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A eficácia da prisão civil nas ações de execução de alimentos

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5 A EFICÁCIA DA PRISÃO CIVIL NAS AÇÕES DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS

É incontestável a condição desigual na qual vive a sociedade brasileira. Essa desigualdade é principalmente social e econômica, e vem sendo acompanhada de um crescimento populacional considerável, o que torna tudo mais complicado, agravando as questões sociais como o desemprego, por exemplo.  

Nem todos os níveis de renda da sociedade permitem o atendimento de todas as necessidades básicas de qualquer cidadão, e assim sendo, muitos são os casos em que o indivíduo possui a obrigação de prestar alimentos, porém não pode cumpri-la.

Em conseqüência ao inadimplemento surgem as ações de execução de alimentos ou mesmo o requerimento de cumprimento de sentença que estão abarrotando o Judiciário brasileiro, e em sua maioria essas ações seguem o rito que autoriza o pedido de prisão do devedor.

Pode-se perceber que a prisão civil é de fato uma medida grave, bastante rígida, que leva o devedor a buscar todos os meios possíveis para conseguir pagar o débito alimentar e não ter sua liberdade ceifada. Contudo, questiona-se sua eficácia, principalmente quando é notório que nem todos aqueles que têm sua prisão decretada possuem condições financeiras suficientes de modo a pagar os alimentos, chegando ao fim que o já citado instituto almeja.

Entende-se por eficácia a qualidade de algo que cumpre as metas planejadas, atinge os resultados esperados, o que não podemos dizer que acontece com a aplicação da prisão para todos os casos de inadimplemento da obrigação alimentar, pois em algumas situações ela mais prejudica do que satisfaz os interesses do credor. 

É certo que a ideia de ser preso é uma ofensa aos princípios, valores, honra e reputação moral do indivíduo. Apesar da garantia de separação dos presos comuns, o regime de cumprimento da pena é o mais severo, além dos estabelecimentos pertencentes ao sistema penitenciário brasileiro apresentarem, em sua maioria, condições insalubres e até desumanas.

Por conta disso, em alguns casos, a decretação da prisão possui efeito quase que imediato, o devedor se vê apavorado com a possibilidade de ter sua liberdade cerceada, sua reputação manchada e consegue-se através desta, que o pagamento seja efetuado com celeridade, sendo a prisão nesse caso, a medida executória mais eficaz.

Entretanto, existem casos em que o pagamento não é realizado simplesmente por que o devedor não dispõe de condições financeiras para tal. Apesar de a fixação dos alimentos ser sempre baseada no binômio necessidade x possibilidade, observando o princípio da proporcionalidade, sabe-se que nem todos aqueles obrigados a prestar alimentos possuem condições de satisfazer a obrigação sem que sejam atingidas as suas próprias necessidades.

Ademais, deve-se analisar o fato de que a realidade situacional do indivíduo, principalmente no que diz respeito à questão financeira, está sujeita a constantes mudanças, e quem é empregado hoje, amanhã pode não usufruir da mesma renda.

Um bom exemplo disso foi o que aconteceu com um ex-jogador de futebol mencionado por Pinheiro em seu artigo:

[...] acompanhou-se através da mídia o drama do ex-jogador de futebol Zé Elias que foi preso por uma dívida oriunda de obrigação alimentícia no valor de aproximadamente R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Conforme o depoimento do ex-jogador, a prestação, cujo valor correspondia a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), foi acordada enquanto aquele estava no auge de sua vida profissional. Desempregado, Zé Elias não mais conseguiu adimplir a obrigação e, mesmo tendo proposto ação revisional de alimentos, ficou preso por um período de 30 (trinta) dias. (PINHEIRO, 2014, p. 02)

Observa-se que na situação enfrentada pelo ex-atleta, a prisão se mostrou completamente ineficaz, e mesmo buscando a diminuição do quantum a ser pago através da revisão de alimentos, as prestações anteriores continuam vencidas, ou seja, o pedido de revisão em nada altera o procedimento de execução da obrigação.

Essa mudança na situação financeira é fato cada vez mais recorrente, principalmente no momento atual de crise em que o Brasil se encontra, onde vários empresários de sucesso estão vendo suas empresas falirem e além de todas as dívidas decorrentes do empreendimento, ainda precisam conseguir dinheiro para adimplir a dívida alimentícia sob o risco de ser preso. 

Nestes casos, a decretação da prisão torna-se um agravante da situação, já que estando encarcerado, o indivíduo fica impedido de conseguir renda através do trabalho, conseqüentemente não cumprindo com sua obrigação. Aqui, nota-se que não há o que ser feito a não ser esperar que finde o prazo da sanção (de um a três meses) e que o devedor seja solto ficando sujeito à nova decretação de prisão.

Diante dessa situação fática, a prisão não consegue atingir o objetivo de satisfação da obrigação, ficando o credor ainda atingido, gerando apenas discórdia e sentimento de vingança entre os genitores e família do alimentado.

O processo de separação dos pais em geral causa grande sofrimento para os filhos, a dívida alimentícia atinge direta e profundamente as relações afetivas familiares, e a prisão é mais utilizada como uma arma, com a qual geralmente a genitora ameaça o pai da criança para que ele também arque com as despesas do ou dos filhos, gerando revolta e rivalidade entre os pais dos menores que passam a viver em constante constrangimento familiar.

Fator que também atinge a eficácia da prisão civil é a superlotação dos ambientes em que se mantêm os presos, além da falta de segurança que os mesmo oferecem. Como é obrigatório que os presos civis fiquem separados dos presos comuns, algumas comarcas dispõem de poucas vagas para os primeiros.

Karinne Pinheiro menciona em seu artigo alguns números coletados no ano de 2011 no Estado de São Paulo:

Interessante salientar uma notícia divulgada, no ano de 2011, pelo Jornal da Tarde de São Paulo, que mostrou que o número de pais devedores de pensão alimentícia foragidos, no Estado de São Paulo, equivale a 20 vezes o número de presos em um centro de detenção provisória. O noticiário afirmou, ainda, que a Polícia Civil, no referido estado acumula, atualmente, 26.200 (vinte e seis mil e duzentos) mandados de prisão a serem cumpridos contra pais e mães que não pagam as prestações de alimentos devidas aos filhos. Os números são surpreendentes e apontam, além da ineficácia do próprio decreto prisional que permite que o devedor se esquive da ordem, os problemas administrativos a serem enfrentados pela polícia quando da execução daqueles. (PINHEIRO, 2014, p. 02)

São poucos os municípios que dispõe de local adequado até para os presos comuns, e apenas as cidades consideradas grandes contam com casa de albergue, onde geralmente ficam os presos civis. Infelizmente o índice de descumprimento de obrigação alimentar é altíssimo, e muitos mandados de prisão são expedidos para esse fim numa única semana.

Findo o prazo de 3 dias para pagamento ou justificação da falta deste, a prisão é decretada e é expedido mandado de prisão. Muitas vezes, quando o oficial de justiça vai dar-lhe cumprimento, verifica que não existem vagas para os presos civis, tendo de devolver o mandado com esta justificativa sem o seu cumprimento. Deste modo, resta frustrada a tentativa de coagir o devedor ao pagamento da dívida, pois não há meio hábil de efetuar a prisão.

Assim podemos entender que a prisão é medida parcialmente eficaz, e essa eficácia é determinada pela análise dos casos concretos.

Vejamos, quando o devedor possui condições de pagar e por pura irresponsabilidade não o faz, deixando de prestar assistência ao alimentado, desobedecendo a ordem judicial anteriormente determinada, a decretação de prisão deste devedor pode resultar em imediata quitação da dívida, pelo fato do mesmo possuir recursos e não querer ficar preso.

Entretanto, quando o alimentante deixa de pagar a pensão pelo fato de não possuir meios para tanto, essa medida não traz benefício algum ao credor. A dívida não é paga, o alimentado não tem seu crédito adimplido, e o devedor ainda fica impossibilitado de buscar recursos a fim de pagar o que deve, sofrendo restrições excessivas à sua dignidade.

Nos casos de impossibilidade momentânea comprovada, quando o devedor está desempregado, por exemplo, o ordenamento jurídico poderia oferecer alguma alternativa para que o devedor por esforço próprio pudesse buscar recursos que se destinassem ao pagamento do débito.

Em Portugal existe o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, o qual é utilizado pelo Estado para pagar as prestações alimentícias devidas quando o alimentante está impossibilitado de pagar e quando quem detém a sua guarda também não tenha recursos suficientes para sua mantença.

Trata-se de medida mais efetiva, pois protege e garante a dignidade de sobrevivência do credor, observando-se o que diz o princípio do melhor interesse do menor e ainda evita a aplicação da medida rígida e extrema que é a prisão e o constrangimento do devedor que terá de ficar todo o período decretado pelo juiz preso, sabendo que não tem como pagar a dívida, colidindo com o direito fundamental de ir e vir de titularidade do alimentante.

Por conta disso, entende-se que o instituto da prisão civil deve ser aplicado de acordo com uma profunda e minuciosa análise de cada caso concreto. Pois nem sempre a prisão se revela o método mais eficiente, seja pela falta de condições do devedor, ou pelo não cumprimento do mandado de prisão justificado pela falta de local para ‘deixar’ o devedor preso.

Por tudo que foi alegado, conclui-se que deve ser observado qual o meio mais adequado e que levará, caso a caso, ao cumprimento da obrigação de maneira mais rápida e eficaz, atendendo ao melhor interesse do menor e à capacidade de pagamento pelo alimentante, utilizando-se a prisão como medida de exceção, utilizada em último caso somente nas hipóteses do não pagamento pela desídia e irresponsabilidade do devedor. 


6 CONCLUSÃO

A questão da possibilidade de decretar-se a prisão civil do devedor inadimplente com a obrigação alimentar é de fato medida polêmica e que causa grandes dúvidas na população, gerando também acaloradas discussões doutrinárias e divergentes posicionamentos jurisprudenciais.

É importante que sejam discutidas as regras e condições para a utilização dessa medida, visto que muitas mudanças foram feitas com o implemento do Novo Código de Processo Civil de 2015 ao ordenamento jurídico brasileiro, observando se esta é eficaz ou não.   

Aprovada pela Constituição Federal de 1988, justificada pela ratificação do Pacto de São José da Costa Rica, é certo que, apesar de se tratar de medida excepcional, sua aplicação é legítima no âmbito judicial executivo, com o objetivo de compelir o devedor a satisfazer sua obrigação de maneira mais célere.

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No entanto, é preciso observar a situação desigual enfrentada pelos brasileiros no que se refere às condições econômicas e financeiras, e analisar se realmente a prisão do devedor é o melhor caminho para que o alimentado venha a ter o seu direito garantido.

O objetivo deste trabalho foi analisar a eficácia da prisão civil, fazendo uma comparação dos resultados da aplicação da prisão em cada caso concreto, observando-se todo o contexto social no qual está contido a figura do indivíduo-devedor, sem esquecer as necessidades do credor.

Verificando todo o arcabouço doutrinário e bibliográfico acerca do questionamento em que a eficácia da prisão civil está envolta, nota-se que esta é extremamente eficiente em determinadas situações, enquanto que em outras acaba por se tornar prejudicial tanto a quem sofre a sanção, quanto a quem deveria ter seu direito satisfeito através dela.

Quando a pensão deixa de ser paga por pura desídia do devedor, sendo que este possui recursos suficientes para quitar a dívida sem que as suas próprias necessidades sejam prejudicadas, a decretação da prisão mostra-se razoável para que o mesmo se veja coibido pela possibilidade de ter sua liberdade privada, fazendo com que o mesmo busque quitar o débito e se veja livre da ameaça de ser preso.

Em contrapartida, quando o inadimplemento ocorre por motivos alheios à vontade do devedor (desemprego, mudança desfavorável da situação financeira), a falta de subsídios que permitam o pagamento sem que o próprio sustento seja atingido faz com que a prisão seja completamente ineficaz. Nesse caso, o indivíduo ficaria preso, tendo sua dignidade agredida, e não poderia trabalhar ou tomar qualquer atitude para conseguir dinheiro e pagar a dívida. Desse modo, a única opção é esperar que passe o tempo decretado para a prisão e saindo do estabelecimento prisional, ficar sujeito à nova decretação.

Mesmo com a prisão decretada, mesmo com o devedor tendo sofrido a sanção mais rigorosa, tendo contra si o meio executório de natureza mais grave, estando preso sob o regime mais severo, o alimentado não teve o seu direito garantido, e a obrigação não foi cumprida, o que mostra a ineficácia do instrumento de coerção pessoal para esta realidade fática.

Por todo o exposto, conclui-se que a prisão civil do devedor de alimentos mostra-se medida parcialmente eficaz, e como se trata de instrumento de extrema rigidez, deve ser aplicado somente como última opção, depois de infrutíferos os demais meios executórios.

Cabe ao julgador observar as várias hipóteses de incidência, apreciando-as com moderação e cautela, analisando caso a caso, sempre fazendo a ponderação entre os direitos fundamentais envolvidos, além de priorizar o binômio necessidade/possibilidade, sem esquecer do princípio da proporcionalidade e aplicar a prisão apenas nos casos em que o devedor é malicioso e irresponsável.

É justo que o legislador busque outros meios de fazer com que, não satisfeita a obrigação pela impossibilidade do devedor, haja outra saída para que o credor não fique sem a garantia do seu direito.

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Sobre as autoras
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALEXANDRINO, Laiane Castro ; MORAES, Itamara. A eficácia da prisão civil nas ações de execução de alimentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6314, 14 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55616. Acesso em: 26 abr. 2024.

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