4. Aplicação da Lei de Falência nas Estatais
A falência das sociedades de economia mista e empresas públicas têm sido bastante polemizadas na doutrina e na jurisprudência.
A lei nº 6.404/76, que regula as sociedades anônimas é expressa ao exarar que as sociedades de economia mista não se sujeitavam à Falência, sendo que em 2001, a Lei nº 10.303, revogou de forma expressa o artigo que tratava sobre o assunto. Mas antes mesmo desta revogação, os doutrinadores afirmavam que a norma não fora recepcionada pelo art. 173, § 1º, da Constituição Federal de 1988, visto que as sociedades de economia mista quando exploram atividade econômica se equiparam as empresas privadas no que concerne às obrigações civis, trabalhistas, tributárias e comerciais.
Devido à revogação, o legislador acabou por atender o posicionamento de que as sociedades de economia exploradoras de econômicas são submetidas à falência, tese defendida por José dos Santos Carvalho Filho[26]:
“Com a revogação, ficava claro que o legislador acabara por ceder a tal entendimento, passando a admitir a decretação de falência no caso de insolvência dessas entidades. De acordo com nosso entendimento, porém, que corroborava essa posição, estariam excluídas do regime falimentar as sociedades de economia mista prestadores de serviços público, e isso por mais de uma razão. A uma, porque o regime jurídico dessa categoria não se inseria no citado art. 173, § 1º, da CF, pertinente apenas às sociedades de economia mista voltadas à atividade econômica e de natureza empresarial. A duas, porque deveria prevalecer o princípio da continuidade dos serviços públicos, não sendo admissível que a sociedade se visse prejudicada pela má gestão dos responsáveis pela entidade e pela cessação da atividade em virtude da decretação da falência.”
No que se refere a empresa pública, a Lei 6.404/76 foi omissa quanto à aplicação da falência para essas empresas. Mas os doutrinadores seguiram a mesma lógica das sociedades de economia mista, afirmando que as exploradoras de atividade econômica podem ter sua falência decretada, retirando as prestadoras de serviços públicos.
Para dirimir tais dúvidas, com o advento d Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências), que regula a recuperação judicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, a matéria ficou definida em termos de legislação, ou seja, em direito positivo.
O artigo 2º, inciso I, do referido diploma, afirma que a lei não se aplica as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Art. 2o Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. (Grifo nosso).
Desta forma como o legislador não distinguiu que tipo de atividade as empresas públicas e as sociedades de economia mista desempenham, quais sejam, exploração de atividade econômica ou prestadora de serviço público, a lei deve se aplicar a todas, sem exceção.
Marcelo Bertoldi e Marcia Ribeiro analisam o texto do artigo 2º, da Lei de Falências:
“Por expressa determinação do art. 2º, I, da LRE, também não será aplicável à empresa pública e à sociedade de economia mista pelo fato de contarem com investimentos públicos que não poderão estar sujeitos às mesmas regras aplicáveis às empresas que operam exclusivamente com recursos privados.
A Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404/76, em sua redação originária, no art. 242 previa a não sujeição das sociedades de economia mista ao regime falimentar, mas, em contrapartida, determinava a responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica de direito público controladora da sociedade de economia mista estaria sujeita ao regime da antiga lei de 1945, ainda que o tema pudesse suscitar controvérsias. A LRE exclui novamente essas sociedades assim como as empresas públicas da sujeição ao seu regime de recuperação e falência. Observe-se, no entanto, que a responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica de direito público não foi restabelecida.
No entanto, quando se tratar de empresa privada prestadora de serviço púbico, a LRE não afasta sua incidência, prevendo no art. 195, no caso de falência, a cessação do serviço público, em razão da extinção da concessão. ”[27]
Waldo Fazzio Júnior também leciona sobre o entendimento que vigora a partir da Lei de Falências:
“Fora do regime de insolvência da LRE, está a sociedade de economia mista, ou seja, a pessoa jurídica de direito privado, criada mediante autorização legal, sob a forma de sociedade anônima, para a exploração de atividade econômica ou serviço de interesse coletivo, sob controle majoritário da Administração Pública direta ou indireta. Não está sujeita à recuperação judicial nem à falência. O art. 173, § 1º, inciso II, da CF destina-lhe o regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, mas não quanto ao regime de insolvência, reconhecidamente especial e específico.
Da mesma forma, as empresas públicas não se sujeitam à recuperação judicial ou à falência, em caso de insolvência. Qualificadas com personalidade jurídica de direito privado, as empresas públicas são privadas, mas seu capital é integralmente público. A pessoa é particular; o capital é público. Segundo o art. 178 do Decreto-Lei nº 200/67, se a empresa pública acusar prejuízo continuado, poderá ser liquidada ou incorporada a outra entidade por ato do Poder Executivo.”[28]
Gladston Mamede, afirma como se dá a falência nas estatais conforme a legislação e a doutrina:
“Segundo o artigo 2º, I, da Lei 11.101/05, estão excluídas de seu regime a empresa pública e a sociedade de economia mista, pessoas que compõem Administração Pública indireta. Empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito (artigo 5º, II, do Decreto-Lei 200/67). Sociedade de economia mista é entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta (artigo 5º, II). A tais entidades aplicam-se as regras do Direito Administrativo, no qual se definem regras específicas sobre o pagamento de dívidas dos entes públicos, inclusive da Administração Pública Indireta. ”[29]
Fábio Ulhoa[30] explica quem são os excluídos da aplicação da Lei de Falências:
“A primeira diz respeito às empresas públicas e sociedades de economia mista, que estão totalmente excluídas do processo falimentar (LF, art. 2º, I). Como são as sociedades exercentes de atividade econômica controladas direta ou indiretamente por pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Territórios ou Municípios), os credores têm sua garantia representada pela disposição dos controladores em mantê-las solventes. Não é do interesse público a falência de entes integrantes da Administração Indireta, ou seja, de desmembramento do Estado. Caindo elas em insolvência, os credores podem demandar seus créditos diretamente contra a pessoa jurídica de direito público controladora.”
Desta forma o entendimento se consolida que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem sofrer a incidência do regime de falências. Apesar de existir críticas quanto a essa questão, exemplificadas nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho[31], o que se faz importante anotar:
“Em nosso entendimento, não foi feliz (para dizer o mínimo) o legislador nessa opção. De plano, o dispositivo não parece mesmo consentâneo com a ratio inspiradora do art. 173, § 1º, da Constituição. De fato, se esse mandamento equiparou sociedades de economia mista e empresas públicas de natureza empresarial às demais empresas privadas, aludindo expressamente ao direito comercial, dentro do qual se situa obviamente a nova lei de falências, parece incongruente admitir a falência para estas últimas e não admitir para aquelas: seria uma discriminação não autorizada pelo dispositivo constitucional. Na verdade, ficaram as entidades paraestatais com evidente vantagem em relação as demais sociedades empresárias, apesar de ser idêntico o objeto de sua atividade.”
Corroborando com o entendimento acima está Celso Antônio Bandeira de Mello[32], que afirma:
“A Lei de Falências (Lei 11.101, de 9.2.2005), em seu art. 2º, declara não se aplicar a empresas públicas e sociedades de economia mista – isto é, às empresas estatais. Sem embargo, este dispositivo há de ser recebido cum grano salis. É que – como observou o eminente e sempre atilado Prof. José dos Santos Carvalho Filho -, se o art. 173, § 1º, II, da Constituição as equiparou às empresas privadas aludindo expressamente ao Direito Comercial, a Lei Falimentar não poderia estabelecer tal discriminação excludente sem incidir inconstitucionalidade. Sem embargo, cumpre dizer que o dispositivo constitucional mencionado se refere expressamente às “exploradoras de atividade econômica.””.
Portanto, entende-se que a Lei de Falências não se aplica a nenhuma das estatais, sendo que a doutrina, com razão, diverge do entendimento consolidado para afirmar que as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica deveriam ser atingidas pela lei de falências, porque como a Constituição equiparou as exploradoras de atividade econômica com as empresas privadas, aquelas deveriam ter o mesmo tratamento destas, além que as estatais ao não sofrerem o processo de falência ficam com uma benesse bastante vantajosa, ao serem eximidas de falir.