Constitui objeto da presente análise a latente inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 16.127/2016, que estabelece normas de mensuração de tarifas e visibilidade das formas de pagamento em estacionamentos de veículos e dá providências correlatas.
As principais dúvidas suscitadas para sustentar a inconstitucionalidade de tal lei foram as seguintes: (I) a violação aos princípios da concorrência e livre iniciativa; (II) a suposta incompetência do Estado de São Paulo para editar o referido diploma legal; e, (III) a ingerência sobre o direito à propriedade de empresas titulares de estacionamento de veículos.
A Constituição Federal, no art. 1º, IV, dispõe que constitui um dos fundamentos da República a livre iniciativa.
Não bastasse, a livre iniciativa é também mencionada pelo constituinte no art. 170, juntamente com a valorização do trabalho humano, como verdadeiro pilar em que se funda a ordem econômica. Nesse sentido, veja-se, in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País
Por livre iniciativa, pede-se vênia para transcrever conceito delineado por CARLOS JACQUES VIEIRA GOMES[1], in verbis:
Conceitua-se, assim, o direito à livre iniciativa, enquanto direito à criação de empresa (isto é, o direito de empreender) e à sua gestão de forma autônoma, o qual compreende: (a) a liberdade de investimento ou de acesso, a qual se traduz no direito de escolha da atividade econômica a desenvolver, a liberdade de exercício e de organização da empresa, ou seja, a liberdade de determinar como será desenvolvida a atividade, incluindo-se a forma, qualidade, quantidade e o preço dos produtos ou serviços a serem produzidos, (c) a liberdade de contratação ou liberdade negocial, por meio da qual são estabelecidas de forma livre e isonômica as relações jurídicas e seu conteúdo (ver SANTOS; GONÇALVES; MARQUES, p. 50), e (d) a liberdade para concorrer, isto é, o direito ao exercício da atividade econômica em um sistema de livre concorrência (ver DELVOLVÉ, 1998, p. 115), sem que entraves sejam impostos pelo poder público ou pelo poder (econômico) privado.
Por sua vez, a livre concorrência, princípio basilar da ordem econômica, pode ser entendida como a autorização estatal de que gozam os agentes econômicos de atuarem no mercado de forma desembaraçada, nos limites dos ditames legais, visando à produção, circulação e consumo de bens e serviços.
Por oportuno, veja-se a definição do referido princípio pelo CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, in verbis:
O princípio da livre concorrência está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV e baseia-se no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida por agentes econômicos com poder de mercado. Em um mercado em que há concorrência entre os produtores de um bem ou serviço, os preços praticados tendem a se manter nos menores níveis possíveis e as empresas devem constantemente buscar formas de se tornarem mais eficientes, a fim de aumentarem seus lucros. Na medida em que tais ganhos de eficiência são conquistados e difundidos entre os produtores, ocorre uma readequação dos preços que beneficia o consumidor. Assim, a livre concorrência garante, de um lado, os menores preços para os consumidores e, de outro, o estímulo à criatividade e inovação das empresas.
A Lei Estadual n. 16.127/2016, in casu, viola os princípios da livre iniciativa e concorrência, na medida em que engessa e impõe a forma de cobrança e faturamento das empresas titulares de estacionamentos de veículos.
Ora, ao determinar normas de mensuração de tarifas e visibilidade das formas de pagamento em estacionamentos, o Estado impede a forma concorrencial de mercado, desestimulando a própria atividade e desenvolvimento de mercado.
É falacioso, pois, o argumento de que tal imposição beneficiaria os consumidores. Em verdade, tais medidas repercutem prejudicialmente na esfera individual e coletiva, pois quem seria o maior beneficiário do desenvolvimento e aperfeiçoamento do mercado, com todas as suas regras de oferta, procura e menor preço, senão o consumidor final?
Outrossim, tem-se a latente incompetência do Estado de São Paulo para regular a matéria objeto da referida lei estadual.
Sabe-se que o direito de propriedade, que versa sobre a relação do proprietário com a coisa, e desta com terceiros, é regulada pelo diploma civilista.
A Constituição Federal, em seu art. 22, I, expressamente determina que compete à União legislar sobre Direito Civil. Não há, pois, qualquer legitimidade do Estado de São Paulo para disciplinar tal matéria.
Tal invasão de competência legislativa tem o condão de dirimir quaisquer dúvidas ainda existentes acerca da constitucionalidade ou não da Lei Estadual n. 16.127/2016.
Ante o exposto, reputa-se inconstitucional a Lei Estadual n. 16.127/2016, pelos motivos supra, devendo assim ser reconhecido por ocasião do julgamento da ADI n. 2068.086.
[1] VIEIRA GOMES, Carlos Jacques. O princípio constitucional da livre concorrência: corolário da livre iniciativa ou princípio autônomo da ordem econômica? Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-iv-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-estado-e-economia-em-vinte-anos-de-mudancas/principios-gerais-da-ordem-economica-o-principio-constitucional-da-livre-concorrencia-corolario-da-livre-iniciativa-ou-principio-autonomo-da-ordem-economica Acesso em 11.07.2016,