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Marco Civil da Internet:

Cadê a neutralidade da rede?

21/03/2017 às 12:38
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O Decreto 8.771/16, complementando a Lei nº 12.965/14, trouxe as balizas da proteção ao tráfego de dados na rede, tentando, assim, garantir sua neutralidade. Mas por que empresas ainda quebram esse princípio? Saiba como se proteger.

Marco Civil - Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014

O Projeto de Lei nº 2.126/2011 se tornou recentemente a Lei do Marco Civil da internet que tinha, inicialmente, como principal fundamento, a guarda dos registros das conexões, não só pelos provedores de conexão, mas também pelos provedores de aplicação, assim aumentando a possibilidade de identificação do usuário que efetuou a conexão, evitando, portanto, possíveis delitos virtuais.

De acordo com Scherkerkewitz, no seu livro Direito e Internet (2014), o Brasil é um dos países pioneiros quando se versa sobre Direito Digital, pois está entre os menos de 10 países que têm uma lei regulamentadora da internet.

A internet na sua criação, ainda como Arpanet, não tinha o intuito que fosse regulamentada ou limitada, visto que fora criada em tempos de guerra com a preocupação de manter um canal de comunicação ininterrupto a despeito das condições adversas.

Assim, caso um servidor fosse atacado, a rede continuaria a funcionar, pois os outros servidores davam conta do fluxo de informações, e é bem assim que ocorre hoje: a internet não tem um dono, não tem um local fixo (SCHERKERKEWITZ, 2014).

O país que tinha mais servidores para dispor, devido ao grande número de empresas no ramo digital, era os Estados Unidos, sendo também por isso o país que até hoje detém boa parte do “controle” da internet – controla os principais servidores e, por conseguinte, a maior parte dos fluxos de informação.

Como remédio, e tentando atender a seus objetivos primordiais, o Brasil, com a lei do Marco Civil da Internet, começa a controlar seus próprios conteúdos, visto que solicita que empresas tenham servidores também em nosso país (SCHERKERKEWITZ, 2014). Mas não ficou só nisso.

O Marco Civil da Internet traz consigo uma série de princípios reguladores para o funcionamento da internet, para a proteção do usuário e para a manutenção das atividades na rede. Estabelece uma série de direitos fundamentais a serem respeitados na rede, em conjunto com os que já existiam para este “mundo físico”.

Determina algumas obrigações a quem atua no mundo digital, não só em relação à guarda de dados e à manutenção da privacidade do usuário, mas também no respeito ao fluxo de dados através da neutralidade da rede.

Evidente o progresso, o Marco Civil, contudo não se preocupou – nem fosse esse um de seus objetivos – em regular condutas específicas, criminal ou civilmente, razão pela qual ainda carecemos de leis que observem situações características do mundo digital, e que levem em conta suas particularidades, tanto para o estabelecimento de atividades civis como para a punição de crimes próprios daquele ambiente.

Exemplo claro podemos dar quando se trata de provas no ambiente digital. As provas virtuais dependem de comprovação de sua autenticidade e integridade, para provar isso é necessário conhecimento técnico adequado e leis adequadas para o êxito ser obtido.

Mas como proceder em um caso que o suposto culpado age na rede de um terceiro, e este acaba por ser responsabilizado, visto que quem libera o uso da internet para alguém que comete delito termina sendo envolvido em virtude de um registo de conexão que consta seu nome com assinante?

O sistema legislativo, como se vê, não está imune a críticas, e ao longo deste trabalho tentaremos formular algumas alternativas para uma regulação que inclua em seu bojo as particularidades que envolvem o ambiente digital. Traçaremos no capítulo seguinte o cenário em que se desenrolam estas particularidades, descrevendo o ambiente digital e suas consequências nas relações humanas.

Decreto nº 8.771, de 11 de Maio de 2016

De acordo com o próprio decreto em seu artigo primeiro,

“Este Decreto trata das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na internet e de degradação de tráfego, indica procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, aponta medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelece parâmetros para fiscalização e apuração de infrações contidas na Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014. 

Esse decreto veio para complementar a lei do Marco Civil da Internet, explicando alguns pontos críticos que acabaram por ficar legalmente indefinidos devido estarem em caráter vago.

Mesmo com esse decreto, complementando a lei nº 12.965, ainda ficam muito questionamentos, e um deles é acerca da neutralidade da rede, que versa que não poderá haver favorecimento ou degradação de tráfego de dados para por exemplo para alguns aplicativos.

De acordo com o parágrafo anterior seria proibido favorecer alguma aplicação em específico, para não afetar a isonomia dos concorrentes, assim, favorecendo uns e não favorecendo outros, assim acabando por promover uma concorrência desleal. Esse fato está ocorrendo, claramente na vista de todos.

Os correios estão se preparando para atuar como operadora de telefonia móvel, e assim divulgando que o acesso ao WhatsApp será gratuito, assim não consumindo do pacote de dados de internet do chip do usuário. Excelente para os usuários, mas, e para os concorrentes como Telegram? Pois é, acabam por serem dispensados pelos usuários dessa operadora, pois possivelmente adotarão pesadamente o WhatsApp.

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Se esse decreto veio para complementar e fortalecer a Lei do Marco Civil da Internet, visto que cita em seu artigo 10º:

Art. 10º. As ofertas comerciais e os modelos de cobrança de acesso à internet devem preservar uma internet única, de natureza aberta, plural e diversa, compreendida como um meio para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória.  

Esse artigo versa sobre uma sociedade inclusiva e não discriminatória, mas como? Se empresas continuam fazendo incentivo à quebra da isonomia de concorrência? 


Referências 

BRASIL. Decreto nº 8771, de 11 de maio de 2016. Regulamenta a Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014, para tratar das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na internet e de degradação de tráfego, indicar procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, apontar medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelecer parâmetros para fiscalização e apuração de infrações. Decreto Nº 8.771. Brasília, 11 maio 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8771.htm>. Acesso em: 18 mar. 2017.

BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Regulamento estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. 2014. Lei do Marco Civil da Internet. Brasília, 23 abr. 2014. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 27 out. 2016.

COMMERCIO, Jornal do. Correios vira operadora de celular com planos sem corte de internet. 2017. Disponível em: <http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/economia/nacional/noticia/2017/03/06/correios-vira-operadora-de-celular-com-planos-sem-corte-de-internet-273149.php>. Acesso em: 18 mar. 2017.

MIGALHAS. Os conceitos de provedores no Marco Civil da Internet. 2014. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI211753,51045-Os+conceitos+de+provedores+no+Marco+Civil+da+Internet>. Acesso em: 02 out. 2016.

SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Direito e Internet: De acordo com a Lei 12.965/2014 Marco Civil da Internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

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Sobre o autor
Claudio J B Lossio

Doutorando e mestrando em Ciências Jurídicas pela UAL - Universidade Autônoma de Lisboa -Portugal (2017-); mestrando em Engenharia de Segurança Informática pelo IPBEJA - Instituto Politécnico de Beja – Portugal (2018-); pós-graduado em Direito Digital & Compliance pela Damásio Educacional (2017-2018), pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela URCA - Universidade Regional do Cariri (2016-2018), pós-graduado em Direito Notarial e Registral pela Damásio Educacional (2017-2018), pós-graduado MBA Executive em Gestão de TI pela FACEAR - Faculdade Educacional Araucária (2017-2018). Membro da Comissão Especial de Direito Digital e Compliance da OAB/SP. Formação Específica em DPO - Data Protector Officer pela Universidad de Nebrija de Madrid - Espanha; (2018); Advogado. Palestrante. Professor. Email: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOSSIO, Claudio J B. Marco Civil da Internet:: Cadê a neutralidade da rede?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5011, 21 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56551. Acesso em: 19 mar. 2024.

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