Resumo: O trabalho apresentado tem por escopo analisar se o estabelecimento de sanções políticas em matéria tributária, por meio de lei específica, viola o princípio da segurança jurídica. Como pressuposto para o cumprimento do objetivo específico do presente trabalho, serão analisados os fundamentos da segurança jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, se ela se apresenta com um princípio explícito ou implícito, se possui força normativa e qual o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria.
Palavras-chave: segurança jurídica - princípios - força normativa dos princípios - sanções políticas - inconstitucionalidade.
1 Introdução
A supressão de direitos individuais por parte do Estado, em especial daqueles direitos insertos no rol dos Direitos Fundamentais, só será admissível se fruto de fundamentação racional e verticalmente compatível com o sistema constitucional vigente.
Mas medidas instituídas pelo Poder Público que importem na inibição ou extinção de direitos do administrado somente serão tidas como compatíveis com a Constituição se, a par da observância de seus mais diversos preceitos normativos, implícitos ou explícitos, tiverem como formal fiador o sobreprincípio da segurança juridica.
Fundamentado pela própria ideia de Direito, o princípio da segurança jurídica é de há muito considerado como elemento constitutivo do próprio Estado de Direito.
Nas relações entre os administrados e o Poder Público, é imprescindível o primado da confiança e da previsibilidade, de sorte a evitar surpresas e a impedir que o indivíduo fique à mercê da oportunidade e da conveniência do Administrador sem que lhe seja possibilitado o conhecimento antecipado dos atos da Administração Pública que atinjam a sua mais íntima esfera de liberdades. Se essa segurança, confiança e previsibilidade são imprescindíveis nos relacionamentos entre Administração e administrados no âmbito geral, em particular na seara tributária apresentam-se como pressupostos inarredáveis da convivência hamoniosa entre o publico e o privado.
Não obstante, na esfera tributária não são raras as incursões do Poder Público no âmbito das liberdades individuais, quer de forma escancarada ou dissimulada. Incursões estas marcadas, amiúde, por verdadeira burla às regras e princípios plasmados na Constituição Federal e destinados a proteger a segurança juridíca em suas mais diversas facetas. São exemplos destas aribitrariedades estatais, o estabelecimento, pelos entes federativos, de meios coercitivos indiretos de cobrança de tributos ou de meios indiretos de inibição da inadimplência das mais diversas exações fiscais.
O presente trabalho tem por objeto de pesquisa, inicialmente, analisar se o princípio da segurança juridica encontra previsão no ordenamento jurídico brasileiro, se é ele reconhecido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e se possui força normativa capaz de vincular os atos do Poder Público, no geral, e em especial, em matéria de Direito Tributário. Em um segundo momento, cingir-se-á o objetivo específico do presente trabalho a perquirir se os meios de cobrança indiretos de Tributos, conhecidos como sanções políticas, malversam direta ou reflexamente o princípio da segurança jurídica.
O presente trabalho, que não tem a pretensão de esgotar o tema, será desenvolvido a partir da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, de caráter dogmático e com base no método dedutivo.
2 O Conceito de Princípio
Antes da análise específica do enquadramento da segurança juridíca como um princípio, torna-se necessária a exata compreensão da expressão princípio.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2012, p. 450), princípio jurídico é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
Humberto Ávila (2003, p. 119) acentua que os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o Estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. Segundo o consagrado doutrinador,
Os princípios jurídicos são aquelas normas que estabelecem um estado ideal de coisas para cuja realização é necessária a adoção de comportamentos que provocam efeitos que contribuem para a sua promoção. Daí se afirmar que eles envolvem um fim (estado de coisas) e meios (condutas necessárias à sua promoção). Em uma simples ilustração, para garantir um estado de moralidade é preciso adotar condutas sérias, leais, motivadas e contínuas. Em suma, para atingir o fim é necessário escolher comportamentos cujos efeitos constribuam para a sua promoção. Pode-se, por isso, asseverar que o modelo de princípios pode ser simbolizado pela expressão para, então é preciso. (ÀVILA, 2012, p. 119).
Luis Roberto Barroso, ao lecionar sobre as diferentes funções das normas constitucionais, confere aos princípios status de norma, ao lado das regras, definindo-os como normas centrais do ordenamento jurídico e não simplesmente como fontes secundárias e subsidiárias do Direito:
Os princípios – notadamente os princípios constitucionais – são a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Em sua trajetória ascendente, os princípios deixaram de ser fonte secundária e subsidiária do Direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico. De lá, irradiam-se por todo o ordenamento, influenciando a interpretação e aplicação das normas jurídicas em geral e pemitindo a leitura moral do Direito. ( BARROSO, 2013, p. 226)
Na clássica definição de Robert Alexy, os princípios constituiriam verdadeiros mandados de otimização, a ordenar que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes:
Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que puden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no solo depende de las posibilidades reales sino también de las juridicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos. (ALEXY, 1997, p. 86)
3 A distinção entre Princípios e regras e a força normativa dos princípios
Consoante a lição de Luís Roberto Barroso (2013, p. 226), após longo processo evolutivo, consolidou-se na teoria do Direito a ideia de que as normas jurídicas são um gênero que comporta, em meio a outras classificações, duas grandes espécies, as regras e os princípios. Em outras palavras, princípio seria uma subspécie do gênero norma, possuindo, portanto, força normativa e não meramente programática, assim como as regras, embora destas últimas se diferencie:
Tal distinção tem especial relevância no tocante às normas constitucionais. O reconhecimento da distinção qualitativa entre essas duas categorias e a atribuição de normatividade aos princípios são elementos essenciais do pensamento jurídico contemporâneo. ( BARROSO, 2013, p. 226)
Para Robert Alexy (1997, p. 86), em sua clássica teoria dos direitos fundamentais, a distinção entre princípios e regras, ambos como categorias, espécíes do gênero normas jurídicas, é ponto fulcral e decisivo a fim de caracterizar o princípio não como uma mera aspiração a ser observada pelo operador do Direito de acordo com sua livre oportunidade e conveniência, mas como verdadeira norma, mandado de otimização, de observância cogente:
El punto decisive para la distinction entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenam que algo seja realizado na mayor medida possible […] (ALEXY, 1997, p. 86)
Humberto Ávila (2003), de igual forma, reconhece a diferença entre regras e princípios, a subsunção de ambos ao gênero norma juridica e a importância dessa distinção.
Canotilho conceitua os princípios jurídicos - os quais diferencia de princípios hermenêuticos - ao mesmo tempo em que os distingue das regras:
Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proibem) que é ou não cumprida […]; a convivência dos princípios é conflitual, a convivência das regras é antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. Consequentemente, os princípios, ao constituírem exigencias de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à lógica do tudo ou nada) consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos. (CANOTILHO, 2000, p. 1.124)
Para a diferenciação entre regras e princípios no plano concreto, a doutrina se vale de inúmeros critérios. Barroso aponta os três critérios que segundo sua ótica seriam primordiais para a distinção: a) o conteúdo; b) a estrutura normativa; c) o modo de aplicação. Em seguida, esclarece que, a par da relevância dos demais parâmtetros diferenciadores, no modo de aplicação é que residiria a principal distinção:
É, todavia, no modo de aplicação que reside a principal distinção entre regra e princípio. Regras se aplicam na modalidade tudo ou nada: ocorrendo o fato descrito em seu relato ela deverá incidir, produzindo o efeito previsto […] Por isso se diz que as regras são mandados ou commandos definitivos: uma regra somente deixará de ser aplicada se outra regra a excepcionar ou se for inválida. Como consequencia, os direitos nela fundados também serão definitivos. Já os princípios indicam uma direção, um valor, um fim. Ocorre que, emu ma ordem juridical pluralista, a Constituição abriga princípios que apontam em direções diversas, gerando tensões e eventuais colisões entre eles […] Como todos esses princípios têm o mesmo valor jurídico, o mesmo status hierárquico, a prevalência de um sobre o outro não pode ser determinada em abstrato; somente à luz dos elementos do caso concreto sera possível atribuir maior importância a um do que a outro. Ao contrario das regras, portanto, princípios não são aplicados na modalidade tudo ou nada, mas de acordo com a dimensão de peso que assumem na situação específica. Caberá ao intérprete proceder à ponderação dos princípios e fatos relevantes, e não a uma subsunção do fato a uma regra determinada. ( BARROSO, 2013, p. 230/231)
Inarredável, portanto, a conclusão de que os princípios se diferenciam das regras, constituindo, assim como estas, espécie do gênero norma juridica, possuindo, pois, força normativa. Não se tratam, assim, os princípios, de meras cartas programáticas que podem ou não ser observadas pelos aplicadores do Direito. São normas, então, que orientam a atividade do intérprete, do Juiz, do legislador e de todos os demais aplicados do Direito e irradiam seus efeitos por todo o ordenamento jurídico. E os mandados extraídos de seus conteúdos devem ser cumpridos da forma que mais se aproximar do ótimo, tendo sempre em conta o caso concreto a que são chamados a regular.
As normas constitucionais – princípios e regras – conforme adverte Luís Roberto Barroso (2013, p. 78), como qualquer outra norma contêm um mandamento, uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral. Assim, tem-se que, a inobservância dos princípios, como normas constitucionais que são “há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a imperatividade, inclusive pelo estabelecimento das consequências da insubmissão ao seu comando“. (BARROSO, 2013, p. 78)
4 A segurança jurídica como princípio
4.1 Do conceito de segurança jurídica
Tendo como norte os conceitos de princípio acima expostos e a conclusão de que o princípio é espécie do gênero norma juridica e se diferencia substancialmente da regra juridíca, cabe indagar se a segurança jurídica se trata de um princípio e se ela assume, no ordenamento jurídico brasileiro, esta condição.
Para responder à questão sobre se a segurança jurídica pode ser erigida à categoria de princípio, é mister que antes se compreenda o sentido e o alcance da expressão “segurança juridica“. Adianta-se que conceituar a expressão “segurança jurídica“ não constitui uma tarefa simples, quer em razão da polissemia da expressão, quer em razão da vagueza com que o termo é empregado nos mais diversos estudos ao longa da história do Direito, quer, sobretudo, em face da postura adotada pelos mais diversos estudiosos do assunto que acabam por enfrentar o tema sob as suas mais diversas significações.
O que interessa, no entanto, para o objeto deste trabalho, é a definição estrita da expressão segurança jurídica, no aspecto que mais se aproxima do ponto de vista normativo da expressão. Contentar-se-á, portanto, com as definições de autores que mais recentemente se entregaram ao estudo do tema com ênfase em seu aspecto normativo.
Tércio Sampaio Ferraz (2014, p. 115), enfatiza que a segurança jurídica se traduz em um complexo de exigências, tais como exigência de durabilidade da norma, da anterioridade das leis e de sua irretroatividade, da igualdade na lei e perante a lei, de instituições dotadas de competência delimitada, sujeitas ao princípio da legalidade. Para o renomado autor, segurança jurídica é um direito fundamental que tem estreita relação com a noção de Estado de Direito na velha tradição do constitucionalismo francês.
Para Carmem Lúcia Antunes da Rocha, Ministra do Supremo Tribunal Federal brasileiro, a segurança jurídica pode ser definida como o direito da pessoa à estabilidade em suas relações (ROCHA, 2004, p. 168).
O constitucionalista José Afonso da Silva (1990, p. 373), a seu turno, apresenta como característica principal da segurança jurídica, o fato de possibilitar às pessoas o conhecimento antecipado das consequências de seus atos e, mais do que isso, a possibilidade de se poder refletir, de forma antecipada, sobre esses atos e suas possíveis consequências. Outra importante condição da segurança jurídica para o prestigiado autor, residiria na circunstância de poder o indivíduo gozar da certeza de que determinada relação realizada sob a égide de uma lei perduraria mesmo diante da revogação da referida espécie normativa:
A segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexico das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Uma importante condição da segurança jurídica está na relative certeza que os indivíduos tem de que as relações reaslizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída. (SILVA, 1990, p. 373)
Humberto Ávila (2012), no entanto, adverte que existem inúmeros trabalhos que se propõem a enfrentar o tema da segurança jurídica. Não obstante isso, a imensa maioria desses trabalhos é falha ou incompleta, uma vez que o estudo da segurança juridica em regra é realizado de maneira muito ampla, sem que sejam apontados os critérios adequados à sua efetivação prática. O autor acentua, outrossim, que o termo segurança jurídica padece de uma definição ou conceituação sólida ou coerente, especialmente porque a expressão segurança jurídica é utilizada com variada significação, sendo o motivo mais evidente para tanto a polissemia da palavra segurança e da expressão em exame.
Ao situar a segurança como norma princípio e pretender emprestar-lhe uma definição preliminar, Humberto Ávila obtempera que:
“Não se pode confundir a segurança jurídica como fato (dimensão fática), como valor (dimensão estritamente axiologica) e como norma (dimensão normativa). […] Trata-se de planos diferentes, sujeitos a juízos diversos: segurança jurídica como fato é a capacidade de prever uma situação de fato; segurança jurídica como valor é a manifestação de aprovação ou de desaprovação a respeito da segurança jurídica. (ÁVILA, 2012, p. 116)
Relativamente ao plano que mais de perto interessa ao presente trabalho, Humberto Ávila sustenta:
A segurança jurídica como norma é a prescrição para adoção de comportamentos destinados a assegurar a realização de uma situação de fato de maior ou menor difusão e a extensão da capacidade de prever as consequencias jurídicas dos comportamentos. Enfim, uma coisa é o estado de fato indicador da possibilidade de o cidadão antecipar efeitos juridicos de atos presentes; outra é a norma que prescreve que a instituição e a aplicação de normas sejam realizadas de maneira a incrementar a capacidade de o cidadão antecipar efeitos jurídicos futuros de atos presentes: enquanto lá a segurança jurídica refere-se a um fato, aqui ela diz respeito a uma norma princípio. (ÁVILA, 2012, p. 116)
Após adotar uma definição preambular mínima de segurança jurídica, Ávila (2012) apresenta como sendo os seus três eixos, a inteligibilidade, a confiabilidade ou seriedade e a calculabilidade do Direito. E acrescenta:
A noção de segurança jurídica está atrelada, assim, às ideias de estabilidade e de previsibilidade. Desse modo, é preciso, a partir desse ponto de referência inicial, buscar na CF/88 as normas jurídicas que prevejam diretamente os meios para alcançar esse estado de confiabilidade e de calculabilidade (regras) ou que apontem para esses estados, deixando para o aplicador escolher os meios dentre aqueles necessários à sua realização (princípios). Nesse quadro, pode-se construir um arquétipo normativo revelador – com a permissão para a metáfora – dos vários afluentes normativos que formam e definem o grande rio da segurança jurídica. O importante, por ora, é constatar que a segurança jurídica não necessariamente carece de um suporte escrito, o que de nenhuma maneira lhe retira o fundamento constitucional. (ÀVILA, 2012, p. 198)
4.2 A segurança jurídica como princípio
De tudo que se expôs até o momento, é forçoso concluir que a segurança jurídica qualifica-se com um verdadeiro princípio. Ela pode facilmente ser compreendida como um mandado de omitimização inserto no núcleo do sistema jurídico, capaz de lhe conferir um sentido harmônico. Também é possível afirmar que a segurança jurídica é dotada de potencial para estabelecer fundamentos normativos para a interpretação e para a aplicação do Direito e dela pode decorrer direta ou indiretamente normas de comportamento. Possui, portanto, a segurança jurídica, os caracteres basilares para que seja inserida na condição de norma jurídica (princípio).
Segundo Hans Kelsen, o princípio do Estado de Direito é, no essencial, o princípio da segurança jurídica. Para autor da teoria pura do Direito, o Estado de Direito seria
O princípio que se traduz em vincular a decisão dos casos concretos a normas gerais, que hão de ser criadas de antemão por um órgão legislativo central, também pode ser estendido, de modo consequente, à função dos órgãos administrativos. Ele traduz, neste seu aspecto geral, o princípio do Estado-de-Direito que, no essencial, é o princípio da segurança jurídica. (1991, pág. 269)
Na mesma esteira do entendimento esposado por Hans Kelsen, do qual se dessume que o princípio da segurança jurídica é essenciamente o princípio do Estado de Direito, Tércio Sampaio Ferraz (2014, p. 115) e JJ. Gomes Canotilho (2000, p. 256) apontam a segurança jurídica como um dos elementos constitutivos do Estado de Direito. De acordo com o conceituado jurista português, o princípio da segurança jurídica é, de fato, um subprincípio, ainda que não expresso, do princípio do Estado de Direito:
O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. (CANOTILHO, 2000, p. 256)
Após analisar a segurança jurídica em suas mais diversas acepções, Humberto Ávila detém-se em exaustivo e substancioso trabalho que tem como objeto a segurança jurídica reconhecida como uma norma-princípio. Enfatiza o autor que a segurança jurídica vista nesta acepção, diz respeito a um estado de coisas que deve ser buscado mediante a adoção de condutas que produzam efeitos que contribuem para a sua promoção. Estudando a segurança jurídica sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, o autor conclui que se insere ele, inegavelmente, na categoria de um princípio, ainda que implícito e decorrente da atuação de diversas outras normas que operariam para realizá-la. (ÁVILA, 2012, p. 115)
4.3 A segurança jurídica como (sobre) princípio
Na esteira dos argumentos esposados, a segurança jurídica apresenta-se como um princípio, uma subspécie do gênero norma jurídica. Princípio este, como visto, que decorre logicamente do próprio Estado de Direito, chegando a ser apontado por alguns autores (Kelsen, Canotilho, Tércio Sampaio Ferraz, dentre outros) como um subprincípio do princípio do Estado de Direito.
Mas seria o princípio da segurança jurídica uma norma como outra qualquer, dentre aquelas portadoras de valores importantes ou existiria mesmo em razão da conjunção de outras normas, de outos princípios? O questionamento que ora se traz a lume é: é a segurança jurídica um princípio ou um sobreprincípio? Sobreprincípio é, em linhas gerais, aquela norma que não aparece explicitamente em determinado sistema jurídico, mas que realiza-se pela atuação de outros princípios, tal como ocorre, a guisa de exemplo, com o primado da Justiça, com o princípio da igualdade entre os entes federativos em material tributária. (CARVALHO, 2007).
Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 17) ostenta a tese de que o princípio da segurança jurídica seria, na verdade, por excelência, um sobreprincípio. Para o autor, não se tem notícia de algum ordenamento que contenha a segurança jurídica como regra explícita. “Efetiva-se pela atuação de princípios, tais como o da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade da jurisdição e outros mais.“ (CARVALHO, 2007, p. 17).