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O princípio da segurança jurídica e a aplicação de sanções políticas no âmbito do Direito Tributário: possibilidades e consequências

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15/02/2017 às 11:59
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5. A segurança jurídica como princípio informador do ordenamento jurídico brasileiro

Não se tem notícia, como enfatiza Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 17) de algum ordenamento jurídico que porventura tenha contemplado a segurança jurídica como um princípio explícito. A exemplo de diversas outras ordenações jurídicas, portanto, no sistema jurídico brasileiro a segurança jurídica apresenta-se com um princípio – ou como um sobreprincípio – implícito.

Humberto Ávila (2012) esclarece que malgrado não estar explicitado no texto constitucional, o princípio da segurança jurídica encontra previsão no ordenamento jurídico brasileiro. O autor, aliás, vai além, ao afirmar que a Constituição Federal Brasileira de 1988 “não é apenas uma Constituição que protege a segurança jurídica; ela é uma Constituição que consubstancia a própria segurança jurídica. Vale dizer (…) ela é uma Constituição da segurança jurídica. (ÀVILA, 2012, p. 203).

Para o citado autor, o princípio da segurança jurídica não necessariamente careceria de um suporte escrito, o que, todavia, esclarece, não lhe retira o fundamento constitucional. Em primeiro lugar, enfatiza Humberto Ávila, a CF/88 exige a busca de fins de maior amplitude, como o Estado de Direito e o Estado Social de Direito, dos quais se permite deduzir fins mais restritos (cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade). Em segundo lugar, a CF/88 determina a realização de fins específicos, como os estados de proteção da liberdade, da propriedade e da igualdade, os quais permitem deduzir fins menores necessários à sua realização (cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade). Em terceiro lugar, a CF/88 exige a busca de fins mais restritos, tais como os estados de moralidade e de publicidade administrativas, que permitem dedudizr os comportamentos necessaries à sua realização e induzir fins maiores que compoem o estado de confiabilidade e de calculabilidade do e pelo ordenamento jurídico. Por fim, a CF/88 prescreve determinados comportamentos cuja adoção produz efeitos que contribuem para a promoção do estado de confiabilidade e de calculabilidade do e pelo ordenamento jurídico, baseado na sua cognoscibilidade. (ÀVILA, 2012, p. 199/200).

Com tais considerações, ÁVILA pretende demonstrar que a par de sua alta complexidade, a construção do princípio da segurança jurídica pode ser explicitada com clareza por meios de operações de simples dedução e indução:

As considerações anteriores destinam-se a demonstrar que a construção do princípio da segurança jurídica, embora altamente complexa, pode ser claramente explicitada por meio de operações dedutivas e induticas reveladoras dos fundamentos de seus elementos estruturantes. Em outras palavras, a CF/88 protege a segurança jurídica de várias formas ao mesmo tempo: protegendo-a diretamente, determinando a busca de ideias que a pressupõem, instituindo ideias que a instrumentalizam ou mesmo prevendo comportamentos necessaries à realização dos ideais parciais que a compõem. (ÁVILA, 2012, p. 200)

Isso quer dizer que o fato de a CF/88 não instituir de forma explícita a segurança jurídica como princípio informador ou (en) formador do ordenamento jurídico brasileiro, que ele não possa ser extraído de diversas passagens da Constituição Federal. Na verdade, a segurança jurídica, com princípio implícito e ínsito à própria ideia de Direito e vista necessariamente como um subprincípio do princípio de Estado de Direito e, sob outra ótica, como um sobreprincípio, realiza-se por meio de diversas outras normas jurídicas constitucionais – regras e princípios – e pode, com facilidade, por meio de processos de dedução e de indução, ser explicitada.

O princípio da segurança jurídica, de fato, encontra seus fundamentos na superestrutura constitucional, assim como na estrutura constitucional.

Segundo o esquema trabalhado por Humberto Ávila (2012), os fundamentos da segurança jurídica na superestrutura e na estrutura constitucional estariam assim dispostos:

5.1 Os fundamentos da segurança jurídica na superestrutura constitucional

Nesse sentido, resulta evidente da análise do arcabouço de regras e princípios consubstanciados na Constituição Federal de 1988, que a segurança jurídica decorre do próprio sistema constitucional como um todo. (ÁVILA, 2012).

A Constituição Federal, segundo Humberto Ávila (2012), teria optado por um sistema de previsibilidade por meio da regulação pormenorizada das competências, das matérias, dos procedimentos e das fontes. Com isso, ela permite que os cidadãos possam saber onde se encontram os limites para o exercício da sua liberdade.

A guisa de ilustração, a segurança jurídica pode ser extraída da superestrutura da Constituição a partir das regras do processo legislativo, da instituição de competências normativas, das regras de procedimento, uma vez que todo esse regramento possibilita ao cidadão ter prévio conhecimento de quem pode editar determinada norma ou regulamento, por qual procedimento essa ou aquela espécie normativa pode vir a lume sob pena de invalidade e qual o conteúdo determinada regra oriunda de determinada fonte poderá conter.

Em particular quanto ao sistema tributário, é possível saber, de antemão, a partir da análise de um conjunto de normas específicas, quais tributos podem ser instituídos, quem poderá institui-los, a partir de quando eles se tornarão exigíveis, quais aliquotas eles poderão adotar e qual a hipótese de incidência, dentre outros pormenores destinados a evitar que o indivíduo seja surpreendido por exações a invadir a sua esfera de liberdades, sem previsibilidade, inteligibilidade, confiabilidade e cognoscibilidade.

5.2 Os fundamentos da segurança jurídica na estrutura constitucional 

5.2.1 Dos fundamentos diretos 
5.2.1.1 Proteção Geral da Segurança Jurídica

Como fundamentos diretos na estrutura constitucional, o princípio da segurança jurídica está consubstanciado tanto no preâmbulo, como no caput, do art. 5°, da CF/88.

Dispõe, com efeito, a CF/88 em seu preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL - grifamos.

É importante observar, prima facie, que o preâmbulo da Constituição Federal não possui força normativa, pois não faz parte do texto constitucional propriamente dito. Mas como muito bem observa ALEXANDRE DE MORAES, o preâmbulo não é juridicamente irrelevante, possuindo o status de elemento de integração e de interpretação:

O preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como documento de intenções do diploma, e consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios que demonstra a ruptura com o ordenamento constitucional anterior e o surgimento jurídico de um novo Estado. É de tradição em nosso Direito Constitucional e nele devem constar os antecedentes e enquadramento histórico da Constituição, bem como suas justificativas e seus grandes objetivos e finalidades. Embora não faça parte do texto constitucional propriamente dito e, consequentemente, não contenha normas constitucionais de valor jurídico autônomo, o preâmbulo não é juridicamente irrelevante, uma vez que deve ser observado como elemento de interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem. […] O preâmbulo constitui, portanto, um breve prólogo da Constituição e apresenta dois objetivos básicos: explicar o fundamento da legitimidade da nova ordem constitucional e explicitar as grandes finalidades da nova Constituição. […] O preâmbulo, portanto, por não ser norma constitucional, não poderá prevalecer contra texto expresso da Constituição Federal, nem tampouco poderá ser paradigma comparativo para declaração de inconstitucionalidade; porém, por traçar as diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da Constituição, será uma de suas linhas mestras interpretativas.(MORAES, 2002, p. 119)

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Maria Sylvia Zanella Di Pietro chama a atenção para o fato de que no preâmbulo, a “Constituição Federal institui um Estado Democrático de Direito destinado a assegurar a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fundada na harmonia social e comprometida com a ordem.“ (DI PIETRO, 2008, p. 296).

Humberto Ávila acrescenta

 “que a segurança jurídica está presente, no mínimo cinco vezes naquela expressão: assegurar significa tornar seguro; segurança quer dizer algum estado digno de proteção; valor é algo digno de ser assegurado; harmonia social revela um estado de estabilidade e de previsibilidade e, portanto, de segurança; e ordem denota, igualmente, um estado desejado de estabilidade e, assim, de segurança. Pode-se dizer com isso que a Constituição como que eleva a segurança à quinta potência, já no seu preâmbulo, ao estabelecer, com redundância enfática, algo como tornar segura a segurança como algo digno de ser assegurado em uma sociedade segura.“ (ÁVILA, 2012, p. 207/208)

Além do preâmbulo, a Constituição ainda prevê, a proteção da segurança jurídica - como fundamento direto  - no caput do art. 5°:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Humberto Ávila assevera que

A previsão da segurança no Preâmbulo e no caput do art. 5o. qualifica-se como proteção da segurança jurídica como segurança do Direito e segurança pelo Direito, do cidadão frente ao Estado, a ser realizada pelo Estado por meio de regras, de atos e de procedimentos capazes de efetivar a segurança como direito individual e como valor social. (ÀVILA, 2012, p. 210).

5.2.1.2 Proteção Pontual da Segurança Jurídica

Ainda adotando como norte o esquema proposto por Ávila (2012), é possível vislmubrar a proteção pontual da segurança jurídica, como fundamento direto, encontrado na estrutura da Constituição Federal.

Em um único dispositivo, inserido recentemente por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, a Magna Carta da República menciona expressamente a segurança jurídica. O artigo 103-A, parágrafo 1°. acha-se assim redigido:

Art.103-A, § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Para Humberto Ávila (2012), a citada expessão tal qual inserta no artigo 103-A, da CF/88, refere-se a dois aspectos materiais principais, à cognoscibilidade do ordenamento jurídico, como exigência de clareza e inteligibilidade das normas e de sua aplicação e à calculabilidade do ordenamento jurídico, como exigência de previsibilidade e de vinculação normativa.

Ainda de forma pontual, na estrutura constitucional, a CF/88 protege um dos efeitos da segurança jurídica, qual seja, a confiabilidade, ao estatuir, no artigo 5°, inciso XXXVI, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. (ÁVILA, 2012)

A proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada é manifestação dos princípios da proteção da confiança e da boa-fé, que, a seu turno, traduzem a eficácia reflexiva do princípio da segurança jurídica, orientada a determinado sujeito e a determinado caso concreto. Ao proteger esses direitos, a CF/88 como que assegurou, por regra, a eficácia reflexiva do princípio objetivo da segurança jurídica. (ÀVILA, 2012, p. 211)

5.2.1 Dos fundamentos indiretos

Segundo Humberto Ávila (2012), os fundamentos indiretos da segurança jurídica na estrutura da CF/88, podem ser obtidos por dedução e por indução. Por dedução, dessume-se os princípios objetivos estruturantes, tais como o Princípio do Estado de Direito (do qual a segurança jurídica, conforme explicitado acima, é naturalmente deduzido), o princípio do Estado Social de Direito e o princípio da divisão funcional dos poderes; o princípio democrático; os princípios subjetivos de liberdade, tanto de caráter patrimonial (princípio da proteção da propriedade, liberdade de exercício da profissão e de atividade econômica, como os não-patrimoniais (princípio da proteção da liberdade, princípio da proteção da família); princípio da igualdade e princípio da dignidade da pessoa humana.

Por indução, sobressaem-se princípios administrativos, como o princípio da moralidade e o princípio da publicidade, princípios procedimentais e regras, como a proibição de modificação constitucional, a legalidade, a anterioridade, a irretroatividade, a proibição de tributo com efeito de confisco, a reserva de lei complementar, atividade financeira do Estado, atividade interventiva do Estado e a legitimação para ações diretas.

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Sobre o autor
Paulo Cesar de Freitas

O autor é Promotor de Justiça em Minas Gerais. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em Direito pela Universidad de Salamanca, na Espanha. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Processual Penal. Professor em cursos de pós-graduação. Publicou, recentemente, o livro "Criminologia Midiática e Tribunal do Júri: a influência da mídia e da opinião pública na decisão dos jurados", da editora Lumen Júris.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Paulo Cesar. O princípio da segurança jurídica e a aplicação de sanções políticas no âmbito do Direito Tributário: possibilidades e consequências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4977, 15 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55835. Acesso em: 26 abr. 2024.

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