servidores públicos inativos – aposentados ou pensionistas.


2 ASPECTOS GERAIS DO REGIME PREVIDÊNCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO

Regime previdenciário, nas palavras do doutrinador José dos Santos Carvalho Filho (2012), trata-se do conjunto de regras constitucionais e legais que regem os benefícios outorgados aos servidores públicos em virtude da ocorrência de fatos especiais expressamente determinados, com o fim de assegurar-lhes, e à sua família, amparo, apoio e retribuição pecuniária.

A aposentadoria, por sua vez, é o direito à inatividade remunerada, assegurado ao servidor público em caso de invalidez, idade ou requisitos conjugados de tempo de serviço público e no cargo, idade mínima e tempo de contribuição. A partir daí surgem três modalidades de aposentadoria (por invalidez, compulsória e voluntária), que serão explicadas no decorrer do presente exposto.

Os benefícios previdenciários, como regra, caracterizam-se pela onerosidade, ou seja, sua concessão está atrelada a utilização de recursos públicos, normalmente vultosos em face do quantitativo de beneficiários. Desse modo, tais benefícios naturalmente refletem a contraprestação pelos valores que o servidor paga a título de contribuição. Nesse sentido, as palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012):

Os segurados contribuem compulsoriamente, mas nem todos usufruem dos benefícios, porque nem sempre se concretiza a situação de risco coberta pela previdência social. Daí a ideia de solidariedade, inerente ao regime de previdência social.

É por essa razão que a Constituição Federal, em seu artigo 40, caput, esclarece que para os servidores públicos, o regime de previdência é de caráter contributivo.

Primeiramente, portanto, tem-se que atentar ao sistema de contributividade, a indicar que os servidores, na qualidade de futuros beneficiários, devem ter o encargo de pagar contribuições paulatinas e sucessivas no curso de sua relação de trabalho. Depois, faz-se também necessária a manutenção do equilíbrio financeira e atuarial, a fim de alcançar a maior correspondência possível entre o ônus da contribuição e o valor dos futuros benefícios.

As alterações introduzidas na Constituição Federal pela Emenda nº 20, de 15.12.1998 foram responsáveis por um delineamento mais detalhado à previdência do servidor público, o que traz especial relevância à discussão quanto aos tipos de regimes previdenciários.

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 41, de 19.12.2003, considerada como ensejadora da “reforma previdenciária”, expressão esta já empregada quando da EC nº20/1998, introduziu novas modificações relacionadas ao sistema previdenciário dos servidores públicos.

Imperioso atentar, contudo, à observação preconizada pela autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012), consistente na ideia de que o objetivo último da reforma previdenciária é o de reduzir benefícios sociais – mais especificamente proventos da aposentadoria e pensão – dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos e vigentes para o regime geral de previdência social, o que inclui o trabalhador do setor privado e os servidores não ocupantes de cargo efetivo.

Na realidade, o que se objetiva é a unificação da previdência social.  Tal alteração, contudo, não pode ser realizada de imediato, dadas as situações consolidadas com base na legislação vigente, de modo que se pretende consolidá-la de forma paulatina.

Para que se compreenda, de maneira efetiva, as implicações da reforma previdenciária alhures citada, necessário é distinguir as duas modalidades de regimes previdenciários hoje previstos na Constituição. Embora apresentem alguns pontos de convergências, tais regimes possuem fisionomia e destinatários próprios.

O primeiro está disciplinado nos artigos 201 e 202, que são aplicáveis aos trabalhadores em geral, pertencentes em regra à iniciativa privada e regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. O segundo, por sua vez, é previsto no art. 40 e seus parágrafos, destinando-se especificamente aos servidores públicos efetivos, regidos pelos respectivos estatutos funcionais. Trata-se de matéria de competência concorrente, em que a União estabelece apenas as normas gerais e os Estados exercem a competência suplementar.

Os dispositivos do primeiro conjunto normativo (artigos 201 e 202) constituem o chamado regime geral da previdência social, ao passo que os do segundo (artigo 40) formam o regime previdenciário próprio dos servidores públicos efetivos. Por exceção, limitada a alguns poucos casos, a Constituição manda aplicar supletivamente o regime geral da previdência a determinadas situações enquadradas no regime do servidor estatutário, em acordo com o §12 do artigo 40 da CF, introduzido pela referia EC/98.

Os servidores públicos em geral podem enquadrar-se num ou outro regime, a depender da natureza do vínculo de trabalho com o Poder Público. Desse modo, é preciso, primeiramente, identificar a categoria funcional em que se localiza o servidor para então averiguar qual regime jurídico irá regular os benefícios previdenciários a que faz jus.

O regime jurídico da previdência dos servidores públicos estatuários e efetivos, que são a grande maioria dos agentes administrativos, é o regime previdenciário próprio, disciplinado no artigo 40 e parágrafos da CF. Tratam-se de regras específicas, já que os destinatários são servidores com situação funcional própria: devem ser estatutários e efetivos.

Ou seja, essa disciplina abrange os servidores que sejam não somente regidos pelos estatutos funcionais, mas também que ocupem cargo público de provimento efetivo. São, portanto, requisitos necessários e cumulativos. A regulamentação desse regime, vale ressaltar, foi fixada pela Lei nº 9.717/98.

É preciso observar, ainda, que as entidades públicas não poderão adotar mais de um regime previdenciário próprio para os servidores titulares de cargos efetivos. O conjunto de normas previdenciárias de pessoa federativa deverá abranger todos os servidores efetivos. A Constituição, por outro lado, também impõe a existência de apenas uma unidade gestora do respectivo regime em cada uma daquelas entidades, em claro reflexo do princípio da unicidade de regime e gestão do sistema previdenciário, de acordo com o artigo 40, §20 da CF.

Os servidores públicos trabalhistas e temporários, por sua vez, enquadram-se no regime geral da previdência social, previsto nos artigos 201 e 202 da CF, aplicável aos trabalhadores em geral de iniciativa privada, regidos pela legislação trabalhista. A EC nº20/1998 inovou em relação aos servidores ocupantes apenas de cargos em comissão que, embora sujeitos a regime estatutário, passaram a ter a incidência das regras do regime geral para sua aposentadoria, em acordo com o §13 do art. 40 da CF.

Dessa forma, em compasso com o texto constitucional, o regime geral da previdência social, incluindo aposentadoria e pensões, abrange três categorias de servidores: os servidores estatutários ocupantes apenas de cargo em comissão; os servidores trabalhistas e os servidores temporários (art. 37, IX, CF).

Ressalta-se, contudo, que há entendimento no sentido de que o servidor ocupante de cargo de comissão, se já é aposentado pelo regime estatutário, deveria contribuir para o regime previdenciário próprio, sob o argumento de que o aposentado daquela natureza continua vinculado ao Poder Público).

O que se percebe é que, consequentemente, reger-se-ão pelo regime previdenciário próprio apenas os servidores públicos estatutários que ocupem cargos efetivos. Ainda que a Carta Constitucional não tenha sido expressa a respeito, sujeitam-se também ao referido regime os ocupantes de cargos vitalícios.

Tendo em vista a dualidade de regimes previdenciários para os servidores públicos, a aposentadoria também rege-se por normas diversas. O regime previdenciário próprio abarca três modalidades de aposentadoria, quais sejam, por invalidez, compulsória e voluntária. O valor dos proventos, contudo, varia conforme o tipo de regime de previdência, como também variam os requisitos exigidos para outorga do benefício.

A aposentadoria voluntária pressupõe a manifestação de vontade do servidor no sentido de passar à inatividade, além dos requisitos previstos na Constituição Federal. Didaticamente, menciona-se que se combinam os critérios de tempo de contribuição e de idade mínima. Para melhor compreensão, cita-se, in verbis, o § 7º do artigo 201 da Constituição Federal:

 É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:

 I -  trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

 II -  sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

O §8º do mesmo artigo reduz em cinco anos o tempo de contribuição para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício em funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

A aposentadoria por invalidez decorre da impossibilidade física ou psíquica do servidor, de caráter permanente, para exercer as funções de seu cargo. Uma vez comprovada a impossibilidade física ou psíquica do servidor, de caráter permanente, para exercer as funções do cargo, passa a ter direito à inatividade remunerada. (art. 40, I, CF). É precedida de licença para tratamento de saúde por período não excedente a 24 meses (art. 188, §, 1º, da Lei nº 8.112/90).

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Já a aposentadoria compulsória ocorre aos 70 anos de idade, em que a invalidez é presumida. Os proventos são proporcionais ao tempo de contribuição.

A importância de se conhecer as modalidades de aposentadoria assume especial relevância no tocante as reformas trazidas pela Emenda Constitucional nº41/03 e pela Emenda Constitucional nº 20/98, que alteraram os requisitos de consolidação dessas modalidades.

Isto porque as mudanças concretizadas pela reforma previdenciária supracitada, notadamente por meio da emenda constitucional n. 41/2003, invadiram diretamente a esfera pecuniária do servidor aposentado. É neste viés que se trazem à baila ricas discussões a respeito das vantagens e desvantagens trazidas por esta alteração, endossando-se no presente artigo a análise do princípio fundamental do direito adquirido perante o art. 4 da EC 41/2003.


3 O DIREITO ADQUIRIDO FRENTE AO ART. 4º DA EC 41/2003

A Emenda Constitucional n.º 41/2003 faz parte da chamada Reforma Previdenciária e visou, precipuamente, a complementação das medidas impostas pela EC n.º 20/1998, além de alterar artigos da Carta Magna. Todavia, grande polêmica deu-se em razão da redação do art. 4º, da EC n.º 41/03, tendo em vista que tal dispositivo trata da fixação de contribuição para servidores públicos inativos – aposentados ou pensionistas:

Art. 4º Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º, contribuirão para o custeio do regime de que trata o artigo 40 da Constituição Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere:

I - cinquenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o artigo 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II - sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o artigo 201 da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da União.

A problemática consiste no fato de que a contribuição proveniente de servidores inativos e de pensionistas acabaria por ferir o direito adquirido por tais indivíduos, em sentido contrário ao que é garantido pelo inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Segundo o autor Pinto Ferreira (1992, p. 150), o direito adquirido é “completo e consumado, de tal caráter que não pode ser desconstituído sem o consentimento da pessoa a que pertence, e fixado ou estabelecido, e nunca mais aberto a controvérsia”. Celso Ribeiro de Bastos aduz, ainda, que:

[…] o direito adquirido envolve sempre uma dimensão prospectiva, vale dizer, voltada para o futuro […], o direito adquirido envolve muito mais uma questão de permanência da lei no tempo, projetando-se, destarte, para além da sua cessação de vigência, do que um problema de retroatividade. (BASTOS, 1998).

Logo, o que se coloca em xeque é que o valor de remuneração dos servidores, por ser dotado da proteção conferida pelo direito adquirido, constitui patamar protegido por força de cláusula pétrea da Constituição e, por isso, não deve sofrer descontos de natureza contributiva, por encontrar-se esgotada a motivação para a referida contribuição.

Todavia, verifica-se que o argumento trazido à luz por força do direito adquirido sofre críticas pertinentes e concretas. O Superior Tribunal de Justiça, entendeu que tal direito tem relação com as leis de âmbito ordinário, não se submetendo a esse dispositivo, portanto, as constantes no texto da Carta Magna, por tal regra encontrar-se revestida de força de âmbito constitucional.

PROCESSO CIVIL - RECURSO - DIREITO TRANSITORIO - ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL - DIREITO CIVIL - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - PENA CONVENCIONAL - ART. 924 - INTELIGENCIA - FACULDADE. - NÃO SE HA DE INVOCAR DIREITO ADQUIRIDO CONTRA O QUE POSTO INDUVIDOSAMENTE NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL, EM MODIFICAÇÃO NÃO APENAS DO TEXTO MAS DO PROPRIO SISTEMA, ATE PORQUE AS GARANTIAS DO DIREITO ADQUIRIDO SE DIRIGEM A LEI ORDINARIA E NÃO A CONSTITUIÇÃO. - EM FACE DO DISPOSTO NA NOVA CONSTITUIÇÃO E NO RESPECTIVO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITORIAS (ART. 27, PARÁGRAFO 1), O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PASSOU A SER COMPETENTE PARA APRECIAR OS RECURSOS INTERPOSTOS APOS A SUA INSTALAÇÃO, NÃO SE COGITANDO DE ARGUIÇÃO DE RELEVANCIA DA QUESTÃO FEDERAL A PARTIR DE ENTÃO, APLICANDO-SE O SISTEMA PRETERITO ATE AQUELA DATA. - A AVENÇA ESTIPULADA EM ORTNS INDEPENDE DE CALCULO JUDICIAL PARA A CONSTITUIÇÃO DO DEVEDOR EM MORA. - E PERFEITAMENTE VALIDA A PENA CONVENCIONAL COMPENSATORIA ESTIPULANDO A PERDA DAS PARCELAS PAGAS EM CASO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL, CONSTITUINDO A REGRA DO ART. 924 DO CÓDIGO CIVIL MERA FACULDADE DO JUIZ, A NÃO ENSEJAR INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL. (STJ - REsp: 506 RJ 1989/0009304-5, Relator: Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 25/09/1989, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 23.10.1989 p. 16197 REPDJ 30.10.1989 p. 16514 RCJ vol. 37 p. 64 RJM vol. 70 p. 77 RSTJ vol. 6 p. 360)

Assim, ao ser aprovada e promulgada, a proposta de emenda à Constituição transmuta-se, já que, enquanto propunha objeto a ser emendado ao texto constitucional, não detinha, em si mesma, âmbito normativo; todavia, ao compor o corpo da Carta Magna, fica estabelecida como sendo pertencente ao mesmo espectro e à mesma hierarquia que as normas constitucionais de caráter originário. O que ocorreria, portanto, é a não imposição de um caráter absoluto quanto ao direito adquirido, se contraposto a regras do mais alto escalão do ordenamento jurídico.

Neste diapasão, a ação direta de inconstitucionalidade nº 3.105, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) trouxe à órbita da jurisdição da Suprema Corte a controvérsia a respeito da ofensa ao princípio constitucional do direito adquirido do art. 40, §18 da Constituição Federal, introduzida pelo art. 4º da Emenda Constitucional 41/2003.

Buscava a autora, por meio do controle de constitucionalidade concentrado, demonstrar que aos servidores públicos aposentados anteriormente à data de vigência da referida emenda não caberia o ônus de pagar contribuição previdenciária, como é estabelecido aos servidores titulares de cargos efetivos.

Isto porque os servidores públicos aposentados e os que preenchiam os requisitos para a aposentadoria antes da emenda 41/03 estavam, à época, submetidos a regime previdenciário que não tinha caráter contributivo e solidário, ou apenas tinha caráter contributivo, tendo esta condição sido incorporada em seus patrimônios jurídicos.

Pois bem. Em resposta à demanda, o STF entendeu que não há inconstitucionalidade na instituição de contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e pensões dos servidores públicos da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, incluindo-se suas autarquias e fundações, uma vez que o arcabouço normativo pátrio não atribui imunização dos proventos e pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional.

Destarte, sedimentou a Suprema Corte o entendimento de que, dentre outros argumentos, uma vez a contribuição previdenciária possuindo natureza de tributo, não há direito adquirido em questão. Ademais, entendeu a Corte que não se pode eximir ao pagamento de tributo o servidor aposentado alegando abespinhamento à garantia constitucional do direito adquirido e que a responsabilidade social pelo custeio, em obediência ao princípio da solidariedade, subsiste aos servidores aposentados em data pregressa à Emenda Constitucional 41/2003, já que seu tratamento previdenciário é diverso do atribuído aos servidores da ativa.

Vale mencionar, nada obstante, o voto vencido do Ministro Celso de Mello. Em Plenário, assevera que a Emenda Constitucional 41/2003, ao impor ao aposentado contribuição inexistente ao tempo de aquisição das condições de exercício violou o §4º do art. 60 da Carta Maior. In verbis:

o Congresso Nacional, após haver consagrado a imunidade em favor dos servidores inativos e pensionistas, não podia, ainda que mediante emenda à Constituição, suprimir, em momento posterior, quando já adquirido esse direito por seus titulares, a prerrogativa que derivava dessa particular situação subjetiva de vantagem, legitimamente assegurada, pela própria Lei Fundamental, aos destinatários dessa especial garantia de índole social.

Ratifica, ainda, que as aposentadorias e pensões são regidas pela legislação vigente de quando o direito foi adquirido, devendo-se preservar os seus efeitos futuros ante possíveis alterações legislativas. Neste sentido, o entendimento firmado por esta mesma Corte no Enunciado nº 359 da Súmula do STF, alterado após o julgamento do RE nº 72.509 ED-EDv, DJ 30.03.73, cujo bojo reconhece que o servidor público aposentado ou que já reuniu os requisitos para se aposentar tem o direito de que seja aplicada, ao período de sua inatividade, a lei vigente à época em que se apresentou ou que poderia se aposentar.

Em que pese a decisão da Suprema Corte ter afastado a inconstitucionalidade da discussão trazida à baila, deve-se reconhecer a robusta coerência verificada no voto do Ministro Celso de Mello. Entende-se que os servidores aposentados até 19/12/2003, ao serem obrigados a pagar contribuição previdenciária, além de transportarem-se para situação jurídica mais gravosa, ferem o direito constitucional do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, uma vez que estes direitos tornam-se situação definitivamente constituída.

No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em observância à decisão do STF (2012):

Foi pena que, sem maior amadurecimento sobre matéria de tanta repercussão, a Corte Suprema se manifestasse, em primeira mão, em ação direta de inconstitucionalidade. Acabou, com todo o respeito que lhe é devido, por deixar de lado valores outros contidos na Constituição.

Portanto, a percepção do caso melhor adotada seria a de que a natureza tributária da contribuição previdenciária, assim como a vigência do princípio da solidariedade da previdência não constituem óbice para a obediência à petrificação da garantia fundamental do direito adquirido e ato jurídico perfeito, no que tange à taxação do servidor público inativo, a qual está sedimentada no art. 40, §18 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 41/2003. Desta feita, o reconhecimento da inconstitucionalidade do parágrafo supracitado, nos termos expostos, se impõe.


4 CONCLUSÃO

Ante a análise acima, pode-se inferir que a faceta garantista do sistema previdenciário brasileiro encontra-se ameaçada frente à alteração pretendida pela EC 41/2003. Isso porque, além do art. 4º da referida emenda ferir o direito adquirido, bem como do ato jurídico perfeito, ele vai de encontro aos princípios basilares do Estado de Democrático de Direito.

Em que pese o entendimento proveniente do STF no sentido de que o direito adquirido só diz respeito às normas ordinárias, não abrangendo aquelas presentes na Carta Magna, entende-se que a taxação do servidor público inativo, de fato, invade a órbita da garantia fundamental que compõe o aludido princípio.

Por fim, compreende-se que o manejamento das ferramentas de mutação constitucional não podem, e nem devem, suprimir as diretrizes garantistas do Estado Democrático de Direito, revogando direitos e atingindo o princípio constitucional da irretroatividade.

Ademais, o inegável efeito retroativo, inerente ao referido art. 4º da EC 41/2003 admite que tal lei alcance aqueles que se aposentaram na vigência de uma lei diferente, ferindo a segurança jurídica de que todos devem sentir-se permeados.


REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo : Saraiva, 1998.

CARVALHO FILHO, JOSÉ DOS SANTOS. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012.

PINTO FERREIRA.  Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992. V. 4.

STJ - REsp: 506 RJ 1989/0009304-5, Relator: Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 25/09/1989, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 23.10.1989 p. 16197 REPDJ 30.10.1989 p. 16514 RCJ vol. 37 p. 64 RJM vol. 70 p. 77 RSTJ vol. 6 p. 360.

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Sobre a autora
Rebeca Sousa

Acadêmica do 10º período de Direito, turno matutino, da Universidade Federal do Maranhão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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