O incidente da desconsideração da personalidade jurídica aduzido pelo novo CPC aplicado ao Processo do trabalho

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18/02/2017 às 10:26
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O presente artigo foi apresentado como TCC ao Centro Universitário São Camilo e versa sobre a analise do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, trazido pelo novo CPC, e sua aplicação ao processo do trabalho, somo sugere a IN 39 do TST.

1     INTRODUÇÃO

Quando falamos em Pessoa Jurídica vamos imaginar uma empresa, constituída de acordo com a legislação brasileira para exercer algum tipo de atividade comercial, com sede física, empregados e formado por um grupo societário que tem um mesmo propósito e interesse.

Devemos pensar, também, que é comum no âmbito comercial a existência de riscos que podem comprometer o investimento e o patrimônio da empresa e que, o nosso ordenamento jurídico dispõe de mecanismos que limitam a responsabilidade dos sócios, frente as obrigações adquiridas pela empresa.

As pessoas físicas, que compõem o grupo societário de uma pessoa jurídica, são coexistentes e consubstanciais. Ou seja, há uma distinção entre a pessoa jurídica e os membros da sociedade que a compõe, fazendo com que os bens da empresa não se confundam com os dos sócios.

Tal distinção, feita pela legislação, tem a intenção de incentivar as pessoas a enfrentar os ímpetos do comércio e investir no próprio empreendimento, e assim fomentar a economia e o comércio local, assegurando aos sócios que seus bens particulares não serão atingidos caso tal investimento fracasse.

Contudo, atualmente nossa legislação conta com meios de se garantir essa distinção e evitar as fraudes e abusos. Um desses meios é desconsiderando a personalidade da jurídica, onde a intenção principal é atingir os bens dos sócios para saldar dívidas contraídas pela empresa, quando esta não tiver bens suficientes para a quitação da mesma.

Notaremos que a desconsideração será da personalidade jurídica e não da pessoa jurídica, bem como será um ato específico e temporário, ou seja, não irá pôr fim a sociedade empresarial.

No decorrer deste trabalho veremos que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica também pode ser utilizado para o inverso, isto é, os bens pertencentes a uma empresa poderão ser atingidos para saldar dívidas dos seus sócios.

A desconsideração da personalidade jurídica passou a ser um instrumento de grande valia para as relações comerciais, tanto que a primeira lei nacional, ainda vigente, que aborda a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é a Lei 8078/90, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A intenção do CDC em abordar a desconsideração da personalidade jurídica foi proteger o consumidor de abusos de direitos, excesso de poder e infração à lei, praticados por pessoas jurídicas.

Durante muito tempo a Justiça do Trabalho utilizou a desconsideração da personalidade jurídica, justificando sua aplicação no artigo 28, §5 do CDC, haja vista que a Consolidação das Leis do Trabalho não regulamentar a matéria, igualando, por analogia, a vulnerabilidade do consumidor e a hipossuficiência do empregado.

Porém, esta aplicação não seguia um parâmetro que indicasse em quais casos seriam desconsiderados a personalidade da pessoa jurídica ou até mesmo um rito para tal feito.

No ano de 2015 a Lei 13.105, que deu nova redação para o Código de Processo Civil, trouxe normas para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica para o processamento de ações na justiça civil.

Pelo fato de a Consolidação das Leis do Trabalho não tratar, também, da parte processual da desconsideração da personalidade jurídica o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu, por meio da Instrução Normativa 39/2016, a aplicação de forma integral do instituto, iniciando-se, então, uma discussão doutrinária.

Alguns pensadores defendem a aplicação ipsis litteris da desconsideração da personalidade jurídica, abordada no novo CPC para o processo do trabalho, outros entendem que deveria haver algumas adaptações para a realidade do processo do trabalho.

É com base nisso que a presente pesquisa se desenvolve, analisando o incidente da desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos artigos 133 a 137 do Novo Código de Processo Civil, e sua aplicação ao processo do trabalho, conforme determina a Instrução Normativa 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho.

Abordará, também, o procedimento e fundamentação utilizado no Processo do Trabalho antes da instrução normativa 39/2016 do TST. Análise da doutrina e entrevista com advogado, juiz e procurador do trabalho, para saber deles qual é seu parecer sobre o tema.

Contudo, antes de tomarmos uma abordagem mais técnica do assunto, vamos dar destaque ao histórico e desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, bem como o seu surgimento e evolução no Brasil.

2     CONSIDERAÇÕES HISTORICAS

Os primeiros doutrinadores a pensar sobre os abusos da personalidade jurídica foram Rolf Serick e Piero Verrucoli[1].

Apesar de ter raízes ligadas ao sistema jurídico norte-americano, foi o professor alemão Rolf Serick que, em 1958[2], comparando as jurisprudências norte-americanas e alemãs chegou à definição de parâmetros para a aplicação da então denominada ‘Disregard of legal entity’[3] ou ‘Lifting the corporate veil’[4].

Já o professor italiano Verrucoli[5], concentrou-se em comparar as aplicações nos sistemas Commom Law e Civil Law, em sua monografia com o tema, Il superamento della personalità giuridica delle società di capitali nella ‘Commom Law’ e nella ‘Civil Law[6].

Ao analisar os estudos dos doutrinadores Serick e Verrucoli e, tomando como base o ordenamento jurídico brasileiro, o professor Rubens Requião se questionou:

Se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas que a compõem, pois são personalidades radicalmente distintas; se patrimônio da sociedade personalizada é autônomo, não se identificando com o dos sócios, tanto que a cota social de cada um deles não pode ser penhorada em execução por dívidas pessoais, seria então fácil burlar o direito dos credores, transferindo previamente para a sociedade comercial todos os seus bens. Desde que a sociedade permanecesse sob o controle desse sócio, não haveria inconveniente ou prejuízo para ele que seu patrimônio fosse administrado pela sociedade, que assim estaria imune às investidas judiciais dos seus credores.[7]

Rubens Requião, em sua obra, a qual qualifica como sendo uma das pioneiras no Brasil ao tratar sobre esta tese, disse ter o júbilo de apresenta-la pela primeira vez[8], traduzindo e batizando-a do modo que ainda hoje conhecemos.

A doutrina desenvolvida [...], visa a impedir a fraude ou abuso através do uso da personalidade jurídica e é conhecido pela designação ‘disregard of legal entity’ ou também ‘lifiting the corporate veil’.[...] Acreditamos que não pecaríamos se traduzíssemos as expressões referidas como ‘Desconsideração da Personalidade Jurídica’ ou ainda, como ‘Desestimação da personalidade jurídica’[...].[9]

Para Bastos outro autor que não podemos esquecer é Fabio Ulhôa Coelho, segundo ela, “assim como fez Requião, (Coelho) tomou como ponto de partida as obras de Serick e Verrucoli, contribuindo para o debate com a formulação de duas teorias conhecidas como teoria maior e teoria menor[10]. Teorias estas que abordaremos em capítulos seguintes.

Apesar da teoria ter se desenvolvido na América do Norte e Alemanha, um dos casos mais famosos de desconsideração da personalidade jurídica foi o caso britânico do comerciante Aaron Salomon, como conta Georgia Raad[11].

No final do século XIX, o empresário Aaron Salomon era proprietário de uma pequena fábrica de botas de couro. Com o crescimento do negócio Aaron, resolveu, então, registrar sua empresa. Porém a lei britânica da época exigia, para que houvesse o registro, que a empresa fosse composta por pelo menos sete sócios.

Então seus cinco filhos e sua esposa passaram a ingressar, junto com ele, o quadro societário da empresa Salomon Co Ltda, criada para dar seguimento à fábrica de calçados. Segundo Raad:

O Sr. Salomon, pessoa física, emprestou para empresa £20.000, equivalentes a £1 cada ação, para que esta pudesse iniciar suas atividades com capital. Dessa forma, a empresa deu uma promessa de pagamento preferencial ao Sr. Salomon, ficando ele como credor primário, caso a empresa se tornasse insolvente.[12]

Os anos seguintes não foram tão produtivos para a pequena fábrica de botas que, em estado de insolvência, fora indicado um administrador judicial para liquidar os bens da empresa e pagar os credores.

A partir deste momento foi verificado que nenhum credor da empresa Salomon Co iria receber seus valores correspondentes, uma vez que o primeiro credor era o Sr. Salomon, e os bens da fábrica não seriam suficientes para solver todas as dívidas.

Então, no ano de 1895, o caso chegou à Corte Britânica, para decidir sobre o pedido dos credores, que seria utilizar os bens do Sr. Salomon para quitar as dívidas de sua empresa. A Corte manteve, então, sua atenção voltada sobre as intenções do legislador e do Sr. Salomon, que se utilizou de membros de sua família para ingressarem o quadro societário da empresa e assim burlar a lei.

Segundo Raad, a juíza Lindley enfatizou que o companies act[13] foi utilizado com um propósito adverso da intenção legal, que seria a obrigação da empresa ser composta por sete sócios a fim de se evitar fraudes, conforme as palavras da juíza: “o esquema do Sr. Aaron Salomon é um instrumento para fraudar credores[14].

Desse modo a Corte Britânica entendeu que o Sr. Salomon agiu de má-fé quando utilizou membros de sua família para ingressarem o quadro societário da empresa e assim burlar a lei. Decidiram, então, por levantar o véu corporativo e buscar os bens pessoais da família Salomon para saldar dívidas com os credores.

Raad conta ainda que:

Em 1897, o caso foi para a House of Lords (hoje a suprema corte inglesa) [...]. Enquanto a Corte de Apelação voltou sua atenção para a intenção do legislador ao criar a regra que o Sr. Salomon teria infringido, a House of Lords desconstruiu esta ideia, assegurando a aplicação restrita da norma legal.

A Corte Suprema confirmou que a incorporação criaria uma nova realidade fática, e que se possibilitada esta pela norma, fazer negócios neste formato não resultaria em infração e muito menos em alguma injustiça para terceiros, conforme afirma Lord Halsbury, um dos juízes da Corte, sobre os terceiros de boa-fé: “Eles tem apenas eles mesmos para culpar pelo seu infortúnio.”[15]

É certo dizer que, por fim, o caso Aaron Salomon vs Salomon Co Ltda. não caracterizou, fielmente, a desconsideração da personalidade jurídica, uma vez observado que a Suprema Corte Inglesa, restringindo sua visão à lei, entendeu que a empresa fora composta dentro dos requisitos legais e, por isso Aaron Salomon não deveria responder pela falência e pelas dívidas da Pessoa Jurídica.

Não vamos estender tal assunto apenas expondo casos, porém, há mais dois que devemos destacar: Primeiro o caso norte-americano, First National Bank of Chicago vs F.C. Trebein Company, trazido por Requião.

[...] Trebein, um devedor insolvente, fundou uma Pessoa Jurídica com sua esposa, sua filha, seu genro e seu cunhado, e nela integrou todo seu patrimônio. De 600 ações da empresa somente 4 não pertenciam a Trebein. Seus credores investiram judicialmente contra o patrimônio social, sendo-lhes oposta a objeção de que a pessoa jurídica e os acionistas eram diferentes sujeitos de direto. A fraude não venceu, e a empresa foi penetrada para fazer valer contra ela o direito dos credores particulares de Trebein.[16]

Observando o caso acima destacamos que, implicitamente, os norte-americanos decidiram, ainda que sem nomenclatura à época, a Desconsideração Inversa. Uma vez que a empresa foi penetrada e teve seu patrimônio atingido para satisfação de débito de um de seus sócios.

Casos como estes alertaram a comunidade jurídica e mudaram a visão jurisprudencial e doutrinária de todo o Direito, fazendo com que os juízes e tribunais passassem a analisar não somente as leis, mas também analisassem a intenção dos agentes.

O segundo caso a citar, como sendo um dos primeiros casos de desconsideração inversa da personalidade jurídica no Brasil, é o Saraiva S.A vs Hospital Coração de Jesus S.A, em 1972, por haver completa confusão do patrimônio da pessoa física do executado com o do embargante, o que resultou evidente prejuízo para quem contratou com aquele.[17]

Na situação, ainda sem positivação em nosso ordenamento jurídico, foram penhorados bens do Hospital, como televisão, vitrola e geladeira doméstica, para quitação de dívida de um de seus diretores, sob a justificativa de que são “bens que não podiam ter sido adquiridos para um hospital”[18]. Assim foi a decisão do Tribunal de São Paulo, na Apelação Cível número 9.247.

Para podermos falar em desconsideração da personalidade jurídica, nos próximos capítulos, devemos primeiramente entender o que é Personalidade Jurídica, conforme preceitua o Direito Civil.

O professor Carlos Roberto Gonçalves conceitua da seguinte forma.

Consiste num conjunto de pessoas ou de bens dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei para a consecução de fins comuns. Pode-se afirmar, pois, que pessoas jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações.

A principal característica das pessoas jurídicas é a de que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que as compõem [...][19]

Maria Helena Diniz, explica o termo Pessoa Jurídica desse modo:

É o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção da decisão judicial.[20]

Destarte, podemos dizer que o Direito Civil, ao atribuir Personalidade à Sociedade, conferiu-lhe o direito de adquirir bens, dívidas, realizar atividades mercantis, postular em juízo, enfim, todos os direitos e deveres de uma pessoa física, conforme dita o artigo 1022 do Código Civil: “A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador”.[21]

Sobretudo, devemos distinguir Despersonalização de Desconsideração da personalidade jurídica, onde a primeira visa por fim, dissolver, extinguir a personalidade jurídica da pessoa jurídica ou cassar sua autorização para funcionamento.

Já a segunda, para Comparato, “subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, mas essa distinção é afastada, provisoriamente e tão só para o caso concreto”[22]. Por tanto, os assuntos dos temas a seguir tratam de Desconsideração da personalidade jurídica.

Temos, necessariamente, que falar da execução no processo do trabalho, haja vista que a desconsideração da personalidade jurídica será, na maioria das vezes, aplicada em fase executória.

Em síntese, executar nada mais é do que forçar o devedor a cumprir obrigação contraída em título judicial ou extrajudicial não satisfeita voluntariamente. Nestes termos ensina Schiavi.

No nosso sentir, a execução trabalhista consiste num conjunto de atos praticados pela Justiça do Trabalho destinado à satisfação de uma obrigação consagrada num titulo executivo judicial ou extrajudicial, da competência da Justiça do Trabalho, não voluntariamente satisfeita pelo devedor, contra a vontade desse ultimo.[23]

Entende-se como título executivo judicial o que é formado “pelo juiz, por meio de atuação judicial, ao qual este profere sentença”[24], já o título executivo extrajudicial é formado pela “vontade das partes ao celebrarem relação jurídica, de direito material, sem necessidade de intervenção da justiça”[25], como por exemplo o cheque ou uma nota promissória.

Para melhor entendermos a execução trabalhista, temos alguns princípios assim divididos por Saraiva e Manfredini.

O Princípio da igualdade de tratamento entre as partes está assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988, porém deve ser observada a posição de superioridade do devedor que, na maioria das vezes, são empresas.

O Princípio da utilidade para o credor defende que este não utilize a execução “apenas para acarretar danos ao devedor, quando o patrimônio do executado não for suficiente para suportar a dívida.”[26]

O Princípio da não prejudicialidade do devedor defende o artigo 805 do Novo CPC que determina se o exequente tiver vários meios de promover a execução, “o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”.[27]

Um dos diferenciais do processo do trabalho, comparado ao processo civil, é a capacidade de o juiz poder promover a execução ex oficio[28], ou seja, sem que a parte o provoque, isso porque o crédito trabalhista tem natureza alimentar e deve ser executado mais rapidamente que qualquer outro.

Vale ressaltar que, como já dito por Requião[29], a desconsideração da pessoa jurídica não irá acontecer em todos os casos de execução, respeitando o princípio da não prejudicialidade.

Veremos nos próximos capítulos como o ordenamento jurídico brasileiro assumiu a desconsideração da personalidade jurídica e, por fim, a aplicação no processo do trabalho.

3     O INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Como vimos a pessoa jurídica tem personalidade distinta dos sócios que a compõem e bens autônomos, fazendo com que ela seja responsável pelos deveres por ela contraídos, e que tal responsabilidade não seja transferida ou atinja o patrimônio dos sócios, em caso de se tornar credora.

Recordando as lições de Requião[30], vimos que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi pensada com o intuito de se evitar fraude aos credores, devendo ser específica e momentânea, ou seja, o suprimento da responsabilidade da pessoa jurídica é apenas para determinados casos, não dissolvendo a personalidade.

Podemos observar que a intenção do legislador não é fazer com que todas as dívidas da empresa insolvente sejam pagas com os bens dos sócios, muito menos extinguir a empresa, por isso a desconsideração é específica e temporária.

Sabemos que o crédito trabalhista tem caráter alimentar, por isso há a necessidade de uma maior eficácia na satisfação do título executivo. Contudo, Saraiva nos alerta para uma “crise do processo de execução, causada pela dificuldade em dar cumprimento ao julgado”[31] pois, mesmo com todo aparato legal para que seja satisfeito o crédito trabalhistas, muitos métodos são utilizados pelos executados a fim de impedir a execução, como o desvio ou alienação de bens.

Nesta visão Saraiva afirma que:

Com isso, é negado ao exequente um direito fundamental da pessoa humana, qual seja a eficácia da jurisdição, comprometendo, sem dúvida, a credibilidade de todo o sistema normativo, uma vez que é decepcionante para o credor não ver garantida a efetivação do seu direito, após longa e cansativa demanda judicial.[32]

Partindo desse ponto percebemos que, o nosso ordenamento jurídico, buscou meios de se evitar fraudes contra o credor, positivando a desconsideração da personalidade jurídica.

Atualmente, as leis brasileiras que abordam a desconsideração da personalidade jurídica são, o Código Tributário Nacional na lei 5.172/66, o Código de Defesa do Consumidor na lei 8.078/90, a lei 9.605/98 que trata dos Crimes Ambientais, o Código Civil na lei 10.406/02 e, atualmente, o novo Código de Processo Civil na lei 13.105/15.

3.1 Código Tributário Nacional

A Lei mais antiga, que responsabiliza os sócios pelas dívidas da sociedade, em nosso ordenamento jurídico, é a Lei 5.172/66 que trata sobre o Código Tributário Nacional (CTN) que em seu artigo 135, III dispõe o seguinte:

Art. 135 São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoa jurídica de direito privado[33].

Entretanto alguns doutrinadores, como Renan Melo, entendem a narrativa do dispositivo legal desse modo:

Neste artigo, [...] a responsabilidade é pessoal (do diretor, gerente ou representante). [...] o art. 135 prevê a prática de ato irregular.

Assim, verifica-se uma possibilidade de responsabilidade do sócio-gestor da sociedade limitada, mas é importante perceber que o inciso III do artigo não fala em sócio, fala em diretor, gerente ou representante, portanto, o sócio, neste caso, só poderá responder se for sócio-gestor, se for meramente sócio-quotista não está incluído nesta possibilidade [...].[34]

Pode-se dizer que o artigo 135, III do CTN trata a desconsideração da personalidade jurídica de modo muito restrito, atingindo apenas o patrimônio do sócio-gestor nas obrigações resultantes de atos ilícitos.

A intenção do dispositivo é responsabilizar a administração direta da empresa, quando esta tentar fraudar ou infringir a lei, os estatutos e os contratos sociais, eximindo da responsabilidade os sócios que não participem da administração direta da sociedade.

Podemos dizer que a ideia primordial da teoria era atingir, amplamente, ao patrimônio de todos os sócios que compõem a sociedade, visto isso tal artigo teria pouca força no Direito Civil, sendo usado somente no ramo do Direito Tributário.

3.2 Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078/1990, foi a primeira lei nacional a trazer positivada a tese da desconsideração da personalidade jurídica do modo que entendeu o doutrinador Rubens Requião, isto porque reconheceu a vulnerabilidade do consumidor, via de regra, frente ao fornecedor, estando essa vulnerabilidade disposta no Art. 4º, I, CDC da seguinte forma.

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;[35]

Em seu artigo 28, como reflexo da vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, o Código de Defesa do Consumidor autoriza o juiz a desconsiderar a personalidade jurídica em favor deste, conforme narra a seguir.

Art. 28 O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.[36]

Observa-se que a lei traz as hipóteses em que será superada a personalidade jurídica, sendo elas: o abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, existência de fato ou prática de ato ilícito, violação dos estatutos ou do contrato social, falência, estado de solvência, encerramento ou inatividade provocados por má administração.

Contudo, devemos dar bastante enfoque no §5º do respectivo artigo, que assim narra: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”[37]

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Ora, observada as palavras do parágrafo quinto, a primeira impressão que temos é que não seria necessário instaurar hipóteses para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no caput do artigo 28, já que, posteriormente, o § 5º viria desqualifica-las.

Com a simples alegação do credor, que a pessoa jurídica é obstáculo para o ressarcimento, poderá o juiz, com base no §5º do artigo 28, superar a personalidade jurídica da empresa devedora, sem observar as hipóteses do caput do artigo em questão.

Porém, Rizzatto Nunes nos explica da seguinte forma a narrativa do §5º.

Lendo-se a redação da norma supra, percebe-se seu intuito em deixar patente que as hipóteses que permitem a desconsideração da personalidade jurídica estampadas no caput são meramente exemplificativas. Apesar de mais comuns, nada impede que outras espécies de fraude e abusos sejam praticadas, tendo a pessoa jurídica como escudo. Para evitar que, nesses casos, os sócios violadores passem impunes, o parágrafo em comento deixou o texto normativo aberto para que, em qualquer outra hipótese, seja possível desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica.

Mas não é só isso. O objetivo da lei é garantir o ressarcimento do consumidor, sempre. Veja-se que, pela redação do § 5º, basta o dado objetivo do fato da personalidade jurídica da pessoa jurídica ser obstáculo ao pleno exercício do direito do consumidor para que seja possível desconsiderar essa personalidade.

Portanto, pode-se se afirmar que, independentemente da verificação de fraude ou infração da lei, será possível, no caso concreto, suplantar a personalidade jurídica da pessoa jurídica, se for esse o obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo consumidor.[38]

Portanto, podemos entender que, sempre que o consumidor, em grau de hipossuficiência, for portador de direito de crédito sobre o fornecedor, e este for obstáculo para o ressarcimento, poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica da pessoa jurídica devedora.

3.3 Lei de Crimes Ambientais

Pensando na importância atribuída ao Meio Ambiente, pelo artigo 225 da Constituição Federal, a lei de crimes ambientais, Lei nº 9.605/98, trouxe novidades ao direito brasileiro, em especial a desconsideração da personalidade jurídica, que é apontado neste capítulo.

A lei em questão determina sanção penal sob qualquer dano causado à fauna, flora, recursos naturais e patrimônio histórico e, com o mesmo intuito do Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Crimes Ambientais, vem defender o meio ambiente tornando válida a desconsideração da personalidade jurídica através do artigo 4º que assim narra. “Poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica sempre que a sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causa do à qualidade do meio ambiente”.[39]

Observa-se que o artigo 4º, da lei 9.605/98, não determinou que serão somente empresas que têm, por natureza, a atividade poluente, que podem ter sua personalidade desconsiderada, ou seja, qualquer empresa que causar prejuízo ao meio ambiente e não ressarcir tal prejuízo, poderá ter desconsiderada sua personalidade jurídica, quando esta for, ou causar, obstáculo para o ressarcimento.

Segundo Hébia Machado.

Tal preceito legal tem estreita relação com o princípio da função social da empresa, uma vez que o ordenamento jurídico não pode conceder proteção a uma pessoa jurídica que não exerce suas atividades de forma sustentável e não faz a necessária ponderação entre os princípios do livre exercício da atividade econômica e da defesa ambiental.[40]

Uma vez executada a empresa, para reparar ou compensar danos ambientais, e for constatado seu estado de insolvência, deverá ser determinada a desconsideração da personalidade jurídica, uma vez observado que o artigo 4º da lei em questão não traz hipóteses, como fez o artigo 28 do CDC, nem exige prova de fraude ou abuso da personalidade jurídica.

Ignorada as diferenças do objeto ou bem tutelado, vê-se que a intenção de ambas as leis são idênticas. O Código de Defesa do Consumidor determina a desconsideração da personalidade jurídica em detrimento do consumidor, a Lei 9.605/98 o faz visando a proteção e a importância dada ao Meio Ambiente pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

3.4  Código Civil

A lei 10.406/02, que trata do Código Civil brasileiro (CC), ao abordar sobre as pessoas jurídicas traz, em seu artigo 50, a desconsideração da personalidade jurídica nos seguintes termos.

Art. 50 Em caso de abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do ministério público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. [41]

Analisando o texto supracitado, Inicialmente percebemos que, de acordo com o Código Civil, só haverá a desconsideração da personalidade jurídica se for constatado o abuso da Personalidade Jurídica por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Quando o texto fala em Desvio de Finalidade deve-se pensar em uma empresa que pratica atividades diferentes das atribuídas a ela no contrato social ou atos constitutivos.

Por exemplo, a empresa X que, em seu ato constitutivo têm a finalidade de apenas vender veículos automotores, passa a realizar, além da venda de veículos, a comercialização de peças e serviços, sem a devida alteração do seu contrato social e, consequentemente, sem autorização.

Já a Confusão Patrimonial é quando o patrimônio ou obrigações dos sócios se misturam com os da empresa, por exemplo, a pessoa jurídica efetuar pagamento de dívida no nome de um de seus sócios, ou comprar bens para utilização pessoal deste.

No que tange desvio de finalidade e confusão patrimonial, Fabio Ulhoa Coelho explica do seguinte modo.

Desse modo, se o sócio envolve a sociedade em negócios estranhos aos seus fins ou não separa rigorosamente os patrimônios dela e o seu, verifica-se o abuso da personalidade jurídica da sociedade. Também se caracterizaria o abuso nessas hipóteses se, em vez de sócio e sociedade, tratar-se de associado e associação ou de instituidor e fundação. Também podem abusar da personalidade da pessoa jurídica, desviando sua finalidade ou confundindo patrimônios, independentemente da espécie, os representantes legais ou administradores dela.[42]

Desse modo, para que o credor peça a desconsideração da personalidade jurídica, conforme o Código Civil, deve-se provar a confusão patrimonial ou desvio de finalidade e, pautado no princípio da inércia do judiciário, não poderá o juiz ex oficio determinar a desconsideração, ou seja, não pode o magistrado por vontade própria, em fase de execução, determinar que seja desconsiderada a personalidade jurídica da pessoa jurídica, devendo isso ser requerido pela parte ou Ministério Público.

Tal prova que se deve fazer, para a desconsideração da personalidade jurídica de acordo com o artigo 50 do CC, torna o pedido difícil, pois cabe ao credor comprovar a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade pelo executado.

3.5  As Teorias da Desconsideração da Personalidade Jurídica

Como vimos nos capítulos anteriores, o Código Tributário Nacional, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Crimes Ambientais e o Código Civil regulamentam a desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica, contudo cada artigo de respectivo código traz uma abordagem diferente quanto ao cabimento e à aplicabilidade.

Assim sendo, Para facilitar a aplicação e, até mesmo, o entendimento quanto à matéria, os doutrinadores brasileiros dividiram em duas teorias, a Teoria Maior e a Teoria Menor[43].

Para a Teoria Maior há que se comprovar a fraude, confusão patrimonial ou abuso de direito por parte do sócio, esta teoria está amparada pelo artigo 50, do Código Civil. Gonçalves dividiu, então, a teoria maior em duas, sendo a Objetiva e a Subjetiva.

Em sua visão, na teoria maior objetiva, o simples fato de o sócio não separar rigorosamente o seu patrimônio e o da sociedade caracteriza a confusão patrimonial, o que “constitui o pressuposto necessário e suficiente da desconsideração”[44].

Na teoria maior subjetiva deve-se atentar ao desvio de finalidade e a fraude, por tanto “é pressuposto inafastável para a desconsideração o abuso da personalidade jurídica.”[45]. Enuncia o referido autor:

Foi adotada, aparentemente, a linha objetivista de Fábio Konder Comparato, que não se limita às hipóteses de fraude e abuso, de caráter subjetivo e de difícil prova. Segundo a concepção objetiva, o pressuposto da desconsideração se encontra, precipuamente, como dito, na confusão patrimonial. Desse modo, se pelo exame da escrituração contábil e das contas bancárias apurar-se que a sociedade paga dívidas do sócio, que este recebe créditos dela, ou o inverso, ou constatar-se a existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade, e vice-versa, comprovada estará a referida confusão. Segundo Fábio Ulhoa Coelho, a formulação objetiva facilita a tutela dos interesses de credores ou terceiros lesados pelo uso fraudulento do princípio da autonomia patrimonial.[46]

Já a Teoria Menor considera, apenas, o prejuízo do credor e o estado de insolvência da sociedade para ser desconsiderada a personalidade jurídica, ou seja, o credor não precisa comprovar a fraude, desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Esta teoria foi elaborada a partir do artigo 4º Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605/98) e do Código de Defesa do Consumidor no artigo 28, §5º.

Saraiva e Manfredini explicam assim sua posição:

O Tribunal Superior do Trabalho tem aplicado a teoria da penetração de forma ampla, em todos os casos nos quais se verifica a insuficiência de patrimônio da empresa para honrar as dívidas trabalhistas contraídas, independentemente da comprovação da existência de fraude, simulação ou desvio de finalidade,[47]

Podemos dizer, então, que para estes autores a justiça do trabalho tem adotado a Teoria Menor para a desconsideração da personalidade jurídica facilitando, ao empregado, ao requerer a desconsideração da personalidade, bem como associou a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, com a hipossuficiência do empregado frente ao empregador.

3.6  A Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica

A Teoria de desconsideração da personalidade jurídica que, apenas com intuito de diferenciação da desconsideração inversa, chamaremos de desconsideração clássica, visa responsabilizar os sócios pelas obrigações da sociedade, já a desconsideração inversa da personalidade jurídica entende-se, até mesmo por analogia, que é a responsabilização da sociedade pelas obrigações do sócio.

Alguns doutrinadores, como Almeida, por exemplo, entendem que a desconsideração inversa da personalidade é mais restrita do que a desconsideração clássica.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica é admitida quando se verifica a confusão entre o patrimônio da sociedade e os dos seus sócios [...], o que pode ocorrer, por exemplo, quando os sócios transferem todos seus bens para a sociedade [...]. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados coma a fraude ou abuso de direito estabelecido no art. 50 do cc [...].[48]

Vamos supor que Caio, sócio da empresa Y, transfira todos os bens que estão em seu nome para o nome da empresa em que é sócio para fugir dos credores, configurando, assim, fraude e clara confusão patrimonial, atendendo os pressupostos do art. 50 do Código Civil.

Ou seja, para a desconsideração inversa da personalidade jurídica não há que se falar em teoria menor nem teoria maior, deverá ser observada a confusão patrimonial atrelado à fraude ou abuso de direitos.

3.7  Novo Código de Processo Civil

O novo Código de Processo Civil, abordado pela lei n. 13.105/2015, traz nos artigos 133 ao 137 norma processual reguladora para o incidente da desconsideração da personalidade jurídica da seguinte forma:

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.[49]

Segundo o artigo 133 do CPC somente pode ser instaurada a desconsideração da personalidade jurídica o pedido feito pela parte ou pelo Ministério Público, mais uma vez liquidando a hipótese de o juiz promover de ofício no processo de execução.

O artigo 133, do novo CPC, não trata das hipóteses de cabimento porém, seu parágrafo 1º, remete-nos ao Código Tributário Nacional, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei 9.605/98 e ao Código Civil, já abordados acima, ao determinar que se “observará os pressupostos previsto em lei”[50].

Já o parágrafo 2º, determina que poderá ser aplicada a desconsideração da personalidade jurídica inversa, tese já suscitada no capítulo anterior.[51]

O artigo 134 do CPC, por sua vez, narra o seguinte:

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.[52]

Segundo Washington dos Santos, incidente é um “fato ou questão que coloca obstáculo ou embaraça a sequência normal de um processo”[53], ou seja, é algo secundário de um processo principal, que deve ser resolvido antes da sentença decisiva de mérito. A instauração de incidente suspende o trâmite do processo até que se resolva o incidente proposto.

Observado o artigo 134 do novo Código de Processo Civil, o Magistrado e professor Cleber de Almeida entende que “com isso, fica afastada a tese segundo a qual somente na execução, após constatada a incapacidade de a sociedade responder por seus débitos é que pode ser operada a desconsideração da personalidade jurídica”[54]

Se, logo na petição inicial, for feito pedido de desconsideração da personalidade jurídica, conforme §2º, o exame do pedido se dará no decorrer do processo, não havendo a necessidade de instauração de novo processo de apuração, suspendendo o processo principal para a resolução do incidente conforme narra o §3º no mesmo dispositivo.

O artigo 135, do Novo CPC, indica que “instaurado o incidente, o sócio ou a sociedade será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 dias[55], atendendo à exigência do devido processo legal e respeitando o princípio do contraditório e da ampla defesa.

Caso o pedido de desconsideração da personalidade jurídica não seja feito na petição inicial a decisão deverá ser proferida em forma de decisão interlocutória, cabendo agravo, conforme narra o artigo 136, “Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.”[56]

O artigo 137 trata da hipótese de fraude à execução que assim narra, “acolhido o pedido de desconsideração, a alienação de bens havida de fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente[57].

Alguns doutrinadores civilistas simpatizam com o inovador tema do novo CPC, como é o caso do professor Alexandre Câmara.

O Codigo de Processo Civil inclui, entre as modalidades de intervenção de terceiro, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se, na verdade, de um incidente processual que provoca a intervenção forçada de terceiro (já que alguém estranho ao processo – o sócio ou a sociedade, conforme o caso – será citado e passará a ser parte o processo, ao menos até que seja resolvido o incidente). Caso se decida por não ser caso de desconsideração, aquele que foi citado por força do incidente será excluído do processo, encerrando-se assim, sua participação. De outro lado, caso se decida pela desconsideração, o sujeito que ingressou no processo passará a ocupar a posição de demandado, em litisconsórcio com o demandado original.[58]

Desse modo, vemos que tal instituto está, aparentemente, sendo bem aceito no processo civil, uma vez que, a nosso ver, traz mais segurança para o processo, garantindo o contraditório e a ampla defesa ao devedor.

3.8  Direito e Processo do Trabalho

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não traz em seu corpo norma material ou processual que regulamente o uso da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho.

Porém, para alguns doutrinadores, como Carlos da Fonseca Nadais, o §2º do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, possibilita a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Assim narra o §2º do art. 2º:

Art. 2º (…)

§ 2º Sempre que uma ou mais empresa, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.[59]

Quando o parágrafo 2º determina que as sociedades com personalidades distintas, mas integrantes de um mesmo grupo econômico, “respondam solidariamente com débitos trabalhistas, mesmo que não seja sociedade empregadora principal”[60], Nadais entende que “a responsabilidade é objetiva, não sendo necessário a prova da fraude ou abuso de direito.”[61]

Almeida ressalta que, além do art. 2º, §2º, da CLT, os artigos 10, 445 e 448 da CLT, o artigo 3º da Lei n. 2.757/1956, bem como o art. 16 da lei n. 6.019/1974, “operam verdadeira despersonalização das obrigações decorrentes da relação de emprego, deixando claro que respondem pelos créditos do trabalhador todos aqueles que forem beneficiados pelos seus serviços”[62].

Vejamos, o artigo 10, da CLT, dita que as alterações no estrutura da empresa “não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”[63] e o artigo 448, da CLT, determina que qualquer a mudança, tanto na propriedade quanto da estrutura jurídica da empresa, “não afetará os contratos de trabalho com os respectivos empregados”[64].

A lei 2.757/56, que dispõe dos empregados de prédios de apartamentos residenciais, determina em seu artigo 3º que, os condôminos responderão, na devida proporção, “pelas obrigações previstas nas leis trabalhistas, inclusive as judiciais e extrajudiciais”[65].

O artigo 16, da lei 6019/74, determina que em caso de falência de empresa de trabalho temporário, a tomadora do serviço é “solidariamente responsável pelo reconhecimento das contribuições previdenciárias”[66], bem como pela remuneração e indenizações. Neste sentido, Almeida conclui dizendo.

Neste compasso, sendo os sócios beneficiários dos lucros auferidos pela sociedade e, portanto, do trabalho dos seus empregados, dele não podem ser afastados os ônus da atividade econômica explorada por meio da sociedade. De outro lado, se os sócios não alcançaram o lucro perseguido por meio da sociedade, cumpre-lhes responder, com seu patrimônio, pelo ônus do fracasso de sua atividade econômica e, por consequência, pela satisfação dos créditos dos empregados da sociedade, vez que, do contrario, estar-se-ia transferindo os riscos assumidos pelos sócios para os trabalhadores.[67]

Quanto à fundamentação para a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade, outra parte da doutrina aponta os artigos 8º e 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 8º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.[68]

Percebe-se que, o artigo 8º da CLT, autoriza uma interpretação mais ampla, conforme o caso, na falta de disposições legais, decidindo por jurisprudências, por analogia, por equidade e outros princípios de outros ramos do direito, preferencialmente o direito do trabalho.

O artigo 769 da CLT determina, por sua vez que, “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título”[69].

Observa-se que os artigos acima citados determinam dois pré-requisitos para a aplicação subsidiária de normas, sendo eles a ausência de norma específica e a compatibilidade com as normas e princípios trabalhistas.

Como dito anteriormente a CLT não contem norma especifica para aplicação do instituído de desconsideração da personalidade jurídica. Diante disso, pergunta-se, qual norma será aplicada subsidiariamente ao direito do trabalho?

Para Carina Bicalho aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, ao passo que o inciso I, do artigo 4º, do CDC, “estabelece norma de tutela ao hipossuficiente assemelhando-se ao objetivo de tutela do direito do trabalho”[70]. A Magistrada completa seu argumento da seguinte forma.

Essa similitude de finalidade tutelar das normas do consumidor e trabalhistas justifica a aplicação da normatização mais ampla do direito do consumidor em detrimento do Código Civil, que apresenta hipóteses mais restritas da teoria em exame, posto que assegurará garantia mais ampla aos créditos trabalhistas.

Os princípios jus laborais chamam à aplicação, pois, o § 5º do art. 28 do CDC e, sendo este uma cláusula aberta, permite seja preenchido pelos princípios e valores da sociedade no momento de sua aplicação.[71]

Esse, também, é o entendimento da doutrina majoritária que, ainda hoje, aplica subsidiariamente a norma do artigo 28, §5, do CDC.

3.9  Da Efetiva Aplicação do Processo de Incidente da Desconsideração da Personalidade Jurídica ao Processo do Trabalho.

Quanto à aplicação da norma do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, abordada pelo novo CPC, no processo do trabalho, alguns doutrinadores divergem.

Mauro Schiavi entende que não se aplica o incidente ao processo do trabalho, pois o Juiz do Trabalho promove a execução de ofício, e o incidente é incompatível com os princípios da Simplicidade e a Celeridade da execução trabalhista. Se posicionando do seguinte modo.

O presente incidente provoca complicadores desnecessários à simplicidade do processo de execução trabalhista, atrasa o procedimento (uma vez que o art. 134, §3º, do CPC, determina a suspensão do procedimento quando instaurado o incidente) e, potencialmente, em muitos casos, pode inviabilizar a efetividade da execução.[72]

Sergio Pinto Martins, em vasta explicação sobre o incidente da desconsideração da personalidade jurídica, conclui que não vê “incompatibilidade na aplicação do CPC ao processo do trabalho, pois serão observados o contraditório e a ampla defesa[73].

Segundo Martins a desconsideração da personalidade jurídica, trazida no novo CPC, “importa a implicação da certeza e da segurança jurídica ao terceiro, que poderá exercer melhor o contraditório e a ampla defesa[74], porém a desconsideração feita de ofício fere o contraditório e a ampla defesa”[75].

Sustenta, ainda, em favor da aplicação do incidente ao processo do trabalho, Wolney de Macedo Cordeiro, que “todo o tema da desconsideração da personalidade jurídica era tratado no plano do direito material, sem qualquer disposição especifica no plano processual”[76], segundo ele haviam consequências danosas, tanto para a pessoa alvo da desconsideração, quanto para o próprio processo.

Cordeiro diz não perceber qualquer tipo de incompatibilidade do instituto com o processo do trabalho, que completa no seguinte entendimento.

Os atributos da celeridade e da efetividade, típicos da execução laboral, não podem servir de pretexto para solapar as garantias do contraditório e da ampla defesa. Por outro lado, a falta de um regramento especifico para a inserção do sócio no âmbito da tutela executiva, fazia emergir certo maniqueísmo no trato da responsabilização extraordinária, pressupondo sempre a inequívoca a vinculação do terceiro à relação executiva.[77]

Observada essa divergência e a necessidade da Consolidação das Leis do Trabalho abordar um tema de relevada importância, em 15 de março de 2016 o Tribunal Superior do Trabalho aprovou a Instrução Normativa nº 39/2016 que permite, entre outros assuntos referentes à aplicação subsidiária ou supletiva do novo Código de Processo Civil ao Direito Processual do Trabalho, a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulamentado no novo CPC dos artigos 133 ao 137, já visto neste capítulo.

O artigo 6º da Instrução Normativa 39/2016 determina o seguinte:

Art. 6º. Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (arts. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução.

§ 1º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:

I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do art. 893, § 1º da CLT;

II – na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;

III – cabe agravo interno se proferida pelo Relator, em incidente instaurado originariamente no tribunal (CPC, art. 932, inciso VI).

§ 2º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC.[78]

O artigo 6º, da Instrução Normativa 39/2016 do TST, determina a aplicabilidade do incidente da desconsideração da personalidade jurídica do modo abordado pelo CPC. Assegura, ainda, a iniciativa do juiz em fase de execução.

A intenção do TST, ao assegurar a iniciativa do juiz, ou seja, ex oficio, em fase de execução, foi dar a mesma liberdade auferida ao magistrado no artigo 878 da CLT, situação em que determina que “a execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex oficio, pelo próprio juiz ou presidente ou tribunal competente[79].

Observa-se que, a decisão interlocutória no processo do trabalho, que acolher ou rejeitar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, em fase de conhecimento, não é cabível recurso. Contudo, se for comprovado que a decisão fere direito líquido e certo, será cabível Mandato de Segurança.

A instrução Normativa 39/2016, também, inova ao determinar que em fase de execução cabe agravo de petição, conforme inciso II do §1ª, do artigo 6º, de referida resolução do TST.

A Instrução normativa garante, ainda, a suspensão do processo em caso de incidente, sem prejuízo à tutela de urgência, em respeito ao contraditório e a ampla defesa.

Conferida a discussão doutrinaria e embasamentos legais para a desconsideração da personalidade jurídica. Buscamos, ainda, entrevistar o renomado advogado e sócio do escritório Tavares e Giro, atuante no direito do trabalho, o doutor Gustavo Cunha Tavares. O juiz substituto do trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª região, o doutor João de Oliveira Batista e, também, o Procurador do Trabalho do Município de São Mateus, da 17ª região, o doutor Vitor Borges da Silva.

4     A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA VISÃO DOS OPERADORES DO DIREITO

Afim de responder algumas questões novas e inquietantes acerca do novo procedimento da desconsideração da personalidade jurídica trazido pelo CPC e sua aplicabilidade ao processo do trabalho, e diante da parca doutrina especializada no assunto, buscou-se responder algumas questões através de entrevistas realizadas com Advogado, Procurador do Trabalho e Juiz do Trabalho. A presente pesquisa teve por objetivo apresentar as diferentes visões do referido instituto através das partes que irão efetivar sua aplicação no processo trabalhista.

As questões foram propostas igualmente para todos os entrevistados e nenhum teve acesso as respostas dos outros[80]. As entrevistas com os doutores João de Oliveira Batista, Juiz do Trabalho da 2ª Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim, e Vitor Borges da Silva, Procurador do Trabalho lotado na Procuradoria de Cachoeiro de Itapemirim, foram realizadas por escrito, ou seja, eles preencheram o questionário à próprio punho. Já, a entrevista, com o doutor Gustavo Cunha Tavares, Advogado Trabalhista, atuante na Cidade de Cachoeiro de Itapemirim, e sócio do escritório Tavares e Giro Advogados, foi realizada pessoalmente, grava e, posteriormente, degravada.

A primeira questão buscava saber qual era o procedimento adotado para a desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, antes da vigência do novo CPC e da Instrução Normativa 39/2016, do TST.

A resposta, unânime, foi a aplicação da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica utilizando, subsidiariamente, o artigo 28, § 5 do CDC, sem procedimento específico para desconsiderar a personalidade jurídica.

Quanto à utilização subsidiária da desconsideração da personalidade jurídica, do CDC ao processo do trabalho, vimos, no capítulo 3.8 deste artigo, que a doutrina entendia que esta utilização era válida, uma vez considerada a semelhança entre os direitos tutelados pelo CDC e pela CLT.

Segundo o Dr. Vitor Borges a execução era redirecionada contra o patrimônio dos sócios. “Estes, então, eram citados para pagar a dívida, depositar bens ou indicar bens à penhora[81]. Para o Dr. Gustavo Tavares esta aplicação “se dava de uma forma bem agressiva sem muita observação, até, dos critérios”[82] objetivos e subjetivos da desconsideração da personalidade jurídica, situação que não havia a necessidade de comprovação de fraude

A segunda questão questionava se havia a possibilidade de ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica em fase de conhecimento. Para o magistrado, Dr. Joao Batista, basta apenas “que a parte autora formule esse pedido na inicial, devidamente fundamentado”[83].

Porém, para o promotor, Dr. Vitor Borges, apenas o pedido de desconsideração, feito pelo autor, na inicial não enseja a desconsideração em fase de conhecimento, para ele deve ser observada nítida a insolvência da empresa que será desconsiderada.

Neste mesmo entendimento segue o Dr. Gustavo Tavares, que, com a nova legislação será possível a desconsideração da personalidade jurídica em fase de conhecimento, porém em casos muito específicos, como de um devedor frequente na justiça do trabalho.

É possível? pela nova legislação é possível. Concordo? Talvez num caso muito específico de um devedor contumaz que tenha inúmeros processos na justiça do trabalho, pode ser observada essa situação, as vezes que já tem até uma desconsideração comprovada numa fase de execução em outro processo, de modo a garantir aquele pertenço credor, aquela pessoa que ainda está com uma aspiração de direito ter garantido, se houver seu ganho, uma reserva desse patrimônio, ai pode até se aliar a um arresto de bens com a desconsideração.[84]

Ele sustenta, ainda, seu raciocínio exemplificando um caso, onde uma empresa têm apenas um processo na justiça do trabalho. Indaga, então, como poderá ser comprovado que o sócio está dilapidando seu patrimônio ou que sua empresa encontra-se insolvente, se tal situação nem foi apurada?

A terceira pergunta buscava saber se os entrevistados tiveram a oportunidade de analisar o novo procedimento da desconsideração da personalidade jurídica do novo CPC.

Para o Dr. João Batista o novo procedimento trouxe mais praticidade, já que a CLT utiliza subsidiariamente o CPC em suas lacunas. O Dr. Vitor Borges disse que ainda não teve a oportunidade de analisar um caso concreto.

Na quarta questão pergunta-se, ao entrevistado, se este concorda com a aplicação irrestrita deste procedimento, conforme regulamenta a Instrução Normativa 39/2016 do TST. O Dr. João Batista deixou claro que concorda com a aplicação, desde que seja fundamentada.

Já o procurador do MPT diz não concordar com a aplicação do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica conforme indica a instrução normativa 39/2016 do TST, uma vez que a “aplicação supletiva desse procedimento contraria princípios basilares do processo (do trabalho)”[85], citando como exemplo a celeridade, economia processual e informalidade.

Já para o advogado, Dr. Gustavo Tavares, o novo processamento da desconsideração da personalidade jurídica traz uma maior segurança para a empresa que, agora, tem a oportunidade de produzir provas. Para ele, essa mudança foi saldável[86] para o processo do trabalho, em termos de ampla defesa e contraditório, pois, agora vai ser necessário observar os critérios subjetivos. Mas finaliza dizendo não acreditar que isso irá, realmente, acontecer.

A quinta questão pergunta se o entrevistado visualiza, de alguma forma, que esse novo procedimento de desconsideração da personalidade jurídica do novo CPC poderá burocratizar o processo trabalhista, tendo em vista o princípio da celeridade a ser aplicado no processo do trabalho.

Para o Dr. Vitor Borges da Silva, esse novo procedimento trará morosidade ao processo atrasando a execução o que, segundo ele, poderá, inclusive, contribuir para a ocultação ou dilapidação de patrimônio.

Segundo o Dr. João Batista, “de forma alguma”[87] isso afetará a celeridade processual trabalhista. Afirma, ainda, que trata-se tão somente de “questões de segurança jurídica que devem ser observadas”[88].

Nesse mesmo prisma compreende o Dr. Gustavo Tavares. Para o advogado poderá, sim, haver algum atraso, mas a justiça do trabalho já é bastante célere e, a desculpa para manter a celeridade não pode ser motivo para abrir mão de garantias constitucionais, como a ampla defesa e o contraditório.

Considerando que o procedimento da desconsideração da personalidade jurídica, no novo CPC, determina prazo de 15 dias para a manifestação da requerida, como garantia da ampla defesa e do contraditório, a questão de número seis questionava se o entrevistado vislumbra que tal abertura de prazo poderia inviabilizar a futura execução, por expropriação de bens do executado.

Segundo o magistrado, Dr. João de Oliveira Batista, este entende que o prazo para manifestação, em regra, não dá abertura para fraude pois, “qualquer ato da parte contrária já se caracteriza fraude à execução ou a direitos”[89].

Trilhando o mesmo entendimento do Dr. João de Oliveira Batista, o advogado, Dr. Gustavo Tavares, completa.

(...) se houver uma suspeita de lapidação do patrimônio do sócio, o próprio credor pode mover uma ação cautelar de arresto, pra arrestar esses bens. Então existem remédios processuais que possibilitam o credor se garantir em relação a isso (...)[90]

Humberto Theodoro Júnior define Cautelar como.

Providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar uma situação de perigo para direito ou interesse de um litigante, mediante conservação do estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo tempo necessário para desenvolvimento do processo principal.[91]

Hoje, apesar da nova nomenclatura (tutela de urgência) e sem os processos específicos, como por exemplo o arresto, o novo CPC garante em seu artigo 300 que será concedida a tutela de urgência “quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo do dano ou risco ao resultado útil do processo”[92], podendo ser efetivada “mediante arresto”[93], conforme autoriza o artigo 301, do novo CPC.

Ou seja, tanto para o Magistrado quanto para o Advogado, o prazo de quinze dias para a manifestação da parte contrária, concedido pelo novo CPC, é imprescindível para a garantia da ampla defesa e do contraditório, bem como o cumprimento do devido processo legal.

Já, para o promotor Vitor Borges, esse prazo abre espaço para que o devedor, agindo de má-fé e com o intuito de fraudar a execução, “adote medidas para a ocultação de bens do sócio a ser atingido”[94], inviabilizando, então, a execução por expropriação de bens.

Parecendo, até mesmo, uma resposta ao posicionamento do promotor, o Dr. Gustavo Tavares termina dizendo que, em seu entendimento, não se pode partir da má-fé para analisar a boa-fé. Para ele, esta ótica atrapalha o devedor de bem, “aquele que realmente está impossibilitado de pagar a dívida, por que seu patrimônio não foi dilapidado por ele”[95], ou seja, sua empresa realmente faliu.

De acordo com a narrativa do artigo 136 do novo CPC, o “incidente será resolvido por decisão interlocutória”[96]. A questão de número sete buscava saber se, no entendimento do entrevistado, a decisão que desconsiderasse a personalidade da pessoa jurídica seria tida como decisão interlocutória, também no processo do trabalho.

Para o procurador, Dr. Vitor Borges, a decisão interlocutória que desconsiderar a personalidade jurídica irá findar apenas o incidente processual e não todo o processo, por isso que, para ele, os juízes do trabalho decidirão o pedido de desconsideração por decisão interlocutória.

No mesmo foco o Dr. João Batista entende, também, que se dará por decisão interlocutória a resolução que desconsiderar, ou não, a personalidade jurídica. Apesar de classificar como incoerente, o Dr. Gustavo Tavares também entende que o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Ainda acerca decisão interlocutória, que decide ou não a desconsideração, a oitava questão pergunta ao entrevistado qual seria a medida processual passível para confronta-la. Uma vez que no processo do trabalho, via de regra, não há recurso de decisão interlocutora.

Para o juiz, Dr. João Batista, a decisão só poderia ser questionada por recurso ordinário, agravo de petição ou, ainda, por mandado de segurança caso seja provado que tal decisão tenha ferido direito líquido e certo.  Já o Dr. Vitor Borges entende que a medida cabível para questionar a decisão interlocutória é o agravo de petição, “por ensejar gravame autônomo à parte”[97].

O advogado, Dr. Gustavo Tavares, disse que será o recurso de agravo de petição que irá prover, caso haja necessidade, pois é assim que manda a instrução normativa 39/2016 do TST. Mesmo considerando a decisão incongruente, pois no processo do trabalho não é cabível o recurso de agravo de petição para decisão interlocutória, como acontece nas exceções de pré-executividade, por exemplo.

Devido a entrevista com o Dr. Gustavo Tavares ter sido realizada pessoalmente, ao fim da entrevista foi questionado se este acha que o Tribunal Superior do Trabalho, ao determinar que o recurso cabível para a decisão interlocutória seria o agravo de petição, abriria espaço para a utilização de agravo de petição em outras decisões interlocutórias.

Respondeu dizendo que, em uma interpretação extensiva, acha que sim, seria possível, mas primeiro devemos aguardar para saber se este processo para a desconsideração da personalidade jurídica, na justiça do trabalho, sofrerá alguma alteração ou será processado nos termos da lei.

Sem o intuito de tornar a entrevista um debate, entre quem é a favor ou contra a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, ao processo do trabalho, podemos perceber que os entrevistados têm posicionamentos e respostas diferentes de acordo com cada pergunta.

 A intenção da entrevista ser realizada com um advogado, um promotor do trabalho e um juiz do trabalho, foi trazer os diferentes posicionamentos de operadores do direito em funções essenciais e indispensáveis para a manutenção da justiça do trabalho.

5     CONCLUSÃO

Como podemos perceber, durante muito tempo o Direito punha uma redoma sobre a constituição de uma pessoa jurídica, separando-a dos sócios que a compõe, dificultando a execução da empresa que era utilizada para fraudar ou abusava de seus direitos.

Muitas das vezes o exequente de um título judicial ou extrajudicial, após longa espera na justiça, não tinha seu credito satisfeito, uma vez que as os sócios transferiam os bens da empresa para os seus nomes, ou vice e versa, a fim de fraudar a execução e, com isso, não saldar a dívida da empresa ou pessoal.

Em 1969 Rubens Requião trouxe para o Brasil a tese do “Disregard of legal entity”, desenvolvida pelo alemão Rolf Serick, traduzindo-a para desconsideração da personalidade jurídica.

A tese foi bem aceita no Brasil, tanto que, no ano de 1972 o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu por desconsiderar a personalidade do Hospital Coração de Jesus, como narra o caso exposto no primeiro capítulo.

Não podemos afirmar que tal decisão tenha algum vínculo com a teoria trazida por Requião três anos antes, mas, foi observando um possível abuso de direito da personalidade jurídica e com o intuito de saldar a dívida assumida pelos diretores, que o TJSP determinou a desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Com o passar dos anos os legisladores observaram a necessidade de tratar de um tema de devida importância nas relações comerciais. Porém, a primeira lei nacional a positivar a desconsideração da personalidade jurídica foi a lei nº 5.172/66, o Código Tributário Nacional.

Somente em 1990, com a lei 8.078, o Código de Defesa do Consumidor trouxe a desconsideração da personalidade jurídica como meio de proteger o consumidor, reforçando, ainda mais, a garantia de ele ver seu crédito liquidado. Logo após foi a vez da lei de crimes ambientais e do Código Civil abordar a tese.

A divisão, em teoria maior e teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, serviu para facilitar a explicação e a justificativa quanto à aplicabilidade e entendimento de cada autor. 

Vimos que o Novo CPC veio, com os artigos 133 a 137, suprir a falta de um processo que regulamentasse a desconsideração da personalidade jurídica, já que havia a positivação no direito material que, já estava sendo muito utilizado, mas não havia qualquer regra que ditasse o seu processamento.

Ao nosso ver, para o direito civil, o procedimento adotado pelo novo CPC foi abrangente e completo, trazendo um procedimento específico que antes não tinha, buscando a segurança processual e a garantia de direitos constitucionais, como a ampla defesa e o contraditório.

O procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica trouxe uma flexibilidade na forma de se pedir a desconsideração do requerido. Além de poder formular o pedido da desconsideração na inicial o requerente têm, também, a oportunidade de o fazer no decorrer do processo, criando um incidente suspendendo o processo principal.

O novo CPC conseguiu, também, fazer com que o credor não precise esperar até a execução do processo para ver bloqueado os bens da empresa (ou do sócio, conforme o caso), tornando mais simples e célere para o credor.

Como podemos ver, o direito do trabalho, não tem positivado na CLT norma material que regule as hipóteses ou cabimento para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. O que, ainda é, muito utilizado no direito do trabalho é a norma do artigo 28, §5, do CDC, como pudemos observar no capítulo terceiro deste trabalho.

Esta aplicação é muito bem aceita, pelos juízes e tribunais do trabalho, contudo, assim como no processo civil, não havia uma norma que regulamentasse o seu processamento, o que muitas das vezes, segundos os entrevistados, aconteciam sem muita observância do contraditório ou da ampla defesa.

Analisada essa necessidade de uma norma processual, a Instrução Normativa 39/2016, do TST, trouxe uma luz para os operadores do direito do trabalho mas, também, trouxe novas discussões.

Discutir a aplicabilidade, ou não, do instituto da desconsideração da personalidade jurídica ao processo do trabalho, tal como é narrado pelo novo CPC, neste momento seria algo tolo, haja vista que, como dito, o TST já suscitou tal discussão. O que nos resta, agora, é analisar as incompatibilidades do processo civil com o processo do trabalho.

Quanto à incompatibilidade na execução, como sugere Mauro Schiavi[98] que, no novo CPC só poderá ser promovido “pela parte ou pelo ministério público, quando lhe couber”[99], já no processo do trabalho pode ser promovida de ofício.

Essa ligeira discordância, nas execuções, também foi abordada pela instrução normativa 39/2016 do TST que, legislou, e autorizou a execução de ofício nos processos de desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho.

Para Schiavi outra incompatibilidade é com os princípios da simplicidade e celeridade da execução trabalhista mas, nos posicionamos lado a lado como a análise do Dr. Gustavo Tavares, que disse que estes princípios não podem ser usados para cercear o contraditório e a ampla defesa.

Outro ponto que causou uma pequena discussão foi o fato de, ser tida como decisão interlocutória, a decisão que acolher ou rejeitar a desconsideração da personalidade jurídica, haja vista que, no processo do trabalho, a decisão interlocutória é, via de regra, irrecorrível. Contudo o TST determina que, em fase de execução, é cabível agravo de petição.

Mas, em nosso entendimento, a irrecorribilidade da decisão interlocutória não cessa o direito de defesa do requerido, ou esgota o direito do executado, pois, além do agravo de petição poderá ser impetrado o Mandato de Segurança, quando a decisão ferir seu direito líquido e certo, ou até mesmo por Recurso Ordinário, quando for o caso.

Diante disso, não encontramos óbice quando à desconsideração da personalidade jurídica, abordada no novo CPC, ser aplicada, também, ao processo do trabalho.

Os direitos do requerente continuarão sendo observados e garantidos. Acreditamos que o processo, não se tornará, tão moroso a ponto de prejudicar o recebimento das verbas pleiteadas pelo autor.

A observância do novo processo cede, ao direito do trabalho, uma transparência que se encarrega de oferecer às partes mais segurança e credibilidade ao processo e, consequentemente, à justiça do trabalho. Dando a oportunidade de o requerido demonstrar a sua boa-fé.

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Sobre o autor
Carlos Vinicius Fonseca Silva

Graduando em Direito pelo Centro Universitário São Camilo - ES

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