REPRODUÇÃO HUMANA E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA:
Quando se trata de técnicas de Reprodução Assistida, a legislação brasileira é lacunosa, principalmente no que se tange ao destino dos embriões em caso de divórcio. A única disposição sobre o assunto é a Resolução nº 1957/2010 do Conselho Federal de Medicina, a qual prevê a normatização de condutas éticas para o procedimento de fertilização assistida.
Tal Resolução descreve a necessidade de que as partes assinem o consentimento informado afirmando o destino dos embriões quando da extinção da sociedade conjugal.
O artigo 1.597, inciso IV, do Código Civil dispõe sobre a presunção de paternidade na constância do casamento havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga, isto é, o material genético necessário para a fecundação do embrião pertence ao casal.
Entretanto, a I Jornada de Direito Civil, de setembro de 2002, regulamentou:
Enunciado n. 107: finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1571, a regra do inciso IV somente poderá ser aplicada se houver autorização, por escrito, dos ex-cônjuges, para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões. (grifo nosso).
Sendo assim, a autorização mencionada no Enunciado da Jornada de Direito civil Brasileiro é de extrema importância para regulamentar o destino dos embriões, não devendo ser aplicada de forma contrária prevista nela.
Todavia, pode haver conflito de interesse entre as partes divorciadas, como ocorreu com a atriz americana Sophia Vergara e Nick Loeb, seu ex-marido, que enfrentam uma batalha judicial decidindo o futuro de seus embriões congelados.
O ex-cônjuge, Nick Loeb, expressou seu desejo em dar prosseguimento ao uso dos embriões e implantar em uma outra mulher; contudo, a atriz americana não concordou com tal pedido. Ele alegou que, por razões morais, não queria que eles fossem descartados, aduzindo que assumiria todas as responsabilidades financeiras caso conseguisse a guarda dos embriões.
Se tal caso ocorresse em jurisdição brasileira, não haveria amparo no ordenamento jurídico para que o magistrado decidisse sobre tal questão.
É certo que a decisão é delicada, pois de um lado o cônjuge busca exercer o direito a maternidade/paternidade, mas de outro não se pode forçar o outro cônjuge a assumir tais responsabilidades.
Obrigar o cônjuge que é desfavorável a utilização dos embriões após o divórcio; envolve questões muito mais graves do que simplesmente assumir forçadamente a paternidade ou maternidade, envolve questões como: utilizar material genético de uma pessoa contra sua vontade, direitos patrimoniais e sucessórios, entre outros.
Posto isto, para tentar solucionar tal conflito se valendo da legislação vigente neste país, o juiz deveria se valer exclusivamente dos princípios contratuais, principalmente o Princípio Pacta Sunt Servanda, e seguir o estipulado no consentimento informado assinado por eles.
Tal princípio busca garantir que as partes cumpram o que acordaram. Segundo Maria Helena Diniz: “o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo um a verdadeira norma de direito.[10]"
Para garantir maior segurança jurídica ao termo de consentimento elaborado, e por conseguinte, fazer com que as partes cumpram o acordado, a clínica de fertilização deveria ser valer da analogia que ocorrem casos de fecundação post mortem e registrar tal consentimento publicamente.
Nos casos de fecundação post mortem, a orientação que se dá é de que o casal registre publicamente o consentimento de que o cônjuge poderá utilizar os embriões, mesmo após a morte do outro, a fim de proteger e garantir os direitos sucessórios da criança que irá nascer.
Portanto, considerando que o consentimento dado no ato de contratação da fertilização tem natureza contratual, é inequívoca a manifestação de vontade do casal em relação ao destino dado aos embriões. Assim, havendo conflito sobre a guarda dos mesmos, não se pode arbitrar destino diferente do estipulado.
LEGISLAÇÃO ALIENÍGENA:
Em território brasileiro, ainda não há relatos concretos acerca deste tema. Contudo, é necessário estudar casos reais ocorridos em outros países e como as legislações alienígenas trataram tais conflitos, fazendo assim um estudo de direito comparado.
O primeiro caso a ser abordado é a ação que ocorreu no Texas, Estados Unidos da América, em 2006, Roman v. Roman.
Augusta e Randy se casaram em 5 de julho de 1997. Anos depois, após inúmeras tentativas para engravidar, o casal resolveu recorrer às técnicas de fertilização in vitro.
Em março de 2002, as partes assinaram o Consentimento Informado para a Criopreservação de Embriões, sendo que escolheram descartar os embriões caso ocorresse o divórcio.
Randy, em dezembro de 2002, demandou o fim da sociedade conjugal, solicitando a destruição dos embriões. Contudo, Augusta queria a oportunidade de implantá-los, alegando que seu ex-cônjuge não teria qualquer responsabilidade sob a criança vindoura.
Desta forma, a Corte do Texas permitiu que Augusta usasse os embriões, ignorando o acordado, considerando Randy somente como pai biológico dos embriões, não tendo ele mais dever legal algum sobre a criança.
O mesmo acontece no caso da atriz americana Sophia Vergara, que realizou a fertilização in vitro juntamente com seu ex-noivo Nick Loeb. O Consentimento Informado assinado por eles previa que ambos deveriam estar de acordo com a utilização dos embriões.
Ao se separarem, Nick demandou judicialmente a guarda dos embriões congelados, uma vez que, por razões morais, não queria a destruição deles.
O processo ainda não foi decidido, porém de acordo com o “Uniform Parentage Act”, o consentimento de uma das partes pode ser retirado antes da implantação do embrião, não sendo mais este considerado genitor legal, somente biológico, havendo, dessa forma, uma esperança para Nick Loeb.
Em 2011, um outro caso semelhante ocorreu na Argentina.
A Senhora Ana Perasso e seu marido recorreram às técnicas de fertilização in vitro, criopreservando os embriões para uma futura utilização. No consentimento Informado assinado, o casal estipulou que o procedimento de fertilização deveria ocorrer com o consentimento de ambos em caso de divórcio.
Devido a problemas conjugais, o casal se divorciou, e Ana comunicou a seu marido que gostaria de implantar os embriões congelados, obtendo a negativa de seu ex-cônjuge.
Ana pleiteou a permissão aos Tribunais Argentinos, alegando que sempre quis implantar os demais embriões e que por razões éticas queria utilizá-los.
Após árduas discussões, a Corte Argentina, diante de seus institutos jurídicos, decidiu autorizar a implantação dos embriões criopreservados apesar da oposição do pai, pois sua negativa atual não substituía a aceitação da paternidade biológica autorizada no momento da fertilização.
Vale ressaltar que nestes casos relatados as Cortes não levaram em conta o caráter contratual do Consentimento Informado, abrindo precedentes e causando insegurança jurídica.
Em todos os casos, os casais contratantes estipularam o destino para os embriões em caso de divórcio. Em dois dos três casos apresentados era necessária a autorização de ambos para a implantação, o que foi totalmente ignorado pelo Sistema Judiciário.
É importante frisar que mesmo se alegando que eles foram considerados apenas pais biológicos, não havendo qualquer dever material para com a criança, é certo que esta situação é incômoda, tanto para a criança, que será privada da convivência com o outro genitor, podendo sofrer até mesmo restrições patrimoniais, uma vez que jamais poderá pleitear alimentos a ele, quanto para o genitor, que perderá a autonomia sobre seu material genético, arcando com um vínculo criado erroneamente pelo Estado, o qual não fez cumprir o acordado.
As técnicas de reprodução humana assistidas trouxeram várias benesses aos casais que não conseguiam engravidar de forma natural. Contudo, elas ainda não foram devidamente regulamentadas pelo direito, criando uma obscuridade jurídica.
Ao longo do trabalho, discorreu-se acerca do caráter contratual do Consentimento Informado, assinado pelo casal, o qual estipula o destino dos embriões excedentes em caso de divórcio, devendo tal contrato seguir todos os pressupostos objetivos e subjetivos que o Código Civil e a doutrina majoritária estipulam.
Ou seja, o casal deve ser capaz de decidir o destino dos embriões e livres de qualquer coação ou vício, estando cientes do destino dado aos embriões.
Ainda foi tratada a hipótese de uma das partes discordar posteriormente do que foi acordado e discutir judicialmente a guarda dos embriões.
No Brasil, por não haver ainda legislação que trate sobre tal aspecto, o juiz deveria se valer do princípio civilista do Pacta Sunt Servanda e cumprir o que foi anteriormente estipulado entre as partes, evitando a insegurança jurídica, já que o Consentimento Informado possui característica contratual.
Dar uma tutela diversa do que foi firmado nesse consentimento é deveras problemático, já que esta decisão não influi somente no Direito Família, mas também no campo de Direito Patrimonial, Direito Sucessório e até mesmo no campo Cível, uma vez que pode ocorrer Danos Morais entre as partes.
Sendo assim, não havendo mais vontade de vínculo jurídico entre o casal, não pode o Estado criar um laço familiar entre pessoas por conta própria, ante a possibilidade de danos irreparáveis, devendo ele se ater exclusivamente ao que foi anteriormente estipulado entre o casal.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Américas, 2006.
DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 9.
______. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 3.
______. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 1993, vol. 1.
MATTERA. Marta Del Rosário; VÉRON, Beatriz Alicia. Se autoriza la implantación de embriones crioconservados, a pesar de la oposición del padre -separado de hecho de la actora. Disponível em: <https://aldiaargentina.microjuris.com/2011/09/29/se-autoriza-la-implantacion-de-embriones-crioconservados-a-pesar-de-la-oposicion-del-padre-separado-de-hecho-de-la-actora/>. Acessado em 06 de setembro de 2016.
MONTAL, Zélia Cardoso. Bio Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
Randy M. ROMAN, Appellant, v. Augusta N. ROMAN, Appellee. Court of Appeals of Texas,Houston (1st Dist.). Disponível em:< http://caselaw.findlaw.com/tx-court-of-appeals/1048566.html> Acessado em 05 de setembro de 2016.
ROCHA, Renata da. O direito à vida e a pesquisa em células-tronco. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
Notas
[1] COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Américas, 2006. p.70.
[2] ROCHA, Renata da. O direito à vida e a pesquisa em célula-tronco. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 46.
[3]DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2014. P.39.
[4] MONTAL, Zélia Cardoso. BIO DIREITO CONSTITUCIONAL. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2009. P.40.
[5] Ibid, p. 394.
[6] Op. Cit. p.42.
[7] Op. Cit. p. 45.
[8] DINIZ, Maria Helena. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2013. P. 39. v. 3
[9] DINIZ, Maria Helena. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 3. P. 36. (grifo nosso).
10.DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos; Saraiva, SP, 1993, vol. 1, p.63.