Informou o site de noticias do STF, em 20 de março do corrente ano, que o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a jurisprudência no sentido de que a criminalização de sonegação fiscal (prevista na Lei 8.137/1990) não viola o artigo 5°, inciso LXVII, da Constituição Federal (CF), em virtude de ter caráter penal e não se relacionar com a prisão civil por dívida. A decisão foi tomada pelo Plenário Virtual na análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 999425, que teve repercussão geral reconhecida.
O artigo 2°, inciso II, da lei, prevê que constitui crime contra a ordem tributária deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
O Ministro Ricardo Lewandowski, relator do recurso, citou em sua manifestação que o Plenário do Supremo, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 81611, assentou que a lei se volta contra sonegação fiscal e fraude, realizadas mediante omissão de informações ou declaração falsa às autoridades fazendárias, praticadas com o escopo de suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório (resultado). “Assim, ainda que seja possível a extinção da punibilidade mediante o pagamento do débito verificado (Lei 10.684/2003, artigo 9º), a Lei 8.137/1990 não disciplina uma espécie de execução fiscal sui generis nem uma cobrança de débito fiscal. Ela apenas dispõe que a incriminação da prática de fraude em documentação tributária fica sujeita à fiscalização pela autoridade fazendária, sem, no entanto, estatuir ou prever a possibilidade de prisão civil em razão de débito fiscal”, assinalou.
Assim, as condutas tipificadas na norma de 1990 não se referem simplesmente ao não pagamento de tributos, mas aos atos praticados pelo contribuinte com o fim de sonegar o tributo devido, consubstanciados em fraude, omissão, prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e outras estratégias. “Não se trata de punir a inadimplência do contribuinte, ou seja, apenas a dívida com o Fisco”, sustentou o ministro Lewandowski.
É certo que há posição no sentido de que o lançamento fiscal é condição objetiva de punibilidade nos casos dos crimes tipificados na Lei 8.137/90.
Estudando a problemática do lançamento tributário, Paulo de Barros Carvalho(Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência, 1999, pág. 236) concluiu que a natureza da norma individual e concreta, veiculada pelo ato de lançamento tributário, ou pelo ato produzido pelo sujeito passivo para apurar seu débito, nos casos estabelecidos em lei, assumirá a feição significativa de providência constitutiva de direitos e deveres subjetivos. Por sua vez, Américo Lacombe(Obrigação tributária, 1977, pág. 71 a 74) defende a tese da natureza constitutiva, mas constitutiva da obligatio, adotando a teoria dualista da obrigação tributária.
Assim, o ato de lançamento tributário tem por fim intrometer no ordenamento positivo uma norma individual e concreta, cientificando-se o sujeito passivo desse provimento, assim que estejam satisfeitos seus requisitos consequenciais e procedimentais. Vem a discussão com relação a natureza jurídica dos crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90 e o lançamento como condição objetiva de punibilidade.
José Alves Paulino(Crimes contra a ordem tributária, 1999, pág. 30) concluía que os delitos de que trata a Lei 8.137/90 são crimes materiais e de resultado. Para tanto, traz lição de Damásio E. de Jesus(Del Rey Revista Jurídica, maio, 1977, n.26) no sentido de que os crimes contra a ordem tributária definidos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, salvo as hipóteses do art. 2º, I e III, “ são materiais, de conduta e resultado, com exigência de sua produção. Normal, pois, que, havendo recuso, somente aos a decisão final no plano administrativo se apresente o resultado” da sonegação total(supressão) ou parcial(redução) de tributos”.
A Segunda Câmara de Coordenação e Revisão(matéria criminal e controle externo da atividade policial), do Ministério Público Federal, no Proc. 08100.005078/96-74, 16 de julho de 1996, Relator Conselheiro Wagner Batista, in DJU de 17 de julho de 1998, Seção I, vem assim a se pronunciar:
“Sonegação fiscal. Art. 1º, I e art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Condição de procedibilidade. Processo administrativo. Tempo do lançamento do crédito tributário. A Lei nº 8.137/90 não estipula condições específicas de procedibilidade para a propositura da ação penal, no entanto, sendo o delito descrito no art. 1º da lei, delito de resultado, há que existir o “ tributo devido”. O tributo devido é apurado pela Administração Pública, que, após o processo administrativo em que se discute a própria existência do crédito tributário, poderá manifestar-se acerca da subsistência do tributo. Parecer pela ratificação do pedido de arquivamento.”
Trago, por se tratar de matéria de repercussão geral, as lições do ministro Ricardo Lewandowiski, no julgado noticiado:
“ A matéria constitucional versada neste recurso consiste, portanto, na análise da constitucionalidade do art. 2°, II, da Lei 8.137/1990, cujo teor é o seguinte: “Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: [...] II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal é pacífica no sentido de que os delitos previstos na Lei 8.137/1990 não violam o disposto no art. 5°, LXVII, da Lei Maior, em virtude de terem caráter penal e não se relacionarem com a prisão civil por dívida.
Por oportuno, transcrevo as ementas dos julgados abaixo:
“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Violação ao sigilo bancário por instituição financeira. Aplicação do disposto no art. 543-B do CPC. Irrecorribilidade da decisão que aplica a sistemática da repercussão geral. Precedentes. 3. Afronta à vedação constitucional de prisão civil por dívida. Condutas incriminadas na Lei n. 8.137/90. Tutela da ordem tributária. Caráter criminal inconfundível com a prisão por dívida. Precedente. 4. Interpretação prejudicial do silêncio do réu. Inocorrência. Pleito que demanda revolvimento do acervo probatório. Incidência do Enunciado 279 da Súmula do STF. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento”. (ARE 820.993-AgR/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes. 6 - Os recorrentes apontam ofensa ao art. 5°, LXVII, da Constituição, ao argumento de que os crimes tributários não têm relevância penal, mas patrimonial, sendo inconstitucional a criminalização do contribuinte em virtude do não pagamento de tributos.
A matéria constitucional versada neste recurso consiste, portanto, na análise da constitucionalidade do art. 2°, II, da Lei 8.137/1990, cujo teor é o seguinte: “Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: [...] II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal é pacífica no sentido de que os delitos previstos na Lei 8.137/1990 não violam o disposto no art. 5°, LXVII, da Lei Maior, em virtude de terem caráter penal e não se relacionarem com a prisão civil por dívida.
Por oportuno, transcrevo as ementas dos julgados abaixo: “Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Violação ao sigilo bancário por instituição financeira. Aplicação do disposto no art. 543-B do CPC. Irrecorribilidade da decisão que aplica a sistemática da repercussão geral. Precedentes. 3. Afronta à vedação constitucional de prisão civil por dívida. Condutas incriminadas na Lei n. 8.137/90. Tutela da ordem tributária. Caráter criminal inconfundível com a prisão por dívida. Precedente. 4. Interpretação prejudicial do silêncio do réu. Inocorrência. Pleito que demanda revolvimento do acervo probatório. Incidência do Enunciado 279 da Súmula do STF. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento”. (ARE 820.993-AgR/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes – “EMENTA Agravo regimental do recurso extraordinário. Matéria Criminal. Prequestionamento. Ofensa reflexa. Precedentes. Prisão civil por dívida. Inocorrência. 1. Não se admite o recurso extraordinário quando os dispositivos constitucionais que nele se alega violados não estão devidamente prequestionados. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o exame de ofensa reflexa à Constituição Federal e a análise de legislação infraconstitucional. 3. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a prisão em decorrência de crimes contra a ordem tributária, por sua natureza penal, em nada se aproxima de prisão civil por dívida. 4. Agravo regimental não provido”. (RE 630.495-AgR/SC, Rel. Min. Dias Toffoli – grifos meus). No mesmo sentido, cito as seguintes decisões, entre outras: AI 566.225/RS e RE 408.363/SC, Rel. Min. Marco Aurélio; ARE 839.787/DF, Rel. Min. Rosa Weber; ARE 978.675/SC, Rel. Min. Teori Zavascki, e ARE 993.201/SP, Rel. Min. Celso de Mello. No mais, registro que no RE 753.315/MG, por mim relatado, consignei o seguinte: “No que concerne à alegação de incompatibilidade da Lei 8.137/90 com o art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, é importante realçar que o Plenário desta Corte, no julgamento do HC 81.611, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, deixou assente que a referida lei se volta contra sonegação fiscal e fraude, realizadas mediante omissão de informações ou declaração falsa às autoridades fazendárias, praticadas com o escopo de suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório (resultado).
Assim, ainda que seja possível a extinção da punibilidade mediante o pagamento do débito verificado (Lei 10.684/03, art. 9º), a Lei 8.137/90 não disciplina uma espécie de “execução fiscal sui generis” nem uma cobrança de débito fiscal. Ela apenas dispõe que a incriminação da prática de fraude em documentação tributária fica sujeita à fiscalização pela autoridade fazendária, sem, no entanto, estatuir ou prever a possibilidade de prisão civil em razão de débito fiscal”.
Dessa forma, as condutas tipificadas na Lei 8.137/1991 não se referem simplesmente ao não pagamento de tributos, mas aos atos praticados pelo contribuinte com o fim de sonegar o tributo devido, consubstanciados em fraude, omissão, prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e outros ardis. Não se trata de punir a inadimplência do contribuinte, ou seja, apenas a dívida com o Fisco. Por isso, os delitos previstos na Lei 8.137/1991 não violam o art. 5°, LXVII, da Carta Magna bem como não ferem a característica do Direito Penal de configurar a ultima ratio para tutelar a ordem tributária e impedir a sonegação fiscal.”
Como disse João Moreno Pomar(Prisão Civil e Regime prisional):
"A legislação não prevê a substituição da prisão civil por outros mecanismos próprios à condenação penal, inclusive as penas alternativas – não tramita nenhum projeto legislativo neste sentido - mas impõe-se a aplicação e ampliação de tese já reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a Lei das Execuções Penais, Lei nº 7.210/84, art. 201, interpretada com prudência, ou por analogia, pode ser aplicada, em casos excepcionais, à prisão civil do devedor para que o mesmo seja levado à prisão albergue ou à prisão domiciliar (RE Nº 199802/2000); embora a regra de que, inexistindo motivos relevantes para a conversão do regime a segregação deva ser executada em regime fechado considerando que a finalidade da prisão civil é coagir o devedor ao cumprimento da obrigação (RHC 16824/2004)."
A prisão civil não se aplica aos ilícitos tributários previstos na Lei 8.137/90, que têm natureza penal.