Antes de chegar ao poder Hitler escreveu um livro. Poucos deram atenção ao que o líder nazista havia escrito. Mas aqueles que o fizeram sabiam exatamente o que poderiam esperar dele, pois em Mein Kampf estão delineadas as principais plataformas políticas do futuro führer: a perseguição implacável aos comunistas, judeus e doentes mentais até que eles fossem todos exterminados. Devemos, pois, prestar atenção ao que Alexandre de Moraes escreveu.
“Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.” (Direitos Humanos Fundamentais, Alexandre de Moraes, Atlas, 8ª edição, São Paulo, 2007, p. 27)
Estas são as palavras do cidadão indicado por Michel Temer para o STF. É evidente que Alexandre de Moraes desconhece ou despreza o lento processo de construção histórica dos Direitos Humanos. Ao contrário do que ele diz, eles constituem sim um escudo protetivo contra a índole autoritária dos Estados modernos, cujo exemplo mais deplorável foi o Estado nazista que reservou para si mesmo o direito de exterminar pessoas sem que seus agentes tivessem da responsabilidade civil ou penal por seus atos criminosos.
Foi por isto, aliás, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 repudiou expressamente os crimes cometidos pelos Estados autoritários e afirmou em seu preâmbulo que "...o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.” Alexandre de Morais distorce o conteúdo deste documento para colocar em evidência o direito do Estado de perseguir e punir criminosos violando seus direitos humanos.
No fundo, o que o candidato à vaga no STF faz é revalidar o conceito de predominância absoluta do Estado sobre o indivíduo. Conceito este que foi militarmente derrotado nos campos de batalha europeus em 1945. Os Direitos Humanos fundamentais são inalienáveis e irrevogáveis. Eles não impedem o Estado de responsabilizar civil e criminalmente aqueles que violarem a Lei, mas obriga os agentes estatais (juízes, promotores, policiais) a cumprir sua missão respeitando a humanidade das pessoas que cometeram infrações.
É preocupante a ascensão de Alexandre Moraes ao STF. Além de relativizar os Direitos Humanos para que os agentes estatais possam cometer crimes no exercício de suas funções (como os homicídios, agressões e torturas praticados por PMs quando ele mesmo foi Secretário de Segurança Pública), o candidato indicado por Michel Temer deliberadamente ignora o que consta no art. 1º, II, III e V, da CF/88. Estas são regras constitucionais imutáveis que condicionam a interpretação de toda a Constituição Federal para impedir que os órgãos do Estado brasileiro encarregados da repressão ao crime comecem a agir como o Estado nazista.
Ao rejeitar os Direitos Humanos por uma razão de estado (a necessidade do Estado de Direito se fazer respeitar) contrária aos fundamentos da Constituição Federal, com a finalidade de revogar o conteúdo limitador imposto aos agentes estatais pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, o jurista Alexandre de Moraes se filia à doutrina do Direito Penal do Inimigo. A posição dele não visa apenas legitimar os abusos e crimes cometidos pelas autoridades contra os cidadãos comuns, mas também garantir a impunidade das mesmas quando o Estado for provocado pelas vítimas.
Opera aqui, uma vez mais, a lógica nazista. Contra o poder absoluto do Estado (de reprimir, brutalizar e exterminar uma parcela da população por razões raciais e políticas) não há qualquer remédio. Os agentes estatais encarregados de perseguir criminosos são imunes à Lei, porque eles corporificam a vontade geral da nação. O Estado em movimento não pode ser detido, as ações cometidas em seu nome são todas legítimas.
Foi exatamente para coibir esta lógica fria e desumana que a Declaração Universal dos Direitos Humanos “...nas considerações seguintes ao preâmbulo deplora os ‘atos bárbaros’ que resultaram do desrespeito desses direitos; proclama a aspiração humana à liberdade e à vida sem temor; clama pela proteção dos direitos, sob o ‘império da lei’, admitindo, porém, ‘como último recurso a rebelião contra a tirania e a opressão’; defende a amizade entre as nações; reafirma o primado da dignidade da pessoa humana e sustenta a igualdade entre homens e mulheres; anuncia o compromisso dos Estados membros da ONU de respeitar os direitos humanos e; sustenta a importância de uma compreensão comum desses direitos e liberdades.” (História Social dos Direitos Humanos, José Damião de Lima Trindade, editora Peirópolis, São Paulo, 2002, p. 191).
Os atos bárbaros cometidos pela PM nunca foram repelidos com veemência por Alexandre de Moraes quando ele foi Secretário de Segurança Pública de são Paulo. Isto sugere que, como os nazistas derrotados em 1945, o candidato à vaga no STF despreza a humanidade das vítimas dos crimes cometidos por agentes estatais. Ele politiza uma questão jurídica (a obrigação do Estado de respeitar os Direitos Humanos daqueles que devem ser responsabilizados civil e criminalmente pelos seus atos dentro dos limites da Lei) com uma finalidade evidente: garantir a inimputabilidade dos policiais. Esta estratégia, contudo, é repelida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e por diversas outras Leis Internacionais é por si só política.
Estas são as razões pelas quais rejeito a nomeação de Alexandre de Moraes para ministro do STF. Ele não tem o perfil necessário ao cargo que pretende ocupar, pois ao invés de interpretar a CF/88 como um escudo protetivo para o cidadão contra os abusos do Estado, ele a transformará num instrumento de legitimação dos crimes cometidos pelos agentes estatais.