Capa da publicação O Ministério Público como guardião da probidade administrativa
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Reflexões sobre a atuação do Ministério Público na proteção do direito fundamental à probidade administrativa

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14/03/2017 às 15:46
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É o Ministério Público a instituição mais ativa e direcionada à proteção da probidade. Sua atuação é responsável por garantir não só a boa Administração Pública, mas também, a preservação da própria dignidade à pessoa humana. Os instrumentos que materializam essa batalha estão todos plasmados na Lei nº 8.429/1992.

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PROTEÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À PROBIDADE ADMINISTRATIVA

Como atua a instituição e os membros do Ministério Público na proteção do direito fundamental do invidívuo à probidade administrativa? Ou, ainda: com quais expedientes censura e investe contra a improbidade na Administração Pública?

A diretriz é dada pela Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que, em nove dispositivos diferentes, prevê as maneiras possíveis de atuação do Ministério Público.

Contudo, há também de ser analisada a possibilidade de interferência de outras normas infraconstitucionais que auxiliem o desempenho da atividade em questão, bem como afirmar as bases constitucionais que sustentam a performance em defesa da tão fundamental honestidade administrativa.

Antes disso, a premissa da qual se deve partir é que o Ministério Público jamais pode desistir de proteger a coletividade de uma doença social exponencialmente degradante, como o é a improbidade administrativa.

Nos dizeres de Élcio Felix D´angelo e Suzi D`angelo:

[...] ao que buscamos, hodiernamente, qual seja, um Ministério Público social, com vistas, não somente às normas objetivas, mas também, aos problemas sociais que afligem toda a sociedade brasileira. O Ministério Público exerce seu labor sob a égide de leis e pelas virtudes éticas, o que não o torna uma pessoa invisível, pelo contrário, é autêntico e real, tendo como um de seus inimigos os agentes públicos ímprobos.[1]

Os autores continuam acertando:

[...] entendemos que o Ministério Público pode buscar um objetivo maior, superior à simples aplicação da norma positivada, como, por exemplo, exigindo e fiscalizando as condutas e os atos de qualquer agente público [...] é com pesar que vemos, ainda, pessoas levantando a bandeira da probidade administrativa aduzirem nos vários rincóes de nosso país que a instituição do Ministério Público tem dificultado o bom andamento da Administração Pública, porém, olvidam de que o Ministério Público respeita a discricionariedade do administrador, entretanto, não pode vendar os olhos ante os atos de improbidade cometidos por essas mesmas pessoas, que se dizem prejudicadas [...] Assim sendo, infere-se que o Ministério Público não é simplesmente aquela instituição que agia somente quando estimulada pelos processos judiciais ou por reclamações pessoais, mas, sim, aquela que tem uma participação efetiva nas diretrizes a serem adotadas para a condução consentânea de determinadas decisões político-jurídicas [...][2]

Relevante é o destaque de que a instituição do Ministério Público é independente e essencial à Justiça, pois, precisamente, coaduna-se com a aludida necessidade de o órgão ministerial colaborar para o fortalecimento paulatino do valor e da defesa da probidade administrativa.

Evidentemente, o estudo é pautado em disposições positivadas no ordenamento jurídico brasileiro, a fim de tornar assimilável a atuação do Ministério Público frente à improbidade administrativa.

Sem embargo, o breve destaque extrajurídico – ou, ao menos, extraprocessual –  pertinente diz respeito justamente à maneira como a sociedade encara a atuação do membro do Ministério Público no caso concreto, bem como  às críticas, na maioria das vezes infundada, que a instituição recebe.

Independentemente de afeições partidárias, certo é que o sentimento de desgosto, desesperança e exaustão são constantes nos indivíduos que prezam pela lealdade administrativa, especialmente quando o assunto da improbidade, por vezes embutida na corrupção, vem à tona.

Isto ocorre porque, em geral, o cidadão não acredita na própria reversibilidade do quadro atual de improbidade dentro da Administração Pública brasileira. Em outras palavras, sobrevindo mais uma notícia permeada de afrontas à moralidade jurídica, já há parcela da sociedade que permanece indiferente e sequer vislumbra solução.

Contudo, até mesmo a fração descrente cria dentro de si uma ponta de esperança quando o Ministério Público penetra o campo invadido pela improbidade administrativa. Ou seja, nota-se – ainda que mínima – expectativa no sentido de que os agentes públicos ímprobos recebam a punição e o tratamento que lhes é adequado.

 Daí, precipuamente, a imprescindibilidade absoluta de que a instituição ministerial jamais olvide esforços para combater a improbidade administrativa.

Como se perceberá, é o Ministério Público a instituição mais ativa e direcionada à proteção da probidade. Sem a atuação da instituição, seguramente haveria aumento no nível de insegurança por parte da sociedade brasileira no que tange à boa administração pública, além de, claro, elevada depreciação da própria dignidade à pessoa humana.

O agente ministerial, a todo tempo, precisa ter em mente que toda a sociedade honesta, sem exceção, deposita a ínfima confiança que possui na instituição. Também por isso, percebe-se que há, sim, sofrimento direto do cidadão, enquanto indivíduo, quando a improbidade é detectada.

Em razão disso, quando o combate à improbidade se revela satisfatório, a instituição é alvo de muitos elogios, seja por meio da imprensa, seja por meio da voz da própria sociedade organizada.

Por outro lado, considerando que o raio da improbidade engloba agentes públicos detentores das mais poderosas atribuições, o Ministério Público é também centro de ataques, concretizados de diversas maneiras.

Nesta análise, são deixadas de lado as merecidas críticas específicas e relativas à eventual atuação imperita de algum membro do Ministério Público, situação infeliz que, francamente, pode ocorrer em qualquer instituição.

O que está em exame é a retaliação injusta sofrida pelo Ministério Público, como instituição, em razão de seus membros apenas cumprirem o mandamento constitucional e legal.

As agressões ao Ministério Público formam espécie de resposta dos agentes ímprobos, os quais buscam avisar a instituição que, caso continuem agindo em respeito ao que manda a Constituição Federal, receberão alguma espécie de tratamento prejudicial, o que denota o paradoxo em que se encaixa a atuação do Ministério Público no combate à improbidade administrativa.

Tais ofensivas podem ser exemplificadas com alterações legislativas propositadamente voltadas a, de alguma forma, depreciar o Ministério Público, ou, ainda, na escancarada divulgação de informações manifestamente inverídicas e que, por invencionismo, culpam a instituição pela existência do ato ímprobo.

 Seja qual for a espécie de investida, são manifestas as tentativas de reduzir e embaraçar a atuação do Ministério Público no campo da improbidade administrativa.

Tal situação revela grande incoerência objetiva, já que o Ministério Público representa componente do remédio da improbidade, mas, ao mesmo tempo, traduz enorme coerência subjetiva, pois somente ao ímprobo interessa que o Ministério Público se furte da defesa da probidade.

De todo modo, trata-se de mero comentário introdutório ao tema, que exigiria estudo ainda mais aprofundado em outra direção. Por isso, torna-se essencial fixar novamente a importância de ter o Ministério Público sua independência consagrada, assim como veja protegida a maneira como atua na proteção da probidade, sem quaisquer reduções, já que o ordenamento jurídico assim impõe.

Assim, passa-se a alinhavar o modelo atual de atuação do Ministério Público na tutela do direito fundamental à probidade administrativa.


A Possibilidade de Requerimento de Medidas Cautelares

Nessa oportunidade, investiga-se sobre a possibilidade de haver requerimento pelo Ministério Público de medidas cautelares, no âmbito da proteção do direito à probidade administrativa, assim como quais delas efetivamente seriam admissíveis e os requisitos que exigiriam.

Para tanto, ainda antes, é necessário evocar alguma noção de medida cautelar.

A tutela cautelar representa uma medida que é insuficiente à pretensão do autor, pois não possibilita que o juiz antecipe a decisão final. Contudo, a medida cautelar torna praticáveis pelo magistrado algumas “providências de resguardo, proteção e preservação dos direitos em litígio”[3].

É sabido que o Poder Judiciário brasileiro, em qualquer espécie de ação e processo, sofre com a morosidade em obter um provimento judicial definitivo. Neste intervalo, é bastante possível que o objeto da ação se perca, por ato intencional do agente ou não.

Especificamente no âmbito da improbidade administrativa, a Lei 8.429/1992 traz, como resultado final, diversas sanções, das mais variadas naturezas e de importâncias valorosas, tudo conforme estudado.

Assim, considerando possível a medida cautelar no campo da improbidade, assegurar-se-ia a proteção do maior e final direito fundamental, qual seja, a probidade administrativa, que não se perderia com o decurso do tempo.

A dúvida pertinente à possibilidade ou não de se utilizar medidas cautelares que assegurem o resultado decorrente da prática de um ato ímprobo é encerrada pela própria Lei de Improbidade Administrativa, que, de fato, prevê expressamente medidas cautelares.

As medidas cautelares previstas pela Lei 8.429/1992 estão discriminadas nos artigos 7º, 16 (caput e parágrafo 2º) e 20, parágrafo único, sendo: a indisponibilidade dos bens do indiciado; o sequestro de bens do agente ou terceiro; a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras; e, por fim, o afastamento do agente público.

Cada uma das possíveis providências cautelares merece análise separada.

Antes, porém, convém ressaltar que ter o legislador previsto expressamente medidas cautelares na Lei 8.429/92 não impede que, no âmbito da improbidade administrativa, “outras possam ser adotadas, tanto inominadas como previstas no estatuto processual, uma vez evidenciada sua urgência”[4].

Desta forma, percebe-se, de imediato, a incidência direta do Código de Processo Civil no que tange ao regramento das medidas cautelares, que poderão, sim, sofrer utilização no campo da improbidade. Assim, qualquer medida cautelar que efetivamente assegure o provimento final poderá ser utilizada, especialmente, claro, as destacadas pela Lei de Improbidade Administrativa.

Com relação às regras do Código de Processo Civil e sua ligação com as cautelares previstas pela Lei de Improbidade Administrativa, preciso o ensinamento de Wallace Paiva Martins Júnior:

Não obstante possua a lei instrumentos cautelares próprios para assegurar o cumprimento da perda dos bens adquiridos com recursos derivados de enriquecimento ilícito do agente ou para o ressarcimento do dano ao patrimônio público (sequestro e indisponibilidade dos bens), bem como para a garantia da instrução do processo (afastamento provisório), são admissíveis a concessão de liminar na própria ação civil pública ou em cautelar dependente ou preparatória ou a aplicação da tutela antecipatória genérica (art. 273, na hipótese de seu inciso I, do CPC) [...] [5]

De toda forma, imprescindível destacar aquelas medidas cautelares expressamente trazidas pela Lei 8.429/1992, as quais deverão ser requeridas pelo membro do Ministério Público, que, por sua vez, obrigatoriamente deve se atentar ao momento em que cada uma delas se mostra adequada e necessária, a fim de resguardar aquilo que a demanda protetora da probidade pretende.

Prefere-se, por didático, discriminar a existência de cada uma das medidas cautelares, sem, contudo, antecipar a explicação acerca da participação do Ministério Público no procedimento administrativo de improbidade e no processo judicial (ação de improbidade propriamente dita), institutos que merecem desenvolvimento em itens apartados.

Como salientado, a primeira medida cautelar prevista na Lei de Improbidade Administrativa é a indisponibilidade de bens do indiciado. O artigo 7º, caput, e o seu parágrafo único possuem a seguinte redação:

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. [6]

A indisponibilidade de bens, como mencionado, foi abordada como uma das sanções do ato de improbidade administrativa, prevista tanto na Lei 8.429/1992, como também no parágrafo 4º, do artigo 37, da Constituição Federal.

No entanto, o artigo 7º, da lei em questão, trata de uma “providência cautelar obrigatória, cujo desiderato é assegurar a eficácia dos provimentos condenatórios patrimoniais, evitando-se práticas ostensivas, fraudulentas ou simuladas de dissipação patrimonial”[7].

Dessa maneira, entende-se que o dispositivo traz uma perspectiva assecuratória à indisponibilidade de bens, isto é, servirá para, como a própria letra da lei afirma, assegurar o integral ressarcimento do dano ou para garantir a devolução do montante havido a título de enriquecimento ilícito, que naturalmente aconteceriam no final de uma demanda.

Para tanto, a indisponibilidade de bens proíbe e congela qualquer possibilidade de o agente público alienar (em sentido amplo) os bens havidos por meio do ato ímprobo. O caput do artigo 7º aparentemente deixa claro que a medida cautelar de indisponibilidade de bens só é cabível quando o ato ímprobo causar lesão ao patrimônio público ou importar enriquecimento ilícito, ou seja, quando realizar a subsunção aos artigos 9º e 10 da Lei 8.429/1992.

Por consequência, seguindo este raciocínio, restaria excluída a hipótese de indisponibilidade de bens quando o ato de improbidade administrativa atentasse contra os princípios da administração pública (artigo 11, da Lei 8.429/1992).

Contudo, há entendimento doutrinário que afirma que esta é uma visão incorreta, pois, havendo ato de improbidade administrativa que fira princípio da administração e, ao mesmo tempo, cause lesão ao erário, também é cabível a indisponibilidade de bens na hipótese do artigo 11, da Lei 8.429/1992[8].

Em relação aos requisitos necessários à concessão da indisponibilidade de bens, já houve alguma discussão doutrinária e jurisprudencial. Hoje, a questão está pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Em resumo, muito embora parcela da doutrina entenda que tanto o fumus boni iuris quanto o periculum in mora careçam de demonstração[9] - assim como já entendeu o STJ -, o Superior Tribunal de Justiça tem atualmente entendimento consagrado no sentido de que apenas o primeiro necessita ser evidenciado.

É a atual posição do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. PREVISÃO CONSTITUCIONAL (ART. 37, §  4º) PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. FUMUS BONI IURIS: INDISPENSABILIDADE.

1. A indisponibilidade de bens é medida que, por força do art. 37, § 4º da Constituição, decorre automaticamente do ato de improbidade.

Daí o acertado entendimento do STJ no sentido de que, para a decretação de tal medida, nos termos do art. 7º da Lei 8.429/92, dispensa-se a demonstração do risco de dano (periculum in mora), que é presumido pela norma, bastando ao demandante deixar evidenciada a relevância do direito (fumus boni iuris) relativamente à configuração do ato de improbidade e à sua autoria [...]. [10]

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Assim, o membro do Ministério Público não pode, e nem deve, aguardar que o agente público ímprobo desapareça – ou esteja em situação próxima de desaparecer – com os bens que serviriam para assegurar o ressarcimento aos cofres públicos.

Em outras palavras, para que promotor requeira a medida cautelar de indisponibilidade de bens, com base na compreensão do STJ, basta que demonstre alguns indícios de que o agente público tenha cometido o ato de improbidade, o que será suficiente para impedir que este aliene seus bens.

Em continuidade, o artigo 16, caput e parágrafos 1º e 2º, da Lei 8.429/1992, prevêem as medidas cautelares de sequestro de bens do agente ou terceiro, e a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras. É a redação do dispositivo:

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.

§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.[11]

Em relação ao sequestro, este pode ser conceituado como “medida cautelar de constrição de bens determinados e específicos, discutidos em processo judicial, que correm o risco de perecer ou de danificar-se”[12].

Assim, o Ministério Público também possui legitimidade para requerer o sequestro dos bens do próprio agente ímprobo ou até mesmo de um terceiro, desde que tenham enriquecido de maneira indevida ou tenham lesionado os cofres públicos.

Ainda, o dispostivo é claro ao exigir a constatação de fundados indícios de responsabilidade do agente público. Isto é, “a lei exige indícios sérios, fundados, de responsabilidade, afastando de pronto vagas presunções sem concatenação lógica”[13].

Para a Lei de Improbidade Administrativa, portanto, o Ministério Público pode pleitear a separação de alguns bens singulares do agente ímprobo, com o fito de conservá-los até o final da demanda, para que sejam reintegrados ao patrimônio da Administração Pública.

Entretanto, há de reconhecer algum problema em manejar o sequestro propriamente dito, pois este só restaria cabível quando o bem em discussão fosse indevidamente transferido da propriedade da Administração para a propriedade do agente ímprobo.

Por isso, parte da doutrina entende que o termo correto deveria ser arresto, o qual serviria para apreender qualquer espécie de bem do agente ímprobo, com o escopo de garantir o futuro ressarcimento à Administração Pública, situação que, por sua vez, não configura prejuízo, já que o Código de Processo Civil é inteiramente aplicável[14], como destacado.

Aliás, até mesmo para o próprio sequestro é clara a disposição do parágrafo 1º, que manda aplicar as regras contidas no Código de Processo Civil, submetendo, assim, o instituto à carta processual.

A orientação jurisprudencial segue o raciocínio elaborado para a medida cautelar de indisponibilidade de bens, sendo certo que, no caso do sequestro, também é “inexigível comprovação do estado de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação”[15].

Assim, o promotor que atua no caso concreto deve permanecer em constante vigia, já que, configurado aquilo que a própria lei denomina de “fundados indícios de responsabilidade”, já há elementos suficientes para o requerimento da medida de sequestro.

Como se vê, a preocupação da lei é justamente que o Ministério Público aja rapidamente e provoque o Poder Judiciário, alertando-o sobre a urgência da tutela, no sentido de que merece ser decretada o mais rápido possível, tudo com a finalidade elementar de assegurar que a Administração Pública retorne, posteriormente, ao estado anterior à prática do ato ímprobo.

Para assegurar tal resultado, inclusive, o parágrafo 2º, do dispositivo em tela, adiciona possíveis pedidos no requerimento de sequestro, como a investigação, exame e bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras.

Em relação a estes pedidos, compactua-se com o ensinamento de José Antonio Lisbôa Neiva:

Entendemos, porém, que o bloqueio de bens é obtido na tutela de indisponibilidade, razão pela qual o dispositivo seria aplicável à ação cautelar prevista no art. 7º da LIA e, no que se refere à investigação e exame de bens, tais providências estariam inseridas na demanda cautelar de sequestro, como instrumento para a localização e verificação dos bens que poderiam ser apreendidos, ou em demanda cautelar preparatória (não de sequestro), apta a assegurar adequada investigação da situação econômico-financeira do agente público e partícipe, para uma futura e eventual ação, que poderia ter por finalidade o sequestro ou a indisponibilidade de bens.[16]

De toda maneira, são também instrumentos idôneos à atuação do Ministério Público e que deverão reger o comportamento do membro da instituição, o qual necessita de elevado grau técnico e manifesta perícia para desempenhar requerimentos eficientes à proteção do patrimônio da Administração Pública que esteja em mãos ímprobas.

Por fim, como última medida cautelar prevista pela Lei 8.429/1992, o artigo 20, parágrafo único, prevê o afastamento do agente público, dispondo ser determinável pelo juiz ou administrador o “afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual”.

Em relação ao afastamento do agente público, destacável a sua excepcionalidade como medida cautelar, notadamente porque o caput do mesmo dispositivo exige a coisa julgada para que o agente público efetivamente perca suas funções.

Assim, deve existir alguma circunstância que realmente demonstre a imprescindibilidade de que determinado agente, que acaba de praticar o ato ímprobo, seja sumariamente afastado das funções que exercia dentro da Administração Pública.

Tal pretexto é trazido pela própria letra da lei, que exige, para o afastamento cautelar, que o agente ímprobo tenha alguma espécie de comportamento visando deteriorar a instrução processual do caso em que é investigado ou réu.

Por isso, valiosa a admoestação de Marino Pazzaglini Filho:

[...] a medida cautelar de afastamento provisório do agente público, que está sendo investigado ou processado por ato de improbidade administrativa, do seu cargo, emprego ou função pública, por ser medida das mais severas, inclusive com a amplitude de suspensão do mandato eletivo, esmorecendo-se a vontade popular expressa nas urnas, reveste-se de excepcionalidade e só é lícita a sua concessão quando existam, nos autos, provas incontroversas de que sua permanência (no cargo, emprego ou função pública) poderá causar (ou está causando) dano efetivo à instrução processual (apuração do ato de improbidade adminsitrativa que lhe foi imputado).[17]

De tal forma, o promotor de justiça combatente, também nesta hipótese, deve conservar algum estado de alerta, para que, verificando que o agente público ímprobo dê início a algum tipo de alvoraçamento dirigido à instrução processual, como ato que atente contra documentos, perícias, inspeções, testemunhas, depoimentos, desde logo, requeira ao juiz o seu afastamento.

A justificativa aparente da norma é vislumbrada pela constatação de que o agente público, quando remanescente no munus público e dotado de prerrogativas em razão disso, consegue facilmente influenciar em questões probatórias referentes ao ato de improbidade que ele próprio cometeu.

Assim, surge a necessidade de afastá-lo e retirá-lo de dentro da Administração Pública, para que a verdade real, tão almejada pelo processo que instrumentaliza eventual ação de improbidade ou procedimento administrativo, efetivamente seja alcançada, punindo o ímprobo ou não, conforme o resultado final.

A doutrina entende que os únicos requisitos para requerer tal medida de afastamento são o aparente cometimento de improbidade pelo agente e a constatação de que este esteja praticando ato contra a instrução processual, não englobando-se como fundamento a “reincidência em novos atos de improbidade administrativa”[18].

Inclusive, é a posição pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

[...] A espécie comporta aludida exceção, pois a jurisprudência deste Superior Tribunal é taxativa no sentido de admitir o afastamento cautelar do agente público somente quando este, no exercício de suas funções, puser em risco a instrução processual, não sendo lícito invocar a relevância ou posição do cargo para a imposição da medida. [...] [19]

Para concluir, como salientado, os institutos analisados foram previstos expressamente pela Lei de Improbidade Administrativa, dividindo-se cada um deles de acordo com a sua própria peculiaridade.

O realce fundamental é que referidas previsões obrigam o promotor de justiça a agir com maior celeridade e destreza de percepção, ante o caráter cautelar das medidas, sem prejuízo de que o membro da instituição possa também se valer de quaisquer das medidas cautelares previstas pelo ordenamento jurídico, quando necessárias e adequadas no caso concreto.

Em resumo, no mesmo instante que o promotor de justiça percebe que os rumos de uma investigação administrativa ou de um procedimento judicial referente à improbidade possam ser desviados, por alguma razão, deverá enquadrar alguma das medidas analisadas ao caso concreto, requerendo a sua aplicação urgentemente.

A legitimidade investigativa do Ministério Público e a sua atuação em eventual procedimento administrativo

A questão em tela busca esclarecer, primeiramente, como o membro do Ministério Público convence a si próprio de que o ato de improbidade resta configurado, a fim de que prossiga com as providências legais cabíveis para convencimento dos demais personagens jurídico-processuais, com objetivo final de punir o agente ímprobo e proteger a Administração Pública.

Em outras palavras, objetiva-se a apresentação dos mecanismos utilizáveis pelo Ministério Público para investigar a ocorrência ou não da prática de ato ímprobo, em todas as circunstâncias, assim como a maneira que a instituição ou seu membro acompanha e age em eventual procedimento paralelo que perscrute a mesma apuração.

Para tanto, é necessária a avaliação do Capítulo V, da Lei de Improbidade Administrativa, especificamente – por ora – no que diz respeito ao procedimento administrativo de improbidade administrativa, separando-se as linhas de atuação do promotor neste campo.

Em primeiro momento, indispensável desassociar dois institutos na fase investigatória, já que esta  tanto “pode ocorrer no âmbito da Administração Pública, mediante processo administrativo, quanto na esfera do Ministério Público, com a instauração do inquérito civil”[20].

Assim sendo, desde logo, verificam-se duas possíveis frentes de investigação que buscam a caracterização concreta do ato de improbidade administrativa: uma dentro da própria Administração e outra guiada pelo parquet.

Por óbvio, aquela conduzida pelo Ministério Público, através do inquérito civil, é a que ganha maior destaque no presente exame. Contudo, a instituição também pode praticar atos que colaborem com o processo administrativo, como se verá.

Como o procedimento administrativo não é o instrumento primordialmente interessante ao Ministério Público, o instituto não será objeto de análise detalhada, sendo desenvolvido somente naquilo que interesse à participação da instituição ministerial, com apresentação de breves noções gerais.

Com apoio do escarmento de José dos Santos Carvalho Filho, o procedimento administrativo é entendido como:

[...] o conjunto de atos e atividades que, ordenados em sequência lógica e encadeada, objetiva apurar a prática de ato de improbidade. Como qualquer procedimento, sua formalização implica a instauração de processo administrativo – este a relação jurídica firmada entre órgãos do Estado e pessoas do setor privado em busca daquela finalidade. [21]

Como dito, é a Lei de Improbidade administrativa que cria o regramento do procedimento administrativo para a apuração do ato de improbidade.

O artigo 14, da Lei 8.429/1992, dispositivo que inicia o tratamento legal do instrumento administrativo-procedimental, aponta que qualquer indivíduo que vislumbre a ocorrência de um ato ímprobo pode representar à “autoridade administrativa competente”, a fim de que esta instaure investigação sobre.

A mencionada autoridade competente estará, em regra, inserta em algum dos entes impactáveis pelos atos de improbidade administrativa, os quais foram tratados pelo presente estudo como sujeitos passivo da improbidade administrativa, de maneira que “será aquela designada em norma interna da pessoa jurídica destinatária da representação”[22].

O parágrafo 1º, do artigo 14, da Lei 8.429/1992 traz alguns requisitos formais necessários para que a representação ocorra de maneira válida, não sendo, todavia, relevante para o exame.

De real importância, é a confirmação de que esta representação feita por qualquer indivíduo do povo também pode ser dirigida ao Ministério Público, isto é, não remanescendo restrita à autoridade administrativa. Vale dizer, conforme advertência de Marcelo Figueiredo:

A lei, atendendo à vontade constitucional, estabelece em preceito didático a faculdade da representação responsável, à autoridade administrativa bem como ao Ministério Público. Este último, também nos moldes do art. 22, pode atuar. [...] o Ministério Público participará obrigatoriamente da apuração do ato de improbidade, ora como parte, ora como fiscal da lei. Nada obsta a que qualquer pessoa “represente” diretamente ao Ministério Público. É dizer, peticione, relatando os fatos ilícitois, apontando as evidências e firmando o termo. [23]

Em razão disso, o parágrafo 2º, do artigo 14, da Lei 8.429/1992, acertadamente prevê que, caso a autoridade administrativa rejeite a representação, ainda assim será possível dirigi-la ao órgão ministerial, tudo em conformidade com o artigo 22, da mesma fonte legal.

Aliás, é a redação deste último dispositivo (artigo 22, da Lei 8.429/1992):

Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo. [24]

Como se vê, no caso de a representação ser feita ao Ministério Público, a instituição ministerial não instaurará propriamente o procedimento administrativo – já que, como visto, servir-se-á do inquérito civil quando quiser investigar –, mas requisitará a abertura ou de inquérito policial ou de procedimento administrativo, o que dependerá de os episódios investigados constituirem crime ou não.[25]

Portanto, no caso do artigo 14, da Lei de Improbidade Administrativa, o papel do promotor de justiça será justamente avaliar a necessidade de apuração mais elaborada sobre os fatos representados pelo indivíduo do povo.

Surgem, assim, três opções ao membro do Ministério Público, de acordo com a combinação dos artigos 14 e 22, da Lei 8.429/1992: a) requisitar a abertura do inquérito policial, no caso de configuração de crime; b) requisitar a abertura de procedimento administrativo às pessoas jurídicas mencionadas; c) instaurar efetivamente o inquérito civil (o qual ainda será analisado).

É justamente o que explica Wallace Paiva Martins Júnior:

O desiderado da lei é a ampliação dos meios investigatórios fornecidos ao Ministério Público, estendendo o poder requisitório na apuração de ato de improbidade administrativa com a possibilidade de requisição de procedimento administrativo ou inquérito policial como instrumentos profícuos para a realização desse escopo, ao lado dos já existentes, não excluídos do seu campo de incidência [...] objetivando, em ambos os casos, a promoção de ação civil pública. [26]

Desse modo, resta clara a pertinência de uma avaliação exclusivamente direcionada ao inquérito civil, que é o instrumento de investigação natural do Ministério Público, o que se compatibiliza com o estudo central deste trabalho.

Entretanto, antes de análise sobre a atuação investigatória diretamente realizada pelo Ministério Público, que, como insistido, ocorre pelo inquérito civil, cumpre estabelecer, ligeiramente, as demais diretrizes legais atinentes à performance ministerial ainda no âmbito do procedimento administrativo.

O artigo 15, caput e parágrafo único, da Lei de Improbidade Administrativa, prevendo a criação de comissão interna no âmbito do sujeito passivo do ato ímprobo, estipula que este organismo deverá tornar o Ministério Público (e o Tribunal de Contas) ciente da tramitação do procedimento administrativo.

O próprio dispositivo, em seu parágrafo único, explica o fundamento de tal previsão legal: O Ministério Público (ou o Tribunal de Contas) terá a mera escolha de designar ou não um promotor de justiça para participar, a título de fiscalização, do procedimento administrativo instaurado.

Entende-se que o órgão ministerial, também neste caso, carecerá de certa sisudez para indicar ou não algum membro que realize tal tarefa. É que há casos em que a complexidade e repercussão da prática ímproba é tamanha, sendo inviável cogitar um Ministério Público distante.

O comentário digno, nesse campo, diz respeito ao próprio procedimento administrativo, que, ainda que encargo do ente lesado, não pode ser compreendido como requisito obrigatório a ser preenchido e enfrentado para que o Ministério Público passe a investigar ou até mesmo para que acione o Poder Judiciário por meio da ação pertinente [27].

Em resumo, “a circunstância de a Administração instaurar o processo disciplinar e comunicar o Ministério Público e o Tribunal de Contas não impede que estes realizem fiscalização dentro de suas atribuições”[28].

A Lei 8.429/1992 conclui as disposições regentes acerca da atuação do Ministério Público dentro do âmbito do procedimento administrativo com o artigo 16, já estudado, que prevê que a entidade vítima do ato ímprobo deverá representar ao Ministério Público, para que este, quando cabível, requeira judicialmente o sequestro, instituto amplamente analisado em item anterior.

Como se vê, portanto, são temas que se conectam e justificam verdadeiramente a exigência de estudo minucioso sobre cada um dos pontos, sendo certo que, somente de tal maneira, a integralidade temática será entendida, o que possibilita ao intérprete e destinatário da lei uma visão ampla, sobretudo no que se refere à atuação ministerial.

Por fim, ascende-se ao estudo do instrumento de investigação próprio do Ministério Público, aquele que realmente legitima a atuação da instituição numa perspectiva investigativa, a fim de que sejam descobertas as mais escuras condutas ímprobas: o inquérito civil.

O inquérito civil é, segundo o que anuncia Marino Pazzaglini Filho:

[...] o instrumento de investigação exclusivo do Ministério Público, que tramita em sua via administrativa, instaurado e presidido por membro dessa Instituição, destinado à apuração de fatos ou atos eventualmente atentatórios ao interesse público difuso, coletivo ou individual homogêneo, com o objetivo de preparar o ajuizamento de ação civil pública (pública ou de improbidade administrativa).[29]

Pode haver alguma dificuldade na assimilação do inquérito civil, mormente quando utilizado para a investigação de atos de improbidade administrativa, em razão de a própria Lei 8.429/1992 sequer mencionar o instrumento. O que legitima, então, a utilização do inquérito civil?

A legitimação investigativa do Ministério Público deve ser buscada, como sempre, no ordenamento jurídico. Como dito, não se acha previsão sobre o instrumento investigatório na Lei de Improbidade Administrativa.

Porém, antes do advento de referida lei, mais precisamente desde 1985, já vigia a Lei da Ação Civil Pública – Lei nº 7.347/1985 –, anterior também à Constituição Federal de 1988, de maneira que, dentre seus comandos legais, permitiu que o Ministério Público inaugurasse e presidisse o inquérito civil.

Em 1988, a Constituição Federal, por sua vez, atribuiu ao Ministério Público, em seu artigo 129, inciso III, a função institucional de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

Assim, nas palavras de Francisco Octavio de Almeida Prado:

A partir de então ficou o Ministério Público legitimado a instaurar e presidir o inquérito civil como procedimento de investigação preparatório de ações destinadas à responsabilização de agentes públicos por infrações detrimentosas à Administração Pública. [...] O inquérito civil, assim como o inquérito policial – que lhe serviu de modelo inspirador -, é um procedimento administrativo que tem natureza inquisitória e não se destina a ensejar uma decisão. Preordena-se a coligir elementos de convicção, instrumentando o Ministério Público para concluir pela propositura ou não da ação que lhe compete – no caso, a ação de responsabilidade civil por improbidade administrativa.[30]

Constata-se, destarte, fosse a Lei 8.429/1992 fonte legal isoladamente interpretada, não haveria como permitir ao Ministério Público a utilização do inquérito civil como instrumento próprio de atividade investigativa no âmbito da improbidade administrativa. No máximo, restaria à instituição a participação no procedimento administrativo ou a requisição de investigação ao delegado de polícia.

Com a interpretação sistemática, ou seja, conjunta à Lei de Ação Civil Pública e à Lei Maior, a conduta do agente ímprobo também poderá ser desvendada pela atividade funcional do promotor de justiça, isto é, através do instrumento denominado inquérito civil.

Diante de tal contexto, ressalta-se, demonstrando o promotor de justiça, em sede de inquérito civil, a ocorrência de conduta ímproba, o parquet deverá promover a ação judicial adequada, a qual será estudada em item subsequente.

A premissa em que o estudo sobre o inquérito civil deve se fundar é que ao Ministério Público desinteressa o resultado atingido pela autoridade administrativa, já que a instituição ministerial é independente para investigar, devendo fazê-lo sempre que o material probatório ainda for insuficiente para acionar o Poder Judiciário.[31]

Arraigar-se no campo aprofundado do inquérito civil é compensador, pois “é, atualmente, o instrumento legal de mais profícua utilização, na apuração de atos de improbidade administrativa”.[32]

Vê-se, assim, que o Ministério Público é a instituição que mais combate a atitude ímproba, não só pela via jurisdicional, mas também em âmbito interno da instituição, ousando, sem receio e dentro dos limites legais, na árdua missão de investigar.

Entretanto, é preciso entender que mesmo o inquérito civil é também apenas uma das opções do promotor de justiça que pretende assoalhar a prática de um ato ímprobo. Isto porque o parágrafo 1º, do artigo 8º, da Lei 7.437/85, dá alternativa ao membro da instituição: requisitar demais materiais probatórios e deles se servir.

Em resumo, o inquérito civil não é imprescindível para o posterior ajuizamento da ação pertinente, pois a instituição pode obter a comprovação da prática de ato ímprobo por meio de outras evidências e, sendo estas satisfatórias para compor a exordial, o promotor de justiça já está autorizado a acionar o Poder Judiciário.[33]

São exemplos de outras provas passíveis de arrecadação pelo Ministério Público, segundo Marino Pazzaglini Filho:

[...] peças de informações remetidas por autoridades judiciárias, administrativas e legislativas extraídas de processos civis e criminais; de procedimentos administrativos pela Administração Pública, no exercício da autotuela do controle da atuação de seus agentes; de autos dos Tribunais de Contas; e de inquérito parlamentar conduzido por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).[34]

De toda maneira, não tendo em mãos outro material probatório, resta assentado que o Ministério Público tem legitimidade para presidir o inquérito civil e em tal instrumento investigar o ato de improbidade administrativa. Precisamente, é o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. PRÉVIO INQUÉRITO CIVIL QUE ENCONTRA RESPALDO NO ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. [...] 2. Não há falar em nulidade ou ilegalidade do prévio inquérito civil presidido pelo Parquet autor, cujo procedimento investigativo encontra desenganado respaldo na própria Constituição Federal (art. 129, inc. III). [...] [35]

Os aspectos puramente procedimentais inseridos no inquérito civil, tais como requisitos formais, prazos e competência não constituem objeto de estudo pertinente ao presente trabalho. Entretanto, é necessário absorver a essência do inquérito civil, especialmente quando investido em defesa da probidade administrativa.

Inconteste que o próprio promotor de justiça pode, oficiosamente, instaurar o inquérito civil, assim como pode aguardar representação, comunicação ou ordem interna hierarquicamente superior, para que delas origine o instrumento de investigação.[36]

Conclui-se, de tal maneira, que o inquérito civil pode surgir das mais diversas e imagináveis conjunturas, sobretudo no âmbito da improbidade administrativa, em que o ordenamento jurídico estende o papel de alertador da ocorrência de conduta ímproba a qualquer pessoa do povo.

A doutrina anota que o instrumento investigatório não está subordinado ao contraditório e à ampla defesa, não cabendo habeas corpus em face do inquérito civil. Por outro lado, destaca ao promotor de justiça o dever de arquivamento do procedimento quando não vislumbrar ato ímprobo, situação que deverá ser revista pelo Conselho Superior do Ministério Público.[37]

No âmbito do inquérito civil, ainda, mais do que apropriada é a análise acerca da conduta que se exige do promotor de justiça frente ao princípio da publicidade. O membro do Ministério Público tem o dever de velar pela regra da publicidade no inquérito civil, que lhe impõe a transparência e acessibilidade do conteúdo do instrumento aos interessados, porém, resguardando eventual situação excepcional de sigilo.[38]

No que tange ao sigilo, a crítica que se mostra pertinente provém da sapiência de Hugo Nigro Mazzilli:

[...] têm as autoridades até mesmo o dever de dar publicidade aos atos da Administração, sempre com serenidade e nunca tendenciosidade, e esse dever de publicidade só cede lugar naqueles casos em que o sigilo seja recomendável por conveniência da própria investigação ou seja exigível por imposição da própria lei. Ademais, tal tese de sigilo no inquérito civil só surgiu, et pour cause, depois que o Ministério Público começou a dirigir suas investigações para milhares de atos de improbidade administrativa (envolvendo prefeitos, deputados, governadores e políticos e autoridades do mais alto escalão, em proporções até então inéditas no País)… Sintomaticamente, a reação não se fez esperar.[39]

Assim, percebe-se que o sigilo só demandará decretação quando houver previsão legal ou quando o promotor de justiça entender que, não sendo estabelecido o segredo, as investigações em curso restariam prejudicadas.

Em seguida, o conteúdo do inquérito civil é determinado de acordo com aquilo que o Ministério Público, por meio de seu membro responsável, lograr êxito em reunir.

Entrementes, em geral, a investigação do Ministério Público pode dar ensejo a qualquer fonte probatória, “tais como inquirição de testemunhas, coleta de declarações de prejudicados ou causadores de danos, acareações, vistorias, inspeções ou perícias” e “requisição de documentos, informações, diligências”.[40]

À vista disso, novamente é o promotor de justiça com atribuições de atuação no caso concreto quem deverá analisar o meio de prova necessário à apuração da existência ou não do ato ímprobo, para, em seguida, realizar ou solicitar a sua colheita, respeitando as peculiaridades normativas de cada um deles.

No presente campo instrutório, por exemplo, a doutrina registra que o Ministério Público só poderá realizar a quebra do sigilo bancário através de interferência do Poder Judiciário, sempre com a necessidade de fundamentação idônea para tal violação.[41]

Diante de tal cenário, percebe-se o promotor de justiça utilizará o inquérito civil, no caso concreto, como instrumento para a reconstrução de um fato histórico, isto é, mais especificamente, a caracterização da improbidade administrativa.

Para tanto, como insistido, o membro da instituição ministerial recolherá tantas provas quantas forem necessárias para que se crie um parâmetro seguro, no sentido de que o inquérito civil esteja efetivamente correspondendo à verdade do plano fático.

Muito embora seja fisicamente impossível às provas juntadas aos autos de inquérito civil transportarem o ato de improbidade administrativa de um tempo passado – seja distante ou próximo –, em sua integralidade de acontecimentos, para o tempo presente constante no instrumento investigativo, estas constituirão material probatório autorizador ou não para a propositura da ação judicial pertinente.

Em suma, além do necessário autoconvencimento do promotor de justiça acerca da caracterização do ato de improbidade administrativa, é necessário que o agente ministerial esteja seguro de que os elementos coletados no inquérito civil restem suficientes para sustentar a futura e próxima ação judicial.

Havendo apenas indícios ou meras suspeitas, ou seja, situações que não amparam de maneira segura a caracterização do ato de improbidade administrativa, como salientado, o membro do Ministério Público deve requerer o arquivamento do inquérito civil ao Conselho Superior da instituição[42].

A expectativa natural lançada sobre o inquérito civil é a de que o promotor de justiça realize a sua tarefa de maneira bem sucedida, o que possibilitará o acionamento do Poder Judiciário para que, por meio deste, as consequências da prática de um ato de improbidade administrativa sejam concretizadas.

Sanada a justa legitimidade investigativa do parquet por meio do inquérito civil, o tema que finalmente ganha importância, sendo digno de apreciação no momento, é aquele que diz respeito à fase subsequente de interposição de ação judicial.

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Sobre o autor
Hugo Campitelli Zuan Esteves

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná. Pós-Graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina: especialista em Direito Constitucional. Pós-graduado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná. Docente em Kroton Educacional. Docente em Anhanguera.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTEVES, Hugo Campitelli Zuan. Reflexões sobre a atuação do Ministério Público na proteção do direito fundamental à probidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5004, 14 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56175. Acesso em: 24 abr. 2024.

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