Desde 2012, algumas instituições bancárias oferecem em seu pacote de serviços “Depósito de cheque via smartphone”, ou seja, depósito via foto de celular. Segundo informações em seus sites e “Termo de Adesão”, os requisitos e procedimentos para sua utilização são simples:
1. Ser correntista e se cadastrar na agência;
2. Preenchimento nominal, especificando agência e conta para depósito no verso;
3. Cruzar o cheque com a inscrição “Banco X” entre as linhas;
4. Tirar foto da frente e do verso do cheque;
5. Envio pelo aplicativo;
O “Termo de Adesão” estabelece que o cheque deve ser destruído pelo próprio portador depositante no prazo de 8 (oito) dias após sua compensação, assumindo responsabilidade pela guarda e custódia da cártula, na condição de fiel depositário.
Estabelece ainda que fica terminantemente proibido ao portador repassar a folha de cheque para terceiros, eximindo-se a instituição bancária de toda e qualquer responsabilidade de danos que estes venham a sofrer.
Regulado pela Lei 7.357 de 1985, o cheque é ordem de pagamento à vista com expressa possibilidade de endosso. Desta forma, o cheque literalmente se transforma em dinheiro, percorrendo por muitas vezes um longo caminho até chegar ao destinatário final, ou seja, aquele que finalmente o liquidará.
Quando o cheque é depositado diretamente na agência bancária, esta, ao recebê-lo, carimba a frente e o verso, forma irrefutável de demonstrar que a cártula já foi levada à compensação.
A problemática encontrada em relação a esta nova tecnologia envolve o terceiro de boa-fé que recebe um cheque já depositado e liquidado via smartphone, pois, consequentemente, ao depositá-lo, este não será compensado em razão de sua liquidação anterior.
Em geral, comerciantes se utilizam de programas pagos de banco de dados para consultar a confiabilidade do emitente do cheque, inclusive serviços mais avançados checam especificamente se determinada folha de cheque foi sustada, fraudada ou com qualquer outra ocorrência.
Ocorre que as instituições bancárias não disponibilizam local específico para a referida consulta em seus sites e até mesmo em suas agências físicas, não havendo condições para o terceiro adquirente da cártula executiva verificar eventual suspensão de sua exigibilidade.
Muito embora o depósito “online” seja um avanço para revolucionar as relações bancárias, falta por parte da referida instituição bancária um mecanismo eficiente para coibir o mau uso de seus serviços.
De acordo com o “Termo de Adesão”, o terceiro de boa-fé, que sequer anuiu com referido termo, deve socorrer-se tão somente do portador anterior do cheque, que por sua vez depositou em sua conta e depois repassou, ou seja, um estelionatário.
Entretanto, a interpretação do Código de Defesa do Consumidor torna inviável conduta tão abusiva perante o terceiro de boa-fé, ora consumidor.
Muito embora o referido diploma legal disponha em seu artigo 14°, §3°, II que o fornecedor do serviço não responde no caso de culpa exclusiva de terceiro, necessária a ponderação, pois deve proporcionar um mínimo de condições para evitar este crime, o que não é o caso, pois, como já mencionado, não há qualquer mecanismo para tanto.
O Superior Tribunal de Justiça, em seu verbete 479 sumulou que “as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Verifica-se ainda claro abuso no “Termo de Adesão”, que afasta de si toda e qualquer responsabilidade, ferindo duramente o destinatário final do serviço.
O adquirente de boa-fé do cheque já liquidado é sem dúvida a parte mais vulnerável desta relação jurídica, não podendo arcar com falhas tecnológicas e operacionais do fornecedor, devendo este responder solidariamente com o portador de má-fé por todos os prejuízos sofridos pelo terceiro de boa-fé, nos moldes propostos neste artigo.