4. A PRISÃO E A EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS
O Novo Código de Processo Civil de 2015 estabelece a forma de cumprimento de sentença para que seja reconhecida a exigibilidade da obrigação de prestar alimentos advinda de sentença judicial, e esta passa a não mais ser feita por meio de execução autônoma. Assim, o exeqüente pode exigir o cumprimento da obrigação desde logo, no entanto, se assim preferir, não poderá pleitear a prisão do devedor como meio forçoso ao pagamento, como afirma o Art. 528, § 8º da nova lei.
Por este motivo, trataremos acerca do instituto da prisão civil analisando seus aspectos jurídicos e fundamentos quando da sua utilização como meio mais célere para a obtenção do cumprimento e satisfação da obrigação alimentar.
4.1 A PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA ALIMENTÍCIA E SEUS ASPECTOS JURÍDICOS
Em busca de preservar o direito à vida e à dignidade do credor, a ordem constitucional brasileira, com o Decreto 678, de 06 de novembro de 1992, recepcionou o Pacto de São José da Costa Rica, permitindo como medida excepcional a prisão do devedor de alimentos.
A prisão oriunda de descumprimento inescusável de obrigação alimentar é assunto sempre polêmico e atual. O Brasil, por ser um país ainda muito assolado pela desigualdade social, não consegue obter um encaixe perfeito das normas e regras para com as condutas e a realidade social, o que faz alguns crerem que a prisão civil do devedor de alimentos é norma de extrema rigidez, e outros entenderem-na ineficaz.
Outro fator importante e que atinge diretamente o tema em questão é o alto índice de natalidade do povo brasileiro. É certo que quanto mais dependentes o alimentante tiver, dependendo de sua condição financeira, mais difícil se torna o adimplemento das obrigações.
Preliminarmente, é válido salientar que nem todas as espécies de alimentos estão sujeitas à execução que possa resultar em prisão, como é o caso dos Alimentos Compensatórios, modalidade contemporânea no ordenamento jurídico brasileiro. Flávio Tartuce cita em sua obra o conceito formulado por Rolf Madaleno sobre alimentos compensatórios:
Uma prestação periódica em dinheiro, efetuada por um cônjuge em favor do outro na ocasião da separação ou do divórcio vincular, onde se produziu um desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência matrimonial, compensando deste modo, a disparidade social e econômica com a qual se depara o alimentando em função da separação, comprometendo suas obrigações materiais, seu estilo de vida e a sua subsistência pessoal. (MADALENO, apud TARTUCE, 2014, p. 502).
Vê-se que essa espécie de alimentos não possui caráter de subsistência, servindo unicamente para sustentar a condição social anterior do cônjuge que, agora divorciado, encontra-se menos favorecido financeiramente. Por este motivo, não se faz necessária tamanha celeridade para o pagamento da dívida, prescindindo a aplicação de uma medida tão rígida como a prisão para forçar o adimplemento.
Tal entendimento já foi bastante discutido e aplicado pela jurisprudência, possibilitando a fixação desta espécie de alimentos, mas afastando a utilização de prisão como meio executório pela falta de seu pagamento, como se pode observar em decisão do Superior Tribunal de Justiça:
No caso dos autos, executa-se a verba correspondente aos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus, enquanto aquele se encontra na posse exclusiva do ex-marido. Tal verba, nestes termos, reconhecida, não decorre do dever de solidariedade entre os cônjuges ou da mútua assistência, mas sim do direito de meação, evitando-se, enquanto não efetivada a partilha, o enriquecimento indevido por parte daquele que detém a posse dos bens comuns; A definição, assim, de um valor ou percentual correspondente aos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus, enquanto aquele encontra-se na posse exclusiva do ex-marido, tem, na verdade, o condão de ressarci-la ou de compensá-la pelo prejuízo presumido consistente na não imissão imediata nos bens afetos ao quinhão a que faz jus. Não há, assim, quando de seu reconhecimento, qualquer exame sobre o binômio "necessidade-possibilidade", na medida em que esta verba não se destina, ao menos imediatamente, à subsistência da autora, consistindo, na prática, numa antecipação da futura partilha; Levando-se em conta o caráter compensatório e/ou ressarcitório da verba correspondente à parte dos frutos dos bens comuns, não se afigura possível que a respectiva execução se processe pelo meio coercitivo da prisão, restrita, é certo, à hipótese de inadimplemento de verba alimentar, destinada, efetivamente, à subsistência do alimentando; ([Grifo nosso] STJ, RHC 28.853/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 01.12.2011, DJe 12.03.2012).
Desse modo, esclarecido está que a prisão é um instituto que deve ser aplicado no que diz respeito aos alimentos legais, ou seja, aqueles decorrentes do Art. 1694 do Código Civil de 2002, no intuito de forçar o devedor ao pagamento, garantindo o melhor interesse do menor (criança ou adolescente), por tratar-se de dívida alimentar, que atinge diretamente a sobrevivência do credor, e por isto sua adimplência possui caráter emergencial.
A Lei de Alimentos (Lei 5.478/1968) faz menção à possibilidade de decretação da prisão em seu Artigo. 19:
Art. 19: O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias.
Observe-se que o legislador deixa bem claro que a prisão civil é uma medida de exceção, pois a regra é a liberdade do indivíduo. Deste modo faz-se um sopesamento dos direitos igualmente fundamentais em questão, prevalecendo o direito a uma vida digna do credor, sobre o direito à liberdade ambulatorial do devedor.
Por falar em liberdade, outro aspecto polêmico que foi e ainda é protagonista de grandes discussões é o que diz respeito ao regime prisional para cumprimento do prazo da prisão civil, pois se sabe que esta não é uma pena ou sanção, ou seja, essa prisão não deriva de condenação, e assim não seria justo que o devedor cumprisse-a da mesma maneira que um apenado.
Boa parte da doutrina e da jurisprudência assim entendia. Várias decisões de Tribunais já julgaram a favor de que o devedor ficasse preso em casa de albergue, sob o regime aberto, a fim de que pudesse trabalhar durante o dia com o intuito de conseguir rendimentos suficientes para pagar a dívida, como podemos ver na decisão de Habeas Corpus julgada pelo Tribunal do Estado de Rondônia:
Habeas corpus. Prisão civil decretada em processo de execução de pensão alimentícia. Prazo da segregação. Regime aberto. O prazo da prisão decorrente de inadimplemento da obrigação alimentar é de um a três meses, sendo que a fixação acima do mínimo deve ser convenientemente motivada. Ainda que a lei não estabeleça o regime legal de cumprimento da prisão por dívida alimentar, considerando a natureza civil do débito, a fim de viabilizar ao alimentante o exercício de sua atividade profissional, bem como o cumprimento da obrigação alimentar, fixa-se o regime aberto, com autorização para saídas diurnas. (TJ-RO – HC: 00118120720108220000 RO 0011812-07.2010.822.0000Câmara Criminal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 07/10/2010.)
Segundo os defensores desse entendimento, procedendo-se dessa forma, a medida se tornaria bem mais eficaz, já que o devedor não passaria o tempo de prisão decretado inerte, sem poder fazer qualquer esforço físico para conseguir recursos e pagar a dívida.
Entretanto, o Novo Código de 2015 é bem claro e objetivo ao afirmar no § 4º do Art. 528 que o regime para cumprimento da prisão oriunda de dívida alimentar é o regime fechado, ficando resguardado apenas o direito de separação dos presos comuns.
Trata-se de mecanismo mais enérgico, a fim de que o devedor inadimplente, sob ameaça de prisão em regime fechado, busque quitar sua dívida de maneira mais rápida, não deixando o credor sem o auxílio de que necessita.
Somente para os casos em que não haja local adequado, segue-se o que está expresso na Lei de Execuções Penais, em seu Art. 201: “Na falta de estabelecimento adequado, o cumprimento da prisão civil e da prisão administrativa se efetivará em seção especial da Cadeia Pública”.
Essa separação é uma medida acertada, pois apesar de ser estabelecido o regime mais gravoso, não é sensato deixar que o devedor de alimentos preso seja comparado àqueles que estão presos por agirem em desacordo com a Lei Penal. Aquele que tem sua liberdade privada por deixar de cumprir obrigação alimentar não pode ser colocado em convívio com indivíduos, em sua maioria, perigosos, até para preservar sua própria segurança, pois o sistema prisional brasileiro além de falido não consegue atingir o fim a que se propõe que é punir e reabilitar.
4.2 INTERPRETAÇÃO DA SÚMULA 309 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Existe uma grande discussão a respeito do lapso temporal necessário para requerer a satisfação da dívida por meio da prisão. A Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, muito criticada quando editada, causa confusão pelo que afirma: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
O texto da norma, inicialmente, faz compreender que apenas após 3 (três) meses de desídia do devedor é que se poderia ajuizar ação de execução por meio da prisão. Apoiado nesta interpretação surgiu a figura do devedor contumaz, que não realiza o pagamento da pensão de maneira periódica, intercalando os meses e efetuando o pagamento somente quando se aproxima o terceiro mês de descumprimento, crendo que desta forma não poderia ser contra ele decretada a prisão em sede de execução de alimentos.
Entretanto, esta interpretação é equivocada, pois o que se entende é que o lapso de 3 meses corresponde ao período máximo e não o contrário, por serem os alimentos legais indispensáveis à promoção do bem estar do alimentando e por isto merecerem exigência mais célere, conforme mostra o entendimento doutrinário:
É preciso interpretar a Súmula 309 do STJ no sentindo de não ser necessário que o devedor complete os três meses para que a prisão seja deferida. Um mês de inadimplência pode gerar a prisão do devedor, sendo os três meses apenas um parâmetro para a execução por meio da prisão. (TARTUCE, 2014, p. 532).
Talvez por conta destas celeumas doutrinárias e jurisprudenciais, o legislador ao incorporar o texto da súmula supracitada ao Novo CPC, fez um pequeno acréscimo incluindo a palavra “até” ao mesmo quando editou o Art. 528, §7º: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
Assim, percebe-se a tentativa de esclarecer o sentido da norma para que o período indicado na mesma seja interpretado como o máximo e não o mínimo a autorizar o ajuizamento da ação que permita o requerimento da prisão do devedor.
4.3 MEIOS ALTERNATIVOS DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS
Por se tratar de medida extrema e excepcional, antes de decretar-se a prisão civil, entende-se que é preciso que se esgotem os demais meios executivos com os quais se busca coagir o inadimplente a satisfazer sua dívida, deixando a prisão como última opção.
Fredie Didier explica em sua obra esta ordem de preferência entre os meios executórios:
Em primeiro lugar, deve ser determinado o desconto em folha. Não sendo possível o desconto em folha, cumpre alcançar rendas auferidas pelo devedor com aluguel ou outro tipo de rendimento. Não havendo rendas a serem alcançadas, procede-se a expropriação de bens suficientes à satisfação do crédito. Se ainda assim, não for possível obter a satisfação da obrigação, restará a determinação de prisão civil como medida coercitiva, destinada a forçar o pagamento. (DIDIER, 2010, p. 694).
O alimentando pode optar por pedir anteriormente à prisão, se ainda não requerido na sentença, o desconto em folha de pagamento, regulado no Art. 529, caput, do NCPC. Ressalte-se que esta alternativa dependerá da condição profissional do alimentante, não podendo ser aplicada se este não possuir remuneração fixa de caráter público ou privado.
Sobre essa questão a doutrina entende que se o devedor comprovadamente não detiver possibilidades financeiras para saldar a dívida, o requerimento de prisão torna-se ilegítimo, pois esse meio coercitivo só deve ser utilizado em casos de desídia, irresponsabilidade de quem é obrigado, segundo os ensinamentos de Gonçalves:
A falta de pagamento da pensão alimentícia não justifica, por si, a prisão do devedor, medida excepcional “que somente deve ser empregada em casos extremos de contumácia, obstinação, teimosia, rebeldia do devedor que, embora possua os meios necessários para saldar a dívida, procura por todos os meios protelar o pagamento judicialmente homologado”. (GONÇALVES, 2015, p. 574)
A prisão, portanto, não se destina àquele não tem condições de prestar os alimentos, mas sim àquele que podendo fazê-lo não o faz, ou no caso de não ter os recursos deixa de tomar as atitudes necessárias para obtê-los. Em alguns casos, não há dinheiro para os alimentos dos dependentes, mas há para a manutenção de caprichos, luxos, e outros motivos fúteis; em outras ocasiões, há patrimônio, mas o devedor não quer sacrificá-lo para honrar o compromisso; em outras hipóteses, o devedor omite-se porque não se conforma com a decisão judicial que lhe condenou a prestar alimentos; e, em muitas outras, simplesmente não paga para “não fazer a vontade” do alimentando ou de quem tem a sua guarda.
Alternativo à prisão, permite-se também que o débito seja satisfeito através de desconto nos rendimentos ou rendas, aos quais o devedor tenha direito. Aqui podem ser utilizados os valores referentes à locação de imóveis (aluguéis), ou retirada da quantia necessária de pensões e benefícios em nome do inadimplente. Porém existe uma condição para que esta medida seja utilizada, o valor descontado não poderá ultrapassar a porcentagem de 50% dos ganhos líquidos daquele, como bem preceitua o § 3º do Art. 529 da nova lei:
Art. 529, § 3º: Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos.
Outra grande novidade trazida pelo CPC de 2015 é a alternativa de protestar a decisão judicial, fazendo com que o nome do devedor seja inscrito no SPC e no SERASA, impossibilitando que com o “nome sujo” o devedor realize vários atos da vida civil, o que faria com que este procurasse de maneira mais rápida pagar a quantia devida, conforme o Art. 528, §1º que dispõe: “Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517”.
Em relação ao devedor contumaz, citado no tópico anterior, esta medida foi aplicada recentemente e divulgada no Informativo 0579 do STJ, nos seguintes termos:
Em execução de alimentos devidos a filho menor de idade, é possível o protesto e a inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito. Não há impedimento legal para que se determine a negativação do nome de contumaz devedor de alimentos no ordenamento pátrio. Ao contrário, a exegese conferida ao art. 19 da Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/1968), que prevê incumbir ao juiz da causa adotar as providências necessárias para a execução da sentença ou do acordo de alimentos, deve ser a mais ampla possível, tendo em vista a natureza do direito em discussão, o qual, em última análise, visa garantir a sobrevivência e a dignidade da criança ou adolescente alimentando. Ademais, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente encontra respaldo constitucional (art. 227 da CF). Nada impede, portanto, que o mecanismo de proteção que visa salvaguardar interesses bancários e empresariais em geral (art. 43 da Lei n. 8.078/1990) acabe garantindo direito ainda mais essencial relacionado ao risco de vida que violenta a própria dignidade da pessoa humana e compromete valores superiores à mera higidez das atividades comerciais. Não por outro motivo o legislador ordinário incluiu a previsão de tal mecanismo no Novo Código de Processo Civil, como se afere da literalidade dos arts. 528 e 782. (STJ, REsp 1.533.206-MG, 4º Turma, DJe 1º/2/2016. REsp 1.469.102-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 8/3/2016, DJe 15/3/2016.)
Além do protesto, a jurisprudência, relativizando o teor da Súmula 309, já citada, tem determinado a prisão de devedor que tenha esse costume, alegando a inexistência de constrangimento ilegal quando é possível detectar que o devedor está utilizando artimanhas para frustrar a execução.
Outro ponto bastante discutido é a questão da proposição de ação revisional/exoneração de alimentos. Muitos pensam que a simples propositura destas ações obsta o pagamento das parcelas, como se a decisão anterior que fixou os alimentos ficasse suspensa e impassível de execução, o que não condiz com a verdade.
Os alimentos deverão ser prestados até o trânsito em julgado da decisão definitiva que os diminua ou exclua não impedindo que se promova a execução pela falta de sua prestação. No entanto, segundo o Art. 13, § 2º da Lei de Alimentos, os efeitos da sentença que reduz ou extingue a obrigação alimentícia retroagem à data da citação, deste modo, se proferida a sentença e por algum motivo as obrigações anteriores a ela não tiverem sido cumpridas, impossibilitado estará o credor de executar tais valores, por já existir decisão que os considera indevidos.
Tratando-se de execução de dívida pretérita, a prisão decretada anteriormente à sentença de redução ou exoneração de alimentos é lícita até o momento em que é prolatada a sentença que acolha os pedidos de redução ou extinção da obrigação, tendo a prisão de ser revogada. Isto porque, deve-se levar em consideração as regras de proporcionalidade, com a qual se faz a valoração dos direitos envolvidos.
No caso em questão, visto que as prestações pretéritas perderam seu caráter de essencialidade e sua tutela executiva configuraria mera recomposição patrimonial, prevalece a liberdade do indivíduo sobre o patrimônio, sendo inconcebível e ainda injustificável a utilização da prisão nesta situação.